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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Falar da gente e dos outros

Suzana Herculano-Houzel
abril de 2014

Por que gostamos tanto de encontrar os amigos para botar o papo em dia e falar sobre a vida, a nossa e a dos outros? Por que passamos tanto tempo conversando animadamente sobre o último filme que vimos no cinema ou a roupa da atriz no Oscar?

É graças à fala que seres humanos podem facilmente trocar ideias e conhecimentos, filosofar em voz alta e fazer planos sobre como mudar o mundo. Por outro lado, compartilhar opiniões sobre filmes ou atrizes não vai mudar o curso da história, e tem boas chances de também não alterar as opiniões dos seus amigos. Mas se a comunicação é a capacidade que a atividade de um cérebro tem de influenciar a atividade do cérebro dos outros, então por meio de gestos, conversas e palavras escritas, nossos pensamentos afetam os dos outros. Por vezes trocam-se informações de fato úteis, e o azar do assalto sofrido por um se torna a precaução do outro. Outras, descobrem-se valores em comum, que servem de laços de identificação social, ou oferecem-se apoio, compreensão, e quem sabe até soluções inesperadas.

Trocar ideias é, sobretudo, uma maneira eficaz de expandir seus horizontes e o alcance do seu cérebro, inclusive vivendo, de maneira emprestada, vidas que não são suas – e aprendendo com elas. A comunicação permite ao cérebro transcender suas limitações, ainda que só por alguns instantes. Durante um livro ou filme, você pode experimentar mentalmente viver na Idade Média, ser capitão do Bope, ou corista do Moulin Rouge.

Na prática, contudo, a fala é usada quase metade do tempo para comunicar ao mundo como nós mesmos nos sentimos, do que gostamos ou o que pensamos. De 30 a 40% da fala cotidiana trata de nossas experiências próprias ou relacionamentos, e incríveis mas não surpreendentes 80% dos posts em mídias sociais servem para irradiar para o universo a vida pessoal de cada um.

É claro que há várias vantagens em falar de si mesmo. Fazendo isso, compartilhamos experiências e aprendemos uns com os outros – um benefício talvez já grande o suficiente para garantir que, evolutivamente, o hábito de falar de si mesmo fosse mantido e passado adiante.

Mas a motivação humana para falar tanto de si mesmo vem de dentro. Um estudo da Universidade Harvard mostrou que o hábito tem suas origens no sistema de recompensa do cérebro, aquele conjunto de estruturas responsáveis por nos premiar com uma sensação física de prazer quando fazemos algo que o resto do cérebro considera positivo ou interessante de alguma forma.

O estudo mostrou que, mesmo tendo a opção de receber mais dinheiro para responder perguntas sobre os gostos e hábitos de outras pessoas, ou sobre simples fatos, voluntários escolhem ganhar menos para falar de si mesmos – e de dentro de um aparelho de ressonância magnética, onde só os pesquisadores veem suas respostas. A preferência por falar de si mesmo corresponde a uma maior ativação das estruturas do sistema de recompensa e funciona mesmo quando segredo completo é garantido. O prazer de expressar seus próprios pensamentos e estado de espírito é real, mensurável, e vem lá dos cafundós do cérebro.

Mas, seres sociais que somos, a ativação do sistema de recompensa é especialmente alta quando os voluntários sabem que suas respostas serão ouvidas pelo acompanhante que eles trouxeram para o estudo. Falar de si é bom, mas falar de si para os outros é melhor ainda.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/comunicacao_suzana_herculano.html. Acesso em 17 abr 2014.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Bactérias que causam sintomas da depressão

Mente Cérebro
fevereiro de 2014

Populações de bactérias vivem naturalmente em nosso intestino – elas formam o que conhecemos popularmente como flora intestinal. Ajudam a digerir alimentos e a controlar, por competição, a proliferação de outros micro-organismos que podem causar doenças. Elas ficam restritas ao intestino graças a uma parede impermeável de células que impede que escapem e caiam na corrente sanguínea.

Há situações, porém, em que essa camada celular sofre desgaste e substâncias tóxicas e bactérias vazam para o sangue. Estudos recentes apontam relações entre esse desequilíbrio e alterações no humor. Em um deles, publicado no Acta Psychiatrica Scandinavica, pesquisadores analisaram amostras de sangue de pessoas com depressão e observaram que 35% delas apresentavam sinais de bactérias da flora fora do intestino, o que os cientistas chamam de leaky gut (intestino “mal vedado”).

Ainda não está clara a relação entre a fuga desses micróbios de órgãos do sistema digestivo e o surgimento de sintomas depressivos. Uma hipótese é que o organismo detecta essas bactérias fora do local onde deveriam estar e desencadeia respostas autoimunes e inflamações, que “são reconhecidamente fatores que afetam o humor e a disposição física e podem desencadear episódios de depressão, conforme já demonstrado por estudos anteriores”, diz o psiquiatra Michael Maes, autor do artigo.

Atualmente, o tratamento para regenerar a parede de células que reveste o intestino envolve, além de mudanças na dieta e busca por hábitos mais saudáveis, administração de glutamina, N-acetilcisteína e zinco – ao qual são atribuídas propriedades anti-inflamatórias.

Causas de intestino "mal vedado":
  • Uso frequente de analgésicos
  • Antibióticos
  • Infeccções, como HIV
  • Doenças autoimunes
  • Abuso do álcool
  • Doenças inflamatórias do intestino
  • Hipersensibilidade ao glúten
  • Alergias severas a determinados alimentos
  • Terapia de radiação
  • Doenças inflamatórias em geral
  • Estresse
  • Exaustão

Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/bacterias_que_causam_sintomas_da_depressao.html. Acesso em 10 fev 2014.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Fofocar faz bem?

Selma Corrêa

O hábito de falar mal da vida alheia é antigo: já na pré-história nossos ancestrais descobriram que era importante conhecer e repercutir os pontos fracos dos adversários – e eventualmente até de companheiros – para que se sentissem fortes e valorizados. Afinal, já naquela época informação era artigo valioso. Mas só nos últimos anos essa prática, tão típica do ser humano, passou a ser estudada cientificamente, e agora pesquisadores da Sociedade Britânica de Psicologia chegaram a uma descoberta que pode aplacar a culpa daqueles que se comprazem em disparar veneno contra alguém pelas costas: estudos sugerem que, pelo menos num primeiro momento, a fofoca pode trazer alguns benefícios para quem a faz.

“Essa prática eleva os níveis dos chamados hormônios fundamentais para deflagrar a sensação de bem-estar, como a serotonina, o que ajuda a diminuir o estresse e a ansiedade”, pelo menos imediatamente, diz o psicólogo Colin Gill, um dos coordenadores do estudo. No entanto, se a culpa ou outros eventuais desdobramentos desagradáveis associados ao comentário maldoso desencadeiam mal-estar, ainda não foi pesquisado. O mais curioso talvez seja que o fato de falar de alguém com malícia tem função social: ajuda a criar vínculos entre os fofoqueiros. “Quando criticamos comportamentos e características de alguém que não está presente depositamos grande interesse no que o interlocutor tem a dizer e vice-versa. Assim, criamos laços que, consequentemente, nos fazem sentir felizes e provoca a liberação desses hormônios”, observa Gill.

Um aspecto mais problemático da fofoca é que, em sua forma mais crua, é uma estratégia para promoção de interesses egoístas e da própria reputação à custa do desconforto alheio. Muitos, aliás, recorrem descaradamente aos boatos para se favorecer. Esse lado cruel da fofoca geralmente ofusca os modos mais benignos pelos quais ela funciona na sociedade. Afinal, passar informações a alguém é sinal de profunda confiança, uma vez que está implícita a ideia de que essa pessoa não usará esses dados de maneira que tragam consequências negativas ao seu informante, ou seja, segredos compartilhados constituem uma maneira eficiente de criar vínculos. Um indivíduo que não esteja incluído na rede de fofocas do escritório é obviamente um forasteiro em quem os colegas não confiam ou que não é aceito.

Não se pode deixar de lado o fato de que a fofoca ajuda os grupos a funcionar. Talvez possa ser produtivo pensar nela como uma aptidão social. Fofocar “bem” tem a ver com ser um bom membro de equipe, compartilhar algumas informações importantes com outros, de preferência não em proveito próprio, e, claro, saber quando manter a boca fechada. Afinal, revelar indiscriminadamente tudo que ouvimos a qualquer um disposto a nos escutar mais cedo ou mais tarde atrairá a inevitável reputação de indigno de confiança.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/fofocar_faz_bem_.html>. Acesso em 20 out 2012.