Anelise Zanoni
16/08/2010
Assim que veio ao mundo, Shiloh foi recebida por flashes.
Estampou capa de revistas, teve o semblante comparado com os pais e desfilou,
ao lado da mãe, modelitos de vestidos e sapatinhos de boneca.
Primeira filha biológica dos atores Angelina Jolie e Brad
Pitt, a menina se transformou agora no centro de um polêmico debate: aos quatro
anos, quer ser um menino.
O desejo de usar calça jeans masculina, camisetões e
bermudas — justificado pela famosa mãe como um gosto próprio da pequena, que,
segundo ela, "pensa que é como os irmãos" — foi acatado. Hoje, Shiloh
é confundida com o irmão mais novo quando está na rua, porque teve o cabelo
cortado e se veste como um guri.
— Alimentar essa vontade da criança pode revelar a
perturbação da identidade sexual dos próprios pais. O transtorno de gênero pode
afetar diversas áreas da vida da menina e trazer problemas futuros, como
quadros de depressão e dificuldade de interação social — explica o psicanalista
gaúcho Roberto Barberena Graña, especializado em crianças e adolescentes.
As possíveis consequências na vida de uma criança que vive
um gênero oposto ao seu (masculino ou feminino) são explicadas por questões
sociais. Desde que nascem, ou quando estão na barriga da mãe, os bebês são
inseridos em uma categoria definida: menino ou menina. É quando todos o
classificam de acordo com a biologia e passam a comprar roupas com cor relacionada
ao sexo e brinquedos diferenciados. A criança fica acostumada com esses
conceitos e é tratada de acordo com o gênero que tem. Mas, quando decide ser
diferente e assumir outro gênero, uma série de mudanças ocorre a sua volta.
— A distinção entre homem e mulher é básica para a
compreensão de nós mesmos enquanto seres humanos. Ela regula o modo como os
indivíduos são tratados, os papéis que desempenham na sociedade e as
expectativas sobre o modo de se comportar e se sentir — afirma a professora de
Educação da Universidade de Londres Carrie Paechter, autora do livro Meninos e
Meninas (Artmed, 192 páginas).
Ela explica que, nos anos iniciais, a família é a base para
o desenvolvimento da compreensão infantil do que homens e mulheres, meninos e
meninas fazem e de como essas atividades podem variar de acordo com o sexo de
cada um. Crianças menores demonstram tendência à generalizações e tiram
conclusões sobre o masculino e o feminino a partir daquilo que enxergam — é
possível que Shiloh, por exemplo, veja com encanto o mundo que cerca os irmãos.´
Os pais, entretanto, não precisam se preocupar se o filho
gosta de brincar com bonecas ou se a menina prefere se divertir com carrinhos
ou espadas. A preferência só se torna preocupante se for corriqueira, obsessiva,
diz Graña.
— Os pais participam mais ou menos ativamente na produção do
transtorno. O comportamento compulsivo deve ser bem observado, e o incentivo
leva à construção de um problema maior, ligado ao lado social e ao
desenvolvimento da criança. Se os padrões puderem ser analisados precocemente,
é possível corrigi-los — afirma Graña.
Pulando de um lado para outro
Sexo é trabalho da genética, gênero se constrói. Para que os
dois andem em harmonia na vida de uma criança, é preciso ter identidade de
homem ou de mulher e perceber os símbolos e significados do que é masculino e
feminino.
Só que, quando sexo e gênero se contrapõem para a criança,
uma série de desafios surge, principalmente na vida dos pais.
Para o psicanalista Roberto Barberena Graña, autor do livro
Transtornos da Identidade de Gênero na Infância (Editora Casa do Psicólogo, 282
páginas), o caso de Shiloh, por exemplo, pode estar ocorrendo devido a uma a
distorção na matriz familiar do gênero. Ou seja, uma lacuna na identidade
sexual do pai ou da mãe (ou dos dois) ou nas gerações passadas da família pode
contribuir para o desejo da menina de ser e se vestir como um guri.
— Ela vive, com certeza, um momento pré-transexual, o que
poderá evoluir para o transexualismo adulto — explica o especialista.
É importante dar liberdade para a criança escolher suas
roupas e brinquedos. Entretanto, segundo Graña, quando há compulsão por algo do
sexo oposto, há transtorno, que pode afetar áreas do desenvolvimento e trazer
dificuldade de interação social, estado de retraimento, quadros de depressão,
tentativa de suicídio infantil (ligada principalmente a acidentes domésticos),
psicose, problemas na sala de aula, agitação e hiperatividade.
Para evitar os reflexos, ele indica a busca de um
profissional para fazer uma avaliação mais precisa. Quanto mais cedo, melhor.
— Aos dois ou três anos, os pais já podem observar algum
transtorno e buscar ajuda. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor a evolução
clínica. O ideal é não esperar até a puberdade — avalia o especialista.
Os sinais mais comuns são o desejo compulsivo e repetitivo
por atividades, brinquedos e roupas do sexo oposto. Meninos que desejam sempre
vestir as roupas da mãe ou das irmãs, que se encantam por maquiagens, gurias
que não querem saber das bonecas ou que preferem usar cuecas e brigam para não
usar as roupas de menina, merecem ser observadas com mais atenção, diz o
psicanalista.
Disponível em
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/donna/noticia/2010/08/crianca-pode-escolher-ser-menino-ou-menina-veja-o-que-os-especialistas-dizem-3004697.html.
Acesso em 28 out 2013.