Iran Giusti
26/09/2013
Quem circula nas baladas mais disputadas da noite paulistana
já se deparou com a sua figura imponente nas portas das casas noturnas. Com
1,77m – turbinados, invariavelmente, por um bom salto - a transgênero Renata
Bastos exerce com rigor o poder de decidir quem entra ou não nesses lugares.
Aliás, ela nem se incomoda com a fama de antipática que a profissão hostess
costuma levar.
"Quando sou boa, sou ótima. Quando sou má, sou melhor
ainda”, brinca Renata, usando a famosa frase da atriz Mae West para responder a
pergunta sobre como lida com os clientes inconvenientes, adeptos da famosa
‘carteirada’.
Mas é preciso entender que a aspereza e a antipatia fazem
parte do personagem que Renata encarna no trabalho, mas não da sua vida fora
dele. A paulistana da Vila Madalena, de 31 anos, conta sua intensa história
para a reportagem do iGay com fala pausada, gestos delicados e um jeito doce.
Aos 14 anos, ela decidiu que já era hora de trocar as roupas
de menino pelas de menina. E, sem medo, usou peças femininas num passeio pela
Avenida Paulista. Mas a percepção de que era uma garota no corpo de um garoto
veio muito antes do que isso.
“Com seis anos, percebi que gostava de um menino, mas uma
amiguinha me falou que era errado. Aos nove anos, me apaixonei novamente e
dessa vez escrevi uma cartinha pra ele que não entreguei, mas minha mãe achou.
Falei que não era minha porque ela reagiu mal”, conta Renata. “Foi só aos 13
anos, quando a minha mãe faleceu, que eu consegui me libertar e me assumir”,
acrescenta a hostess, com franqueza.
O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a
marginalização do mundo, a prostituição, a violência
Mesmo tendo crescido numa família com tios de cabeça aberta
e envolvidos no universo da moda, Renata enfrentou preconceito dentro de casa
por se travestir. “O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a
marginalização do mundo, a prostituição, a violência”, explica ela.
A situação mudou quando ela começou a se envolver com o
universo da moda, trabalhando como modelo, aos 15 anos. “Os jornalistas André
Fischer e Erika Palomino me chamaram para trabalhos, me mostraram que a
estética andrógina era uma boa para mim. Com bons amigos, meu pai ficou mais
tranquilo, entendeu que eu era uma mulher, ele me viu como Renata”.
É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava
de veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral
Me chama de veado, mas quer sair comigo
Hoje, a aceitação na família é melhor e a relação com o pai
é de amizade e cumplicidade. Mas no terreno do amor, Renata ainda não se
acertou. “É muito difícil um homem assumir uma relação com uma travesti. Eles
têm dificuldade de entender a questão do andrógeno. Eu até fiquei mais feminina
por conta disso. Porque muitos me falavam: ‘ela é Renata e não tem peito?’”,
avalia a paulistana, que tem planos de implantar silicone nos seios, mas não de
fazer a cirurgia de mudança de sexo, pelo menos por enquanto.
Renata enfrenta essa relação complicada com os homens desde
a adolescência. “É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava de
veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral”, relata a hostess,
que confessa o desejo de formar uma família. “Quero ter casa, filho, cachorro e
fazer churrasco no fim de semana. E com isso, acabo forçando a barra em algumas
relações, o que me coloca em situações não tão legais”.
Segundo Renata, muitos homens só percebem que ela é
transgênero na hora de ir para cama. “Fui para casa com um cara que conheci em
uma festa de hip-hop, mas quando ele mexeu na minha calcinha, e percebeu que eu
era travesti, saiu logo pegando o celular, carteira e relógio. Ele achou que eu
ia roubá-lo”, lamenta ela, questionando em seguida. “O quê vou fazer nesta
situação? Me apresentar e dizer: Oi sou a Renata Bastos e sou transexual?”.
Curiosamente, Renata diz que é muito assediada por lésbicas.
“Eu acho bom, é um sinal de que deu tudo certo, que estou feminina. Elas sabem
que eu sou travesti, mas tem essa curiosidade. É como o Ney Matogrosso , ele
mexe com a libido do homem, da mulher, do gay, de todo mundo”, brinca a
hostess, dizendo ainda que não se incomoda com os gracejos, pelo contrário. “No
dia em que eu passar na obra e não receber uma cantada, eu vou ficar chateada”.
Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é
possível ser transexual e ter uma vida, uma carreira
Meu ativismo é existir
Além do trabalhar como hostess e modelo, Renata ainda atua
com produção moda e, esporadicamente, como atriz. Ela já participou de filmes
como “Carandiru” (2003) e “Crime Delicado” (2005).
Diante de todas as atividades, será que sobra espaço para o
ativismo no movimento LGBT? Renata responde a pergunta mais uma vez de forma
franca: “Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é possível
ser transexual e ter uma vida, uma carreira”.
Disponível em
http://igay.ig.com.br/2013-09-26/renata-bastos-e-muito-dificil-homem-assumir-relacao-com-travesti.html.
Acesso em 14 out 2013.