Reinaldo José Lopes
15/10/2006
Quem comparar o DNA de quatro irmãos do sul da Itália com a
aparência deles provavelmente vai levar um susto: a julgar pelos genes, eles
deveriam ser mulheres. Os irmãos possuem dois cromossomos X, em vez de um
cromossomo X e outro Y, como quase todos os outros homens.
De acordo com um estudo sobre os irmãos, publicado on-line por Giovanna Camerino e seus colegas da Universidade de
Pavia na revista científica "Nature Genetics", o responsável parece
ser o gene conhecido como RSPO1. Ele está presente numa versão alterada entre os quatro homens
da família italiana. Ao analisar o DNA de outro "homem" portador dos
cromossomos XX, Camerino e companhia encontraram a mesma alteração, o que confirmou
as suspeitas em torno do RSPO1.
A alteração sexual não é o único efeito da versão mutante do
gene: ele também causa a doença conhecida como hiperqueratose palmoplantar (em
que as palmas das mãos e as solas dos pés são anormalmente grossas) e
predisposição a um tipo de câncer de pele.
Ele ou ela
É muito mais comum encontrar portadores do par de
cromossomos XY com aparência feminina do que o contrário. Segundo os
pesquisadores, se por algum motivo os testículos não se desenvolverem da forma
correta, sem a produção mínima de hormônios masculinos, o corpo do feto tende a
reverter para a forma "padrão", que seria a de mulher.
O contrário, pelo que se sabia até hoje, só costumava
acontecer quando, por algum motivo, um pedaço do cromossomo Y -- o gene
conhecido como SRY -- ia parar no cromossomo X ou em outro cromossomo. Machos
normais de várias espécies de mamífero podem ser produzidos dessa maneira, o
que tem levado muita gente a considerar o cromossomo Y inteiro como
geneticamente supérfluo. Há indícios de que, ao longo dos milhões de anos de
evolução dos mamíferos, ele tem se tornado cada vez menor e mais degenerado.
Alguns cientistas chegaram mesmo a postular que ele vai desaparecer.
Os pesquisadores de Pavia verificaram que os "homens
femininos" possuíam duas cópias malfeitas do gene RSPO1 (uma recebida do
pai e outra da mãe). Os membros da família que só tinham uma cópia do gene
destrambelhado eram normais, o que sugere que se trata de uma característica
que só aparece quando o erro vem em dose dupla. Ao que tudo indica, o problema
apareceu nessa família por causa de casamentos entre parentes próximos, os
quais têm uma tendência a concentrar erros genéticos, já que o DNA dos membros
do casal acaba sendo muito parecido.
A análise feita por Camerino e sua equipe sugere que a
inserção de apenas uma "letra" química de DNA a mais no código da
RSPO1 é suficiente para causar a tríade de problemas. A função do gene em
pessoas normais ainda precisa ser mais estudada, mas há indícios de que ele
ajude a formar corretamente os ovários e a parede dos órgãos genitais
femininos. Sem a presença dele, é como se o corpo "entendesse" que
deveria produzir um menino, e não uma menina.
Resta, no entanto, um consolo para o cromossomo Y. Embora os
portadores da mutação tenham órgãos genitais masculinos bem formados e produzam
esperma normalmente, eles são estéreis -- provavelmente porque, por serem XX,
eles precisariam de um ovário para produzir suas células sexuais, os óvulos.
Disponível em
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,AA1311440-5603,00-MUTACAO+FAZ+MULHERES+VIRAREM+HOMENS+DIZ+ESTUDO.html.
Acesso em 17 abr 2014.