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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Consequências psicológicas de revenge porn são maiores em mulheres, afirma professora

Marina Castro; Victoria Amorim; Mariana Fonseca

A aluna do curso de Letras da USP Thamiris Sato nunca imaginou que seu ex-namorado, com quem terminou o relacionamento em julho deste ano, exporia sua intimidade na internet como vingança pelo fim do namoro. No dia 31 de outubro, quando começou a receber no Facebook mensagens e solicitações de amizade de diversos desconhecidos e do próprio ex-parceiro, usando perfis falsos, ela descobriu que havia uma foto em que aparecia nua circulando na rede social.

“Ambos tínhamos fotos um do outro e ele sempre me disse que não me prejudicaria se terminássemos”, afirma Thamiris. “A diferença é que, quando o namoro terminou, eu deletei todas as nossas fotos – normais e comprometedoras –, e nunca usaria isso contra ele”. Percebendo que havia sido vítima de revenge porn ou vingança pornográfica, a divulgação de vídeos ou fotos, geralmente de mulheres, fazendo sexo após o fim de um relacionamento, Thamiris escreveu em seu perfil no Facebook um depoimento contando tudo por que estava passando no dia 17 de novembro, acusando o ex-namorado, um estudante búlgaro, também da USP, de ser responsável pelo ocorrido. Segundo ela, ele fez isso por machismo, misoginia (desprezo ou repulsa ao gênero feminino e suas características) e por se sentir injustiçado com o término.

O caso de Thamiris não é o único a evidenciar o problema da revenge porn recentemente. Em outubro, a estudante goiana Francyelle Santos, mais conhecida como Fran, ficou “famosa” após um vídeo em que fazia sexo com um rapaz ter se espalhado rapidamente pelo aplicativo de celular Whatsapp. A jovem fez um boletim de ocorrência contra o companheiro e afirma que parou de trabalhar e estudar por causa do assédio que sofria ao sair de casa.

Em novembro, ao menos três casos de meninas que cometeram suicídio por causa de revenge porn foram divulgados pela mídia. A mais nova, do Piauí, tinha 14 anos. “De certa forma eu entendo as vítimas que cometeram o suicídio, não apenas as brasileiras, mas muitas de que tomei conhecimento. Eu lamento muito por todas que não tiveram forças para lutar, mas não as julgo, e acho que ninguém deveria”, diz Thamiris.

A visão dos psicólogos

As causas de revenge porn são as mais variadas possíveis. De acordo com a professora Maria Alves de Toledo Bruns, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras , da USP de Ribeirão Preto, entre os fatores, está a disponibilidade da Internet: “Ela é um meio que ainda estamos aprendendo a usar. Ao mesmo tempo, a sociedade pós-moderna tem por característica as redes sociais e a visibilidade. Por esse motivo, essas situações são extremamente delicadas.”

Outro motivo é o orgulho ferido na rompimento de uma relação. O professor Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da USP, afirma que “a revenge porn mostra a necessidade de se vingar da outra pessoa porque algo foi rompido, mesmo que saibam que as relações de hoje não são para sempre”. Ele ressalta também o jogo de poder que existe por traz dessas relações ao dizer que “Se você tem uma foto ou alguma coisa que possa desqualificar a outra pessoa, você é dono do poder.”

Para descrever esse tipo de situação, o professor Macedo parte do pressuposto de que a sociedade atual é uma sociedade de contrato: “Quando você tem intimidade com alguém, você tem um contrato, mesmo que implícito, de respeito. Não importa se é um casal de namorados ou não. Se não fica combinado entre ambas as partes que o conteúdo produzido durante a intimidade seria divulgado, é uma espécie de quebra de contrato.”

A quebra desse contrato pode gerar na menina exposta “resultados que variam de pessoa para pessoa. Entre eles estão a baixa autoestima e mudança nos planos de vida. A vítima pode também criar um ódio das outras pessoas e evitar ter relações com elas”, de acordo com Macedo.

A professora Maria Alves afirma que as consequências psicológicas são enormes: “Isso é evidenciado pelas situações atuais que temos visto, como suicídio, perda do emprego. A garota passa a ser identificada como uma garota de programa, o que ela não é. Dessa forma, a identidade profissional dela também é afetada.”

Mas essas consequências, nesse tipo de situação, acontecem apenas com as mulheres. De acordo com Maria Alves, “O fato do homem expor um vídeo em que ele é o ator tem um valor muito grande”. O professor Macedo concorda com ela: “Na nossa cultura machista, dizer que um homem transou é algo positivo.” Ele ainda acrescenta que “os caras se afetam mais com os aspectos negativos, por exemplo, quando seu desempenho sexual é ruim ou quando o seu pênis é pequeno. Um exemplo disso é o aplicativo Lulu, que está fazendo os homens se sentirem expostos e envergonhados.”

Questões de gênero

A Frente Feminista da USP considera “muito preocupante” saber que esse tipo de violência contra a mulher tem aumentado. “Esses casos [de revenge porn] só escancaram ainda mais a enorme violência que é o machismo e quão importante é a auto-organização das mulheres para que isso seja cotidianamente combatido. O que nos cabe fazer é incentivá-las a denunciar e a procurar todos os meios que garantam a sua integridade física, além de darmos todo o apoio que uma mulher precisa para enfrentar uma situação dessas”.

O grupo não adota denominações específicas para as vítimas de revenge porn, mas compreende que “a linguagem é importante como meio de expressar e descrever a situação em que se encontram as mulheres na nos termo ‘sobrevivente’ tem sido de comum uso entre as feministas. A intenção seria a de mostrar as mulheres também como sujeitos, que podem ativamente, a partir das experiências que passaram, se enxergar como capazes de subsistir a estas situações. A compreensão de que mulheres são sobreviventes e que, portanto, perduraram após situações de violência e abuso é importante para que outras também possam se entender desta forma”, diz a Frente.

Para a Frente, a condenação da vítima de revenge porn não é algo isolado, mas sim uma manifestação do poder masculino sobre as mulheres. De acordo com o grupo, “o tabu da mulher exposta sexualmente, na verdade, é a sanção para que ela deva se resguardar. Em nossa sociedade, a exposição sexual é utilizada para humilhar e diminuir a mulher”. Para ilustrar, a Frente Feminista da USP dá um exemplo. “É interessante pensar que, na França do pós-guerra, após a liberação dos territórios ocupados pela Alemanha, milhares de mulheres que tiveram relacionamentos com soldados alemães tiveram suas roupas retiradas nas ruas e foram expostas à humilhação pública. Isso se assemelha um pouco ao que temos hoje com relação a revenge porn. O que têm de comum é o fato de que configuram casos que nos mostram formas de controle sobre o corpo das mulheres”.

 Aspecto jurídico

De acordo com o professor Antônio Carlos Morato, da Faculdade de Direito da USP, “existem vários casos analisados pelo Poder Judiciário e, por razões óbvias, tendem a tramitar em segredo de justiça – contrariando a regra geral de que os processos judiciais devem ser públicos), mas os mais significativos chegam ao conhecimento do público de forma indireta – os Tribunais divulgam a situação de maneira genérica, mas não os nomes ou o número do processo”. Mesmo com tantos casos, legalmente, temos apenas sanções civis, como a reparação de danos morais e patrimoniais em dinheiro. Segundo Morato, isso acontece porque o Direito Penal, atualmente “exige que a conduta seja rigorosamente descrita para que alguém seja punido”.

Por essa razão, diversos projetos de lei que pretendem criminalizar a “vingança pornográfica” estão em andamento. Entre esses projetos estão dois que tentam alterar a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Um é de autoria do Deputado Federal João Arruda do PMDB/PR (PL 5.555/2013) e outro da Deputada Federal Rosane Ferreira do PV/PR (PL 5.822/2013).

“Quanto a tais projetos, há a proposta de colocar como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher a ‘violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade’”, afirma o professor Morato.

Outro projeto de lei é o apresentado o pelo Deputado Romário do PSB/RJ (PL 6.630/2013), onde é considerado como crime “Divulgar, por qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima” e seu projeto altera o Código Penal. O projeto (PL 6.630/2013) foi apensado ao decreto lei nº 2848, de conteúdo semelhante, e está na Comissão de Seguridade Social, aguardando parecer do relator.

A condenação para quem vaza fotos íntimas pode variar de 1 a 3 ano. A multa cobrirá possíveis custos que a vítima teve com consequências da divulgação. Assim, o deputado Romário recomenda que as vítimas, juntamente com seus advogados, guardem comprovantes de despesas com mudança de endereço, psicólogo e as decorrentes de perda de emprego, por exemplo. A multa será maior caso a vítima seja menor de idade ou caso a pessoa que tenha divulgado o material estivesse em relacionamento amoroso com ela. Essa última determinação se dá porque, segundo Romário, identifica-se uma maior crueldade nestes casos. “O criminoso se aproveita da vulnerabilidade gerada pela confiança da pessoa”, diz.

Cabe lembrar que o projeto prevê penas também para quem fizer montagens ou artifícios com a imagem da vitima. Porém, isso não se aplica somente a quem divulgar o material nas redes sociais, por exemplo, já que é quase impossível punir quem compartilha, de acordo com o deputado. “Não existirá fiscalização, e sim denúncias. Quem for denunciado pela vítima será investigado”. Romário acredita que as pessoas com visibilidade social devam ter muita responsabilidade. “Por exemplo, no caso da menina de Goiânia, o advogado dela nos informou que um cantor sertanejo havia reproduzido um gesto da filmagem em sua rede social. Logicamente, isso expôs ainda mais a Fran”.

Uma enquete no site Vote na Web mostra que mais de 91% dos internautas apoiam o projeto de lei, de acordo com dados do dia primeiro de dezembro. “Não apresentei o projeto pensando na segmentação de gênero, mas obviamente sei que o problema é muito mais comum entre as mulheres. Fico feliz, afinal sou pai de quatro filhas, mas antes me sinto contribuindo com a sociedade”. Para o deputado, o projeto significa a liberdade sexual e de privacidade para ambos os sexos e, ultrapassando o limite, os rigores da Lei. “O projeto não se refere apenas às mulheres, mas a todos aqueles que tenham algum registro íntimo divulgado”.


Disponível em http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/12/consequencias-psicologicas-de-revenge-porn-sao-maiores-em-mulheres-afirma-professora/. Acesso em 09 dez 2013.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Empresa dá crachá em branco para transexual

Maíra Amorim
Publicado:17/12/12

Na segunda-feira passada, a física Roberta Nunes deu um passo importante no que imagina que poderá facilitar sua inserção no mercado de trabalho: fez a cirurgia de mudança de sexo. Com especialização em engenharia, Roberta já trabalhou em duas grandes empresas de telecomunicações. Mas não obteve o direito de usar seu nome social, o feminino, no trabalho, o que levanta uma questão: a iniciativa privada lida bem com a questão da diversidade sexual no trabalho?

A última empresa que a contratou, a Claro, inicialmente aceitou que em seu crachá constasse Roberta Nunes e não seu nome de nascença. Mas o RH acabou voltando atrás e pediu que o nome feminino ficasse abreviado, com o masculino aparecendo abaixo. Como a transexual não aceitou, a solução foi dar a ela um crachá em branco, usado por consultores e visitantes.

Empresa diz que respeita diversidade

— Fiquei três anos usando o crachá em branco. Inicialmente eu tentei brigar, mas depois desisti, pois era o meu ganha-pão e eu precisava do dinheiro. Preferi evitar retaliações — contou Roberta em entrevista ao Boa Chance na sexta-feira anterior à cirurgia.

Roberta queria juntar dinheiro para pagar a operação, que custou cerca de R$ 30 mil. Depois de três anos na fila de espera do SUS, ela desistiu de aguardar, já que a previsão era de que sua vez ainda poderia demorar seis anos.
— Devo prezar pela minha qualidade de vida. Fazer a cirurgia aos 36 anos seria esperar demais — diz ela, que tem 30 anos e, desde os 20 anos, quando iniciou sua transição de gênero, planejava a mudança de sexo.

Consultada sobre o caso, a Claro divulgou nota, por meio da assessoria, em que diz: “A Claro informa que respeita a orientação de gênero de todos os seus colaboradores”. Para Roberta, faltou habilidade para tratar o tema. Problema que, segundo ela, acontece na iniciativa privada de modo geral.
— Faltam políticas para garantir a inclusão dos transexuais. No serviço público, existem mais iniciativas para proteger os direitos — diz Roberta.

É a portaria 233, de 2010, que assegura ao servidor público, na esfera da administração federal, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais. Na inciativa privada, não há nada igual.
— Então, a transexual fica presa à boa vontade e à sensibilidade do patrão ou do RH — diz Bárbara Aires, diretora da Astra Rio (Associação das Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro).

Bárbara, que também é produtora da TV Globo, usa seu nome social no crachá. Mas sabe que é uma exceção.
— Governo e ONGs devem se juntar para fazer ações de sensibilização junto às empresas. É preciso desfazer a imagem de que lugar de transexual é só nas esquinas. Elas também podem ocupar lugar de destaque nas empresas.

Após cirurgia, volta a todo o vapor

Para Bárbara, assim como ela, Roberta ultrapassou uma barreira ao ser contratada. O nome no crachá poderia ser um segundo passo, mas Roberta não pode alcançá-lo porque foi demitida em setembro. A dispensa ocorreu quando ela mudou de equipe e deixou de dar plantões em home office. Roberta admite que o novo gerente não simpatizava com ela — tanto que não lhe passava tarefas — mas não sabe exatamente o que motivou a demissão:
— Disseram que, por quatro meses, tentaram readequar minhas funções, mas que não havia vaga no meu perfil.

No início de 2013, depois do repouso exigido pela cirurgia, Roberta dará entrada na mudança de nome e de gênero. Espera, assim, ter mais facilidade no mercado de trabalho:
— Pretendo voltar a todo vapor e buscar um cargo de nível gerencial.

Disponível em http://oglobo.globo.com/emprego/empresa-da-cracha-em-branco-para-transexual-7070699. Acesso em 19 dez 2012.