Way Herbert
agosto de 2010
Manter o foco para atingir objetivos. Essa é uma das
orientações que mais se ouvem nos cursos de treinamento de profissionais das
mais diversas áreas e se leem em livros de gestão empresarial e até nos manuais
de autoajuda. É preciso estabelecer metas claras, mas, principalmente, é
fundamental ter força de vontade. Este último conceito, aliás, é bastante
enfatizado nos programas de recuperação de dependentes químicos, nos quais as
pessoas devem se comprometer com o desejo de se manter afastadas da adicção. Ou
seja: é preciso estar disposto a se recuperar – e focar nesse ponto.
Mas agora talvez a ciência possa ajudar. O psicólogo Ibrahim
Senay, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, descobriu uma forma
intrigante de criar em laboratório uma versão de obstinação e disposição – e
explorar possíveis conexões com a intenção, motivação e estabelecimento de
metas. Ele identificou algumas características necessárias não só para
abstinência de longo prazo, mas também para atingir qualquer objetivo pessoal,
desde perder peso até aprender a tocar violão.
Senay conseguiu esse resultado explorando a
“autoconversação”. A acepção do termo é exatamente essa: trata-se daquela voz
interna que articula aquilo que você está pensando, expondo em detalhes opções,
intenções, esperanças, medos etc. O pesquisador acredita que a forma e o
sentido dessa conversa consigo mesmo expressos na estrutura da frase podem ter
grande importância na formulação de planos e ações. Além disso, a
autoconversação deve ser uma ferramenta para revelar intenções e reafirmar o
que desejamos.
Senay testou esse conceito com um grupo de voluntários que
trabalhavam com anagramas – por exemplo, mudando a palavra “prosa” para “sopra,
ou “fala” para “alfa”. Mas, antes de começar a tarefa, metade dos voluntários
era instruída a ponderar se de fato queria e achava que cumpriria a tarefa,
enquanto a outra parte simplesmente era informada de que ia trabalhar nos
anagramas em alguns minutos. A diferença é sutil, mas marcante, pois ao
começarem a atividade os primeiros voltavam seu pensamento à curiosidade (não
só em relação à tarefa, mas também à própria disposição em realizá-la); já os
integrantes do segundo grupo basicamente se predispunham a cumprir o que lhes
seria pedido. Seria a mesma diferença entre se perguntar “será que vou fazer
isso?” e afirmar “eu vou fazer isso”.
Os resultados foram intrigantes. As pessoas que antes haviam
se questionado sobre o desejo de participar do trabalho se mantiveram mais
criativas, motivadas e interessadas nele, completando um número
significativamente maior de anagramas, em comparação ao dos voluntários que
apenas foram instruídos a cumprir a atividade. Por que as intenções de pessoas
tão determinadas – e sem muito espaço para questionamentos – sabotam metas
preestabelecidas em vez de favorecê-las? “Talvez porque as perguntas, por sua
própria natureza, transmitem a ideia de possibilidade e liberdade de escolha, e
meditar sobre elas pode estimular sentimentos de autonomia e motivação
intrínseca, criando uma mentalidade que favorece o sucesso”, sugere Senay. Ou
seja: saber que não somos “obrigados” a algo nos coloca numa posição de maior
responsabilidades sobre nossos atos.
Senay elaborou outro experimento para analisar a questão de
forma diferente: recrutou voluntários sob o pretexto de que estavam sendo
convocados para um estudo sobre caligrafia. Alguns deveriam escrever as
palavras “Eu quero ” várias vezes; e outros, “Será que eu quero?”. Depois de preparar
os voluntários com essa falsa tarefa de caligrafia, Senay pediu que
trabalhassem nos anagramas. E, exatamente como no caso anterior, os
participantes mais determinados (que haviam escrito a frase afirmativa) tiveram
pior desempenho que aqueles que tinham redigido a sentença interrogativa.
Pouco depois, Senay realizou mais uma versão desse
experimento, mas dessa vez claramente relacionado a hábitos de vida saudável.
Em vez de propor o uso de anagramas, avaliou a intenção dos voluntários de
iniciar e manter um programa de exercícios físicos. Nesse cenário real ele
obteve o mesmo resultado básico: aqueles que escreveram a frase interrogativa
“Será que eu quero?” mostraram comprometimento muito maior com a prática
regular de exercícios do que os que escreveram no início do teste a frase
afirmativa “Eu quero.”.
Além disso, quando foi perguntado aos voluntários se achavam
que estariam mais motivados a ir à academia com maior frequência, os que foram
preparados com a frase interrogativa justificaram declarando, por exemplo:
“Quero cuidar mais de minha saúde”. Aqueles que escreveram a frase afirmativa
deram explicações como: “Porque me sentiria culpado ou envergonhado de mim
mesmo se não o fizesse”, mostrando-se mais perseguidos e culpados do que
realmente comprometidos.
Esta última descoberta é crucial: indica que pessoas mais
flexíveis, com menor receio de rever os próprios conceitos, estavam mais
intimamente motivadas, buscando uma inspiração positiva interior – e não
tentando prender-se a um padrão rígido, autoimposto em algum momento. Essa
inspiração interna faltou aos aparentemente “mais decididos”, o que explica,
pelo menos em parte, a fraca determinação para futuras mudanças, ainda que
vantajosas a médio prazo. Considerando a recuperação de dependentes químicos e
o autoaperfeiçoamento, em geral, aqueles que declaravam sua força de vontade
sem contestações estavam, na verdade, fechando a mente e estreitando sua visão
de futuro. Aqueles que se perguntavam sobre os rumos a seguir e conjecturavam
possibilidades reafirmavam sua escolha – e se comprometiam com ela.
Disponível em
http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/bendita_duvida_.html. Acesso em
25 jul 2013.