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sábado, 10 de agosto de 2013

Consumo, logo existo

Roberta de Medeiros
dezembro de 2009

Diante de um mercado forte e diversificado, o homem da sociedade contemporânea é continuamente bombardeado por sedutoras peças publicitárias, que prometem bem-estar, status, conforto, projeção imediata e ilusão de segurança. Com a chegada das festas de fim de ano, a lógica do “consumo, logo existo”, segundo a qual o bem-estar é conquistado pela aquisição de produtos, se torna ainda mais evidente. Em casos extremos, a compulsão por compras pode se tornar patológica.

Dois psiquiatras, o alemão Emil Kraepelin (1856-1926) e o suíço Eugen Bleuer (1857-1939), foram os primeiros a escrever sobre o comprar compulsivo (ou oniomania), no início do século XX. Para os pesquisadores, levar em conta a dificuldade de controlar o impulso é elemento essencial para compreender o quadro. Eles observaram que algumas mulheres com esse diagnóstico buscavam excitação, assim como os jogadores patológicos. O tema caiu no esquecimento nos anos seguintes e foi retomado de forma mais intensa na década de 90. O transtorno, porém,ainda não é considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas, a pessoa que sofre de compulsão experimenta uma forte ansiedade que só é aliviada quando faz a compra. “Ela não consegue controlar um desejo intrusivo e repetitivo. O ato é imediatamente seguido por intenso sentimento de alívio.” Em situações de impossibilidade de comprar podem aparecer sintomas como irritação, sudorese, taquicardia, tremor e sensação de desmaio iminente. Algum tempo depois de adquirir a nova mercadoria, porém, surge a sensação de remorso e decepção diante da incapacidade de controlar o impulso. Numa atitude compensatória, o mal-estar causado pela culpa leva a pessoa a comprar novamente, dando continuidade ao círculo vicioso.

Numa sociedade que estimula o máximo consumo e a satisfação do prazer imediato, a compulsão por compras não é notada tão prontamente pela família, diferente do que ocorre com de outras dependências, como o abuso de drogas. Por isso, quem sofre do transtorno leva muitos anos para reconhecer o caráter patológico do seu comportamento. Mas quando isso acontece, a pessoa sente vergonha por não vencer a batalha contra o impulso – e, assim, o transtorno pode ser mantido em segredo por anos a fio.

Segundo a psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do Ambulatório de Dependências Não Químicas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a avaliação do problema não é feita com base na quantidade de dinheiro gasto. Isso, por si só, não constitui evidência para diagnóstico, mas sim prejuízo que o comportamento pode causar na vida da pessoa, já que ela passa a negligenciar atividades sociais importantes como trabalho e família. “O que deve ser considerado é a relação do paciente com a compra. Para o compulsivo, o único prazer está no ato de adquirir, ele não pretende usufruir do objeto: é um comportamento vazio”, afirma. Há, portanto, uma restrição do prazer, um empobrecimento social e uma queda da qualidade de vida, já que a pessoa se torna apática diante de outros estímulos.”

Em sua tese de doutorado, Juliana Bizeto investiga os fatores de risco que estão envolvidos com o surgimento de dependências não químicas. Com base em dados de uma pesquisa realizada com pacientes compulsivos atendidos pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp, ela constatou que um aspecto de grande importância é a falta de inserção social. “A pessoa que não está inserida em um grupo social, seja no trabalho, na família ou na igreja tem maior possibilidade de desenvolver algum tipo de dependência, seja por compras, jogos, sexo ou internet”, observa.

O artigo “Compulsive Buying. Demography, Phenomenology and comorbidity in 46 subjetcs”, publicado pelo periódico Gen Hosp Psychiatry em 1994, mostra que 94% dos compradores compulsivos são mulheres. Juliana ressalta, porém, que a presença do transtorno na população masculina pode estar subestimado. “Não sabemos se as mulheres são realmente as maiores vítimas ou se são as que mais frequentemente procuram o serviço de saúde. Em alguns casos, a gravidade do quadro é ainda mais acentuada nos homens porque eles demoram a buscar tratamento e, quando isso acontece, chegam ao ambulatório muito comprometidos”, ressalta.

Tempo de abusos

Nem sempre esse comportamento se repete durante o ano todo. A pessoa também pode ter “orgias” de compras ocasionais em algumas situações, como aniversários, épocas de festas e férias. A terapeuta observa, porém, que o gasto episódico não é suficiente para confirmar um diagnóstico. “No caso da compra por hábito ou impulso, a pessoa se sente atraída pelo produto; quando se trata de compulsão há descontrole, o compulsivo simplesmente não resiste e compra”, diz a psicóloga Júnia Cicivizzo Ferreira, da Unifesp.

Ela lembra que, em geral, os adolescentes são alvos fáceis quando o assunto é o consumo exagerado. O transtorno tem início no final da adolescência, fase em que as pessoas conseguem crédito pela primeira vez, fazendo com que alguns já iniciem a vida adulta como uma dívida incalculável. As compras descontroladas feitas por adolescentes podem estar associadas ao abuso de drogas e de álcool e ao início precoce da vida sexual. Apesar de o custo do transtorno nunca ter sido calculado, estima-se que o impulso de comprar movimente mais de US$ 4 bilhões em compras anuais nos Estados Unidos, segundo o artigo “The Influence of culture on cunsumer impulsive buying behavior”, de 2002, publicado na revista J. Consume Psycol.

Segundo Tatiana Filomensky, o comportamento compulsivo pode servir como meio de descarga para sanar angústias, raiva, ansiedade, tédio e pensamentos de desvalorização pessoal. Segundo ela, trata-se de um movimento aprendido. Embora não haja um “modelo”, há muitos casos de pessoas com o transtorno que tiveram pais ausentes que compensavam negligência com presentes. “Há casos, por exemplo, de pessoas que se atrasam para buscar o filho na escola e depois os compensam com doces ou brinquedos. Com isso, ensinam que objetos e produtos aplacam a tristeza; esse comportamento pode ser adotado pela criança na fase adulta.”

“Há pais que passaram por dificuldades financeiras na infância e, na melhor das intenções, tentam poupar os filhos de privações”, diz o psicólogo Luiz Gonzaga Leite, coordenador do Departamento de Psicologia do Hospital Santa Paula e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. “Isso pode comprometer a ideia de limite tornar essas crianças, adultos incapazes de suportar frustrações.”

Poder e narcisismo

O psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo concorda que o transtorno está relacionado à carência afetiva, mas acredita que o problema também tenha implicações com a necessidade de estabelecer relações de poder. “Nossa organização social nos ensina que para ser poderoso é preciso possuir objetos. O desejo de posse pode ser uma forma de compensar sensações de inferioridade que vivemos na infância diante dos adultos. Parte daí a vontade de mostrar, mais tarde, que somos fortes. E essa busca é realimentada pela cultura: afinal de contas, a carência dá lucro.”

Já o psicanalista Joel Birman, professor de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a voracidade do compulsivo está envolvida com elementos tão presentes na atualidade, como o narcisismo, o culto ao eu e o vazio existencial. O ato de comprar, segundo ele, equivale a uma experiência erótica que atenua o sofrimento do homem contemporâneo. “As pessoas recorrem ao consumo exagerado para que possam exibir uma imagem narcísica, que tem por objetivo o preenchimento do vazio com objetos. A compulsão se baseia numa lógica social que supervaloriza o ter em detrimento do ser.”

Segundo Birman, a pessoa está sujeita ao consumo incontrolável à medida que projeta ideais de perfeição nos ídolos idealizados, fabricados pela indústria cultural, que suprem a carência afetiva. “Nossa cultura valoriza astros envolvidos em impressões estéticas e performáticas, o que aumenta a insegurança das pessoas sobre o que têm como potência. Isso deflagra uma sensação generalizada de desqualificação. Se não fôssemos bombardeados a cada instante pelo estrelismo alardeado pela mídia, estaríamos menos tomados pela compulsividade.”

O avarento e o perdulário: duas faces da mesma moeda

Em seu livro Do ter ao ser, o psicanalista Erich Fromm diz que possuir coisas é uma condição inerente ao homem. Há cerca de 12 mil anos, com a fundação da agricultura, nossos ancestrais passaram a desenvolver uma ligação mais intensa com utensílios e adornos. Os objetos eram usados no cotidiano e tinham funcionalidade. Na sociedade capitalista, porém, a propriedade deixa de ter esse caráter utilitário: em geral, acumulamos mais bens do que somos capazes de usar.

Do ponto de vista psíquico, o avarento e o esbanjador têm em comum a relação patológica com a propriedade, relacionada ao “ter possessivo”: ambos querem acumular mais que seria necessário para o seu uso. Tanto a infinidade de objetos que o gastador acumula em suas incursões por lojas de departamentos quanto o dinheiro que o poupador exagerado deixa de gastar remetem à ideia de uma propriedade morta, uma vez que os bens deixam de ter qualquer funcionalidade ou valor de uso.

Em seu texto “Caráter do erotismo anal”, de 1908, Sigmund Freud propõe um paralelo entre os interesses envolvidos no ato de acumular bens e o dinheiro. Segundo a teoria psicanalítica, a criança se agarra ao desejo de possuir porque ainda não é capaz de produzir – e essa sensação faz parte do desenvolvimento saudável. Mas se o adulto se torna refém do sentimento de posse, isso pode significar que ainda não se sente capaz de criar algo por si.

Fatores biológicos

Pesquisas indicam que alguns neurotransmissores têm papel importante no surgimento do comportamento compulsivo. É o caso da serotonina, envolvida nos processos de regulação dos estados de humor e do sono. Pouca quantidade da substância no cérebro parece estar ligada à impulsividade. Um estudo que examinou usuários de ecstasy, droga que leva à perda de neurônios de serotonina, mostrou que esse grupo apresentou maior propensão à impulsividade e tomadas de decisões erradas.

Outra substância que pode estar envolvida na compulsão é a dopamina, relacionada à dependência de substâncias e de comportamentos. As alterações na atividade do neurotransmissor podem estar associadas à busca de recompensas, que causam sentimentos de prazer. Alguns autores do estudo propõem a existência de um mecanismo de dependência desencadeado pela diminuição de dopamina, que provoca a chamada síndrome de deficiência da recompensa e indica que algumas pessoas têm mais risco de desenvolver dependência.

Estudos com pacientes com doença de Parkinson reforçam a hipótese de que a dopamina está envolvida nos transtornos do controle dos impulsos. Vários pacientes examinados apresentavam comportamento repetitivo de busca de recompensa, como compulsão por jogo, sexo, comida e compras. Esse comportamento estaria relacionado com a degradação das células neurais que captam a substância, em função da doença e do tratamento.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/consumo_logo_existo.html. Acesso em 10 ago 2013

domingo, 30 de setembro de 2012

Batalha contra o espelho

Roberta de Medeiros

As cirurgias plásticas viraram uma obsessão do cantor americano Michael Jackson, cujas intervenções começaram em 1984 e não pararam mais. Em uma entrevista concedida em 1993 à apresentadora americana Oprah Winfrey, o astro pop se descreveu como perfeccionista e "nunca satisfeito com nada", incluindo a sua aparência. Jackson não estava sozinho. Afinal, quem nunca se sentiu insatisfeito diante do espelho ao menos por um dia? Mas há quem confira dimensões extremas à conhecida fábula do patinho feio e transforme o próprio corpo num verdadeiro campo de batalha. São pessoas que sofrem de uma desordem psicológica chamada dismorfofobia ou transtorno dismórfico, que as faz alimentarem ideias irreais sobre a própria imagem corporal. É o caso da engenheira química C., de 39 anos, que teve sérios problemas devido à excessiva preocupação com a sua aparência física. Dizia que seu rosto se tornava flácido e que suas bochechas estavam prestes a desabar. Começou, então, a se sentir insegura a ponto de não sair na rua sozinha. Deixou de dirigir, ficando a maior parte do tempo em casa. Passou a ter espasmos no rosto e deixou até mesmo de falar. Exames clínicos, porém, não mostraram qualquer alteração na pele ou no tônus muscular do rosto de C., mulher jovem e de boa aparência.

O distúrbio foi relatado pela primeira vez pelo psiquiatra italiano Enrico Morselli, em 1886. À época, foi descrito como um sentimento de feiura ou defeito no qual a pessoa sente que é observada por outras, embora a sua aparência esteja dentro dos limites da normalidade. Por isso, o distúrbio recebeu o nome de "hipocondria da beleza". Somente nos Estados Unidos, o distúrbio atingiria cerca de 5 milhões de pessoas ou 2% da população. "Trata-se de uma certeza, muitas vezes delirante, de que uma parte do corpo não está bem. Enquanto a pessoa que alucina inventa o mundo, o delirante vê o mundo com outros olhos", compara o neurologista Edson Amâncio, autor do livro O homem que fazia chover.

"Em geral, as queixas envolvem falhas imaginárias ou leves no rosto ou na cabeça, como acnes, cicatrizes, rugas ou inchaços", diz. Dificuldades sociais e conjugais ocorrem com as pessoas que têm o transtorno, dependendo da gravidade, a ponto de terem sua vida completamente desestruturada. "O prejuízo pode ser resultado do tempo que se gasta com a atenção ao corpo, em detrimento de outros aspectos da vida, quase sempre negligenciados", diz Amâncio. "Quem sofre da doença se olha com frequência no espelho ou em outras superfícies refletoras para checar a aparência, o que pode consumir muitas horas por dia numa atitude compulsiva bastante difícil de resistir", diz o neurologista. Outros, ao contrário, esquivam-se de espelhos em uma tentativa não bem-sucedida de diminuir o mal-estar e a preocupação.

Camuflagem

As queixas de quem tem preocupação exagerada com o corpo, entretanto, são vagas. Muitas pessoas evitam descrever seus defeitos em detalhes, podendo se referir à sua "feiura" em geral. Essas pessoas tentam camuflar seus defeitos imaginários com óculos escuros, bonés, luvas ou roupas. O psiquiatra e psicoterapeuta Geraldo Possendoro, professor da Unifesp, lembra que a crença de que algo está errado com o corpo pode extrapolar todos os limites. "A pessoa pode se queixar de que os poros do nariz estão muito abertos, por exemplo. Muitas vezes não há defeito algum ou o defeito é supervalorizado pelo paciente", diz Possendoro, para quem o problema muitas vezes está associado à baixa autoestima.

Os indivíduos com esse transtorno frequentemente pensam que os outros estão observando o seu "defeito", o que pode levar a uma esquiva das situações sociais que, levada ao extremo, chega até ao isolamento social. "Esses pacientes buscam e recebem tratamentos para a correção de seus defeitos imaginários, em uma peregrinação por diversos profissionais, principalmente cirurgiões plásticos, sem, no entanto, corrigir os supostos defeitos", diz Possendoro.

Dificuldades sociais e conjugais ocorrem com as pessoas que têm o transtorno, dependendo da gravidade

Alguns especialistas chegam a questionar se a anorexia poderia ser um caso de dismorfofobia, já que os indivíduos supervalorizam o tamanho do seu corpo e se angustiam com seu defeito imaginado. Já Possendoro defende o diagnóstico diferencial entre anorexia do transtorno dismórfico.

O tratamento inclui antidepressivos e psicoterapia. A literatura, no entanto, aponta a possibilidade de que o transtorno seja, na verdade, um delírio somático, uma crença irreal (e incorrigível pela argumentação) sobre o próprio corpo. "Nesse caso, o tratamento incluiria a administração de antipsicóticos associados a antidepressivos", diz Possendoro.
"Quanto à história familiar, não existem dados que estabeleçam um padrão claro do transtorno dismórfico corporal com outros transtornos psiquiátricos", diz Amâncio.

Dismorfofobia e outros transtornos obsessivos
Pacientes com transtornos obsessivos têm maior atividade em uma determinada região do cérebro, o córtex pré-frontal, o que os leva a ter procedimentos de controle exagerados, como retornar à própria casa várias vezes para checar se o fogão ou o ferro de passar foram desligados. Ou seja, estão sempre em estado de alerta. Dos transtornos psiquiátricos, o que mais se assemelha em critérios diagnósticos com a fobia social é o transtorno dismórfico corporal. Em ambos, os pacientes apresentam ansiedade social elevada, esquiva de situações sociais e medo de crítica e comentários adversos sobre sua aparência. Isolamento social e falta de habilidade social geralmente estão presentes nos dois casos.

Herodotus
Transtorno dismórfico corporal é um novo nome para um velho transtorno. Ele tem sido descrito nas literaturas europeia e japonesa por uma variedade de nomes. A primeira referência aparece na história de Herodotus, no mito da garota feia de Esparta, que era levada por sua enfermeira, todos os dias, ao templo, para se livrar da sua falta de beleza e atrativos.

Neurose compulsiva
Emil Kraepelin (1856-1926), grande psiquiatra alemão, considerado o criador da moderna Psiquiatria devido às suas enormes contribuições científicas contidas ao longo das oito edições de seu Tratado de Psiquiatria, ocupou-se do tema dismorfofobia, introduzindo-o na oitava edição do Tratado sob a rubrica de Neurose Compulsiva. Considerou a dismorfofobia como uma das formas clínicas da série de medos obsessivos que surgem do contato com outras pessoas. É desta forma que a dismorfofobia assemelha-se à timidez, ao medo de provas e à antropofobia, entre outros.

Homem dos lobos
Entre os casos clínicos publicados por Freud, o do paciente Serguéi Constantinovitch Pankejeff ficou conhecido como o "Homem dos lobos". Ele iniciou sua análise com Freud em 1910 e apresentava, entre outros sintomas, uma preocupação excessiva com a aparência de seu nariz. Antes de iniciar a análise com Freud, já havia feito vários tratamentos e se consultado também com os médicos Theodor Ziehen, de Berlim, e Emil Kraepelin, de Munique. Esse histórico, com certeza, aumentou o interesse de Freud pelo caso, pois considerava esses dois importantes médicos como "rivais" de profissão.

Tipos de delírio 
Alguns autores defendem que a dismorfofobia pode se apresentar como um tipo de delírio que se caracteriza pela presença de uma imagem distorcida em relação ao corpo. Conheça os tipos de delírio:

Delírio erotomaníaco 
A pessoa acredita ser amada por uma pessoa que ocupa posição superior, como autoridades e artistas.

Delírio de grandeza 
A pessoa está convencida de que tem ligação com personalidades importantes ou que tem um talento especial ou possui grande fortuna. 

Delírio de ciúme 
Sem motivo justo, a pessoa acredita que está sendo traída. Ela toma medidas extremas, às vezes tiranas, na tentativa de controlar o parceiro. 

Delírio persecutório
É o tipo mais comum entre os paranoicos ou delirantes crônicos. O delírio costuma envolver a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição, espionagem, perseguição.

Delírio somático
São formas de delírio em relação ao corpo. Os mais comuns dizem respeito à convicção de que a pessoa tem deformações de certas partes do corpo.

Narcisismo

Para a psiquiatra Magda Vaissman, professora da UFRJ, transtornos de personalidade como narcisista, obsessivo- compulsivo e borderline podem predispor à dismorfofobia. "É muito frequente que o transtorno esteja associado ao narcisismo. Do ponto de vista psicanalítico, é um problema na elaboração do narcisismo primário. No complexo de Édipo, a criança sai do narcisismo para ir ao encontro do outro. Mas isso pode não ser bem elaborado, dando origem à personalidade narcisista", explica.

Em outros casos, a dismorfofobia está relacionada ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), no qual a pessoa se entrega a uma série de rituais de verifi cação do corpo, marcas e cicatrizes para afastar um pensamento incômodo ou intrusivo. A diferença do paciente com TOC em relação àquele que sofre de dismorfofobia é que, no primeiro caso, ele está convencido de que o pensamento intrusivo que leva à compulsão não é verdadeiro, embora não consiga se libertar, enquanto no segundo caso, a preocupação com o corpo é quase um delírio. "O quadro pode se apresentar como uma compulsão, no qual a pessoa segue uma série de rituais ou pode ocorrer ao nível do pensamento, que são as obsessões", analisa.

Ela lembra que a vigorexia, uma espécie de dependência por exercícios físicos associada ao culto à imagem, pode ser uma variante da dismorfofobia. "A pessoa nunca está satisfeita com o corpo, acha que pode perder massa muscular, mergulha numa rotina extenuante de exercícios e, muitas vezes, recorre aos anabolizantes para manter o tônus muscular", diz Magda.

Critérios Diagnósticos do Transtorno Dismórfico Corporal

A. Preocupação com um imaginado defeito na aparência. Se uma ligeira anomalia física está presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva. 
B. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. 
C. A preocupação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (por exemplo, a insatisfação com a forma e o tamanho do corpo na anorexia). 

Referência: Edson Amâncio, O homem que fazia chover Editora Barcarola

Cultura do belo

Uma entrevista feita com 162 homens e 184 mulheres pela divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, mostrou que 69% dos entrevistados passaram pelo menos uma hora por dia pensando que não têm uma boa imagem. Mas o que leva cada vez mais pessoas a um descontentamento tão grande com a própria aparência?

Alguns especialistas chegam a questionar se a anorexia poderia ser um caso de dismorfofobia

O transtorno pode ser reflexo de uma sociedade obsessivamente preocupada pela estética corporal, que vende corpos nos meios de comunicação. "A nossa sociedade finge que o transtorno não é um problema. Há um individualismo exacerbado, as pessoas vivem isoladas, as famílias são desestruturadas... A cultura do belo incentiva a competição, o indivíduo vive mergulhado numa sensação de fracasso, ele sente que nunca vai chegar lá", afirma Magda.

"O problema é que a maioria das pessoas com dismorfofobia não procura atendimento psiquiátrico, já que a sociedade incentiva a cultura do belo", analisa Magda. Outro motivo que afasta dismórficos dos consultórios é que muitos preferem se entregar ao bisturi. Pesquisa feita pelo Instituto InterScience revelou que 90% das mulheres e 65% dos homens afirmam sonhar com mudanças no próprio corpo. Do total, 5% já tinham feito alguma plástica e 90% já faziam planos de realizar a segunda. Entre aqueles que nunca fizeram uma cirurgia plástica, 30% declararam que esperavam ter coragem para realizá-la.

Um estudo feito pelo Observatoire Cidil des Habitudes Alimentaires (Ocha) em um universo de mil mulheres revelou que 86% delas se dizem insatisfeitas com suas medidas. Apenas 14% alegaram estar satisfeitas com o próprio corpo. O Brasil é o segundo no ranking dos países que mais realizam cirurgias plásticas, metade delas puramente estéticas - 40% lipoaspiração, 30% mamas, 20% face. A maioria foi realizada em pessoas de 20 a 34 anos. O número de jovens que colocaram próteses para "turbinar" os seios aumentou 300% nos últimos dez anos.

E não adianta o familiar contrariar o paciente que sofre do transtorno. "Quanto mais oposição se faz, mais se cria uma resistência por parte do paciente. O ideal é não incentiválo. O que a família pode fazer é mostrar que há outros prazeres na vida, que não o culto ao corpo, e fazê-lo entender que ele sofre de uma doença", aconselha Magda.

Essas pessoas podem apresentar fortes ideações suicidas. 13% dos pacientes psiquiátricos britânicos apresentam o transtorno. 75% das pessoas com dismorfofobia não se casam ou se divorciam, 70% têm ideações suicidas e 25% realmente se suicidam. 20,7% das pessoas que fazem cirurgias de rinoplastia têm um possível diagnóstico de dismorfofobia. Pesquisa feita pela Universidade de Utrech, na Holanda, mostra que as mulheres que se submetem a operações de implante mamário apresentam risco três vezes maior de cometer suicídio em relação às demais mulheres. 82,6% das pessoas que sofrem o transtorno se sentem insatisfeitas com os resultados das cirurgias. Existe a crença de que a próxima intervenção será a última. E assim, entram num circuito no qual a insatisfação é cada vez maior. Muitos casos vão parar na Justiça.

O problema nos faz questionar sobre a ética no exercício do cirurgião plástico. "O médico deveria estar preparado para identificar a dismorfofobia. O ideal seria uma interação entre o cirurgião e o psiquiatra ou o psicoterapeuta. Muitas vezes o profissional faz a correção daquilo que é um grande incômodo para o paciente, e esse desconforto em relação à aparência se desloca para outra região do corpo", observa Amâncio.

Outros transtornos somatoformes
O transtorno de somatização (historicamente chamado de histeria ou síndrome de Briquet) é um transtorno polissintomático que se inicia antes dos 30 anos, estendese por um período de tempo e é caracterizado por uma combinação de dor, sintomas gastrintestinais, sexuais e pseudoneurológicos.

O transtorno somatoforme indiferenciado que se caracteriza por queixas físicas inexplicáveis, com duração mínima de seis meses, abaixo do limiar para um diagnóstico de transtorno de somatização.

O transtorno conversivo envolve sintomas ou déficits inexplicáveis que afetam a função motora ou sensorial voluntária, sugerindo uma condição neurológica ou outra condição médica geral. Presume-se uma associação de fatores psicológicos com os sintomas e déficits.

O transtorno doloroso caracteriza-se por dor como foco predominante de atenção clínica. Além disso, presumese que fatores psicológicos têm um importante papel em seu início, gravidade, exacerbação ou manutenção. A hipocondria é a preocupação com o medo ou a ideia de ter uma doença grave, com base em uma interpretação errônea de sintomas ou funções corporais.

O transtorno dismórfico corporal é a preocupação com um defeito imaginado ou exagerado na aparência física. O transtorno de somatização sem outra especificação é incluído para a codificação de transtornos com sintomas somatoformes que não satisfazem os critérios para qualquer um dos transtornos somatoformes.

Fonte: Psiqweb /G J Ballone

Disponível em <http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/67/artigo225215-1.asp>. Acesso em 29 set 2012