Suzana Herculano-Houzel
fevereiro de 2014
Que culpa e gratidão são emoções ninguém duvida: quando as
sentimos, o coração bate diferente, o corpo muda daquele jeito subjetivo e
ainda indescritível, mas que nos deixa com a certeza de que tem algo digno de
nota acontecendo. Mais do que mera “coloração” à vida, as emoções de forma
geral são hoje reconhecidas como marcadores fundamentais que atribuem valor
positivo ou negativo a pessoas, coisas, lugares e acontecimentos – e é em
função desse valor que tomaremos nossas próximas decisões.
Felicidade, medo, raiva, nojo e surpresa são emoções
“básicas”, automáticas e que não requerem nenhum tipo de avaliação racional ou
de envolvimento pessoal. Mas e as emoções morais, aquelas que dependem de
julgamento de intenções alheias? Estas, segundo os neurocientistas Jordan
Grafman e Jorge Moll, deveriam depender de uma interação entre as partes do
cérebro que processam as emoções básicas e outras que fazem o julgamento moral:
aquele que, partindo da avaliação das intenções e das ações alheias, nos faz
decidir se algo é certo ou errado.
Apoiados na filosofia de David Hume, Grafman, Moll e seus
colaboradores supõem que emoções morais dependam da noção de agência, ou seja,
de responsabilidade pessoal pelos acontecimentos. Quando algo ruim acontece por
conta dos outros, sentimos raiva; mas quando o infortúnio é percebido como
resultado das nossas ações (mesmo que não seja!), sentimos culpa, pois nos
enxergamos como a causa do problema. Da mesma forma, quando algo de bom ocorre
como resultado das nossas ações, ficamos orgulhosos; mas quando algo de bom
acontece por ação alheia, ficamos... gratos.
O que acontece no cérebro enquanto isso? Os pesquisadores
descobriram que a diferença entre culpa e raiva, orgulho e gratidão de fato
depende de partes do cérebro que processam o envolvimento pessoal. No caso das
emoções morais positivas, contudo, um achado é particularmente interessante:
não importa se a causa do bom resultado é você mesmo ou outra pessoa; em ambos
os casos há ativação do sistema de recompensa do cérebro, que nos deixa
instantaneamente felizes e satisfeitos. Pensar em algo de bom que nos fizeram
é, portanto, uma maneira tão eficaz de nos deixar felizes como fazer algo de
bom nós mesmos. A gratidão, portanto, leva à felicidade.
Esta não é uma descoberta exclusiva da neurociência. O monge
beneditino David Steindl-Rast vem há anos divulgando uma mensagem de gratidão.
Em uma palestra de pouco mais de 14 minutos divulgada recentemente no site
TED.com, e sem qualquer apoio audiovisual, o monge nos lembra que todos nós, de
qualquer cultura, etnia, credo ou profissão, temos algo profundo em comum: o
desejo de ser feliz. E ousa dar uma receita: o caminho mais fácil e imediato
para a felicidade é... a gratidão.
É uma mensagem simples e poderosa – e a neurociência assina
embaixo. David nos lembra o que é dar graças: é parar por um instante para
olhar ao redor e reconhecer as oportunidades que temos, e lembrar que, mesmo se
algo dá errado, a vida nos dá a seguir a oportunidade de tentar de novo. Na
pior das hipóteses, podemos ser gratos só por essa oportunidade de seguir
adiante.
Parar para olhar ao redor e agradecer pelas coisas boas da
vida é, portanto, oferecer ao cérebro uma oportunidade de lembrar de tudo o que
tem dado certo e ficar genuinamente feliz com tudo isso que não depende de nós.
Assim, a gratidão é, por definição, um sentimento de felicidade – mas um que
podemos escolher ter a cada instante. É só fazer uma pausa, dar graças (à vida,
aos céus, a Deus, ao acaso, às pessoas boas que você conhece, não importa) – e
instantaneamente seu cérebro encontrará um momento de felicidade.
Disponível em
http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/gratidao_e_felicidade.html. Acesso em
26 fev 2014.