Fabíola Tarapanoff
A capital paulista foi palco da
12ª Parada do Orgulho Gay. Com o tema "Homofobia mata. Por um Estado laico
de fato", a festa movimentou cerca de 189 milhões de reais, segundo a São
Paulo Turismo (SPTuris), empresa de promoção turística e eventos da cidade, e
deve ter levado cerca de 3,5 milhões de pessoas para a Avenida Paulista, centro
financeiro do país. "Deve" porque não se chegou a um acordo sobre
esse número; a Polícia Militar não fez a contagem e a Associação da Parada do
Orgulho GLBT de São Paulo, promotora do evento, julga que mais pessoas
estiveram presentes neste ano do que em relação a 2007 - quando estimou em 3
milhões de pessoas. Mas um número é certo: eles são 18 milhões em todo o país,
segundo dados da Associação Brasileira de Turismo GLS (Abrat GLS - Gays,
Lésbicas e Simpatizantes).
Aos poucos eles vêm conquistando seus direitos não só na
sociedade, mas também no mundo corporativo. Prova disso são os resultados da
pesquisa Best Places to Work for GLBT Equality (Melhores Lugares para Trabalhar
para a Igualdade GLBT- Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais) da instituição
Human Rights Campaign Foundation, publicada este ano na revista Human Resource
Executive. O relatório é realizado com companhias norte-americanas e tem como
objetivo detectar o tratamento que elas oferecem aos funcionários homossexuais.
Em 2005, 101 empresas obtiveram a nota máxima quanto a essa questão. Em 2008, o
número saltou para 195.
No Brasil, ainda são poucas as organizações que oferecem
benefícios para funcionários que tenham parceiros do mesmo sexo. Mas esse
panorama tem mudado. Segundo pesquisa de 2008 da Mercer, realizada com 255
grandes e médias empresas, 16% delas permitem a inclusão de um parceiro do
mesmo sexo como dependente do plano de assistência médica. No ano anterior, 12%
ofereciam esse benefício. Segundo o consultor da Mercer Francisco Bruno, esse
resultado representa um avanço. "A pesquisa referente a benefícios existe
há mais de 10 anos e, antes, a questão de benefício a funcionários com
parceiros do mesmo sexo nem era colocada. Isso mostra que as corporações estão
com uma prática mais moderna na área de recursos humanos", analisa.
Outro levantamento que apresenta essa questão foi realizado
pela consultoria Towers Perrin. Todo ano a instituição questiona empresas sobre
os benefícios oferecidos a seus funcionários como auxílio farmácia, plano
médico e odontológico. Segundo o diretor-geral da Towers Perrin, Luiz Roberto
Gouvêa, em 2006 cerca de 9% das empresas ofereciam esses benefícios. Em 2007,
houve um aumento para 16%. Outros pontos também apresentaram elevação: o
benefício farmácia teve um aumento de 6% em 2006 para 15% em 2007 e o plano
odontológico apresentou um crescimento de 10% para 15% nos mesmos períodos.
Na opinião de Gouvêa, há uma teoria que explica esse
movimento: as empresas desejam reter e atrair bons funcionários e, para isso,
precisam oferecer uma boa remuneração. "Elas estão fazendo pequenos
ajustes porque reconhecem que há uma evolução nos valores da sociedade e que
companhias que promovem essas ações são consideradas mais justas pela população",
complementa.
No entanto, o diretor-geral ressalta que diversas
organizações ainda não oferecem os benefícios porque alguns funcionários têm
medo em expor sua preferência sexual. "Muitas vezes, essas minorias se
escondem e não reivindicam seus direitos. Acredito que várias companhias só
darão um passo à frente se houver maior exposição dessa questão", analisa.
Apesar de acreditar que essa postura está ligada à
necessidade de atender à legislação, ele considera positiva essa evolução das
empresas. "No ano passado, fizemos uma pesquisa sobre quais os fatores que
fazem os funcionários se engajar dentro de uma organização e um deles era que a
liderança da companhia deveria estar interessada no bem-estar dos
empregados", explica. "À medida que eu ofereço mais oportunidades para
os funcionários e não discrimino, estou fomentando o bem-estar dentro da
organização, contribuindo para a melhoria dos resultados", completa.
Dentro das multinacionais
No Brasil, duas multinacionais que apareceram na pesquisa Best
Places to Work for GLBT Equality destacam-se nessa questão: a DuPont e a HSBC.
A DuPont do Brasil segue a mesma política da matriz, afirmando que não
discrimina nenhum empregado. Segundo a gerente de remuneração e benefício,
Cláudia Brigante, desde 2005 a companhia oferece plano médico, odontológico, de
previdência e seguro de vida para funcionários que possuem parceiros do mesmo
sexo. Exatamente o mesmo pacote que é oferecido aos empregados heterossexuais.
Hoje a empresa possui 3 mil colaboradores no país.
Cláudia explica que desde 2001 a DuPont começou a mudar sua
política de recursos humanos, pois identificava que o perfil da população
estava se modificando. "Como a companhia respeita os seus funcionários,
dentro desse conceito de não-discriminação, faz todo o sentido a inclusão de
parceiros do mesmo sexo no pacote de benefícios", destaca. "A questão
do desempenho independe das opções pessoais do funcionário. Na medida em que
ele está realizando as suas atividades como qualquer outro empregado, não há
motivo para não oferecer um pacote de benefícios igual", diz.
A gerente explica que já foi procurada por diversos
funcionários solicitando mais informações, mas que não houve até o momento pedido de inclusão. Em sua opinião, isso ainda não
ocorreu porque alguns empregados não atingiram o requisito de dois anos de
união homossexual estável comprovada. "Pode até existir o medo da pessoa
de se expor, mas o tema é discutido de forma aberta em reuniões na companhia
desde 2002. Acredito que diferentes pontos de vista contribuem para gerar
melhores negócios", analisa.
O HSBC Bank Brasil, subsidiária da HSBC Holdings, um dos
maiores grupos financeiros do mundo, também aposta no tema. Tanto que desde
2007 oferece aos seus funcionários homossexuais a possibilidade de incluir o
companheiro em seus planos médicos e odontológicos. Para realizar essa
inclusão, o funcionário deve apenas informar os dados e apresentar cópias de
documentos pessoais do dependente à área de RH e uma declaração de convivência
homoafetiva. Atualmente, a instituição tem mais de 28 mil colaboradores em todo
o país.
A companhia, inclusive, possui um Comitê de Diversidade,
formado por diretores e executivos de várias áreas do banco com o intuito de
gerenciar as políticas dessa natureza. "Queremos ver no HSBC uma
diversidade que vá além de aumentar a participação de públicos da sociedade
menos representados, mas também que valorize a qualidade das relações com funcionários
e todos os públicos com os quais interagimos: nossos clientes, fornecedores,
comunidade, entre outros", diz Mauro Raphael, gerente de diversidade da
instituição.
Empresas de origem nacional também têm se posicionado sobre
o assunto. Desde 2007, a companhia de exploração de Mangili, da Zanzini Móveis: filosofia da empresa parte do
respeito a todos petróleo Petrobras reconhece a união de parceiros do mesmo
sexo no plano de saúde de seus empregados. O plano, conhecido como AMS
(Assistência Multidisciplinar de Saúde), é considerado um dos maiores de
autogestão de assistência à saúde do país e foi criado pelas áreas de Recursos
Humanos, Comunicação Institucional e Ouvidoria Geral. Atualmente, ele conta com
a adesão de 50 funcionários.
A companhia leva tão a sério a diversidade que também
organizou uma comissão específica sobre o assunto. Criada em 2005 para cuidar
da questão da mulher, a Comissão de Gênero passou a abranger em 2007 o tema
diversidade, mudando seu nome para Comissão de Diversidade. De acordo com a
assessoria de imprensa da Petrobras, essa ampliação reflete os compromissos da
companhia, previstos também no Pacto Global, com a proteção dos direitos
individuais e coletivos e com a eliminação da discriminação no ambiente de
trabalho.
Além disso, desde setembro do ano passado, a Petros, fundo
de pensão dos empregados da Petrobras, permite que funcionários incluam
companheiros do mesmo sexo para a concessão de benefícios previdenciários. Se o
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceder pensão por morte ao
companheiro do empregado, a Petros paga o benefício de suplementação
correspondente a esse parceiro. Segundo a gerência de operações da diretoria de
seguridade da Petros, no passado era raro um empregado ou aposentado apresentar
o pedido de inclusão de dependente de companheiro do mesmo sexo. Normalmente,
os pedidos de pensão e pecúlio eram feitos pelo companheiro após o óbito do
participante. Mas até fevereiro de 2008, já foram registrados 11 casos, sendo
quatro de aposentados e sete de empregados, o que mostra que as pessoas não têm
mais inibições em exigir os seus direitos.
Panorama brasileiro
A Rede Globo de Televisão é outra empresa que investe na
questão. Desde 2007, a política de benefícios foi ampliada aos companheiros de
mesmo sexo dos funcionários. "Eles são cadastrados como dependentes, da
mesma forma que a esposa, o marido e os filhos, sem custo para o
funcionário", explica a diretora de desenvolvimento e benefícios da
companhia, Heloísa Machado.
Dessa forma, os funcionários têm acesso não só ao plano de
saúde, mas a todos os outros benefícios: auxílio farmácia, auxílio óptico,
auxílio órtese e prótese e apoio para medicamentos em tratamentos especiais.
Para ter direito a esses planos, o colaborador só precisa apresentar documentação
comprovando a estabilidade do relacionamento, igual à que é solicitada a casais
heterossexuais.
De acordo com a diretora, o respeito à diversidade está
previsto no Programa de Gestão Participativa, que apresenta os valores da
companhia. "A primeira premissa é justamente o respeito à pessoa. O
respeito à diversidade - sexual, racial e cultural, incluindo pessoas
portadoras de deficiência - está inserido nessa premissa e, portanto, é valor
inegociável da TV Globo", enfatiza.
Na opinião de Heloísa, houve uma diminuição do preconceito
nas organizações em relação à orientação sexual do funcionário. "A situação
está mudando. Mais e mais empresas percebem, hoje, que a diversidade é um
valor: ela oxigena o ambiente de trabalho, trazendo novas idéias, visões
diferenciadas, criatividade. Assim, saber atrair talentos muito diferentes
entre si e, ao mesmo tempo, oferecer igualdade de direitos é uma competência
que gera vantagem competitiva. E as companhias estão começando a compreender
isso", completa.
Mas não só grandes corporações se preocupam com o bem-estar
de seus funcionários homossexuais. A Zanzini Móveis, localizada em Dois
Córregos (SP), e eleita pelo Great Place to Work Institute como uma das 100
melhores empresas para trabalhar em 2007, oferece aos seus 270 empregados a
possibilidade de inclusão do parceiro do mesmo sexo no plano de benefícios.
Segundo Denise Zanzini Torrano, diretora da área de qualidade e gestão de
pessoas, e Leandro Mangili, gerente da área de gestão de pessoas da empresa,
entre esses benefícios estão: plano médico, convênio odontológico, seguro de
vida, cesta básica, atendimento psicológico e uso do Clube dos Colaboradores.
"Acreditamos no respeito a todos. Se os profissionais forem competentes e
demonstrarem isso no dia-a-dia, serão excelentes colaboradores", enfatiza
Mangili.
Exemplo de um funcionário beneficiado e que só tem motivos
para comemorar é o gerente de equipe da ouvidoria interna do Banco do Brasil,
Augusto Andrade, que trabalha há 33 anos na instituição. Ele relata que o
processo de inclusão de seu companheiro no plano de saúde começou em 2003
quando houve uma mudança na presidência da empresa. "A diretoria passou a
se preocupar mais com a questão da diversidade e fez um treinamento interno
sobre o assunto. Como já existia o benefício para incluir o parceiro
heterossexual no plano de saúde da Caixa de Assistência dos Funcionários do
Banco do Brasil (Cassi), aproveitei a oportunidade para requisitar a inclusão
do meu companheiro nesse plano", explica. Dois anos depois, seu pedido foi
aprovado.
"Senti um alívio. A vida toda batalhei para que as
pessoas considerassem normais as relações entre pessoas do mesmo sexo. Mas
nunca pensei em conseguir algo mais concreto", diz.
Além disso, ele incluiu seu companheiro no Programa de
Assistência Social, para ter acesso aos planos odontológico e oftalmológico, e
na Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), que é o
maior fundo de previdência privada da América Latina. Segundo o último
levantamento, feito em 2008 pelo Banco do Brasil, estavam incluídos 175 casais
homossexuais na Cassi, e 120 na Previ.
Ativista gay desde 1985, hoje ele atua no grupo
Estruturação, que reúne homossexuais em Brasília. "O que espero agora é um
olhar menos excludente. Que ninguém se sinta fragilizado por ser mulher, negro,
deficiente, gay, gordo ou idoso. É necessário um avanço na sociedade para que o
outro possa ser diferente e mesmo assim ser considerado um ser humano
digno", conclui.
Disponível em
http://www.revistamelhor.com.br/textos/247/artigo223304-1.asp. Acesso em 08 set
2013.