Suzana Herculano-Houzel
março de 2014
Você é convidado a entrar em uma sala desconhecida. No
quarto à sua esquerda você vê, à sua disposição, um belo exemplar do sexo
feminino com quem você viveu, poucas horas antes, tórridas e repetidas cenas de
amor. No quarto à sua direita há uma beldade igualmente atraente, mas que você
nunca viu antes. A escolha é toda sua, e ninguém ficará sabendo. Esquerda ou
direita?
A cena é um “teste de fidelidade”, e em 80% dos casos, o
candidato escolhe a parceira com quem ele havia feito sexo anteriormente. Se os
papéis dos sexos se invertem, as fêmeas são ainda mais fiéis ao parceiro
anterior, e o escolhem 90% das vezes.
Os candidatos bem que poderiam ser humanos, mas o ser em
questão é o arganaz-do-campo (Microtus ochrogaster), um tipo de rato corpulento
fortemente social e monogâmico. Arganazes-do-campo vivem em colônias onde os
indivíduos vivem agarradinhos. Após o acasalamento, macho e fêmea dividem o
mesmo ninho, cuidam juntos da prole, mantêm os filhos adolescentes por perto,
preferem a companhia um do outro à de qualquer desconhecido, e os “maridos”
tornam-se agressivos em relação a outros machos. Basta uma sessão de sexo e
dali para a frente outros candidatos a parceiros serão recusados, no melhor estilo
“felizes para sempre” dos contos de fadas.
Em comparação, um primo próximo, o arganaz-montanhês
(Microtus montanus), é associal, promíscuo, não busca contato físico com seus
semelhantes, e não divide seu ninho. A fêmea cuida sozinha da prole e abandona
os filhotes cedo. E novos parceiros serão sempre bem-vindos.
A diferença entre as duas espécies tão próximas está na
maneira como seu sistema de recompensa responde ao sexo – mais especificamente,
a hormônios liberados no cérebro durante o orgasmo: oxitocina nas fêmeas, e
vasopressina nos machos. Indivíduos da espécie monógama possuem numerosos
receptores para os hormônios no estriado ventral do sistema de recompensa, que
permitem que o sistema seja ativado pelos hormônios liberados no orgasmo. Já o
estriado ventral da espécie promíscua é insensível aos hormônios.
O resultado? A ativação do sistema de recompensa pelos
hormônios do orgasmo não só estende o prazer do sexo como faz com que o
bichinho associe o prazer àquele parceiro em particular, formando um vínculo
afetivo com ele (ou ela). Quando o estriado ventral é sensível aos hormônios do
orgasmo, o sexo funciona como uma baita cola – e querer estar na companhia do
outro, como a gente sabe, é o primeiro passo para a formação de um casal
estável.
Mas se o estriado ventral é insensível aos hormônios do
orgasmo, como nos arganazes-montanheses, nada feito: o sexo não leva à formação
de vínculos afetivos. A não ser que eles recebam uma injeção no cérebro de um
vírus que força a expressão de receptores no sistema de recompensa, o que
transforma esses animais promíscuos em monógamos. Parece mágica – mas é
ciência.
Humanos têm receptores para oxitocina e vasopressina em seu
estriado ventral, o que nos coloca no grupo dos arganazes fiéis, ainda que a
sensibilidade aos hormônios seja diferente entre indivíduos. De qualquer forma,
considerando que nada disso acontece sem uma sessão de sexo, duas conclusões
são certas. Primeira: escolha com cuidado quem você leva para a cama – porque
periga o seu cérebro acabar mais amarrado do que você gostaria. E segunda: se
você ficar mesmo amarrado, garanta a estimulação frequente do sistema de
recompensa do (a) seu (ua) parceiro (a). É a maneira mais certa de assegurar o
seu acesso permanente. E a sua exclusividade também…
Disponível em
http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/sexo_e_cola_-_para_alguns.html.
Acesso em 22 mar 2014.