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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Aliciados para virar transexuais acabam em endereços perigosos

Cleide Carvalho
Publicado:11/02/12 - 20h07 - Atualizado:12/02/12 - 9h21

Pobres em seus estados de origem — alguns admitem que faziam pequenos furtos para ganhar a vida no Nordeste —, os garotos atraídos a São Paulo pela rede de pedofilia sonham com a Avenida Indianópolis, mas a maioria vai parar mesmo em endereços menos nobres e mais perigosos. Neles, não precisa ser frequentador habitual para perceber a presença da mão pesada do tráfico de drogas. Nas travessas da Avenida Cruzeiro do Sul, na vizinhança da Rodoviária do Tietê, vários dos jovens transexuais se oferecem drogados.

B. veio de Sobral, no Ceará. Está há seis anos em São Paulo e diz que completou 18 anos em outubro passado. Não recebeu próteses de silicone, apenas injeções em algumas partes do corpo. Olho embaçado, sonha em colocar a prótese de silicone nos seios até julho. Posicionado a um quarteirão da avenida, diz que o valor mais alto que consegue por programa é R$ 50, ajeitando um vestido cor de rosa bem curto.

— As que têm mais peito cobram mais — conforma-se. Thales César de Oliveira, promotor de Infância e Juventude, diz que os adolescentes são atraídos pelo ganho e não têm ideia de que terão de alterar completamente o corpo: 
— Muitos não têm noção de que é uma mudança sem volta.

Oliveira afirma que o Ministério Público de São Paulo sabe da existência de uma rede de pedofilia e há frentes de investigação. No ano passado, um homem acusado de comandar a parte da rede que trazia adolescentes de Belém foi morto em confronto com a polícia paulista ao resistir a uma ordem de prisão. Na ocasião, 70 travestis, entre eles menores de idade, foram encontrados vivendo precariamente em duas pensões no Centro de São Paulo. Os adolescentes foram devolvidos às famílias.

— Não sabemos se é a mesma rede que se rearticulou ou se é outra — afirma. Segundo ele, a polícia de São Paulo recebeu informações de que o comando da rede estaria no Nordeste, mas não há um grupo conjunto de investigação interestadual para troca de informações entre as polícias e os Ministérios Públicos.

De vestidinho vermelho e nariz arrebitado, R. conta que chegou há um ano e três meses de São Luiz e acredita não ter outra saída a não ser modificar o corpo:
— A gente nasce mulher.

A mais velha do grupo tem 30 anos e cabelos compridos e encaracolados. Veio de Manaus.
— Elas (as cafetinas) incentivam a transformação. E cobram mais em cima disso —explica.
Num bar nas imediações da Avenida Industrial, repleto de homens de comportamento intimidador, Luciane, 22 anos, conta que chegou há menos de um ano do Piauí e só quer colocar prótese no seio, sem injetar silicone, porque tem receio.

Uma transexual mais velha, de enormes seios caídos, interrompe:
— Rejeição depende do corpo de cada um. E de quanto de dinheiro você tem para pagar. De cabelos ainda curtos e brincos baratos, Luciane é chamada por um dos homens e some de cena. O bom senso diz que é melhor não ficar muito tempo ali.


Disponível em <http://oglobo.globo.com/pais/aliciados-para-virar-transexuais-acabam-em-enderecos-perigosos-3950772>. Acesso em 16 fev 2012.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Meninos são aliciados para virar transexuais em SP

Cleide Carvalho
Publicado:11/02/12 - 20h08
Atualizado:12/02/12 - 9h22

Magra, cabelos compridos, short curto. M., 16 anos, abre o sorriso leve e ingênuo dos adolescentes quando perguntada se pode dar entrevista. Poderia ser uma das milhares de meninas que sonham com as passarelas. Mas não é. O relógio marca 1h de sexta-feira. M. é um garoto e está na calçada, numa das travessas da Avenida Indianópolis, conhecido ponto de prostituição de travestis e transexuais, escancarado em meio a casas de alto padrão do Planalto Paulista, na Zona Sul de São Paulo. A poucos passos, mais perto da esquina, está K., também de 16 anos.

— Sou muito feminina. Não tem como não ser mulher 24 horas por dia — diz K. M. e K. são a ponta do novelo que transformou São Paulo num centro de tráfico de adolescentes nos últimos cinco anos. Meninos a partir de 14 anos são aliciados no Ceará, no Rio Grande do Norte e no Piauí e, aos poucos, são transformados em mulheres para se prostituírem nas ruas de São Paulo e em países da Europa. Misturados a travestis maiores de idade, eles são distribuídos em três pontos tradicionais de prostituição transexual em São Paulo: além da Indianópolis, são encaminhados para a região da Avenida Cruzeiro do Sul, na Zona Norte, e Avenida Industrial, em Santo André, no ABC paulista.

O primeiro contato é feito por meio de redes de relacionamento na internet. Uma simples busca por “casas de cafetina” leva os garotos a perfis de aliciadores, que são homens, mulheres e travestis. Após o primeiro contato, pedem que o adolescente encaminhe uma foto por e-mail, para que seja avaliado. Se for considerado interessante e “feminino”, eles têm a passagem paga pelos aliciadores. Ao chegar a São Paulo, passam a morar em repúblicas de transexuais e a serem transformados. Recebem inicialmente megahair e hormônios femininos. Quando começam a faturar mais com os programas nas ruas, vem a oferta de prótese de silicone nos seios. Os escolhidos para ir à Europa chegam a ser “transformados” em tempo recorde, apenas cinco meses, para não perder a temporada na zona do euro.

É fácil identificar os adolescentes recém-chegados. Além do corpo típico da idade, eles têm seios pequenos, produzidos por injeção de hormônios, e megahair. Testados inicialmente na periferia, os meninos são distribuídos nos pontos de prostituição de acordo com a aparência. Os considerados mais bonitos recebem investimento mais alto e vão trabalhar na área nobre da cidade. Na Avenida Indianópolis, recebem R$ 70 por um programa no drive in e R$ 100 se o programa for em motel. Nos outros dois endereços, o valor é bem mais baixo: entre R$ 30 e R$ 50 no drive in e R$ 70 a R$ 80 em motel.

Menores evitam ruas principais

Não faltam interessados. A partir de 17h, homens na faixa de 30 a 50 anos aproveitam o fim do expediente para, antes de seguir para casa, fazer programas rápidos com os transexuais na Indianópolis. Um furgão preto, com insulfilme, faz o transporte de vários transexuais. Mas, nesse horário de maior movimento, dificilmente os menores ficam à vista nas calçadas.

Por existirem há décadas, os pontos de prostituição de travestis são vistos com naturalidade pelos moradores de São Paulo. Afinal, se prostituir não é crime. Por isso, a rede criminosa se mistura aos transexuais mais antigos. Assim como eles recebem a proteção da Polícia Militar para não serem agredidos por grupos homofóbicos, os novos fios do novelo se entrelaçam, dando à rede de tráfico internacional de adolescentes o mesmo aparato de segurança e legalidade que é dado aos transexuais ditos “independentes”.

Em geral, os transexuais adolescentes ficam nas travessas, atrás dos grupos de maiores de idade, que ficam quase nus e são extremamente expansivos. Pacíficos, os dois grupos convivem bem com a vizinhança, exceto pelo constrangimento proporcionado pelos mais velhos (acima de 25 anos) sem roupa ou exibindo partes íntimas ou siliconadas.

Os adolescentes são mais discretos, menos siliconados e “montados”. A aparência de menina é mais natural. Os implantes de silicone nos seios são menores, num apelo direcionado aos pedófilos. Eles usam saias e shorts curtinhos, como M. e K., e podem ser facilmente confundidos com meninas.

Como na Indianópolis prostitutas e travestis dividem espaço, clientes são surpreendidos pela nova leva de jovens vindos de outros estados, de aparência cada vez menos óbvia. Y., 19 anos, é um dos transexuais que fazem aumentar a confusão. Aos 15, foi levado a São Paulo pela rede de prostituição e pedofilia.

— A cafetina viu que eu era feminina e que ganharia muito dinheiro. Minha mãe assinou autorização para eu viajar, e vim de avião. Ficou preocupada, como toda mãe, mas deixou — conta. Inicialmente, foi levado a trabalhar na Avenida Industrial, em Santo André, no ABC paulista. Pagava R$ 20 pela diária na república, sem almoço.

— Quem não tivesse os R$ 20 tinha de voltar para a rua, não entrava enquanto não conseguisse — diz ele. Mesmo sem ter sido transformada, já chamava atenção. Logo começou a faturar R$ 250 por dia. Aos 16 anos, recebeu “financiamento” para colocar prótese de silicone no seio. O implante foi feito por cirurgião plástico. Custou R$ 4 mil, mas Y. teve de pagar R$ 8 mil à cafetina, pois não tinha dinheiro para quitar à vista.

Y. diz que aceitou porque queria ficar feminina logo. Neste mercado, os seios são vistos como principal atributo. Quanto mais aparência de mulher, mais os clientes pagam. Agora, a jovem mora sozinha num flat e paga seu aluguel. Diz que divide o espaço da avenida tranquilamente e já não deve nada a ninguém. Faz entre seis e 10 programas por noite, afirma, enquanto lança olhares às dezenas de carros que passam rente à calçada, não se sabe se por curiosidade ou atração fatal.



Disponível em <http://oglobo.globo.com/pais/meninos-sao-aliciados-para-virar-transexuais-em-sp-3950782>. Acesso em 16 fev 2012.