Joel Rennó Junior
07.janeiro.2014
Do ponto de vista médico, há estruturas cerebrais com
morfologia e funcionalidade diferentes entre o SNC (Sistema Nervoso Central) do
homem e da mulher. Em parte, os comportamentos, atitudes, pensamentos, habilidades
e sentimentos femininos podem ser distintos aos dos homens por tais diferenças
anatômicas e funcionais entre os cérebros deles. Esse é o papel das
neurociências na atualidade, apontar tais diferenças, a fim de que haja
intervenções terapêuticas distintas e até medidas preventivas.
“Neurocientistas e a sociedade têm que ter muito cuidado ao
fazerem as interpretações de tais diferenças, sem reducionismos perigosos. Pode
haver uma distorção ao fazer reforços de preconceitos existentes contra a mulher,
justificando certas habilidades diferenciadas como um sinônimo de
inferioridade”
Por que essa diferença entre o cérebro do homem e da mulher?
Sabemos que grande parte dessas diferenças decorre da
exposição diferenciada do cérebro feminino ao hormônio estrogênio, já no
intraútero, na gestação. O cérebro feminino vai se moldando e se desenvolvendo
de uma forma distinta ao masculino já no intraútero.
Imagens da ressonância magnética funcional realizadas por
neurocientistas apontam, entre inúmeras outras diferenças (poderíamos citar
dezenas delas encontradas na última década):
1. O cérebro das mulheres é aproximadamente 10% menor que o
dos homens, porém, possui maior número de conexões entre as células nervosas. O
corpo caloso que faz a comunicação entre os hemisférios cerebrais direito e
esquerdo costuma ser mais desenvolvido nas mulheres. Isso leva a uma melhor
integração de diferentes estímulos entre os dois lados do cérebro feminino.
Geralmente, as mulheres fazem várias tarefas simultâneas como cozinhar, ler,
cuidar da casa e dos filhos de forma mais eficiente que os homens.
2. O cérebro esquerdo é bem mais desenvolvido entre as
mulheres;
3. O cérebro direito mais desenvolvido entre os homens –
contrariamente ao que pensa o grande público – sabe-se ser o hemisfério
esquerdo denominado “científico”, analítico, racional, verbal, temporal,
enquanto o hemisfério direito é dito “artístico”, sintético, emocional, não
verbal e espacial, isso sob a influência direta dos hormônios sexuais
(testosterona e outros).
4. A mulher está mais sujeita a sentir depressão do que o
homem e, quanto a isso, existe uma relação direta com a baixa produção da
substância química cerebral, a serotonina, no cérebro feminino. As oscilações
dos níveis de estrogênio em períodos críticos do ciclo reprodutivo feminino
como o pré-menstrual, o pós-parto e a perimenopausa (período que se inicia
cerca de 5 anos antes da menopausa e vai até um ano após) são “gatilhos” para a
depressão feminina mais frequente, cerca de duas vezes.
5. O cérebro masculino é voltado para a compreensão,
enquanto o feminino é programado para a empatia (cuidado com a interpretação).
6. As imagens mostraram que o lobo parietal inferior, área
envolvida em atividades matemáticas, é maior no cérebro deles. Portanto, os homens
costumam ser melhores em tarefas matemáticas, enquanto as mulheres se saem
melhor em atividades verbais (cuidado com a interpretação!).
7. As mulheres são mais emotivas e expressam com mais
facilidade seus sentimentos do que os homens, porque o sistema límbico delas é
mais desenvolvido do que o deles (cuidado com a interpretação!).
Interpretação entre diferenças de gênero deve evitar
reducionismo perigoso
Os neurocientistas e a sociedade têm que ter muito cuidado
ao fazerem as interpretações de tais diferenças, sem reducionismos perigosos.
Pode haver uma distorção ao fazer reforços de preconceitos existentes contra a
mulher, justificando certas habilidades diferenciadas como um sinônimo de
inferioridade.
Lembro-me do discurso infeliz de um antigo reitor da
Universidade de Harvard, nos EUA, destacando que as mulheres não seriam tão
eficientes e brilhantes no campo das Ciências Exatas. Isso não faz tanto tempo
assim, é relativamente recente. No passado, até foram publicados artigos sobre
tais diferenças em revistas científicas consagradas como Science and Nature,
amplificando e reforçando a suposta inferioridade feminina. Por coincidência,
muitos dos cientistas da época eram homens.
Nunca podemos também deixar de levar em consideração o
ambiente e a cultura em que o homem e a mulher estão inseridos. Na minha
prática clínica, conheço homens sensíveis, afetuosos, que se saem melhor em
atividades verbais do que matemáticas ou lógicas. Por outro lado, conheço
mulheres que são pesquisadoras brilhantes, exímias matemáticas e com afeto raso
e pouco contato verbal.
Biologia e genética não determinam tudo sobre comportamento
e habilidades humanas
A biologia e a genética, embora relevantes, não são os
únicos determinantes do comportamento e habilidades humanas. Por isso,
pessoalmente, eu detesto piadas ou jocosidades a respeito de tais diferenças
porque, no fundo, há uma expressão (até inconsciente) de nossos preconceitos e
projeções. Isso, é claro, pode ser oriundo tanto dos homens quanto das
mulheres. Já ouvi mulheres afirmando “acho aquele cara esquisito, sensível e
romântico, pouco decidido e muito delicado”.
Ouvi também comentários de homens do tipo “aquela ali é uma
empresária agressiva, racional e mal amada”. Ambos comentários trazem no seu
bojo a mensagem que a neurociência jamais quer que tais diferenças se
transformem em julgamentos ou justificativas estigmatizadoras dos gêneros,
sejam masculinos ou femininos. Até porque alguns cientistas afirmam que cerca
de 20% dos homens têm cérebros “femininos” e até 10% das mulheres têm cérebro
“masculinizados”.
No próprio campo da sexualidade humana, observamos mudanças
do comportamento sexual da mulher, mais arrojada, determinada, exigente e
erotizada. Apesar de alguns determinantes biológicos, isso ilustra o quanto o
ambiente e as forças sociais podem interferir. O objetivo deve ser sempre o de
aprimorar as competências tanto dos homens quanto das mulheres, nunca
aprofundar abismos pré-existentes.
Muitos me perguntam por que as mulheres criam discussões em
casa, o que elas têm, com relação ao gênero feminino, que contribui para os
conflitos de casal. Não vejo que os conflitos entre os casais sejam decorrentes
de questões intrínsecas do gênero como as pessoas costumam apregoar – pelo
menos na maior parte dos contextos. O principal fator realmente costuma ser a
expectativa que se projeta na figura do outro, geralmente, sempre
superdimensionada no início de muitos relacionamentos. A fase de encantamento
acaba terminando e daí vem a frustração.
Alguns indivíduos, independentemente de serem homens ou
mulheres, costumam projetar no outro verdades ou conceitos baseados em seus
próprios valores. A figura idealizada de qualquer pessoa sempre acaba gerando
consequências negativas. Ninguém, por melhor que seja, vai ser capaz de sustentar
aspectos arquetípicos de um grande herói, infalível em sua essência. Por melhor
que sejamos, nossa natureza humana pode se tornar frágil em algum momento.
Entre as questões que costumam gerar mais conflitos entre
homens e mulheres, incluem-se a traição, o sentimento de rejeição de um ou de
outro, a educação e os valores ensinados aos filhos, religião ou crença, brigas
entre as famílias, dependência econômica e sexo. Não acredito ser possível
classificar as mais típicas de um gênero ou de outro, tudo vai depender da
dinâmica do casal e da própria família adotada em sua convivência diária, na
capacidade individual de cada um poder crescer e se transformar.
Na sociedade atual, não vejo questões tão específicas ou
típicas de um sexo em relação ao outro, há padrões mutáveis e imprevisíveis,
devido aos múltiplos papéis envolvidos.
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/mentes-femininas/.
Acesso em 10 fev 2014.