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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Espaços educativos e produção das subjetividades gays, travestis e transexuais

Deise Azevedo Longaray; Paula Regina Costa Ribeiro
Revista Brasileira de Educação v. 20 n. 62 jul.-set. 2015


Resumo: O artigo tem como objetivo conhecer e compreender como as instâncias sociais – a família, a instituição religiosa, o movimento homossexual (Associação LGBT) e as instituições médicas e psicológicas –, por meio de suas estratégias de governamento, interpelam os sujeitos, produzindo suas subjetividades. Entendemos tais instâncias como espaços educativos, pois nos ensinam modos de ser e estar no mundo. Nesse sentido, analisamos enunciações de alguns sujeitos gays, travestis e transexuais, produzidas por meio de metodologias da história oral temática e da observação participante. Assim, concluímos que a família prima pela coerência entre sexo, gênero, prática sexual e desejo; as instituições médicas e psicológicas buscam diagnosticar e normalizar as atitudes dos sujeitos “desviantes”; as instituições religiosas buscam “condenar” as práticas transgressoras; e o movimento homossexual conduz as práticas dos sujeitos ao instituir as posturas adequadas e coerentes com a política do movimento. 


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Egito reage à mutilação genital; rito afeta 90% das mulheres

EFE 
06 de Fevereiro de 2014

As mulheres egípcias se uniram contra a mutilação genital feminina para sensibilizar o país sobre um costume nocivo que continua a ser praticado pelas costas das autoridades e que muitos justificam como um dever religioso.

Uma campanha lançada por várias organizações egípcias, em lembrança à celebração nesta quinta-feira do Dia Internacional da Tolerância Zero Contra a Mutilação Genital Feminina (também chamada de ablação), pretende erradicar de uma vez por todas dramas como o vivido pela jovem Wafae Abdel-Rahman.

"Eu não quero que minhas filhas passem pelo que eu sofri. Isso, se algum dia tiver filhos, porque tenho medo ter relações sexuais com o homem com o qual me casei, acho que não conseguirei cumprir meu papel de esposa com ele", lamentou Wafae em entrevista à agência EFE.

Wafae, hoje uma mulher de 26 anos, teve que passar, pelas mãos de um parente médico, pela extirpação dos genitais externos quando era uma adolescente de 14 anos, porque sua mãe os considerou "muito grandes".

Apesar de viver com medo do que sentirá quando se ver "nua diante de um homem", como ela mesma explicou, relatou com firmeza todo o processo que foi obrigada a viver.

"Lembro como meu pai dizia para minha mãe que não era preciso praticar a ablação, que ainda era pequena e não era necessário, mas ela o mandou ficar quieto, se dirigiu ao médico e ordenou sem remorsos: 'Corte'", contou Wafae, que confessou odiar seu corpo que, diz, ficou destroçado desde aquele dia.

O Centro Canal para Estudos de Formação e Pesquisa é o responsável, junto com outras associações civis egípcias, por esta campanha, que considera inconcebível que o Egito seja um dos países com maior número de mutilações genitais no mundo.

"Queremos que as mulheres falem e contem suas histórias, temos dezenas de meninas que contam sua experiência por diferentes cidades do país porque é preciso deixar claro que não há nenhum texto religioso que defenda a mutilação genital feminina", advertiu Omnia Arki, porta-voz da ONG.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o dia 6 de fevereiro como o Dia Mundial da Tolerância Zero contra a Mutilação Genital Feminina, por considerar essa prática "nociva e uma violação dos direitos básicos das meninas e das mulheres".

No Egito já há leis que penalizam a ablação, mas "isso não será útil até que se consiga sensibilizar as pessoas que vivem arraigadas a essas crenças", disse Tareq Anis, presidente da Sociedade Pan-Árabe de Medicina Sexual e professor de sexologia na Universidade do Cairo.

Em junho de 2008, por causa da morte de uma adolescente que sofreu complicações após ser submetida à mutilação genital, a prática passou a ser crime previsto no Código Penal egípcio com penas de prisão de três meses a dois anos de prisão, e multas de até US$ 800.

"Passei três dias com as pernas abertas, sem conseguir me mexer, e ainda hoje lembro perfeitamente como foi esse momento. Me afetou sexual, emocional, social e pessoalmente, e principalmente a minha relação com os outros", lembrou Wafae.

Os dados indicam que a prática começa a diminuir entre meninas e mulheres da nova geração, mas os especialistas se queixam que o número continua sendo muito alto e pedem que se sensibilize sobre esta prática cultural, e não religiosa, advertem.

"Ainda há gente que pensa que isto é algo religioso e não é assim, é questão de cultura e de tradição. No Egito é praticada por muçulmanos e cristãos, enquanto na Arábia Saudita, Indonésia ou Malásia, certamente nem nunca ouviram falar sobre mutilação genital feminina", explicou Anis.

O sexólogo acrescentou que, até pouco mais de três anos, o número de mulheres que sofria a ablação chegava aos 98% no Egito, mas hoje, garante, já se pode falar em 80%.

Os especialistas estão de acordo que a regulação da prática deve ser acompanhada de educação sobre as graves consequências da mutilação genital, que reduz o desejo sexual das mulheres e não tem nenhuma utilidade médica.

Os últimos dados oficiais, de 2008, comprovam que 91,1% das mulheres com idades entre 15 e 49 anos sofreram a amputação do clitóris, o que deixa o Egito em quarto lugar entre os 29 países que realizam habitualmente a prática.

Estes números apavorantes acompanham a denúncia de Wafae, que ainda tem "medo das relações sexuais quando as tiver. Tenho pesadelos porque não saberei como me comportar, como ser com meu marido, tenho medo do fracasso em minha vida amorosa".


Disponível em http://noticias.terra.com.br/mundo/africa/egipcias-se-unem-contra-rito-da-mutilacao-genital-que-atinge-90-delas,496ec37340204410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html. Acesso em 10 fev 2014.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Tribunal americano descriminaliza a bigamia

João Ozorio de Melo
16 de dezembro de 2013

Nos rastros da recente decisão da Suprema Corte dos EUA que derrubou a lei que definia o casamento como a união entre um homem e uma mulher, viabilizando a legalização do casamento gay nos estados, um tribunal federal de Utah abriu uma nova fronteira na revolução matrimonial: derrubou parte da lei antibigamia do estado e, com isso, descriminalizou a união de uma pessoa com mais do que um parceiro.

Os dispositivos da lei que criminalizam a bigamia são inconstitucionais, decidiu o juiz federal Clark Waddoups, em uma decisão de 91 páginas, divulgada neste sábado (14/12). De acordo com a decisão, a parte da lei que criminaliza a bigamia viola a Primeira Emenda da Constituição, que garante ao cidadão o direito à liberdade religiosa. Viola, igualmente, a 14ª Emenda constitucional, que garante ao cidadão igualdade perante a lei e o direito ao “devido processo” — tudo conforme precedentes estabelecidos pela Suprema Corte, escreveu o juiz.

O juiz afirma que a privação dos “amantes” da liberdade de optar pela coabitação viola a “cláusula do devido processo”, porque a emenda constitucional em questão proíbe o governo de “privar qualquer pessoa da vida, da liberdade ou da propriedade, sem o devido processo”. Ele também refletiu, em sua decisão, sobre “as mudanças que a nação está passando, no sentido de rejeitar regulamentações governamentais de assuntos pessoais e de grupos impopulares”.

Os advogados dos proponentes da ação citaram sete direitos constitucionais em questão: devido processo, igualdade perante a lei, liberdade de expressão, liberdade de associação, liberdade de exercício de religião, proibição de estabelecimento de religião pelo governo (Establishment Clause) e privação de direitos, privilégios e imunidades garantidas pela Constituição. “Curiosamente, o procurador-geral do estado não respondeu a qualquer delas. Em vez, disso, apresentou uma discussão acadêmica sobre os danos sociais gerados pela poligamia”, escreveu o juiz.

O juiz deixou claro, no entanto, que não está legalizando o casamento polígamo. “Os indivíduos não têm o direito fundamental de obter reconhecimento oficial do Estado de seu suposto casamento polígamo”. Esclareceu que, no caso perante o tribunal, há um casamento entre um homem e uma mulher, apenas. As demais mulheres coabitam com o casal, em um arranjo familiar que, aliás, pode conviver com adultérios. Em outras palavras, a decisão descriminaliza a bigamia, mas não legaliza o casamento bígamo. Uma decisão que foi festejada pelos defensores da bigamia como um primeiro passo.

O processo foi movido contra o procurador-geral do estado de Utah Jeffrey Buhman pelo mórmon fundamentalista Kody Brown. Ele, suas quatro mulheres e 17 filhos estrelam o “Sister Wives” (Esposas Irmãs), um programa de televisão baseado na vida real (reality television). Em sua petição, a família insistiu acima de tudo sobre a violação de seu direito de liberdade de religião, entre outros direitos constitucionais.

Como esclareceu o juiz, em sua decisão, eles são membros da igreja “Apostolic United Brethren Church”, uma cisão da Igreja Mórmon — ou a “Church of Jesus Christ of Latter-day Saints”, também conhecida como LDS. A LDS adotou a poligamia até 1890. A partir daí, quando Utah lutava por sua condição de estado, passou a proibi-la. Hoje, os membros da Apostolic United Brethren Church são conhecidos como mórmons fundamentalistas, que compartilham as raízes históricas do mormonismo.

Todavia, não há notícias, segundo o juiz, de que pratiquem a poliandria — o casamento de uma mulher com vários homens — embora essa tenha sido uma instância quando o fundador da igreja, Joseph Smith, viveu. Mas esse é um fato que gera controvérsias entre historiadores e membros da LDS.

Religião acima da lei

A decisão do juiz de Utah vem em um momento em que se acirram as discussões sobre certas idiossincrasias jurídico-religiosas dos EUA. O país, que se declara religioso, coloca, em muitos casos, a religião acima da lei, desobrigando alguns grupos de cumpri-la. Em outras palavras, cria-se exceções tais como: todos são obrigados a cumprir a lei, menos aqueles cujas crenças religiosas os impeçam de fazê-lo — para o desespero dos juízes da Suprema Corte dos EUA.

Em 1990, o juízes Antonin Scalia escreveu um voto, em nome da maioria, no qual declarou: “O direito ao livre exercício da religião não isenta um indivíduo de sua obrigação de cumprir uma lei válida e neutra, de aplicação geral, com base na alegação de que a lei prescreve uma conduta que sua religião proíbe”.

O caso (Employment Division versus Smith) se referia à demissão de Alfred Smith, um orientador de reabilitação de usuários de drogas, que foi demitido, por justa causa, por usar drogas. Entretanto, a droga que ele usava era prescrita como parte dos rituais de uma religião de nativos-americanos, à qual ele pertencia. A Suprema Corte decidiu que a lei não precisa “acomodar” crenças religiosas.

Os religiosos ficaram em pé de guerra com a Suprema Corte. O Congresso dos EUA, as Assembleias Legislativas dos estados e mesmo tribunais federais acabaram apoiando a ideia de que as pessoas, especialmente aquelas de religiões sectárias, não precisam cumprir dispositivos jurídicos que se aplicam a todos os cidadãos, se eles contrariam suas crenças.

O Congresso aprovou a Lei de Restauração das Liberdades Religiosas (RFRA – Religious Freedom Restoration Act), determinado que qualquer lei (incluindo as que tornam certas drogas ilegais) que oprima a liberdade do exercício da religião deve servir a um propósito irrefutável do governo e empregar os meios menos opressores possíveis — um padrão que normalmente resulta na invalidação da lei, pelo menos no que se refere a sua aplicação a crentes religiosos. A Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da RFRA, mas os estados responderam criando suas próprias leis equivalentes. Em 2000, o Congresso passou mais uma lei para restringir quaisquer regulamentações que oprimam religiões, se essas regulamentações afetam o recebimento de verbas federais.

Exemplos: o sistema de vacinação obrigatória não “pegou” em muitos estados americanos, por causa de objeções religiosas. A consequência foi surtos de coqueluche e sarampo, que se transformaram em ameaças à saúde pública. Em alguns estados, farmacêuticos podem se recusar a fabricar e vender medicamentos proibidos por suas religiões. O exemplo mais novo está fazendo manchetes dos jornais, no momento: empregadores religiosos se recusam a fornecer a seus empregados seguro-saúde que cobrem o uso de contraceptivos, embora sejam obrigados a fazer isso pela nova lei dos seguros-saúde dos EUA, o Obamacare.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-16/tribunal-americano-descriminaliza-bigamia-julgando-lei-inconstitucional. Acesso em 19 dez 2013.

domingo, 3 de novembro de 2013

O que alimenta o preconceito contra transexuais?

Natasha Romanzoti
em 9.10.2011

O tema “transexual” é com certeza um dos assuntos mais polêmicos na sociedade, que provoca fortes reações emocionais. Muitas vezes, essas reações têm tons predominantemente negativos, o que levanta a questão sobre a raiz da hostilidade quanto a esse tópico.

Segundo uma acadêmica que estuda atitudes e comportamentos sociais, o desconforto em relação às pessoas transexuais vem de convenções desafiadoras.

Diane Everett, professora de sociologia, diz que na cultura americana, sexo e gênero pertencem a uma de duas categorias. Assim que os seres humanos nascem, a primeira coisa que as pessoas perguntam é se o bebê é um menino ou menina.

“Temos a tendência, como sociedade, de colocar as pessoas em caixas”, disse ela. “Um transexual não só atravessa as fronteiras de gênero, mas também as desafia. Se as pessoas não veem você como ‘ou isso ou aquilo’, elas têm dificuldade em se relacionar com você em seu nível de conforto”, explica.

Depois, há pessoas que por razões religiosas acreditam que os transexuais são fundamentalmente “errados”, que Deus criou o homem e a mulher e, automaticamente, o homem é macho, a mulher é fêmea, e eles não devem cruzar essas linhas.

As questões geralmente acabam em um debate sobre qual banheiro as pessoas transexuais deveriam usar. Isso é um símbolo de toda a controvérsia, porque tem a ver com gênero, sexualidade e nível de conforto.

O desconforto decorre da visão de que uma pessoa é do sexo feminino ou masculino. Mudar o sexo com que você nasce é “basicamente automutilação”, disse Regina Griggs, diretora do grupo Parentes e Amigos de Ex-Gays & Gays. “É uma cirurgia que altera quem você realmente é do ponto de vista biológico”.

Segundo Regina, pessoas com transtorno de identidade de gênero merecem ajuda médica e psiquiátrica adequada. Transtorno de identidade de gênero é listado como doença no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a “bíblia” da psiquiatria.

Pessoas transexuais desafiam as ideias arraigadas na sociedade sobre gênero e sexo. As pessoas são ensinadas que meninos são meninos, meninas são meninas e meninos casam com meninas.

“Todas essas coisas são verdadeiras para a maioria das pessoas”, disse Mara Kiesling, diretora do Centro Nacional para a Igualdade Transexual. “É verdade que a maioria das pessoas é do sexo masculino ou feminino e isso é imutável para a maioria das pessoas. O que estamos aprendendo agora é que nenhuma dessas coisas é totalmente imutável”, explica.

Pessoas transexuais enfrentam um estresse de minoria, o que significa que elas se sentem indesejadas como uma minoria excluída. Elas também enfrentam o estigma, às vezes de suas próprias famílias, além de discriminação no trabalho e bullying.

A hostilidade pode vir, por vezes, de forma surpreendente. Uma mulher transexual, Amber Yust, que mudou seu nome de David, foi ao Departamento de Veículos Motorizados em San Francisco, EUA, para atualizar sua licença. Ela recebeu uma carta de um dos funcionários, acusando Yust de agir de uma maneira que é “uma abominação que leva para o inferno”. O empregado foi identificado e, posteriormente, se demitiu.

Ainda assim, nos dias de hoje, muitas manifestações contra transexuais são tornadas públicas e adquirem tamanha repercussão que oprimem ainda mais essas pessoas. O fim dessa discussão, no entanto, está muito longe – a mudança de pensamento vai demorar a chegar, tendo em vista o tamanho dos conceitos que precisam ser revisados para tanto.


Disponível em http://hypescience.com/o-que-alimenta-o-preconceito-contra-transexuais/. Acesso em03 nov 2013.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Austrália: médico é punido por castrar homossexual quimicamente

Portal Terra
04 de Setembro de 2012

Um médico australiano, membro de uma seita religiosa, perdeu sua licença após prescrever em 2008 um tratamento de castração química a um jovem que buscava "curar-se" do homossexualismo.

Mark Christopher James Craddock, seguidor da seita Brethren Christian, receitou a seu paciente acetato de ciproterona durante uma consulta que durou menos de dez minutos, publicou nesta terça-feira o jornal Sydney Morning Herald.

O acetato de ciproterona, que tem propriedades antiandrogênicas e reduz a libido, é utilizada em tratamentos contra o câncer de próstata e desordens severas nos homens, assim como em pacientes com desvios sexuais.

Em uma carta às autoridades sanitárias, o paciente, que também era membro da seita, relatou que um dos líderes da Brethren Christian lhe recomendou consultar-se com Craddock para que lhe receitasse remédios, acrescentou a fonte.

Craddock admitiu em uma audiência perante as autoridades médicas realizada em junho que ele não manejou o histórico médico nem submeteu seu paciente, cuja identidade não foi revelada, a um exame físico, assim como também não lhe falou dos efeitos colaterais, como a impotência.

No mês passado, o comitê médico determinou que Craddock, de 75 anos, é culpado de conduta profissional não satisfatória e lhe proibiu de praticar a medicina.


Disponível em http://noticias.terra.com.br/mundo/oceania/australia-medico-e-punido-por-castrar-homossexual-quimicamente,e4582dfbb28da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Acesso em 24 set 2013.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Deputados querem barrar mudança de sexo pelo SUS

Revista Forum
02/02/2012

Se depender de membros do Legislativo, a iniciativa do Executivo sobre a cirurgia de mudança de sexo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não acontecerá. Miguel Martini (PHS-MG) protocolou na Mesa Diretora da Casa um projeto de decreto legislativo que interfere na identidade sexual de milhares de pessoas: a realização do chamado “processo transexualizador” – ou cirurgia de mudança de sexo – por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

O deputado quer suspender a Portaria 1.707, publicada em agosto deste ano pelo Ministério da Saúde, que prevê a inclusão desse tipo de cirurgia entre os procedimentos custeados pelo SUS. Caso seja aprovado pela Câmara e pelo Senado, o decreto pode frustrar a expectativa das 500 pessoas que, segundo o Coletivo Nacional de Transexuais, aguardam na fila da rede pública para trocar de sexo.

“Ora, se o SUS não tem condições de atender as mulheres durante o pré-natal, se não tem condições de fazer cirurgias, se não tem condições de atender pacientes oncológicos, como poderá fazer cirurgia para mudança de sexo, em detrimento daqueles que não têm condições de viver nem de sobreviver?”, questionou Martini, integrante da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.

Um dos principais representantes no Congresso do movimento Renovação Carismática, da Igreja Católica, Martini já articula o apoio da Frente Parlamentar Evangélica para derrubar a norma, o que deve deflagrar mais um embate entre religiosos e homossexuais no Parlamento, a exemplo do que já ocorre na discussão do projeto de lei que torna crime a discriminação por orientação sexual.

O presidente da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara, João Campos (PSDB-GO), condena veementemente a possibilidade de mudança de sexo por meio de procedimento bancado pelos SUS. “Isso é um absurdo. O SUS não está tendo dinheiro para financiar políticas públicas curativas, ou de combate a epidemias, vai ter dinheiro para atender a questões pontuais, individuais, de alguns cidadãos brasileiros?”, protestou Campos, para quem a coletividade será desrespeitada se esse tipo de cirurgia for realizado pelo SUS.

“Quantas pessoas estão esperando na fila para fazer cirurgia de câncer de mama, por exemplo, e não conseguem? Isso é dissenso, uma falta de juízo, uma excrescência”, completou o deputado, acrescentando que as “conveniências” de determinados cidadãos não pode ser bancada pelo Estado sem que esteja caracterizada a necessidade. “Quem quiser [fazer a cirurgia de troca de sexo] que pague de seu próprio bolso. Além disso, homossexualidade não é doença.”

João Campos afirma que, se todas as reivindicações dos grupos homossexuais e congêneres fossem atendidas, o país viverá “uma ditadura dos homossexuais”. “Se todas as demandas dos gays do país têm de ser consideradas legais, tudo o que for contrário a elas será visto como irregularidade”, declarou o tucano.

Já o presidente do grupo Estruturação (grupo LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros – de Brasília), Milton Santos, avalia que a objeção dos deputados revela mais uma preocupação religiosa e falta de conhecimento do que apreço pelo interesse público.

“Acho que alguns parlamentares se baseiam em fundamentos bíblicos, religiosos, para questionar direitos conquistados pelo grupo LGBT”, criticou Milton, dizendo que já enfrentou situações semelhantes envolvendo congressistas. “Em geral, o Congresso tem um olhar para a população não se baseando no que a Constituição rege. Alguns parlamentares não se preocupam em se informar a respeito de certos assuntos.”

Religião

Miguel Martini contesta que sua iniciativa seja baseada em questões religiosas. Segundo o deputado, motivos não faltam para barrar a realização de cirurgias de mudança de sexo pelo SUS.

“É um motivo lógico, de um claro bom senso, e diria que quase ético. Na medida em que o governo está buscando recursos para a saúde, com vários problemas no setor, uma coisa dessas é uma ofensa à população”, disse o líder do PHS, apelando à realidade social para reforçar sua argumentação. “Eu presido uma entidade oncológica. As pessoas com câncer não conseguem fazer as cirurgias previstas no SUS”, acrescentou.

Outra razão apontada por Martini é o custo da cirurgia de mudança de sexo (cerca de R$ 1,5 mil), além da suposta falta de premência do problema. “É uma coisa caríssima, um processo muito complexo. E quem é homossexual não tem risco de morte porque é homossexual”, alegou o deputado, dizendo ser até compreensível que países desenvolvidos, com eficiente estrutura de saúde pública, ofereçam o serviço aos cidadãos.

“Mas é inaceitável em um país com os problemas do Brasil. Isso [a operação] é um luxo, uma agressão à sociedade. Isso é um acinte contra o povo brasileiro, contra o cidadão que não tem dinheiro, não tem atendimento, está sofrendo dor, muitos estão morrendo nas filas do SUS”, arrematou o deputado, acrescentando que o procedimento contraria o artigo 129 do Código Penal Brasileiro – o Decreto Lei n.º 2.848, que define pena de detenção de três meses a um ano para quem “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.

Além disso, argumenta Martini, o segundo parágrafo do artigo 129 também estabelece que a pena é de “reclusão de dois a oito anos” se a lesão corporal é resultado, entre outras hipóteses, de “perda ou inutilização de membro, sentido ou função”.

Segundo a assessoria do ministério da Saúde, o argumento de Miguel Martini é questionável. “Não há motivo para que o Estado não assista pessoas que sofrem física e emocionalmente, quando o assunto é a necessidade em saúde”, argumenta o ministério. Além disso, segundo a assessoria, o próprio Conselho Federal de Medicina reconhece que a cirurgia de mudança de sexo não é mais vista como procedimento experimental, e sim como prática clínica.


Disponível em http://revistaforum.com.br/blog/2012/02/deputados_querem_barrar_mudanca_de_sexo_pelo_sus-2/. Acesso em 25 ago 2013.

domingo, 14 de julho de 2013

Nos bastidores da cura gay

João Batista Junior
28.jun.2013

O salão térreo de um casarão colonial onde se localiza a Igreja Cristã Pentecostal Independente Maravilhas de Jesus, no centro, tem bancos de estofado puídos e um palco pequeno. Ao lado das portas de entrada, três pastores estão a postos para receber os fiéis. Às 15 horas da última quarta (26), um dos líderes espirituais disponíveis era Aristides de Lima Santos.

Usando calça de brim creme, camisa azul-claro com todos os botões fechados e um blazer escuro por cima, o senhor de estatura baixa aparentava pouco mais de 50 anos de idade. Ao ser abordado, simpático e solícito, contou um pouco de sua história. Lembrou que, antes de aceitar Jesus, vivia no pecado: era um mulherengo incorrigível. “Desses que não conseguem passar uma semana sem uma companheira diferente”, confessou. Na função de orientar o rebanho, está acostumado a lidar com todo tipo de gente e de angústias. Conta já ter recebido por lá algumas pessoas dispostas a abandonar a homossexualidade. Com base nessa experiência, criou uma teoria a respeito dos gays que querem se tornar héteros. “Irmão, é preciso arrumar uma mulher quanto antes para casar e ter filhos”, costuma aconselhar. “Ela não precisa saber que o senhor tinha essa tendência. Vai ajudar na sua libertação.”

Em seguida, Santos abre sua bolsa e tira uma Bíblia cheia de anotações e trechos grifados. Com voz calma, lê passagens para justificar essa linha de raciocínio. Cita Mateus 26:41, olhando nos olhos do interlocutor: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”. Do Levítico 18:22 extrai a seguinte passagem: “Não te deitarás com um homem, como se fosse uma mulher: isso é uma abominação”. As palavras do livro sagrado servem para justificar o pensamento do pastor. Segundo ele, na escala de malfeitorias, um homossexual está na mesma categoria do ladrão, do assassino, do viciado em drogas e do adúltero. Todos são pecadores mortais. “Mas Deus é misericordioso e não discrimina ninguém, desde que a pessoa liberte sua alma do diabo”, ameniza. Termina a pregação fazendo uma ressalva: “Homossexuais são como as prostitutas: sofreram alguma macumba e têm influências de forças malignas”.

Na semana passada, Veja São Paulo ouviu frases como essas em um périplo por dez igrejas evangélicas da metrópole, das mais variadas vertentes. Sem se identificar como jornalista, o repórter bateu às portas de cada uma dizendo que era um homossexual disposto a tentar uma nova vida. O objetivo era saber como essa questão é tratada no dia a dia dessas religiões. Em outras palavras: afinal, a tão falada “cura gay” existe na prática?

O assunto entrou no centro das discussões após um projeto de lei do deputado João Campos (PSDB-GO) que suspende o trecho da resolução do Conselho de Psicologia de 1999 que proibiu profissionais da área de oferecer tratamento e cura de homossexualidade. Um profissional que iniciar uma terapia com o objetivo de fazer de um gay um heterossexual pode ser hoje processado e ter seu diploma cassado. A proposta de Campos foi aprovada pela Comissão de Direitos Humanos, liderada pelo pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP). 

Essa mudança provocou uma grande polêmica e virou um dos temas da atual onda de manifestações no país. No último dia 21, segundo cálculos da PM, cerca de 1 000 pessoas iniciaram uma passeata na Praça Roosevelt, no centro, portando cartazes como “Feliciano, cura o Ricky Martin para mim?”. Na quarta passada, aproximadamente 300 pessoas (também de acordo com estimativas da PM) realizaram um ato parecido na Avenida Paulista.

No universo dos templos visitados, ninguém usou o termo “cura gay” ou demonstrou ter um programa específico para tal finalidade. Nove dos dez pastores consultados, entretanto, sugeriram algum tratamento espiritual para a pessoa se livrar do que consideram um pecado grave. Para eles, a prática homossexual é condenável e precisa ser mudada imediatamente, sob o risco de o transgressor acabar no inferno. “Com muita oração, renegando os amigos homossexuais e tirando a influência de qualquer magia negra, é possível um gay se casar e ter filhos. Já vi muitos pastores convertidos”, garantiu na última terça (25) André Luís, da Universal do Reino de Deus localizada na Rua dos Timbiras, no centro.

Endereços da Assembleia de Deus Ministério do Belém, da Internacional da Graça de Deus e da Deus É Amor também foram visitados. “Não é natural ser assim: 100% dos homossexuais sofreram feitiço”, afirmou a pastora Maria do Carmo Moreira, da Comunidade Cristã Paz e Vida. “Entregue sua alma a Jesus e não procure um psicólogo, que vai achar tudo normal e querer que o senhor se aceite.” Na Igreja Mundial do Poder de Deus, o pastor Eder Brotto foi categórico: “Isso é coisa do capeta”. Depois de proferir uma oração de libertação (“Feche os olhos, leve a mão direita à altura do coração e comece a renegar os prazeres da carne”), Brotto sugeriu ao repórter que frequentasse a igreja às sextas e aos domingos, além de rezar três vezes por dia ajoelhado no chão.

A homossexualidade é condenada por praticamente todos os segmentos do cristianismo, com poucas exceções, como a Igreja Anglicana, que até já ordenou sacerdotes gays. A abordagem do tema, porém, é muito variável. “Em geral, casos de exorcismo e gritaria são mais comuns nas evangélicas neopentecostais, enquanto nas protestantes tradicionais e na católica a questão costuma ser tratada em conversas individuais, na privacidade do gabinete pastoral”, diz a teóloga Sandra Duarte de Souza, professora e pesquisadora da Universidade Metodista de São Paulo. “Essa forma mais discreta, entretanto, não significa que seja menos violenta. A pressão em conversas duras pode ser tão devastadora quanto os rituais ao estilo ‘sai, capeta’.”

Os pastores que pregam contra a prática gay se valem invariavelmente de trechos da Bíblia. Trata-se de um terreno minado. Ocorre que as discussões sobre interpretação e até mesmo as traduções dos textos fazem com que o significado de tais passagens seja questionado. “Os fundamentalistas tomam ao pé da letra alguns trechos, esquecendo de outros nos quais Jesus prega o acolhimento e o amor aos excluídos”, observa o teólogo Paulo Sérgio Lopes Gonçalves, da PUC de Campinas.

O trabalho de libertação, como dizem nas igrejas evangélicas, acabou criando um novo gênero: os ex-gays. Eles são quase como propagandas ambulantes do processo, apontados como provas vivas de que, com a ajuda de Deus — e dos pastores, claro —, é possível transformar sua orientação sexual. “Graças ao Senhor, entendi que a maneira como eu vivia era errada e busquei forças para sair daquilo”, conta o presbítero Eduardo Rocha, representante da Igreja Sal da Terra. Rocha era um transformista conhecido pelo nome de guerra Grevâniah Rhiuchélley. Ele começou a se vestir de mulher aos 16 anos, mas conta que sentia atração por meninos desde os 12. Cocaína e maconha entraram rápido na sua rotina. “Eu debochava de religião, não tinha respeito por Jesus”, penitencia-se.

Tudo mudou durante uma rave na cidade de Alto Paraíso, no interior de Goiás. Foi quando Rocha teria ouvido uma voz. “Ela me dizia que o Senhor ia mudar minha vida.” Desde então, o baladeiro passou a ler a Bíblia e a frequentar cultos. “O processo não foi traumático ou agressivo, mas muito difícil”, lembra. Cinco anos depois da conversão, em 2007, Rocha se casou com a musicista Genoveva Geni. Hoje, eles trabalham para que outros jovens encontrem a tal salvação. Às quartas-feiras, o ex-transformista se encontra com um grupo de cerca de vinte gays em reuniões nos moldes dos alcoólicos anônimos.

“Oramos, lemos a Bíblia, cada um conta sua história e tento fazê-los entender que precisam sair da vida de pecado”, descreve. Rocha também dá seus testemunhos em diversas igrejas evangélicas da cidade e organiza o Seminário de Sexualidade Cristã, que aborda temas como “pureza sexual” e “restauração da identidade”. Diz ele: “Todos que estão vivendo como homossexuais enfrentam um desvio de personalidade que deve ser contornado”.

Na contracorrente, começaram a surgir no meio evangélico algumas dissidências. É o caso da pastora Lanna Holder, lésbica assumida e fundadora da igreja Comunidade Cidade de Refúgio. Até os 20 anos, segundo relata, Lanna levou a vida com fartura de drogas, álcool e namoradas. “Depois me converti e passei a pregar contra as lésbicas”, conta. Na época, chegou a se casar com um homem e teve um filho. Lanna defendeu a “cura gay” por dezesseis anos. O ponto de virada tem nome e sobrenome: Rosania Rocha, uma cantora gospel. As duas lutaram contra a paixão, tentaram se libertar da atração, mas jogaram os panos. Em 2011, fundaram juntas a Comunidade Cidade de Refúgio, localizada no centro. Elas já contam com 600 fiéis, em sua maior parte gays. “Quase todos eles tentaram se ‘salvar’ e não conseguiram. É normal recebermos aqui gente que já quis se matar várias vezes devido a esses processos, que causam um problema sério de autoaceitação”, diz Lanna.

Não são apenas igrejas fundadas por homossexuais que pregam a tolerância. “Desvirar gay para quê?”, perguntou ao repórter de VEJA SÃO PAULO a obreira Rose Silva, do Centro de Meditação Cristã, no Brás, no encontro ocorrido no fim da tarde da última quarta (26). “Faça uma oração da libertação para se aceitar, não para se reprimir. Deus ama a todos em sua plenitude.”

Rose concorda que as igrejas evangélicas não toleram a prática homossexual, mas para ela a questão deveria ser abordada com outro viés. “Em primeiro lugar, penso se a pessoa interfere negativamente na vida dos outros. Se não, quero mais é que ela seja feliz.”

"Isso é coisa do capeta"

Em nove dos dez endereços visitados pelo repórter, que não se identificou como tal, os pastores trataram a homossexualidade como um pecado e deram conselhos para a conversão. A seguir, trechos de alguns dos encontros

a) Igreja Cristã Pentecostal Independente Maravilhas de Jesus, no centro (pastor Aristides de Lima Santos)

— Sou gay e quero mudar de lado. Como faço?
— Precisa seguir o ditado bíblico: “Vigiai para não entrar em tentação”. É fundamental que o senhor se case para aceitar Jesus, se libertar e não pensar em homem.
— Não há o risco de minha companheira ser infeliz? 
— Ela não precisa saber que o senhor era gay. A Bíblia diz que varão não pode ter relacionamento com outro varão. A homossexualidade é um pecado mortal, assim como matar.

b) Comunidade Cristã Paz e Vida, no centro (pastora Maria do Carmo Moreira)

— Sou gay e quero saber se é possível virar heterossexual.
— Para Deus, nada é impossível. Não é natural ser assim: 100% dos homossexuais sofreram feitiço.
— O que devo fazer para mudar?
— Depende de você saber que está no caminho errado e fazer a vontade de Deus. Leia este livro, Jesus, a Vida Completa, frequente os cultos, ore e abandone a vida de prazeres da carne. O caminho será um processo natural, pode ter certeza.

c) Igreja Universal do Reino de Deus, no centro (pastor André Luís)

— Sou gay e quero saber se é possível trocar de lado.
— Sim, conheço alguns pastores que eram assim e hoje são casados e têm filhos. Assim como um viciado em cocaína precisa se livrar dos amigos drogados, um homossexual tem de deixar de lado a sua turma. É preciso também evitar bares e baladas para não cair em tentação.
— O que mais?
— No começo, precisa vir pelo menos quatro vezes por semana à igreja para tirar o capeta do seu corpo. Pagar os 10% do dízimo também é fundamental. É devolver para Deus a graça de você ter ido para o caminho certo.

d) Igreja Mundial do Poder de Deus, na Zona Leste (pastor Eder Brotto)

— Sou gay e quero virar heterossexual. É possível?
— É fundamental, caso contrário vai para o inferno. Isso é coisa do capeta.
— Como faço?
— Tem de vir aqui às sextas, dias em que tiramos o capeta do corpo, e aos domingos. Tenha uma Bíblia ao lado da cama. Ore três vezes ao dia, ajoelhado (podemos nos humilhar para Deus). Sugiro ler Isaías, capítulo 44. Fala da aceitação do Senhor. E não deixe de pagar o dízimo.

e) Igreja Pentecostal Deus É Amor, no centro (pastor Lourival de Almeida)

— Quero deixar de ser gay. É possível?
— Claro. Tudo é uma questão de poder do controle.
— Como assim?
— Sou homem no sentido heterossexual da palavra. Todo homem é, por essência, polígamo. É preciso ter o próprio domínio para respeitar e honrar a mulher. O mesmo vale para o homossexual: controle seu desejo.

f) Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, na Zona Leste (pastor Paulo Rogério)

— Quero me tornar heterossexual. Como faço?
— Para tirar a influência do diabo, precisa fazer uma série de orações.
— Por exemplo?
— Sexta é o dia em que o diabo está mais presente na sociedade. Faça jejum à noite, antes de vir para a igreja. Volte a comer no sábado de manhã. Vai ajudar no trabalho de purificação.

g) Casa da Bênção, na Zona Leste (pastor Cléber Lana)

— Como faço para deixar de ser gay?
— Isso é uma maldição hereditária. Existem outras pessoas assim na sua família?
— Que eu saiba, não.
— Então pode ser algum trabalho feito contra você. Sugiro que se entregue a Deus, ore e frequente cultos de libertação.


Disponível em http://vejasp.abril.com.br/materia/bastidores-cura-gay. Acesso em 09 jul 2013.

domingo, 23 de junho de 2013

Jerusalém: o desafio de ser LGBT na cidade 'sagrada'

Susana Mendoza
1 de maio de 2012

Uma terra de contrastes. Ao mesmo tempo em que Jerusalém é considerada sagrada por três religiões monoteístas – o cristianismo, o judaísmo e o islamismo – e reúne símbolos e pessoas tão diferentes entre si, é também terreno sinuoso para a manifestação de direitos civis. A cidade abriga uma comunidade LGBT vibrante, mas que frequentemente é alvo das camadas mais conservadoras.

Em Jerusalém, há apenas um bar para o público LGBT e a realização da Parada do Orgulho foi um direito conquistado após muito esforço. Ela reuniu quatro mil pessoas em 2011, que exigiram a aprovação de uma legislação que proteja LGBTs em Israel. Indignados com o desfile, grupos de judeus ortodoxos protestaram em diversos pontos da cidade, controlados por cerca de mil policiais espalhados por Jerusalém -- alguns chegaram a agredir os participantes do evento. Em junho daquele ano, a marcha em Tel Aviv conseguiu reunir 70 mil pessoas.

“Embora não existam tantos homossexuais quanto em Tel Aviv, todos os anos Jerusalém atrai milhares de ativistas gays para participar da marcha, para mostrar que, mesmo que os religiosos nos considerem ‘sujos’, esta é nossa cidade também”, comenta A.S. um membro da comunidade LGBT da cidade.

Apesar das diversas ameaças de morte que recebem ano após ano durante a parada, a manifestação anual se supera cada vez mais em termos de assistência e organização. “A diferença entre a nossa marcha anual e a de Tel Aviv e outras partes do mundo é que, em Jerusalém, adquire também um significado de luta pelos nossos direitos e contra o ódio que uma ampla maioria da população de Jerusalém sente por nós”, acrescenta Natalie V., uma belga que desembarcou em Jerusalém há cinco anos.

Natalie, que há cinco anos namora uma mulher israelense, é prova da dualidade do estado de Israel em relação à lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Embora Israel seja um país democrático, o judaísmo ortodoxo interfere em muitos assuntos civis, incluindo os casamentos. Em Israel, é impossível realizar um casamento civil, mesmo entre heterossexuais. No entanto, em uma distorção, estão permitidas as uniões homoafetivas, inclusive se uma delas for estrangeira, como é o caso de Natalie.

“É curioso que isto seja possível em um país onde predomina tanto a religião. Eu quero deixar claro que em Jerusalém e Israel, até o momento, não tive nenhum problema por andar de mãos dadas com a minha namorada, nem por darmos um beijo”, diz. “No entanto, trabalho com uma família ortodoxa judia e não comentei nada sobre a minha orientação sexual em quase quatro anos", conta Natalie.

Ultraortodoxos caminhando ao lado de uma mulher muçulmana usando o véu e uma menina de minissaia logo atrás são cenas comuns nas ruas de Jerusalém. E é nessa heterogeneidade que, no final, reside uma espécie de acordo tácito de não agressão. Embora, às vezes, essa bolha possa estourar, como aconteceu durante a Parada do Orgulho LGBT de 2005, quando um judeu ultraortodoxo esfaqueou vários participantes. Atentado pior aconteceu à comunidade LGBT de Tel Aviv, quando uma bomba matou duas pessoas e feriu uma. O culpado, um colono da Cisjordânia, afirmou que LGBTs são “animais”.

Portanto, apesar da mescla aparentemente suave entre religiosos e seculares em Jerusalém, assim como no resto do país, uma tensão soterrada pulsa abaixo da superfície. “Aqui, em geral, como os gays não carregam um cartaz dizendo ‘sou gay’, não há tantos problemas, mas também você não vai dar um beijo em outro homem em Mea Shearim (o bairro ultraortodoxo), não queremos provocá-los em seu bairro”, diz Adam.

Segundo ele, porém, o resto da cidade é de todos. O bar Mikve, antes conhecido como Shushan, na rua Shushan, foi o primeiro voltado para o público LGBT a ser aberto na cidade. O lugar está vivendo uma nova era dourada depois de permanecer fechado durante muitos anos devido às pressões dos ortodoxos. Durante toda a semana há festas para clientes e as segundas-feiras são exclusivas das drag queens.

“Em Jerusalém, não há muitas festas nem lugares para dançar, por isso sempre aparecem heterossexuais. Na cidade, todos nos conhecemos e amigos de todas as orientações sexuais se juntam a nós. Estamos misturados”, conta com um sorriso Daniel R., empresário.

A empresa encarregada de organizar as festas, Unibra, garante que é um sucesso, que atrai dezenas de pessoas a semana toda, embora as festas drag sejam as preferidas. “As pessoas querem se divertir, já estão cansadas de se esconder, mas infelizmente nesta cidade não há lugares para onde sair à noite”, lamenta a Unibra.

Palestinos

Para os membros da comunidade LGBT palestina os desafios são ainda maiores. “Para eles é mais difícil, pois vem de uma sociedade mais conservadora, em que a homossexualidade é punida ou humilhada em público. Por isso, a última coisa que querem é fazer uma declaração pública de que são gays, sejam homens ou mulheres”, explica Adam.

A organização para palestinos LGBTs em Israel Al Qaws organiza eventos para os palestinos e ajuda a criar uma rede de apoio e conscientização entre a comunidade árabe. Uma vez por mês organiza uma festa para que LGBTs palestinos que vivem em Israel possam se conhecer.

“Mesmo que os palestinos que vivem em Israel contem com os mesmos direitos que os cidadãos judeus, muitas vezes há racismo e incompreensão em relação aos gays palestinos”, comenta um porta-voz da Al Qaws. “Há também muita incompreensão por parte da comunidade internacional, que se foca na ocupação israelense. Além disso, a opinião da comunidade palestina pesa demais. Dessa forma, não podemos esperar que eles saiam do armário como no Ocidente.”

Às vezes, Israel chega a acolher como refugiados palestinos LGBTs que correm risco de morte ou que tenham recebido ameaças, embora não seja algo tão frequente. Enquanto isso, em Jerusalém, continua a luta para que a comunidade religiosa aceite lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, se não como iguais, como cidadãos com os mesmos direitos de todos.

“Este é o nosso objetivo. Não queremos nem mais nem menos do que têm os demais e poder passear tranquilamente de mãos dadas, sem ter medo que nos façam sentir inferiores, nem ter a nossa Parada do Orgulho Gay cercada por centenas de policiais”, diz Adam.

Para mostrar que, embora nem sempre venha à tona, o ódio contra LGBTs corre solto em Jerusalém, em 2006 foi a homofobia que uniu representantes das três religiões monoteístas para protestar contra a Parada do Orgulho LGBT daquele ano. “É uma pena. Poderiam ter se unido para protestar contra outras coisas mais importantes”, lamenta Adam.


Disponível em http://mundo.gay1.com.br/2012/05/jerusalem-o-desafio-de-ser-lgbt-na.html#. Acesso em 22 jun 2013.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Gay conta ter gasto mais de R$ 60 mil para tentar 'conversão' à heterossexualidade

Karen Millington
23 de setembro, 2012

O processo durou 17 anos e Toscano hoje milita contra tratamentos que atendem por com nomes como ''conversão'' ou ''terapia reparadora'', voltados para gays que querem mudar sua orientação sexual.

Tais práticas contam com o apoio de Igrejas fundamentalistas cristãs. E alguns dos que se submeteram a elas asseguram sua eficácia e se definem como ex-gays.

Mas Toscano, de 47 anos, afirma que não só estes processos não funcionam como também causam danos psicológicos.

Ele é de uma tradicional família ítalo-americanda do Estado de Nova York. Cristão devoto e evangélico, Toscano teve dificuldades em aceitar o que via como um conflito entre sua orientação sexual e sua fé.

'Desespero terrível'

''Eu estava fazendo algo errado pelo qual eu seria punido na outra vida. E por isso sentia muito medo e um desespero terrível'', afirma, em entrevista à BBC.

Como um adolescente que cresceu nos Estados Unidos da década de 80, Toscano viveu em uma época em que o termo ''gay'' era um sinônimo de Aids. Até 1973, psiquiatras americanos classificavam homossexuais como sendo insanos.

''Eu somei dois mais dois e cheguei ao que me parecia ser uma equação lógica, a de dizer 'isto é errado, é ruim, eu preciso consertar isso'. E 17 anos depois eu finalmente acordei e retomei a razão'', afirma.

Os anos de tratamento são uma lembrança dolorosa. Após ter entrado em depressão depois de uma entrevista à rádio pública dos Estados Unidos na qual relatou os processos a que se submeteu, ele agora evita entrar em pormenores.

Experiência traumática

Mas ele relata que um dos incidentes mais sombrios ocorreu durante seu internamento por dois anos no centro Love in Action (Amor em Ação), hoje rebatizado como Restoration Path (Caminho da Restauração), na cidade de Memphis, no Estado americano do Tennessee.

Lá, ele foi instruído a registrar todos os encontros homossexuais que já havia tido. Em seguida, pediram que ele relatasse o mais constrangedor destes encontros para sua família.

Tais terapias não se limitam, no entanto, aos Estados Unidos. Toscano visitou a Inglaterra na década de 90 a fim de se submeter a um exorcismo. Ele já tinha se submetido a dois exorcismos fracassados nos Estados Unidos.

De acordo com Peterson, esse tipo de prática ''é danosa psicologicamente especialmente para os jovens. Se você acredita nisso, você fará qualquer coisa para rasgar a sua alma''.

Nos Estados Unidos, já estão sendo tomadas medidas para proibir parcialmente as terapias de conversões para gays no Estado da Califórnia. E o governador Jerry Brown está avaliando um projeto de lei que torna ilegal a terapia reparadora para crianças. Se aprovada, será a primeira medida nesse sentido tomada no país.

Toscano tem um blog e um canal de YouTube e usa sua experiência como ator de teatro realizando apresentações nas quais procura consicentizar pessoas sobre os danos causados aos que se submetem a tratamentos para suprimir ou mudar suas orientações sexuais.

Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/09/120923_gay_convertao.shtml>. Acesso em 23 set 2012. 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Eu sou homem

Mariana Sanches
MC - setembro de 2012

Resumo: Nascidos em corpo de mulher, eles lutam para se transformar fisicamente e pelo direito de usar o nome masculino na faculdade, no trabalho e na carteira de identidade. (...) "A influência da religião no judiciário impede decisões em favor da troca de nome", diz Roberto Coutinho Borba, juiz de direito. (...) "Quando me chamavam por Joana, fingia que não era eu", relata Rodrigo, aluno do Senac. "Os meninos trans sofrem mais porque têm que se inserir em um meio machista", aponta Maria Lucia Pereira, psicóloga.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Vida com dois pais e duas mães

Eliara Andrade
26/08/12 

Eles somam 60 mil, segundo o Censo 2010 do IBGE. Já oficializadas do ponto de vista legal (ainda falta o casamento), as relações homoafetivas são mais um exemplo dos novos arranjos familiares no Brasil, conforme mostra a série de reportagens “A Nova Família Brasileira”, iniciada ontem no GLOBO. E as mulheres são maioria nesses arranjos, respondem por 53,8% dos lares.

— Há uma subnumeração. As mulheres têm mais facilidade de reportar a condição ao recenseador. Duas mulheres juntas sofrem menos discriminação — afirma Ana Saboia, coordenadora de Indicadores Sociais do IBGE.

Um bom exemplo dessa nova realidade é o casal de empresários Mailton Albuquerque, 35 anos, e Wilson Albuquerque, 40, residentes em Recife. No mês de março, eles apresentaram Maria Tereza, a primeira criança com dupla paternidade do país, nascida de barriga de aluguel. Na sua certidão de nascimento não há nome de mãe, só dos pais, que vivem juntos há 15 anos. Afirmam ter certeza que pretendem permanecer assim até o fim da vida. Por isso, decidiram constituir família.

Os diferentes modelos de lares no Brasil:

Em dez anos, subiu de 132 mil para 400 mil os lares com não parentes
O poder das mulheres nas famílias
Crianças já são chefes de família em 130 mil lares brasileiros
Expectativa de vida maior junta avós e netos
Os meus, os seus e os nossos: lares mosaicos crescem pelo Brasil
A nova organização familiar do Brasil
“Pai, mãe e filhos” já não reinam mais nos lares
‘Bloco do eu sozinho’ já soma quase 7 milhões
Mães e pais que valem por dois em 10 milhões de lares pelo Brasil
‘Renda maior e tecnologias tornam a vida de quem vive só mais fácil’
‘Você ainda está casado com a Regininha?’

A menina, hoje com seis meses, é filha biológica de Mailton, que recorreu a uma clínica de inseminação artificial e contou com o óvulo de uma doadora anônima. Uma prima que nunca quis se identificar cedeu o ventre para a gestação. Ambos já têm embriões congelados, caso queiram aumentar a prole. O próximo projeto é um filho biológico de Wilson, que deve ser gerado a partir de outubro. Uma pessoa da família já se prontificou a abrigar o embrião e no momento se submete à bateria de exames necessários ao procedimento.

— Não queremos dar um intervalo muito grande. Vamos criar os filhos juntos e esperamos que seja um anjo como Maria Tereza — diz Wilson, lembrando que pensaram em adoção, mas desistiram diante da burocracia.

Mailton diz que os dois querem que a criança se espelhe na educação e no afeto dos pais, e por esse motivo têm se dedicado muito à menina, ao ponto de levá-la duas vezes por semana à empresa deles em Recife:
— Queremos que nós e não babás sejam sua referência, e que Maria Tereza tenha intimidade com a gente.

Lésbicas, católicas e felizes

O capacho da porta de entrada da família Matos Lima é um arco-íris, numa alusão à bandeira dos movimentos gays. No amplo apartamento da Zona Oeste de São Paulo, minuciosamente decorado, vivem quatro mulheres: as mães Marcela Matos, de 43 anos, e Daya Lima, de 30, profissionais do ramo de comunicação, e as filhas Nina, de 16 anos, e Lisa, que completará dois. Marcela e Daya estão juntas há 10 anos.

Nina foi adotada por Marcela quando tinha dois anos. Daya entrou na vida de ambas no ano em que a garota completara seis anos. A certidão de nascimento de Nina, assim como a de Lisa, leva o sobrenome das duas mães, graças a um processo judicial.

Quase todos os domingos a família vai junta à missa. A experiência que tiveram ao manter Nina em um colégio católico, porém, não foi boa. As mães contam que, quando a filha tinha cerca de 10 anos, a professora pediu que os alunos escrevessem uma redação relatando como eram as suas famílias.

— Todos leram o texto em voz alta na sala. Mas, quando chegou a vez de a Nina ler, a professora não deixou. Foi neste episódio que decidimos trocar de escola — conta Marcela, que agora está feliz pois sua filha estuda em um colégio sem preconceitos, onde as colegas dela curtem a ideia de ter duas mães.

Sete anos depois de morarem juntas, o instinto materno de Daya aflorou e ela decidiu que queria engravidar. Elas tentaram fazer uma inseminação artificial, mas não deu certo. Em seguida, mudaram o método, arriscaram a fertilização in vitro e tiveram sucesso. Diferente do comum, elas não procuravam homens de cabelos lisos e olhos azuis, mas algum com profissão interessante.

— Havia um que era taxista. Eu achei tão romântico e sensível um cara ser taxista, que é uma profissão que não exige formação complexa, e doar o sêmen. Queria esse — diz Daya, mas sem revelar se esse foi o escolhido.

Preconceito ainda persiste

Um casal de homens, que também teve a rotina acompanhada pelo GLOBO, disse desde o primeiro encontro que não queria ser identificado nem fotografado. Um deles é executivo de uma grande multinacional e mantém sua opção sexual em sigilo. Só se assumem quando viajam ao exterior.

Disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/vida-com-dois-pais-duas-maes-5902254>. Acesso em 07 set 2012.

terça-feira, 3 de julho de 2012

“Nós também somos família”: estudo sobre a parentalidade homossexual, travesti e transexual

Elizabeth Zambrano
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas 
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

Resumo: A proposta desta tese é apresentar o debate sobre ser ou não o grupo constituído por uma pessoa/casal do mesmo sexo e seus filhos, uma família. As discussões se dão entre diferentes áreas (Antropologia, Medicina, Psicologia, Direito, religiões e militância) em decorrência do aumento da visibilidade da família homoparental. São apresentadas as pesquisas que vêm sendo realizadas e seus resultados. Por meio da análise de reportagens do Jornal Folha de São Paulo são mostradas as concepções de família de cada área considerada e as consequências do debate para os entrevistados. É evidenciado o papel das religiões no incremento do preconceito, influenciando outros atores sociais e dificultando sua aceitação pela sociedade e inclusão na proteção do Estado, por meio da legalização do casamento e adoção.