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sábado, 18 de outubro de 2014

Gênero, sexualidade e infância: (Con) formando meninas

Magda Sarat; Míria Izabel Campos
Revista Tempos e Espaços em Educação
Volume 12 - janeiro/abril 2014

Resumo: O artigo apresenta reflexões construídas nas trajetórias de duas professoras de Pedagogia de uma universidade pública localizada no interior da Região Centro Oeste e tem como foco pesquisa de Mestrado em Educação. A investigação realizou-se com professoras da Educação Infantil e objetivou conhecer e compreender como vivenciaram/ construíram concepções de gênero e sexualidade nas diversas relações interpessoais, nos espaços privado e público, uma vez que foram educadas e cuidadas para corresponderem aos comportamentos “ditos” de meninas, conforme padrões sociais e históricos dominantes. A metodologia efetuou-se com estudos em autores que discutem a infância, a Educação Infantil e interfaces com os temas gênero e sexualidade e usou-se a História Oral Temática, quando se registraram as memórias de infância. Nas análises evidenciaram-se aprendizados permeados por silêncios; cuidados e educação buscando uma feminilidade exigida como legítima, assim como uma forma considerada “normal” de sexualidade. Constatou-se que assertivas das diferenças de gêneros, de lugares previstos para meninas/meninos fizeram parte da infância das colaboradoras da pesquisa.



sábado, 11 de janeiro de 2014

A constituição da identidade masculina: alguns pontos para discussão

Maria Juracy Toneli Siqueira
Departamento de Psicologia
Universidade Federal de Santa Catarina
Psicol. USP vol. 8 n. 1 São Paulo  1997

Resumo: Através da apresentação de alguns dados de um estudo de caso de uma família de classe subalterna urbana e suas famílias de origem, este artigo pretende discutir os elementos que contribuem para a constituição da identidade de gênero, em especial a masculina. Esta família foi escolhida por apresentar, ao menos temporariamente, uma inversão na divisão sexual do trabalho: o marido, desempregado, ocupava-se da lida doméstica e do cuidado dos filhos, enquanto a esposa, através de seu trabalho extra-doméstico, era responsável pela manutenção do grupo. A abordagem sócio-histórica nos ajuda a compreender a constituição do sujeito nas e pelas relações sociais. De uma maneira análoga, utilizamos esta abordagem para discutir a constituição da masculinidade e da feminilidade.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

As discussões sobre gênero e diversidade sexual em livros didáticos do ensino fundamental II

Marcos Lopes de Souza; Beatriz Rodrigues Lino dos Santos
IX Congreso Internacional sobre Investigación en Didáctica de las Ciencias
Girona, 9-12 de septiembre de 2013

Resumo: Este trabalho objetivou analisar as questões de gênero e diversidade sexual em livros didáticos de Ciências utilizados em escolas públicas de ensino fundamental (6° ao 9° ano) da cidade de Jequié-Bahia-Brasil. Foram avaliadas cinco coleções didáticas, cada uma com quatro volumes. Apenas uma coleção se dedicou à discussão conceitual dos papéis de gênero e a influência sociocultural na construção e desconstrução dos padrões de feminilidade e masculinidade. Ao analisar as imagens dos compêndios constatou-se a presença maior de homens em relação à de mulheres. Em geral, as imagens dos homens foram associadas à demonstração de força física e envolvendo movimento, já das mulheres relacionadas à fala, ao educar e à demonstração de carinho. Nenhum dos livros analisados apresentou outras expressões de desejo, prazer sexual ou sentimento que escapassem da heterossexualidade.



sexta-feira, 7 de junho de 2013

Filhos? Não, obrigada

Paola Emilia Cicerone

É raro alguém perguntar o que levou um homem ou uma mulher a ter filhos. Em contrapartida, é comum escutar: “Não tem filhos? Por quê?”. E, em geral, o principal alvo das indagações são as mulheres. Talvez algo como “não tive tempo”, “não sou casada” ou “não encontrei o homem certo, no momento certo” fossem boas respostas, mas há algo mais em jogo. É como se – ainda hoje, apesar de todas as transformações sociais dos últimos anos – continuasse necessário explicar à sociedade essa escolha (às vezes mais, às vezes menos consciente). Ao serem questionadas, as mulheres percebem na curiosidade alheia a pressão e as críticas disfarçadas, como se a opção de não terem sido mães as fizesse pessoas especialmente egoístas ou fosse sinal de algum “grande problema” em relação à sua feminilidade.

“Em nossas pesquisas promovemos a discussão do tema em grupos de mulheres sem filhos, em diversas cidades italianas, e muitas das participantes admitiram que se sentiam julgadas, às vezes até severamente, por parentes ou conhecidos, estigmatizadas como se fossem cidadãs de segunda categoria”, conta Maria Letizia Tanturri, professora de demografia da Universidade de Pavia, que participou de um importante projeto de pesquisa coordenado por várias universidades. “É como se, de certa forma, a maternidade fosse a garantia de nos tornarmos pessoas melhores, mais sensíveis”, observa. Ela lembra que, em 2007, uma senadora democrata da Califórnia, Barbara Boxer, atacou a secretária de Estado Condoleezza Rice: “Como não tem filhos nem família, a senhora não pagará nenhum preço pessoal pelo envio de mais 20 mil soldados americanos ao Iraque”. As palavras podem ser entendidas como uma variante de algo como: “Quem não tem filhos não pode entender o que só nós, seres humanos privilegiados pela graça de ter filhos, conseguimos compreender”.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Michigan com 6 mil mulheres com idade entre 50 e 60 anos revelou que ter ou não ter filhos não tem efeito relevante no bem-estar psicológico nessa faixa etária – o que, de certa forma, contradiz a ideia de que é preciso criar os filhos para ter com quem contar no futuro. “Os aspectos mais importantes para uma maturidade feliz são a presença de um companheiro e de um círculo de relações sociais significativas”, salienta a socióloga Amy Pienta, coautora da pesquisa publicada no periódico científico International Journal of Aging and Human Development. Assim – e considerando todo o risco, trabalho e preocupação que significa ter filhos –, seria melhor não tê-los? Depende. O único dado certo é que hoje existe uma liberdade maior de escolha: é possível ser mulher de forma plena e prescindir da maternidade.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/filhos__nao_obrigada.html. Acesso em 04 jun 2013.

sábado, 24 de novembro de 2012

Seduções íntimas

Paola Emilia Cicerone

Há peças de roupa feminina que servem para cobrir, proteger ou esquentar – e existem aquelas que escolhemos para instigar o prazer daqueles que desejamos atrair. Qualquer que seja a motivação da escolha, aquilo que vestimos – ainda que junto à pele, longe do olhar da maioria das pessoas – faz revelações sobre nossos medos e fantasias. Embora hoje as rendas e os lacinhos já não estejam tão escondidos, até há poucos anos sutiãs, calcinhas, combinações, anáguas e corpetes, sempre em cores discretas, eram encontrados apenas em lojas de armarinhos ou nas prateleiras dispostas disfarçadamente nas grandes lojas. Atualmente a roupa íntima é um fenômeno de moda presente em campanhas publicitárias famosas; tornou-se um aspecto da cultura. Quem não se lembra, por exemplo, do comercial dos anos 80 cujo tema era o “primeiro sutiã”, ou do advento do modelo wonderbra, que inaugurou as curvas falsas? 

“Essas peças estão em uma posição ‘intermediária’ entre a pele e o tecido das roupas comuns; é essa carga simbólica que faz com que um corselete cause um impacto visual muito diferente daquele provocado por um maiô inteiro, que também cobre – ou deixa de cobrir – exatamente a mesma extensão do corpo de uma mulher”, afirma o semiólogo Ugo Volli, pesquisador da Universidade de Turim. Até o século 18, porém, eram os homens que usavam meias e ligas para deixar as pernas e até os genitais à mostra. As calcinhas também são uma invenção moderna. “No passado, acreditava-se que a mulher deveria ser ‘aberta embaixo’, uma ideia que ainda permanece disfarçadamente presente no imaginário erótico e é expressa por meio de imagens como a de Sharon Stone no filme Instinto selvagem, de 1992”, ressalta Volli. Segundo o estudioso de sistemas de signos e símbolos, essa crença, que estimula a fantasia de descobrir algo “secreto”, pode explicar por que os homens preferem, por exemplo, as meias femininas que vão até a altura das coxas, em vez dos modelos inteiriços. 

“O fascínio da roupa íntima está na brincadeira do vejo/não vejo que atrai a atenção para as zonas erógenas, o que faz com que estar vestido seja, em geral, mais erótico que ver o corpo completamente nu”, afirma o psicólogo e terapeuta de casais Giuseppe Rescaldina.

O pesquisador dinamarquês Per Ostergaard lembra que, em certas situações, usar determinada roupa é uma espécie de ritual, um momento de passagem: há peças que, na intimidade, despertam o imaginário erótico e permitem ao casal encarnar o que ele chama de “personagens de si mesmos”. Em geral a renda branca, por exemplo, evoca a ideia de pureza; já a cor preta costuma ser associada à ideia de mistério e sofisticação. Para grande parte das pessoas o vermelho vivo lembra tanto sensualidade quanto transgressão, enquanto estampas que imitam pele de animais podem remeter ao erotismo e à sensualidade. Embora não haja consenso, fatores culturais também entram em jogo, e persiste um imaginário erótico constantemente incrementado pela mídia. O fato é que a roupa íntima “fala de nós” e nos permite viver diferentes papéis. Talvez por isso a renda transparente, o corselete e as meias 7/8 continuem sendo tão atraentes por tantas décadas. Embora a tecnologia proponha cortes e tecidos confortáveis outrora inimagináveis, as imagens que realmente seduzem são as da roupa íntima que parece ser usada justamente para ser tirada.

LIMPO E CONFORTÁVEL

Já para os homens, a visão é um dos sentidos fundamentais para alimentar a excitação, enquanto mulheres costumam se voltar para o conjunto. Não é à toa que a maioria delas conseguem manter vários focos de atenção simultaneamente. “Trata-se de uma herança da época na qual o macho deveria escolher uma parceira com a qual propagar os próprios genes, por isso se voltava para detalhes, enquanto a fêmea precisava de um companheiro para criar a prole, e fazer essa avaliação exigia observar o conjunto com um olhar mais abrangente”, observa o sexólogo Fabrizio Quattrini, presidente do Instituto Italiano de Sexologia Científica, em Roma. É por isso que peças transparentes em cores que se destacam do tom da pele, cobrindo (e ao mesmo tempo evidenciando) as zonas erógenas excitam tanto os homens. Ou pelo menos grande parte deles. 

A cor da pele, em geral, é menos apreciada porque lembra demais a própria carne – e a suavidade, remetendo à realidade concreta, causando uma dicotomia entre carinho e paixão. “Simplificando, podemos afirmar que homens apreciam elementos que ‘forçam’ e ressaltam a imagem, que em nossa imaginação poderiam ser usados por um travesti ou uma prostituta. O vermelho forte, o sutiã que realça os seios ou a bota de salto fino superalto têm algo de tentador e ao mesmo tempo de proibido”, comenta a sexóloga Chiara Simonelli. “É uma espécie de fantasia que, para algumas pessoas, ajuda a acordar os sentidos, dá asas à imaginação e permite experimentações que, se estivessem vestidas de forma ‘comum’, dificilmente fariam”, diz. Neste contexto, a preparação até que a roupa seja exibida ao olhar alheio – a escolha da cor, dos detalhes, da maquiagem, a admiração da própria imagem antes, no espelho, e o momento da surpresa para o parceiro – compõe um ritual de apropriação de aspectos nem sempre óbvios da personalidade. A sexóloga ressalta que a característica arcaica da sensibilidade masculina é despertada por estereótipos, o que faz com que elementos eróticos pareçam especialmente interessantes. Essa produção pode, em determinados casos, apresentar-se para o homem como a sedutora imagem da mulher que se oferece a ele como um presente e, assim, o reafirma em seu papel dominante – na prática, um lugar cada vez menos efetivo. 

Já o olhar feminino costuma valorizar o conjunto, o que torna as mulheres mais benevolentes. Elas demonstram preferência por roupas íntimas masculinas que combinem conforto, elegância e higiene. Antigamente, um homem que dedicasse muita atenção à própria roupa de baixo seria classificado como pouco viril. Hoje, embora esse interesse exagerado continue a ser uma característica do universo homossexual masculino, a afirmação da própria imagem já comporta a descoberta do cuidado com o corpo e – algo antes impensável – maior preocupação com a roupa de baixo.

MELHOR SEM ROUPA?

Para muitas mulheres, o uso da lingerie pode ajudar a enfatizar ou resgatar a feminilidade: em muitos casos, admirar-se ao espelho com um conjunto bonito de calcinha e sutiã é um recurso para fazer as pazes com o próprio corpo – e aceitar que não é necessário ser perfeita para ser bonita, sensual e desejada. Segundo Ostergaard, porém, a roupa íntima sedutora traz contradições. Ao mesmo tempo que reforça a autoestima, pode exaltar inseguranças. Serve para realçar a feminilidade e tem o “poder mágico” de enfatizar a feminilidade, particularmente apreciada em uma época na qual as diferenças de gênero têm sido suplantadas. E existe quem se refira à lingerie como um estímulo a experimentações em relação à própria sexualidade. Essas peças, no entanto, têm sido um instrumento de controle do corpo feminino, aproximando-o do estereótipo imposto pela mídia: para se sentir bem com determinadas produções é indispensável aderir aos padrões estéticos oficiais. É como se as mulheres tivessem interiorizado certa imagem sem se dar conta de que ela não tem nada de natural, de que é apenas o resultado de recursos para aumentar o volume das formas ou sustentá-las. Isto também acontece porque aumentou a oferta de peças que antes pareciam reservadas a strippers ou garotas de programa. 

Parece, contudo, que a maioria não aprecia os excessos e prefere se mostrar sensual, em vez de declaradamente sexy. “Não seria exagero dizer que cada vez mais mulheres reconhecem o cérebro como o instrumento de sedução por excelência”, ressalta o sociólogo Francesco Morace, da empresa Future Concept Lab, especializada em pesquisas de opinião e comportamento. De qualquer forma, independentemente da classe socioeconômica, quase todas as mulheres têm alguma roupa íntima “especial”, embora o significado do termo seja subjetivo. Algumas valorizam seda e laços, enquanto outras preferem um conjunto clássico de calcinha e sutiã ou guardam com cuidado aquele que “deu sorte” em determinada ocasião. As peças adquirem valor simbólico, tanto que muitas vezes são guardadas de uma maneira diferente e não são emprestadas nem mesmo para as amigas mais íntimas com as quais se poderia tranquilamente dividir um biquíni, por exemplo. 

E não se pode esquecer que existe uma roupa íntima certa para cada ocasião. “Elas são escolhidas como um instrumento de comunicação com base em quem imaginamos encontrar”, observa Volli. Existe aquela para mostrar ao médico, às colegas da academia de ginástica e para o parceiro em uma noite especial. Não raro, as mulheres reservam a melhor calcinha para a noite em que sabem que irão para a cama com alguém. E há até aquelas que evitam um encontro íntimo quando não estão usando uma peça que não lhes pareça suficientemente adequada.

Parece não haver dúvida de que a roupa íntima serve para seduzir, “esquentar” o relacionamento ou, em alguns casos, simplesmente garantir mais segurança quando chega o momento de tirar a roupa. “De fato a escolha da lingerie pode ajudar a trazer de volta o componente lúdico de uma relação, o que é certamente positivo, mas é preciso que haja certa cumplicidade entre o casal para que ambos se divirtam”, afirma Volli. 

E obviamente há o risco de que a mulher que apostou numa roupa íntima sexy tenha alguma desilusão. Isto acontece quando, por exemplo, o conjunto comprado com tanto cuidado não recebe nenhum comentário, já que alguns homens (ainda) consideram os elogios como um sinal de fraqueza. E quando se recebe a lingerie de presente? “O gesto expressa desejo de intimidade e pode abrir possibilidades de diálogo”, acredita Rescaldina, embora muitas vezes os artigos escolhidos pelos parceiros sigam mais o próprio imaginário que as formas de quem deve usá-los. 

Na opinião do psicólogo, um look ousado, composto de meias aderentes, cinta-liga e sapatos de salto alto, exibido por quem sempre usou roupas folgadas tanto encanta quanto assusta o parceiro, principalmente se a relação passa por uma crise. A atitude feminina provocativa, principalmente quando surge de forma repentina, pode amedrontar homens mais inseguros, que tendem a ver a ousadia ou a sensualidade explícita de forma desvinculada do afeto que consideram “condizente” com uma relação estável. Apesar das transformações sociais e culturais, em alguns segmentos da sociedade o preconceito ainda ronda o imaginário coletivo marcado pelo machismo. E mesmo que inconscientemente, muitas vezes prevalece o conceito arcaico de que a fêmea é uma presa a ser dominada. Por isso, a maneira como uma mulher se veste (ou se despe) para se colocar no lugar de objeto de desejo do parceiro pode fazer com que ela seja vista como uma ameaça, um perigo, já que terá aquele que a quer sob seu domínio. Nesses casos, em vez de obter o resultado esperado, uma produção mais ousada pode surtir resultado oposto. E no lugar da atração, surgir o medo e, consequentemente, a rejeição. E poucas frases são menos bem-vindas do que a pergunta: “Mas o que você está vestindo?!”. 

Embora grande parte dos homens tenha ideias bastante precisas sobre seus gostos em relação ao vestuário feminino – , e não poderia ser de outra forma, tendo em vista a frequência com que certas imagens são alardeadas pela publicidade e oferecidas pela mídia – muitos realmente não se interessam por essas peças. Pensam que, quando se chega ao ponto de ver a lingerie, o jogo de sedução já está em andamento, e são sinceros quando afirmam que preferem a parceira simplesmente “sem roupa alguma”. 

A orientação dos especialistas para evitar decepções? Sondar a opinião do parceiro antes de fazer uma surpresa. De preferência, escolher peças que deixem quem usa à vontade – permitindo-se brincar com o imprevisível e com a sensualidade, porque talvez o mais importante não seja a roupa em si, mas o modo como ela é usada e toda a fantasia que evoca. Afinal, com atmosfera certa, até o agasalho macio e confortável pode mexer com a imaginação.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/seducoes_intimas.html>. Acesso em 15 nov 2012.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A invenção da mulher

Marcus do Rio Teixeira

A sexualidade humana constantemente é explicada com base no mecanismo hormonal e em modelos animais. Desse ponto de vista, as coisas são essencialmente simples – homens e mulheres seguiriam condutas que visariam a reprodução da espécie, comparáveis às dos outros animais sexuados. Cotidianamente, porém, a realidade desmente tal hipótese. 

Mamíferos, aves e peixes apresentam comportamento invariável durante o período do acasalamento, que consiste na emissão de determinados sinais – visuais, sonoros, olfativos – facilmente reconhecidos pelo indivíduo do sexo oposto. Na natureza, portanto, não existe possibilidade de mal-entendido; os únicos problemas que os casais enfrentam são de ordem material, como densidade demográfica da espécie em sua região. No reino animal não há sofrimento psíquico causado pelo relacionamento sexual. Não se ouve falar de peixes apaixonados, elefantes em crise de meia-idade ou leoas querendo discutir a relação.

Em contrapartida, na espécie humana, não há uma conduta unívoca para a aproximação sexual; além disso, os sinais emitidos por cada um são ambíguos tanto para seu parceiro como para si. A própria linguagem, que supostamente serve para a comunicação, é a principal fonte desse mal-entendido. Quem nunca teve a sensação de que o(a) parceiro(a) não compreende nada do que lhe é dito? Permeada de linguagem, nossa sexualidade perde as certezas e o objetivo natural da reprodução da espécie. Longe do Éden sexual imaginado nostalgicamente por nossos cientistas, ela é marcada pelas incertezas e pelos conflitos inerentes ao humano. “De todos os animais ofalasser [o ser falante] é o único que possui uma sexualidade infeliz. Não somente complicada, mas infeliz”, comenta o psicanalista francês Charles Melman.

Édipo feminino

Uma vez que a linguagem nos afasta de uma sexualidade natural, determinada pela biologia, o que definiria então a feminilidade? Sabemos que o fato de uma pessoa nascer com um par de cromossomos XX significa que se trata de uma fêmea da espécie humana, mas não garante que venha a ser uma mulher. Se o real do organismo não fornece essa garantia, o que constituiria a especificidade da posição feminina? Poderíamos pensar que tal posição nada mais seria do que a assunção, pelo sujeito, das representações do feminino que a cultura lhe transmite. Sabemos, porém, que tais representações variam histórica e geograficamente. Seria então a feminilidade uma colagem imaginária de modelos impostos, sujeita a oscilações de tempo e lugar? Qual o papel da linguagem na constituição da posição sexual?

De acordo com Sigmund Freud (1856-1939), a assunção, pelo menino e pela menina, de uma posição masculina ou feminina ocorre ao final de uma série de investimentos libidinais e identificações com o casal parental (ou com os adultos que cumprem esse papel), que ele denominou Édipo, tendo como modelo o mito grego. Freud destaca a importância no Édipo de um elemento simbólico que ele chamou, novamente segundo uma referência clássica, de falo. Desde o início ele esclarece que, embora o órgão masculino seja uma das formas assumidas pelo falo, este não se reduz ao pênis. Em uma equação simbólica, outros objetos da realidade podem ter valor fálico, como o bebê para a mãe, as fezes como objeto de dom ou ainda o dinheiro. O inconsciente não reconhece a díade homem/mulher, mas apenas fálico/castrado.

A saída do Édipo masculino em sua forma mais simples se dá, grosso modo, pela renúncia do menino à mãe como primeiro objeto do desejo devido ao temor da castração. Ao identificar-se com o pai, que ocupa a função de agente interditor entre a mãe e ele, o menino adquire a possibilidade de exercer sua virilidade com outras mulheres, respeitando o tabu do incesto. Mas é o Édipo feminino que constitui motivo de embaraço para Freud; ele logo percebe que o percurso da menina em direção à sexualidade adulta não é simétrico como o do garoto. A mudança do objeto de desejo (a mãe é também o primeiro objeto de desejo para a garota) para o pai e a própria saída da situação edípica são questões problemáticas.

Ao final, Freud destaca o ressentimento da menina em relação à mãe por não encontrar do lado dela um elemento simbólico que possa lhe garantir o acesso à feminilidade. A relação entre mãe e filha, portanto, seria sempre um tanto tensa e marcada pela reivindicação, traços que, segundo ele, se repetiriam com o primeiro homem com o qual a mulher mantivesse um laço conjugal.

Portanto, enquanto a masculinidade é da ordem da transmissão, a feminilidade diz respeito à invenção, a cargo de cada mulher. Não é à toa que questionar-se sobre o que significa ser feminina é algo muito comum para elas. A figura da amiga, na qual a mulher se espelha e de quem imita não somente os aspectos físicos, o corte de cabelo, as roupas, mas também o jeito, o “ar”, ilustra perfeitamente essa busca do traço da feminilidade. A jovem Dora, que Freud atendeu para tratar de sintomas histéricos, é um caso clássico até hoje citado como exemplo do misto de fascinação e rivalidade de uma mulher em relação a outra. 

Construção da feminilidade

Em sua releitura da teorização freudiana do Édipo, o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1980) ressalta alguns pontos importantes para a compreensão da feminilidade. Em primeiro lugar, distingue a castração em sua dimensão simbólica, como submissão às leis da linguagem, de sua dimensão imaginária, como temor da emasculação, sentimento de perda ou inferioridade. Define o falo como um significante, ressaltando o papel da linguagem na constituição do sexual no humano, que assim se diferencia da atividade reprodutiva dos animais. O que o significante fálico instaura é a dessimetria radical entre as posições masculina e feminina: dado que não há dois elementos simbólicos, um para cada sexo, homens e mulheres devem se reportar a um mesmo significante, o falo. A repartição simbólica dos seres sexuados não duplica simplesmente a divisão anatômica, mas organiza duas classes de seres que se referem, de maneiras diferentes, a um mesmo significante. Mesmo entre os casais homossexuais cada um dos parceiros assume comumente um papel que é facilmente reconhecido como masculino ou feminino. Ou seja, ainda que não haja distinção anatômica entre os parceiros, a diferença da posição sexual é instaurada pelo falo.

Segundo Lacan, as duas formas de se reportar ao falo podem ser compreendidas com o recurso dos verbos ser e ter. Inicialmente, o bebê, menino ou menina, seria tomado pela mãe como sendo o falo, investimento desejante necessário para seu advento como sujeito. Esse momento inicial deve ser transitório, uma vez que a permanência da criança assujeitada ao desejo da mãe traria conseqüências graves. É necessária, portanto, a intervenção do pai (ou de alguém que exerça a função paterna) como um agente a privar a mãe de seu falo e a criança de seu objeto incestuoso. Mas é somente em um tempo logicamente posterior que o pai ressurge como portador do falo que a mãe deseja e a situação edípica pode encontrar sua saída. O menino herdaria aquilo que Lacan chama de insígnias do pai, adquirindo uma “virilidade por procuração”. Desse modo, ele pode jogar com ter o falo como atributo viril, ainda que simbolicamente tenha passado pela castração. Quanto à menina, a passagem à posição feminina se daria pela via do não tê-lo, ao mesmo tempo que pode vir a sê-lo, o que lhe confere um enorme poder sobre aqueles que o têm.

A teorização lacaniana traz de imediato algumas implicações: a primeira é que macho e fêmea, na espécie humana, não são o complemento natural um do outro, como preconizam ainda hoje algumas teorias, ecoando um ideal tão antigo quanto o yin/yang. Porém, mesmo não sendo complementares, “masculino” e “feminino” não são categorias estanques, que possam ser pensadas isoladamente. Assim, a mulher tem seu desejo suscitado pelo falo que o parceiro possui, enquanto para o homem é ela que encarna o falo que ele deseja. 

É importante lembrar que a inexistência de um significante específico que venha a garantir a feminilidade torna a mulher particularmente sensível ao imaginário, ao mundo das imagens. Isso se manifesta não somente quanto à imagem do outro, do semelhante, como na relação de amizade com outra mulher, mas também no que diz respeito às imagens provenientes da mídia, que impõem padrões de beleza de forma superegóica. A medicina reconhece há tempos a alta incidência entre mulheres de quadros clínicos relacionados à excessiva preocupação com a imagem corporal, como a anorexia. 

Lacan frisa ainda o aspecto de construção do feminino ao inspirar-se em um artigo da psicanalista Joan Rivière para definir a feminilidade como mascarada, ou seja, um conjunto de artifícios que a mulher utiliza para parecer feminina aos olhos do homem. O papel do olhar aqui não deve ser negligenciado; é esse olhar que a mulher busca em seu parceiro como garantia de sua importância no desejo dele. Se pensarmos que o próprio eu é construído a partir do olhar do outro, que lhe confere consistência, podemos dimensionar o que representa para a mulher ser reconhecida como desejável por um homem.

A mulher no desejo masculino

Ao introduzir o conceito de objeto a, ao qual chamou de sua invenção, Lacan acentua a dissimetria entre as posições masculina e feminina. Na teoria lacaniana, trata-se do objeto fundamentalmente perdido, do qual o sujeito é separado em sua constituição e que representa a matriz de todos os objetos que ele vai desejar posteriormente na realidade, sendo denominado por isso de causa do desejo. Ainda que seja essencialmente imaterial, o objeto a pode ser materializado imaginariamente por alguns objetos; estes possuiriam a característica comum de serem parciais, em geral partes do corpo. O desejo masculino recorta imaginariamente no corpo da mulher esse objeto, o que faz com que ele não a deseje em sua totalidade, mas como objeto parcial. “Ao ter acesso ao lugar do desejo, o outro de modo algum se torna o objeto total, mas o problema, ao contrário, é que ele se torna totalmente objeto, como instrumento do desejo”, diz Lacan.

A percepção de que algo no corpo da mulher é tomado como objeto do desejo masculino pode provocar certa inquietação nela. Sobretudo na puberdade, com as modificações físicas, o surgimento dos caracteres sexuais secundários, a menina pode apresentar sinais de inibição, como a recusa em vestir roupas de banho para não exibir o corpo ou a adoção de uma postura curvada para esconder o aparecimento dos seios. Essa inibição sinaliza uma mudança, marcada pela consciência do olhar masculino que vê seu corpo como desejável. O que está em jogo aí é a passagem da condição de criança à de mulher que porta em seu corpo o objeto que causa o desejo para o homem. 

Mais tarde, ainda que possa aprender a jogar com esse objeto para provocar o desejo masculino, a mulher não deixará de manter certa estranheza em relação ao fato de portá-lo em seu corpo. É comum se perguntar o que exatamente suscita o desejo de seu parceiro. Se ela chega a formular a pergunta ao homem e este lhe responde com sinceridade, a resposta inevitavelmente a decepcionará. Afinal, o que seus lábios, seios ou nádegas têm de especial ou mais importante que seu próprio ser?

A mulher estranha o caráter fetichista do desejo masculino, assim como a clivagem que para o homem separa facilmente o desejo do amor, uma vez que para ela ambos convergem em um mesmo objeto. “Mas ela encontra o significante de seu próprio desejo no corpo daquele a quem sua demanda de amor é endereçada”, afirma Lacan. Sua estranheza maior, porém, diz respeito ao lugar de objeto que ocupa na fantasia do homem. 

Formas de existir

É nos anos 70 que Lacan cria um de seus aforismos mais polêmicos: “A mulher não existe”. Há sem dúvida certo gosto pela provocação nessa afirmação, porém ela não deixa de manter uma coerência teórica com a afirmação freudiana de que o inconsciente não reconhece a diferença dos sexos, mas apenas a dicotomia fálico/castrado. Portanto, o que Lacan afirma não existir não é a mulher em sua materialidade física, e sim o significante que definiria “A” mulher. Dessa forma, as mulheres são obrigadas, uma a uma, a construir sua versão da feminilidade sem um suporte simbólico.

A mulher, porém, ganha existência como ideal presente na criação artística – por exemplo, na literatura. Quando o poeta cria uma representação do feminino, ele confere realidade a esse ideal. Da mesma forma, o homem apaixonado quando toma sua amada como aquela que é capaz de preencher sua falta. Segundo Melman, “o amor é ele mesmo uma tentativa de fazer existir A mulher, a única, aquela sem a qual minha vida está perdida”. A distância entre esse ideal e a mulher da realidade pode ser verificada sobretudo na vida das musas ou sex symbols, que sofrem por encarnar, muitas vezes com conseqüências trágicas, esse ideal que ultrapassa suas limitações cotidianas. 

A maternidade seria outra forma de fazer existir a mulher, dessa vez contando com o aval da religião cristã, que cultua a figura materna. O problema é que essa seria mais uma maneira de encarnar o falo, restando para ela a sensação de que a feminilidade continuaria no horizonte. Além disso, nossa cultura, na atualidade, aponta tal vertente como limitadora e acena com outros modos de realização feminina.

É em torno dessa época que Lacan define masculino e feminino como dois campos nos quais os sujeitos podem se colocar independentemente de sua anatomia. Tais campos são constituídos por sua relação com o falo, aqui redefinido como função fálica. Os homens são totalmente concernidos pela função fálica, ou seja, eles são todos fálicos. Sua relação com o mundo é mediada pelo gozo fálico, que inclui o gozo sexual, porém não se resume a ele. As mulheres, por sua vez, não se restringem ao gozo fálico, embora participem dele tanto quanto os homens. 

Nesse sentido, elas seriam não-todas fálicas, ou seja, elas teriam acesso pleno ao gozo fálico, mas também a um gozo não-fálico, que Lacan qualifica como suplementar. Dessa maneira, ele relê o impasse de Freud, que não conseguia explicar totalmente a sexualidade feminina a partir do falo, admitindo que a feminilidade não diz respeito inteiramente ao falo e que ela só pode ser pensada considerando sua pertença a um campo não-fálico. A noção de um gozo suplementar é interessante porque, enquanto a teorização freudiana deu margem a críticas que acusavam a psicanálise de situar a mulher do lado do menos, a versão lacaniana nesse sentido a situa do lado do mais, mais de um gozo. Esse gozo, que Lacan chama de gozo Outro, não diz respeito ao sexo. Ele o aproxima, antes, do gozo místico dos santos, daquilo que está excluído da palavra, do inefável.

Lógica do desencontro

A feminilidade possui, portanto, algo de inapreensível ao homem, visto que não participa da significação fálica que organiza o universo masculino. Ela é organizada segundo uma lógica diversa, uma lógica do não-todo. Ainda que do ponto de vista da biologia homem e mulher sejam macho e fêmea da mesma espécie, buscam objetos diferentes e são regidos por lógicas diversas. Isso faz com que a mulher guarde, para o homem, uma dimensão de estranheza, que se traduz comumente no preconceito sob a forma das acusações mais diversas.

Lacan vai formular então outro aforismo polêmico: “A relação sexual não existe”. Na verdade, ele utiliza o termo francês rapport, que pode ser traduzido tanto por relação quanto por razão, no sentido matemático. Se há uma heterogeneidade radical entre os sexos, em que cada um se relaciona não com o outro, mas com um objeto diferente, então não há uma relação biunívoca, não é possível escrever uma razão entre eles. Isso coloca os desencontros da vida amorosa e sexual sob um novo ângulo, não mais como uma contingência a ser sanada por meio do esforço e da boa vontade dos parceiros, e sim como uma dificuldade decorrente dos efeitos da linguagem sobre a sexualidade humana. 

Para a mulher, seu corpo não é suficiente como garantia de acesso à posição feminina. Como ser da linguagem, ela não tem, assim como o homem, a receita pronta de uma sexualidade conforme a natureza. Porém, ao contrário de seu parceiro, que encontra a garantia de sua posição de homem em um elemento da própria linguagem, ela se ressente por não encontrar, como ele, um elemento simbólico que confirme sua condição de ser sexuado. Onde estaria exatamente a feminilidade: no corpo, na aparência, na sedução? 

As injunções que chegam à mulher provenientes do imaginário constituem um sucedâneo precário daquilo que para o homem é suprido pela referência fálica, além de variarem segundo o capricho da moda e das ideologias. O ideal contemporâneo em nossa cultura parece ser o da indiferenciação sexual. No entanto, o que a mulher possui simbolicamente é sua condição dehéteros, de diferença inassimilável pelo falicismo.

Imaginário masculino

No filme Neblina e Sombras, de Woody Allen, há uma cena em que a personagem de Mia Farrow foge dos maus-tratos de seu marido e é acolhida pelas prostitutas no bordel da cidade. Elas têm então um diálogo muito bem-humorado em que falam sobre as fantasias sexuais masculinas, que, vistas de fora, são esquisitas ou ridículas. 

Na acepção psicanalítica, a fantasia não é estritamente um roteiro de um jogo sexual, mas a relação entre o sujeito desejante e o objeto que causa seu desejo. É ela que sustenta a vida sexual e amorosa do sujeito que busca esse objeto na realidade. 

Para a mulher, o fato de um homem tomá-la como tal objeto é algo que a intriga; ela se esforça para entender o que significa ocupar esse lugar e muitas vezes tenta com sinceridade corresponder a ele, imitando seus gostos, suas preferências ou tentando ser como seus amigos homens, com os quais ele parece tão à vontade. Porém não pode evitar a sensação de despersonalização que a acomete, uma vez que se trata da fantasia dele, na qual ela ocupa o lugar de objeto. Ora, um objeto é, por definição, o contrário de um sujeito; não é alguém, é algo. Aquilo de que ela se ressente é da negação de sua subjetividade a que é exposta pela fantasia masculina. 

Desejo amortecido

Freud considera a inibição sexual na mulher resultado de um recalque excessivo da atividade masturbatória na fase edipiana. Já o psicanalista francês Jacques Lacan, em sua apresentação no Congresso sobre Sexualidade Feminina (1960), chega a afirmar que, se for levada em conta sua forma transitória, a frigidez feminina é praticamente genérica. Ressalta, porém, que ela é “relativamente bem tolerada” pelas mulheres, em comparação com a atitude dos homens diante da impotência. Lembra ainda que a frigidez deve ser compreendida no âmbito da neurose e que isso explica “sua inacessibilidade a qualquer tratamento somático – e, por outro lado, o fracasso corriqueiro dos préstimos do parceiro mais desejado”.

É interessante notar que tais observações são confirmadas nos dias de hoje pelo fracasso, até o momento, na criação de um equivalente feminino dos medicamentos para a chamada disfunção erétil – que, na realidade, não são afrodisíacos, apenas vasodilatadores. Ou seja, eles propiciam condições fisiológicas para o desejo sexual se manifestar, porém são ineficientes para gerá-lo. 

Diante do fenômeno, a psicanálise não propõe uma solução física, mas a compreensão da própria constituição do desejo. Se a frigidez é bem tolerada entre as mulheres, como afirma Lacan, é porque, para elas, não há clivagem entre desejo e amor. Assim, uma dificuldade referente ao desejo pode ser mais bem tolerada quando continua existindo um investimento amoroso no parceiro. 

O psicanalista francês Charles Melman, por sua vez, comenta que no início de sua prática clínica, há cerca de 50 anos, a frigidez tinha de fato um caráter quase genérico, mas que hoje, apesar de ainda existir, é cada vez mais rara. Ele atribui tal mudança a uma suspensão do recalque sobre a sexualidade devido a transformações culturais. De fato, a mulher tem atualmente a possibilidade de exercer sua sexualidade de uma forma que não era possível às pacientes de Freud. Isso mostra a plasticidade do sintoma e quanto ele não pode ser reduzido a mecanismos fisiológicos.


PARA CONHECER MAIS
A feminilidade: conferência XXIII (1923). S. Freud, em Obras completas, Imago, 1976, vol. 22.

Sexualidade feminina (1931). S. Freud, em Obras completas, Imago, 1976, vol. 21.

O seminário livro 5: As formações do inconsciente (1957-1958). J. Lacan. Jorge Zahar, 1999.

O seminário livro 20: Mais, ainda (1972-1973). J. Lacan. Jorge Zahar, 1982.

A significação do falo (1966). J. Lacan, em Escritos, Jorge Zahar, 1998.

Será que podemos dizer, com Lacan, que a mulher é o sintoma do homem? C. Melman. Tempo Freudiano, 2005.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_invencao_da_mulher_imprimir.html>. Acesso em 11 out 2012.

domingo, 18 de março de 2012

Bissexualidade praticada

Breno Rosostolato
11/03/2012

Homens, vocês não são mais os mesmos, e muito menos vocês, mulheres. Cada vez mais percebo mudanças significativas nos comportamentos entre os sexos. O que sempre foi justificado como uma guerra entre homens e mulheres tornou-se uma exacerbação e predominância do sexo frágil, se ainda podemos dizer isso. E, querem saber, de fato, sempre foi assim.

“Por trás de um grande homem existe uma grande mulher”. Esta antiga frase é muito apropriada se pensarmos que decisões foram e são tomadas pelas mulheres. Os homens acreditam que suas vontades são prioritárias, mas na verdade executam as delas. É difícil pensar, por exemplo, que os reis possuíam uma autonomia e não consultavam suas rainhas antes de uma tomada importante de decisão. Inclusive, as mulheres possuem papel central em muitos momentos históricos, e seu poder de decisão foi fundamental. Cleópatra, soberana no Egito; Joana d'Arc, combatente francesa que liderou o exército em vários momentos; Anita Garibaldi, a heroína dos dois mundos; Evita Peron, política argentina; Margareth Tatcher, a Dama de Ferro inglesa; e a nossa primeira presidente mulher, Dilma Rousseff. Ficaria um bom tempo aqui lembrando de tantos outros nomes.

Só que não é das mulheres em si que gostaria de discutir, mas sobre o efeito feminino nos homens e as consequências dessa influência. O lado feminino nos homens, enfim, passa a ser admitido, e, se não o é, nitidamente o comportamento, hábitos e costumes masculinos se metamorfosearam por conta dessa releitura.

Os homens têm se cuidado mais. Idas frequentes ao cabeleireiro, depilações, cremes para as mãos, pés, rosto. Produtos de cosméticos e de higiene próprios para o público masculino. Os pelos já não são mais uma marca da virilidade e da masculinidade. Virilidade essa que já é rediscutida nas clínicas sobre fertilidade. Os homens estão admitindo seu grande pesadelo: a impotência sexual. E, o mais significativo: buscam ajuda. Deixam o constrangimento de lado e reconhecem que precisam de orientação. As clínicas de cirurgia plástica são outro exemplo. Constatamos que os homens também se sacrificam em busca de um modelo de beleza. Ora, isso é admitir que outros homens são bonitos. E, o melhor, podemos dizer isso e não ter nossa orientação sexual questionada.

A nova condição masculina vem sendo recriada pela feminilidade, e, com isso, os homens evidenciam suas fragilidades, suas dores e anseios. Estamos emocionalmente transformados, a ponto de não precisarmos reprimir essa afetividade, que ainda é escravizada pela cultura e a educação do macho. Já repararam que falamos e discutimos a homossexualidade cada vez mais? Um dos alicerces para tal emancipação da verdade é a atmosfera feminina.

Os homens estão explorando mais sua sexualidade, experimentando novos prazeres e se permitindo mais uma subjetividade e desejos adormecidos. Sensíveis, choram por um amor, sofrem por ciúmes e temem a rejeição. Precisam de aprovações. Eles querem ser bonitos, desejados, são vaidosos, deixam de ser egoístas no sexo. Estão aprendendo, enfim, a escutar os benefícios do diálogo. Intervenção das mulheres.

Muito se fala das mudanças masculinas, mas a metamorfose feminina acompanha esse momento entre os sexos. É nítida a emancipação e a autonomia delas. Homens, admitam, elas são guerreiras. Trabalham, cuidam de casa, dos filhos, dos maridos com maestria. Independentes e bem resolvidas, elas fazem acontecer. Talvez esta mesma autonomia, cada vez mais em evidência, seja o motivo de tantos crimes cometidos contra as mulheres, pois a sociedade ainda apresenta uma dificuldade muito grande em aceitar e se adaptar ao novo e já consolidado momento sociocultural.

Homens e mulheres apresentarão sempre diferenças, algumas imutáveis, mas a essência masculina e feminina são muito parecidas, porque experimentamos o fenômeno da igualdade. Neste sentido, somos bissexuais, e o melhor de refletirmos sobre tudo isso é que essa simbiose provoca uma constante aprendizagem, que tende a se ramificar, originando muitas outras vertentes sociais e metamorfoseando as relações interpessoais.

Proponho, inicialmente, pensar na bissexualidade, não na perspectiva do desejo sexual mas na maneira como cada um integra em seu caráter características masculinas e femininas e, num segundo momento, a questão mais importante: enaltecer esses fenômenos sociais e culturais como oriundos e proporcionados pelo universo feminino.

É notório que as diferenciações de gênero não têm a ver apenas com posicionamentos sexuais mas com aspectos construídos e perpetuados na história da humanidade. Paradigmas e tabus que, hoje, caem por terra. É preciso compreender que os opostos se completam. Atenuar as diferenças e aceitar cada vez mais as semelhanças é a realidade inevitável entre mulheres e homens.  O respeito e o crescimento individual acontecem à medida que colocamos essa nova percepção em prática.

Disponível em <http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/03/11/bissexualidade-praticada/>. Acesso em 13 mar 2012.