Caetanno Freitas
23/11/2013
Ao ficar sabendo sobre as mudanças para o atendimento de
transexuais e travestis pelo Sistema Único de Saúde (SUS), publicadas nesta
quinta-feira (21) pelo Ministério da Saúde, o serígrafo Renato Fonseca, de 46
anos, viu cada vez mais próximo o fim da longa fila de espera que o atormenta
há sete anos. Ele é uma das vozes mais graves entre o grupo com cerca de 30
pessoas que ingressou, no Rio Grande do Sul, com uma representação no
Ministério Público Federal (MPF) para que o SUS contemplasse transexuais
masculinos em cirurgias de trocas de sexo no Brasil.
Nascido Rosane Oliveira da Fonseca, Renato esperava há muito
tempo pela oportunidade de fazer a cirurgia de troca de sexo. Agora, com as
novas diretrizes do Ministério da Saúde, válidas para todo país, o procedimento
poderá ser marcado a qualquer momento.
“Fizemos tudo juntos, a vitória é nossa. A gente vive tapado
com roupas em pleno verão. Queremos a liberdade. Estou desde ontem (quinta)
vibrando muito. É uma alegria enorme”, descreve ao G1.
Renato adianta que na próxima segunda-feira (25) o grupo
estará no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) para dar início ao
processo de marcação das cirurgias.
“Esperamos que o hospital agilize. A gente passa tanto tempo
em avaliação com psicólogos e psiquiatras para que eles tenham certeza da nossa
certeza que, quando chega uma notícia dessas, a ansiedade é quase
incontrolável”, afirma.
O procurador regional da República da 4ª Região, Paulo
Leivas, foi um dos que ajuizaram a ação para que o SUS incluísse na sua lista
de procedimentos a cirurgia de transgenitalização, ou mudança de sexo, em
meados de 2002. Cinco anos depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª
Região deu parecer favorável e notificou a União, que recorreu da decisão. As
possibilidades de reversão judicial foram esgotadas em 2009. Desde lá, a medida
estava sendo descumprida, conforme o procurador.
“A União desistiu dos recursos por causa de uma declaração
do então ministro da Saúde (José Gomes Temporão), que declarou ser favorável ao
direito dos transexuais. Ou seja, a decisão transitou em julgado. O SUS começou
a oferecer o procedimento a transexuais femininos e ignorou os masculinos até
hoje”, explica.
O Programa de Transexualidade do HCPA é coordenado pelo
cirurgião Walter Koff, também professor de urologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele também exaltou as mudanças anunciadas pelo
Ministério da Saúde. “Temos 32 pacientes na fila esperando essa portaria para
poder retirar mamas, ovários e útero. Isso vai ser muito importante.”
O HCPA é um dos quatro centros brasileiros capacitados para
realizar esse tipo de tratamento. A instituição já fez 168 cirurgias de
redesignação do sexo masculino para feminino.
Novas diretrizes do Ministério da Saúde
A Portaria 2.803 de 19 de novembro de 2013, publicada nesta
quinta-feira (21) no Diário Oficial da União, estabelece que os transexuais
masculinos – pessoas que são fisicamente do sexo feminino, mas se identificam
como homens – tenham as cirurgias de retirada das mamas, do útero e dos ovários
cobertas pelo sistema público. Eles também passam a ter direito à terapia
hormonal para adequação à aparência masculina. Esse grupo não estava incluído
na portaria que regia o processo de mudança de sexo pelo SUS até então.
Já as transexuais femininas – pessoas que nascem com corpo
masculino, mas se identificam como mulheres – também terão um tratamento
adicional coberto pelo SUS: a cirurgia de implante de silicone nas mamas. Desde
2008, elas também têm direito a terapia hormonal, cirurgia de redesignação
sexual – com amputação do pênis e construção de neovagina – e cirurgia para
redução do pomo de adão e adequação das cordas vocais para feminilização da
voz.
A partir de agora, também terão direito a atendimento
especializado pelo SUS os travestis, grupo que não tem necessariamente
interesse em realizar a cirurgia de transgenitalização. A portaria define que o
tratamento não será focado apenas nas cirurgias, mas em um atendimento global
com equipes multidisciplinares.
Polêmica da idade mínima
As novas regras estabelecem a idade mínima de 18 anos para
início da terapia com hormônios e de 21 anos para a realização dos
procedimentos cirúrgicos.
Essas são as mesmas idades estabelecidas pela Portaria 457,
de 19 de agosto de 2008, regra que regia o processo de mudança de sexo até
então.
Em 31 de julho deste ano, o Ministério da Saúde chegou a
publicar uma portaria para definir o processo transexualizador pelo SUS –
suspensa no mesmo dia da publicação – que estabelecia a redução da idade mínima
para hormonioterapia para 16 anos e dos procedimentos cirúrgicos para 18 anos,
o que foi revisto nas novas regras.
Segundo o Ministério da Saúde, essa revisão foi decidida
para adequar as normas à resolução 1955, de setembro de 2010, do CFM.
Para Koff, o ideal para o paciente é passar pelo tratamento
o quanto antes. “Vamos reivindicar que se abaixe a idade mínima para a cirurgia
e para o tratamento com hormônios. Quanto antes, melhor. Como esse processo
começa na infância, quando eles têm 16 anos, já estão no fim da puberdade e têm
condições de tomar a decisão”. Segundo ele, o tratamento precoce pode evitar
sofrimentos no âmbito social e afetivo.
Disponível em
http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/11/vitoria-e-nossa-diz-transexual-do-rs-que-provocou-mudancas-no-sus.html.
Acesso em 23 nov 2013