Marina Castro; Victoria Amorim; Mariana Fonseca
A aluna do curso de Letras da USP Thamiris Sato nunca
imaginou que seu ex-namorado, com quem terminou o relacionamento em julho deste
ano, exporia sua intimidade na internet como vingança pelo fim do namoro. No
dia 31 de outubro, quando começou a receber no Facebook mensagens e
solicitações de amizade de diversos desconhecidos e do próprio ex-parceiro,
usando perfis falsos, ela descobriu que havia uma foto em que aparecia nua
circulando na rede social.
“Ambos tínhamos fotos um do outro e ele sempre me disse que
não me prejudicaria se terminássemos”, afirma Thamiris. “A diferença é que,
quando o namoro terminou, eu deletei todas as nossas fotos – normais e
comprometedoras –, e nunca usaria isso contra ele”. Percebendo que havia sido
vítima de revenge porn ou vingança pornográfica, a divulgação de vídeos ou
fotos, geralmente de mulheres, fazendo sexo após o fim de um relacionamento,
Thamiris escreveu em seu perfil no Facebook um depoimento contando tudo por que
estava passando no dia 17 de novembro, acusando o ex-namorado, um estudante
búlgaro, também da USP, de ser responsável pelo ocorrido. Segundo ela, ele fez
isso por machismo, misoginia (desprezo ou repulsa ao gênero feminino e suas
características) e por se sentir injustiçado com o término.
O caso de Thamiris não é o único a evidenciar o problema da
revenge porn recentemente. Em outubro, a estudante goiana Francyelle Santos,
mais conhecida como Fran, ficou “famosa” após um vídeo em que fazia sexo com um
rapaz ter se espalhado rapidamente pelo aplicativo de celular Whatsapp. A jovem
fez um boletim de ocorrência contra o companheiro e afirma que parou de
trabalhar e estudar por causa do assédio que sofria ao sair de casa.
Em novembro, ao menos três casos de meninas que cometeram
suicídio por causa de revenge porn foram divulgados pela mídia. A mais nova, do
Piauí, tinha 14 anos. “De certa forma eu entendo as vítimas que cometeram o
suicídio, não apenas as brasileiras, mas muitas de que tomei conhecimento. Eu
lamento muito por todas que não tiveram forças para lutar, mas não as julgo, e
acho que ninguém deveria”, diz Thamiris.
A visão dos psicólogos
As causas de revenge porn são as mais variadas possíveis. De
acordo com a professora Maria Alves de Toledo Bruns, da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras , da USP de Ribeirão Preto, entre os fatores, está a
disponibilidade da Internet: “Ela é um meio que ainda estamos aprendendo a
usar. Ao mesmo tempo, a sociedade pós-moderna tem por característica as redes
sociais e a visibilidade. Por esse motivo, essas situações são extremamente
delicadas.”
Outro motivo é o orgulho ferido na rompimento de uma
relação. O professor Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da USP, afirma
que “a revenge porn mostra a necessidade de se vingar da outra pessoa porque
algo foi rompido, mesmo que saibam que as relações de hoje não são para
sempre”. Ele ressalta também o jogo de poder que existe por traz dessas
relações ao dizer que “Se você tem uma foto ou alguma coisa que possa
desqualificar a outra pessoa, você é dono do poder.”
Para descrever esse tipo de situação, o professor Macedo
parte do pressuposto de que a sociedade atual é uma sociedade de contrato:
“Quando você tem intimidade com alguém, você tem um contrato, mesmo que
implícito, de respeito. Não importa se é um casal de namorados ou não. Se não
fica combinado entre ambas as partes que o conteúdo produzido durante a
intimidade seria divulgado, é uma espécie de quebra de contrato.”
A quebra desse contrato pode gerar na menina exposta
“resultados que variam de pessoa para pessoa. Entre eles estão a baixa
autoestima e mudança nos planos de vida. A vítima pode também criar um ódio das
outras pessoas e evitar ter relações com elas”, de acordo com Macedo.
A professora Maria Alves afirma que as consequências
psicológicas são enormes: “Isso é evidenciado pelas situações atuais que temos
visto, como suicídio, perda do emprego. A garota passa a ser identificada como
uma garota de programa, o que ela não é. Dessa forma, a identidade profissional
dela também é afetada.”
Mas essas consequências, nesse tipo de situação, acontecem
apenas com as mulheres. De acordo com Maria Alves, “O fato do homem expor um
vídeo em que ele é o ator tem um valor muito grande”. O professor Macedo
concorda com ela: “Na nossa cultura machista, dizer que um homem transou é algo
positivo.” Ele ainda acrescenta que “os caras se afetam mais com os aspectos
negativos, por exemplo, quando seu desempenho sexual é ruim ou quando o seu pênis
é pequeno. Um exemplo disso é o aplicativo Lulu, que está fazendo os homens se
sentirem expostos e envergonhados.”
Questões de gênero
A Frente Feminista da USP considera “muito preocupante”
saber que esse tipo de violência contra a mulher tem aumentado. “Esses casos
[de revenge porn] só escancaram ainda mais a enorme violência que é o machismo
e quão importante é a auto-organização das mulheres para que isso seja
cotidianamente combatido. O que nos cabe fazer é incentivá-las a denunciar e a
procurar todos os meios que garantam a sua integridade física, além de darmos
todo o apoio que uma mulher precisa para enfrentar uma situação dessas”.
O grupo não adota denominações específicas para as vítimas
de revenge porn, mas compreende que “a linguagem é importante como meio de
expressar e descrever a situação em que se encontram as mulheres na nos termo ‘sobrevivente’ tem sido de comum uso entre as
feministas. A intenção seria a de mostrar as mulheres também como sujeitos, que
podem ativamente, a partir das experiências que passaram, se enxergar como
capazes de subsistir a estas situações. A compreensão de que mulheres são
sobreviventes e que, portanto, perduraram após situações de violência e abuso é
importante para que outras também possam se entender desta forma”, diz a
Frente.
Para a Frente, a condenação da vítima de revenge porn não é
algo isolado, mas sim uma manifestação do poder masculino sobre as mulheres. De
acordo com o grupo, “o tabu da mulher exposta sexualmente, na verdade, é a
sanção para que ela deva se resguardar. Em nossa sociedade, a exposição sexual
é utilizada para humilhar e diminuir a mulher”. Para ilustrar, a Frente
Feminista da USP dá um exemplo. “É interessante pensar que, na França do
pós-guerra, após a liberação dos territórios ocupados pela Alemanha, milhares
de mulheres que tiveram relacionamentos com soldados alemães tiveram suas
roupas retiradas nas ruas e foram expostas à humilhação pública. Isso se
assemelha um pouco ao que temos hoje com relação a revenge porn. O que têm de
comum é o fato de que configuram casos que nos mostram formas de controle sobre
o corpo das mulheres”.
Aspecto jurídico
De acordo com o professor Antônio Carlos Morato, da
Faculdade de Direito da USP, “existem vários casos analisados pelo Poder
Judiciário e, por razões óbvias, tendem a tramitar em segredo de justiça –
contrariando a regra geral de que os processos judiciais devem ser públicos),
mas os mais significativos chegam ao conhecimento do público de forma indireta
– os Tribunais divulgam a situação de maneira genérica, mas não os nomes ou o
número do processo”. Mesmo com tantos casos, legalmente, temos apenas sanções
civis, como a reparação de danos morais e patrimoniais em dinheiro. Segundo
Morato, isso acontece porque o Direito Penal, atualmente “exige que a conduta
seja rigorosamente descrita para que alguém seja punido”.
Por essa razão, diversos projetos de lei que pretendem
criminalizar a “vingança pornográfica” estão em andamento. Entre esses projetos
estão dois que tentam alterar a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Um é de
autoria do Deputado Federal João Arruda do PMDB/PR (PL 5.555/2013) e outro da
Deputada Federal Rosane Ferreira do PV/PR (PL 5.822/2013).
“Quanto a tais projetos, há a proposta de colocar como uma
das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher a ‘violação da sua
intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer
outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de
imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou
fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade’”, afirma o professor Morato.
Outro projeto de lei é o apresentado o pelo Deputado Romário
do PSB/RJ (PL 6.630/2013), onde é considerado como crime “Divulgar, por
qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material,
contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima” e seu
projeto altera o Código Penal. O projeto (PL 6.630/2013) foi apensado ao decreto
lei nº 2848, de conteúdo semelhante, e está na Comissão de Seguridade Social,
aguardando parecer do relator.
A condenação para quem vaza fotos íntimas pode variar de 1 a
3 ano. A multa cobrirá possíveis custos que a vítima teve com consequências da
divulgação. Assim, o deputado Romário recomenda que as vítimas, juntamente com
seus advogados, guardem comprovantes de despesas com mudança de endereço,
psicólogo e as decorrentes de perda de emprego, por exemplo. A multa será maior
caso a vítima seja menor de idade ou caso a pessoa que tenha divulgado o
material estivesse em relacionamento amoroso com ela. Essa última determinação
se dá porque, segundo Romário, identifica-se uma maior crueldade nestes casos.
“O criminoso se aproveita da vulnerabilidade gerada pela confiança da pessoa”,
diz.
Cabe lembrar que o projeto prevê penas também para quem
fizer montagens ou artifícios com a imagem da vitima. Porém, isso não se aplica
somente a quem divulgar o material nas redes sociais, por exemplo, já que é
quase impossível punir quem compartilha, de acordo com o deputado. “Não
existirá fiscalização, e sim denúncias. Quem for denunciado pela vítima será
investigado”. Romário acredita que as pessoas com visibilidade social devam ter
muita responsabilidade. “Por exemplo, no caso da menina de Goiânia, o advogado
dela nos informou que um cantor sertanejo havia reproduzido um gesto da
filmagem em sua rede social. Logicamente, isso expôs ainda mais a Fran”.
Uma enquete no site Vote na Web mostra que mais de 91% dos
internautas apoiam o projeto de lei, de acordo com dados do dia primeiro de
dezembro. “Não apresentei o projeto pensando na segmentação de gênero, mas
obviamente sei que o problema é muito mais comum entre as mulheres. Fico feliz,
afinal sou pai de quatro filhas, mas antes me sinto contribuindo com a
sociedade”. Para o deputado, o projeto significa a liberdade sexual e de
privacidade para ambos os sexos e, ultrapassando o limite, os rigores da Lei.
“O projeto não se refere apenas às mulheres, mas a todos aqueles que tenham
algum registro íntimo divulgado”.
Disponível em
http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/12/consequencias-psicologicas-de-revenge-porn-sao-maiores-em-mulheres-afirma-professora/.
Acesso em 09 dez 2013.