Mostrando postagens com marcador Marinha. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marinha. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 29 de março de 2012

Capitão da Marinha que virou mulher diz: “Nasci no corpo errado”

Extra Online
17/03/12 17:00 Atualizado em22/03/12 12:17 

No dia 7 de abril de 2010, um voo da TAM vindo da Tailândia, com escala em Londres, pousava após 25 horas de viagem no aeroporto do Galeão. Da aeronave, Bianca sai, apressadamente, em direção ao setor de bagagens. A experiência dos tempos de oficial da Marinha, em que viajava em missões pelo mundo, dizia-lhe que os extravios de malas eram comuns. Só que em vez de fardas, ela trazia, dessa vez, três bonecas Barbies compradas no país asiático, onde fora fazer uma complicada operação de troca de sexo. Naquele momento, começava a mudança mais radical na vida de Bianca.

Como surgiu o seu conflito?
Desde que eu me entendo por gente. Eu pensava de uma forma, mas me via, no espelho, de outra. Eu via isso como errado (ser mulher).

Por que você casou, teve filho, entrou para as Forças Armadas?
Durante toda a minha vida, tentei fugir do que realmente era. Primeiro, tentei ser o que o meu irmão mais velho era. Meu pai era militar, e a gente vivia em vilas militares, mas entrar para a Marinha não foi somente uma influência dele. Era também uma forma de fugir desse conflito. Casei, e minha última tentativa de fugir foi ter um filho.

Quando a sua família descobriu?
Ainda jovem, meus pais descobriram, no meu quarto, algumas coisinhas minhas. Chamaram uma psicóloga. Eu aceitei e disse que iria me curar. Mas a psicóloga procurou meus pais e falou: “Talvez o que vocês querem eu não consiga; talvez seu filho seja um transexual”. Eu ouvi tudo da cozinha. Fui a uma biblioteca para entender o que isso significava. Foi quando vi a Roberta Close. Aí eu pensei: “Poxa, se eu for isso mesmo, quero ser como a Roberta Close”.

Por que você passou a comprar Barbies depois que fez a operação?
Eu tenho 15 Barbies. Não coleciono, não. Comprei três na Tailândia porque eu sempre tive vontade de ter Barbie, de brincar de boneca.

Eu sempre fui mulher, mas estava fugindo disso. Nunca fui homem, só fui por fora
Bianca

Você está feliz com a mudança?
Inteiramente. Eu sempre fui mulher, mas estava fugindo disso. Nunca fui homem, só fui por fora. Eu tentei fazer o papel que a sociedade esperava de mim: ser um homem. Mas eu nasci no corpo errado. Eu antes tinha amigos, família, trabalho... Eu perdi tudo isso, mas ganhei minha identidade.

E a sua relação com a Marinha?
Fiquei muito frustrada com o tratamento que recebi. Eu fui descartada pela Marinha, que poderia ter me oferecido um tratamento mais digno, como acompanhamento psicológico.

E o seu filho?
No começo, ele ficava me perguntando: “Por que você usa peruca?”. Eu o encontrava com um tipo unissex, nem uma coisa em outra. Até que chegou um momento que eu disse: “Papai é diferente, papai não estava feliz como menininho”. As coisas sempre foram construídas com verdade.

Você chegou a ser ameaçada?
Não sei por quem, mas depois que eu contei na Marinha, que o fato se tornou público em jornais, recebi ligações telefônicas: “Seu veado, vai morrer”, diziam. Percebi pessoas estranhas rondando minha casa. No shopping, havia pessoas me seguindo. Com certeza, o serviço de inteligência da Marinha ficou na minha cola.

Disponível em <http://extra.globo.com/noticias/rio/capitao-da-marinha-que-virou-mulher-diz-nasci-no-corpo-errado-4336283.html>. Acesso em 25 mar 2012. 

sexta-feira, 23 de março de 2012

Capitão de corveta da Marinha largou tudo para ser mulher

Antero Gomes
17/03/12 16:00 Atualizado em22/03/12 11:53 

O desejo que se expandia no coração do oficial da Marinha não tinha uma forma definida. Apesar disso, quando criança, ele se olhava no espelho e via, no rosto masculinizado, um conjunto de ângulos retos como os cantos da moldura. Entrou para as Forças Armadas, fez polo aquático, casou, teve um filho, mas, no meio do caminho, já adulto, a vontade de ser mulher foi preenchendo-o lentamente, como num exercício de caligrafia. Dos hormônios e das operações (inclusive a de mudança de sexo em 2010), surgiu Bianca, de curvas acentuadas pelo corpo.

Faz três semanas, Bianca aguardava a chegada de seus ex-comandantes da Marinha, para uma audiência no corredor do 8andar de um prédio da Justiça Federal. Era um dia de calor intenso, e ela estava com óculos escuros, uma saia preta e uma blusa aberta nas costas e nos ombros.

No lugar de medalhas, ostentava “heroicamente” 300 mililitros de silicone em cada peito; tinha próteses nas panturrilhas; o nariz estava menos abatatado; o lábio superior fora levemente repuxado; e os cabelos lisos, caprichosamente esculpidos numa longa sessão de cabeleireiro no dia anterior. O aroma adocicado do seu Florata in Gold em nada lembrava o cheiro do marinheiro desbravando os mares.

Quando saiu do elevador devidamente fardado e avistou o ex-subordinado, o diretor de Saúde na Marinha, o vice-almirante Edson Baltar, não conseguiu disfarçar a surpresa, como se dissesse: “É você?”

A audiência foi a primeira do processo que a capitão, de 40 anos, move contra a Força à qual serviu desde os 15 anos. Em 2008, ao procurar seus comandantes e avisar que estava tomando hormônios femininos havia um ano, Bianca foi pivô de um escândalo de deixar o Almirante Tamandaré remexendo-se no túmulo. Em dois meses, foi reformada com vencimentos reduzidos. Às pressas. A Marinha a considerou capaz para trabalhar, mas incapaz para continuar em suas funções na Escola Naval. Nos tribunais, Bianca busca indenização e soldos integrais.

— A incapacidade de voltar à carreira militar é da Marinha em me receber e não minha de retornar — diz ela.

Olhares desconfiados

Na véspera da audiência, a ex-oficial entra num bar da Praia de São Francisco, em Niterói, senta-se numa das mesas em que o repórter a aguardava e pede um refrigerante light. O sol de fim de tarde ainda é forte e, ao rebater nas folhas das palmeiras, projeta no rosto de Bianca diferentes formas geométricas. Embora disfarcem, os garçons a observam desconfiados, a ponto de ela se incomodar. Quase vai tirar satisfações. Em vez disso, diz, num tom profético, como se desvendasse a mandala de luz em sua face:
—Tenho uma previsão: ainda vou ser muito feliz.

Até 2006, o conceito de felicidade era ser um bom marido, um pai atencioso e um comandante responsável pela formação de 500 aspirantes na Escola Naval. Mas, naquele ano, Bianca decidiu tornar público para os familiares uma situação que vinha se arrastando na clandestinidade. Algumas vezes acompanhada pela ex-mulher, o oficial já participava de concursos num badalado clube GLS. Foi Miss Gay 2006. A família ficou horrorizada. A mãe passou a tratá-la como uma “aberração”. Pressionada pelos parentes, a companheira — ciente há anos da situação — pediu a separação. Os militares só saberiam dois anos depois.

A ex-mulher de Bianca tentou, então, impedir que ela visse o filho, de 7 anos. Alegou que o garoto poderia virar homossexual. Mas Bianca procurou a Justiça, e o juiz garantiu-lhe todos os diretos de “pai”. Em público, o menino a chama de mãe. Parece não jugá-la. E isso dá a certeza a Bianca de que, seja qual for a forma que ela tiver, o coração ainda continuará sendo o vértice de tudo.

Disponível em <http://extra.globo.com/noticias/rio/capitao-de-corveta-da-marinha-largou-tudo-para-ser-mulher-4336124.html>. Acesso em 23 mar 2012.