Suzana Herculano-Houzel
abril de 2014
Por que gostamos tanto de encontrar os amigos para botar o
papo em dia e falar sobre a vida, a nossa e a dos outros? Por que passamos
tanto tempo conversando animadamente sobre o último filme que vimos no cinema
ou a roupa da atriz no Oscar?
É graças à fala que seres humanos podem facilmente trocar
ideias e conhecimentos, filosofar em voz alta e fazer planos sobre como mudar o
mundo. Por outro lado, compartilhar opiniões sobre filmes ou atrizes não vai
mudar o curso da história, e tem boas chances de também não alterar as opiniões
dos seus amigos. Mas se a comunicação é a capacidade que a atividade de um
cérebro tem de influenciar a atividade do cérebro dos outros, então por meio de
gestos, conversas e palavras escritas, nossos pensamentos afetam os dos outros.
Por vezes trocam-se informações de fato úteis, e o azar do assalto sofrido por um
se torna a precaução do outro. Outras, descobrem-se valores em comum, que
servem de laços de identificação social, ou oferecem-se apoio, compreensão, e
quem sabe até soluções inesperadas.
Trocar ideias é, sobretudo, uma maneira eficaz de expandir
seus horizontes e o alcance do seu cérebro, inclusive vivendo, de maneira
emprestada, vidas que não são suas – e aprendendo com elas. A comunicação
permite ao cérebro transcender suas limitações, ainda que só por alguns
instantes. Durante um livro ou filme, você pode experimentar mentalmente viver
na Idade Média, ser capitão do Bope, ou corista do Moulin Rouge.
Na prática, contudo, a fala é usada quase metade do tempo
para comunicar ao mundo como nós mesmos nos sentimos, do que gostamos ou o que
pensamos. De 30 a 40% da fala cotidiana trata de nossas experiências próprias
ou relacionamentos, e incríveis mas não surpreendentes 80% dos posts em mídias
sociais servem para irradiar para o universo a vida pessoal de cada um.
É claro que há várias vantagens em falar de si mesmo.
Fazendo isso, compartilhamos experiências e aprendemos uns com os outros – um
benefício talvez já grande o suficiente para garantir que, evolutivamente, o
hábito de falar de si mesmo fosse mantido e passado adiante.
Mas a motivação humana para falar tanto de si mesmo vem de
dentro. Um estudo da Universidade Harvard mostrou que o hábito tem suas origens
no sistema de recompensa do cérebro, aquele conjunto de estruturas responsáveis
por nos premiar com uma sensação física de prazer quando fazemos algo que o
resto do cérebro considera positivo ou interessante de alguma forma.
O estudo mostrou que, mesmo tendo a opção de receber mais
dinheiro para responder perguntas sobre os gostos e hábitos de outras pessoas,
ou sobre simples fatos, voluntários escolhem ganhar menos para falar de si
mesmos – e de dentro de um aparelho de ressonância magnética, onde só os
pesquisadores veem suas respostas. A preferência por falar de si mesmo
corresponde a uma maior ativação das estruturas do sistema de recompensa e
funciona mesmo quando segredo completo é garantido. O prazer de expressar seus próprios
pensamentos e estado de espírito é real, mensurável, e vem lá dos cafundós do
cérebro.
Mas, seres sociais que somos, a ativação do sistema de
recompensa é especialmente alta quando os voluntários sabem que suas respostas
serão ouvidas pelo acompanhante que eles trouxeram para o estudo. Falar de si é
bom, mas falar de si para os outros é melhor ainda.
Disponível em
http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/comunicacao_suzana_herculano.html.
Acesso em 17 abr 2014.