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terça-feira, 1 de abril de 2014

A tragédia fraturante: eutanásia após mudança de sexo

Henrique Raposo
28 de março de 2014

Quando investigamos a sério a temática fofa e fracturante, encontramos episódios de humor negro ou estórias com o seu quê de comédia do absurdo. Nancy Verhelst (Bélgica) nasceu mulher mas decidiu mudar de sexo. Tudo bem? Tudo mal. O novo corpo, o corpo de Nathan Verhelst, não agradou a Nancy Verhelst. Este cidadão ficou assim numa espécie de jetlag identitário e hormonal, um ser perdido entre linhas. Depois da bateria de operações e injecções, Nancy/Nathan não ficou como desejava, "quando me olhei ao espelho, fiquei enojada comigo mesmo". "Eu não quero ser este monstro", dizia. No final do processo, Nancy/Nathan pediu eutanásia invocando "dor psicológica insuportável". E assim aconteceu: a medicina que mudou o sexo a Nancy foi a mesmíssima medicina que matou Nathan.

Este caso, a meu ver, levanta dois problemas morais. Em primeiro lugar, "dor psicológica insuportável" não devia garantir acesso à eutanásia. Lamento, mas uma angústia psicológica não é o mesmo que ter cancro, não é o mesmo que ficar paraplégico. Ou seja, o problema aqui é a elevação da tristeza à condição de doença, é a transformação dos dilemas morais em meras questões médicas. Nathan/Nancy não quis fazer a escolha moral, isto é, não quis enfrentar o dilema do suicídio porque a medicina autorizou a transformação desse suicídio numa questão técnica e higienicamente amoral. Mas agora vamos suicidar pessoas devido a estados de alma?

O outro problema está na forma como a medicina mexe e remexe no corpo humano, julgando que pode fazer tudo, brincando literalmente às fracturas com a natureza. Sim senhor, as pessoas estão à vontade para mudar de sexo no sentido de acabar com o jetlag entre corpo e cabeça, mas convém fazer uma bateria de testes psicológicos antes da operação. Se quiser dar um rim ao marido necessitado, uma mulher é confrontada com uma brutal onda de perguntas. Será que os médicos belgas fizeram o mesmo a Nancy? Este caso é um alerta. O homem não pode alterar a natureza por dá-cá-aquela-palha, há limites à acção médica e genética. O mundo não é a representação da nossa vontade - uma limitação que começa no nosso corpo. 

Disponível em http://expresso.sapo.pt/a-tragedia-fraturante-pede-a-eutanasia-depois-da-mudanca-de-sexo=f862886. Acesso em 31 mar 2014.