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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

As mutações na cultura, no narcisismo e na clínica: o que muda e o que faz falar os pacientes limítrofes?

Natasha Mello Helsinger
Cad. Psicanál.-CPRJ, Rio de Janeiro, v. 36, n. 31, p. 69-93, jul./dez. 2014


Resumo: Investigaremos a questão narcísica nos estados limítrofes de analisabilidade (GREEN, 1975), situando-os no contexto da cultura do narcisismo (LASCH, 1979). Apresentaremos algumas transformações vividas pelo estatuto do narcisismo na obra freudiana, contemplando-o em sua dimensão constituinte, como também, patogênica. Em seguida, partiremos das propostas greenianas, para articular o narcisismo de morte à patologia limítrofe que, por sua vez, é caracterizada pela fragilidade narcísica e pelo desinvestimento objetal. Poderemos compreender, assim, de que formas as mutações na cultura e nas experiências narcísicas podem produzir e exigir mutações na clínica.




quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Polícia do Irã define como mulher devem se vestir neste inverno

EFE
06/12/2014


A polícia do Irã estabeleceu o código de vestimenta para as mulheres neste inverno e advertiu que as que não o cumprirem serão levadas a sedes para que adequem sua aparência, disse o chefe da polícia de Segurança Moral, o coronel Mohamad Massoud Zahedian.

"O gorro não é um véu integral para as mulheres", avisou Zahedian, e alertou que "enfrentaremos todas aquelas que usarem casacos curtos, justos e com imagens que sejam alheias à cultura iraniana".

Entre as peças proibidas estão "as malhas que marquem o corpo ou com desenhos vulgares", informou a página oficial da polícia.

Zahedian lembrou que a Polícia de Moralidade, que vigia as ruas, levará todas as que não respeitarem o código "para as designadas sedes para que modifiquem sua aparência", sem dar mais explicações sobre esses lugares.

"A castidade e o véu das mulheres estão definidos na sociedade. Pode ser que uma vestimenta cubra bem, mas que tenha um estilo de demonstrar a beleza ou de exibicionismo" que ponha em perigo a castidade da sociedade, alegou Zahedian.

No Irã, por lei, as mulheres devem ficar com todo o corpo coberto, incluídos braços, pernas, cabelo e pescoço.

Mas muitas, principalmente as mais jovens em grandes cidades como Teerã ou Isfahan, cortam as mangas compridas dos "capas" e usam só um terço da cabeça coberto com lenços.

Grupos radicais pediram em várias ocasiões que as autoridades obriguem as mulheres a cumprir com mais rigor o código de vestimenta islâmico.


Disponível em http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2014/12/policia-do-ira-define-como-mulheres-devem-se-vestir-neste-inverno.html. Acesso em 8 dez 2014.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Adolescentes problemáticos? Nem sempre...

Mente Cérebro
fevereiro de 2014

O cérebro adolescente se encaixa de maneira bastante conveniente no mito de que, nessa fase da vida, as pessoas são intrinsecamente incompetentes e irresponsáveis. O psicólogo G. Stanley Hall contribuiu para a disseminação dessa ideia com a publicação de seu livro em dois volumes Adolescência, em 1904. Hall foi enganado tanto pela crise de seus tempos quanto por uma teoria popular da biologia que mais tarde se provou equivocada.

Ele testemunhou uma revolução industrial e a imigração maciça que colocou centenas de milhares de jovens nas ruas de cidades americanas. O psicólogo acreditava na “recapitulação”, uma teoria da biologia segundo a qual o desenvolvimento individual (ontogenia) necessariamente imita o desenvolvimento da espécie (filogenia). Para Hall, a adolescência foi a reconstituição de uma fase “selvagem”, necessária e inevitável da evolução humana – embora na década de 30 a teoria da recapitulação passasse a ser reconsiderada e vista com ressalvas.

É fato que hoje adolescentes exibem alguns sinais de aflição. É fato que os jovens estão expostos a riscos – de depressão a comportamentos de risco (no contato com as drogas, tanto proibidas quanto liberadas, no trânsito e na vida sexual, por exemplo). Mas há algo intrínseco ao cérebro desses rapazes e garotas que de fato seja um risco para eles mesmos e para os outros? Podemos pensar que se esse fosse um “fenômeno universal do desenvolvimento” provavelmente haveria turbulência desse tipo em todo o mundo nessa fase da vida. E não é bem assim.

Em 1991, a antropóloga Alice Schlegel, da Universidade do Arizona, e o psicólogo Herbert Barry III, da Universidade de Pittsburgh, avaliaram pesquisas sobre adolescentes em 186 sociedades pré-industriais. Eles chegaram a várias conclusões interessantes. Uma delas foi que 60% dessas culturas não tinham em seus vocabulários a palavra “adolescência”. Outra constatação: jovens que passavam quase todo o seu tempo como adultos quase não apresentavam sinais de psicopatologia e comportamentos antissociais.

Ainda mais significativo: uma série de estudos de longo prazo iniciada na década de 80 pelos antropólogos Beatrice Whiting e John Whiting, da Universidade Harvard, sugere que problemas com adolescentes começaram a aparecer em outras culturas logo após a introdução de certas influências ocidentais, especialmente educação de estilo ocidental, programas de televisão e filmes. De forma consistente com essas observações, muitos historiadores notaram que durante a maior parte da história humana a adolescência foi um tempo relativamente pacífico de transição para a vida adulta. Os jovens não estavam tentando romper com adultos – a prioridade era aprender a se tornar adulto.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/problematicos__nem_sempre___.html. Acesso em 29 jul 2014.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Egito reage à mutilação genital; rito afeta 90% das mulheres

EFE 
06 de Fevereiro de 2014

As mulheres egípcias se uniram contra a mutilação genital feminina para sensibilizar o país sobre um costume nocivo que continua a ser praticado pelas costas das autoridades e que muitos justificam como um dever religioso.

Uma campanha lançada por várias organizações egípcias, em lembrança à celebração nesta quinta-feira do Dia Internacional da Tolerância Zero Contra a Mutilação Genital Feminina (também chamada de ablação), pretende erradicar de uma vez por todas dramas como o vivido pela jovem Wafae Abdel-Rahman.

"Eu não quero que minhas filhas passem pelo que eu sofri. Isso, se algum dia tiver filhos, porque tenho medo ter relações sexuais com o homem com o qual me casei, acho que não conseguirei cumprir meu papel de esposa com ele", lamentou Wafae em entrevista à agência EFE.

Wafae, hoje uma mulher de 26 anos, teve que passar, pelas mãos de um parente médico, pela extirpação dos genitais externos quando era uma adolescente de 14 anos, porque sua mãe os considerou "muito grandes".

Apesar de viver com medo do que sentirá quando se ver "nua diante de um homem", como ela mesma explicou, relatou com firmeza todo o processo que foi obrigada a viver.

"Lembro como meu pai dizia para minha mãe que não era preciso praticar a ablação, que ainda era pequena e não era necessário, mas ela o mandou ficar quieto, se dirigiu ao médico e ordenou sem remorsos: 'Corte'", contou Wafae, que confessou odiar seu corpo que, diz, ficou destroçado desde aquele dia.

O Centro Canal para Estudos de Formação e Pesquisa é o responsável, junto com outras associações civis egípcias, por esta campanha, que considera inconcebível que o Egito seja um dos países com maior número de mutilações genitais no mundo.

"Queremos que as mulheres falem e contem suas histórias, temos dezenas de meninas que contam sua experiência por diferentes cidades do país porque é preciso deixar claro que não há nenhum texto religioso que defenda a mutilação genital feminina", advertiu Omnia Arki, porta-voz da ONG.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o dia 6 de fevereiro como o Dia Mundial da Tolerância Zero contra a Mutilação Genital Feminina, por considerar essa prática "nociva e uma violação dos direitos básicos das meninas e das mulheres".

No Egito já há leis que penalizam a ablação, mas "isso não será útil até que se consiga sensibilizar as pessoas que vivem arraigadas a essas crenças", disse Tareq Anis, presidente da Sociedade Pan-Árabe de Medicina Sexual e professor de sexologia na Universidade do Cairo.

Em junho de 2008, por causa da morte de uma adolescente que sofreu complicações após ser submetida à mutilação genital, a prática passou a ser crime previsto no Código Penal egípcio com penas de prisão de três meses a dois anos de prisão, e multas de até US$ 800.

"Passei três dias com as pernas abertas, sem conseguir me mexer, e ainda hoje lembro perfeitamente como foi esse momento. Me afetou sexual, emocional, social e pessoalmente, e principalmente a minha relação com os outros", lembrou Wafae.

Os dados indicam que a prática começa a diminuir entre meninas e mulheres da nova geração, mas os especialistas se queixam que o número continua sendo muito alto e pedem que se sensibilize sobre esta prática cultural, e não religiosa, advertem.

"Ainda há gente que pensa que isto é algo religioso e não é assim, é questão de cultura e de tradição. No Egito é praticada por muçulmanos e cristãos, enquanto na Arábia Saudita, Indonésia ou Malásia, certamente nem nunca ouviram falar sobre mutilação genital feminina", explicou Anis.

O sexólogo acrescentou que, até pouco mais de três anos, o número de mulheres que sofria a ablação chegava aos 98% no Egito, mas hoje, garante, já se pode falar em 80%.

Os especialistas estão de acordo que a regulação da prática deve ser acompanhada de educação sobre as graves consequências da mutilação genital, que reduz o desejo sexual das mulheres e não tem nenhuma utilidade médica.

Os últimos dados oficiais, de 2008, comprovam que 91,1% das mulheres com idades entre 15 e 49 anos sofreram a amputação do clitóris, o que deixa o Egito em quarto lugar entre os 29 países que realizam habitualmente a prática.

Estes números apavorantes acompanham a denúncia de Wafae, que ainda tem "medo das relações sexuais quando as tiver. Tenho pesadelos porque não saberei como me comportar, como ser com meu marido, tenho medo do fracasso em minha vida amorosa".


Disponível em http://noticias.terra.com.br/mundo/africa/egipcias-se-unem-contra-rito-da-mutilacao-genital-que-atinge-90-delas,496ec37340204410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html. Acesso em 10 fev 2014.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Travestilidades: incursões sobre envelhecimento a partir das trajetórias de vida de travestis na cidade do Recife

Cicera Glaudiane Holanda Costa
IV Reunião Equatorial de Antropologia
XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste
04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE

Resumo: A experiência travesti suscita diversas reflexões referente a dicotomia masculino/feminino através da (re)construção de uma imagem, que ao mesmo tempo dialoga como pontua uma ruptura com a lógica dominante de gêneros. Esse mesmo corpo estabelece uma linguagem que narra pulsões e transgressões, que ganha significado a partir da cultura que está inserido e é atualizado e alterado a partir dela. Neste sentido, esta pesquisa tem como perspectiva contribuir para discussões dos processos de construção das travestilidades, assim como refletir sobre questões que problematizam a representação do corpo, gênero e sexualidade no cotidiano. Procurando, nesta direção, conhecer os significados atribuídos pelas travestis ao envelhecimento e ao corpo envelhecido. Essas questões foram acessadas a partir de elementos trazidos em seus discursos e da análise de fotografias e material audiovisual produzido em contextos diferentes nos encontros com as interlocutoras, especialmente em entrevistas vídeogravadas. As trajetórias de vida das travestis são compreendidas com base no “paradigma do curso da vida”, onde qualquer ponto da trajetória de vida precisa ser analisado de uma perspectiva dinâmica, como consequência de experiências passadas e expectativas futuras, e de uma integração entre os motivos pessoais e os limites do contexto social e cultural correspondente

domingo, 29 de setembro de 2013

Fantasia e desejo nas redes sociais

Luiz Fernando Dias Duarte
02/11/2012

O vocabulário sobre as emoções na cultura ocidental contém muitas áreas de imprecisão e ambiguidade, o que enseja a impressão comum de não corresponder a representações sociais sistemáticas, recorrentes e obrigatórias. Desejo e fantasia são algumas dessas categorias que deslizam com frequência em nossa linguagem, como se expressassem apenas volúveis devaneios da vida individual de cada um de nós.

Tanto as psicologias quanto as ciências sociais enfrentam o desafio de compreender os modos pelos quais se estruturam essas dimensões da experiência humana – e como emergem e intervêm nas tramas da vida social.

Já nos primeiros tempos das ciências sociais, temas como os do ‘ideal’, da ‘imitação’, da ‘influência’, da ‘autoridade’, do ‘transe’ se impunham nessa área sutil da constituição coletiva da vida dita ‘subjetiva’ dos sujeitos. Dimensões que, sob a forma das ‘paixões’ e da ‘imaginação’, já haviam motivado os filósofos sociais desde o século 17, devido à sua crucialidade nas esferas da família, da religião, da política e da prática econômica.

A capacidade de imaginação e de projeção futura de imagens ideais, desejáveis, é uma dimensão essencial da construção dos sentidos do mundo em qualquer sociedade. Entre nós, essa capacidade é sobrevalorizada como chave da ideologia do progresso e da mudança, sob a forma da ‘criatividade’ e da ‘invenção’. Tanto nossas ciências como nossas artes e nossos meios de comunicação são lugares regulares do cultivo e fomento da imaginação ideal.

Graças ao extraordinário desenvolvimento da criatividade científica, produziram-se recentemente novos recursos públicos de compartilhamento da fantasia e do ideal, concentrados na comunicação digital e na possibilidade de sua circulação em ‘mundos virtuais’.

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social, a partir de posições máximas de individualidade, intimidade e exclusividade. Cada sujeito social exercita sua vontade e obedece ao seu desejo de forma singular, ao acessar o espaço virtual e encaminhar na tela suas opções de navegação. Esse espaço é, no entanto, apenas uma nova versão dos espaços sociais reais, essenciais para o estabelecimento de uma identidade humana.

Imperiosa condição

Acabo de participar, no 36º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), de um Grupo de Trabalho sobre ‘sexualidade e gênero’, em que diversas comunicações puseram em cena os mundos virtuais, do ponto de vista das fantasias sexuais ou eróticas para ali transpostas e ali retrabalhadas e vivenciadas.

Do ponto de vista dos organizadores do grupo, trata-se de uma coincidência imprevista; do ponto de vista da experiência social que cabe aos antropólogos interpretar, trata-se de uma imperiosa condição: os desejos e as fantasias eróticas, tão essenciais para a vida humana, encontram no espaço virtual uma arena privilegiada para se desenvolver, já que podem circular em uma esfera de trocas muito ampliada, em um gigantesco mercado de opções, com altas garantias de anonimato e baixas exigências de dispêndio econômico.

Ana Paula Vencato tratou das mulheres que se relacionam com crossdressers masculinos na vida real e que têm suas ambivalentes experiências compartilhadas em redes virtuais; Laura Lowenkron explorou “a construção dos marcadores corporais da menoridade em investigações policiais de pornografia infantil na internet”; Débora Leitão apresentou sua pesquisa sobre “sexualidade e mercado erótico no mundo virtual Second Life”; Carolina Parreiras tratou da produção de pornografia alternativa na internet; e Weslei Lopes da Silva discutiu as “representações e vivências do corpo feminino em interações sexuais pagas no ciberespaço”.

Outros trabalhos não focados na internet, como o de Amaro Braga Júnior sobre a ‘homoafetividade’ em quadrinhos japoneses, permitiram uma comparação frutífera entre diferentes conjugações da fantasia erótica contemporânea no Brasil. 

Virtualidade e realidade

Muito se pode discutir as condições da pesquisa em tais contextos: o acesso às redes e grupos; a ética da relação com os interlocutores; a fluidez e impermanência dos círculos de interação; a dificuldade de proceder a correlações entre as condições ‘reais’ dos sujeitos plugados e as que são encenadas por seus avatares on-line.

Em outro nível de preocupações, o próprio estatuto da ‘virtualidade’ é muito discutível, já que as experiências desencadeadas nesse meio são também ‘reais’ ao seu modo; no registro da relativização a que se dedica a antropologia sobre a concepção de realidade característica de nossa cultura.

Afinal de contas, a leitura de um romance, a realização de uma viagem, a fruição de um concerto musical, a experiência de um ritual religioso ou de absorção de um alucinógeno são todas elas experiências fantásticas de efeitos imediatamente concretos, de máxima implicação para a vida ‘real’ de cada um de nós.

A internet corresponde a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural

A internet corresponde, assim, a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural, com potenciais de realização em escala de massa e com algumas propriedades singulares, que os estudos tentam discernir.

Novos horizontes de relação entre o público e o privado são evidentes – e afetam particularmente as experiências eróticas. Também se apresenta aí uma nova fronteira entre a sensibilidade corporal imediata e as mediações intelectuais e cognitivas, o que desafia as convenções tradicionais da satisfação do desejo e da atualização da fantasia.

E a própria fronteira entre a fantasia e a realidade pode se refundir, como na criminalização da posse de imagens de pornografia infantil num computador pessoal, estudada por Laura Lowenkron: um crime de fantasia numa fervilhante galáxia de desejos.

Sugestões de leitura:
Leitão, Débora Krischke. Entre primitivos e malhas poligonais: modos de fazer, saber e aprender no mundo virtual Second Life. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n.38, jul/dez 2012.
Bell, Mark. Toward a definition of virtual worlds. Journal of Virtual Worlds Research, vol.1, n.1, 2008.
Butler, Judith. The force of fantasy: feminism, mapplethorpe and discursive excess. In: Cornell, D. (org.). Feminism and pornography. Nova Iorque: Oxford University Press, 2000, p. 487-508.
Foucault, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
Miller, Daniel e Slater, Don. Etnografia on e off-line: cybercafés em Trinidad.Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n.21, p.41-65, jan/jun 2004.
Parreiras, Carolina. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre pornografia online. Cadernos Pagu, n.38, jan/jun 2012.


Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/sentidos-do-mundo/fantasia-e-desejo-nas-redes-sociais. Acesso em 24 set 2013.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Cooperar ou desertar

Tiago José Benedito Eugênio

Boas conversas surgem em uma mesa de bar ou diante das estantes de livros. É comum no final de um happy hour as pessoas dividirem as despesas e, mais comum ainda, alguém não ter dinheiro para ajudar a pagar a conta. Nessa hora, sempre existe um amigo que coopera e empresta o dinheiro. "Prometo que pago você amanhã, obrigado" é a resposta mais corriqueira para tal ato de camaradagem. Doce ilusão, o tempo passa e o devedor nunca mais toca no assunto, enquanto que quem emprestou nunca esquece. Será que em outra situação, no futuro, este devedor receberá ajuda do seu amigo?

Ou, então: um amigo chega à sua casa. Diante dos seus livros, você faz uma apresentação dos assuntos que está estudando e trabalhando. Após alguns comentários, seu amigo avista um livro que lhe chama atenção. Depois de folhear e elogiar o livro, ele o pede emprestado e promete que devolverá, assim que terminar de lê-lo. Os meses se passam e o livro emprestado não é devolvido. Você comunica o seu amigo, envia um e-mail dizendo que está precisando da obra. Mas ele diz que sempre se esquece de devolvê-lo ou, então, simplesmente ignora seu pedido e não responde. O que sente o indivíduo que gentilmente emprestou o livro? Ele emprestará outro livro para seu amigo?

Há uma infinidade de situações como essas, afinal, a cooperação e a trapaça estão no centro do comportamento social humano. Mas, afinal, por que o ser humano apresenta essa bipolaridade? Por que em algumas situações nos comportamos como mocinho, em outras, somos o vilão da história? Até meados do século XX, a sociedade e sua ordem eram compreendidas como uma entidade orgânica e coesa, e seus cidadãos, meras partes. Nesta vertente, os indivíduos eram negligenciados e a mente que importava era aquela pertencente ao grupo. A negação da autonomia da cultura em relação às mentes individuais também foi articulada pelo fundador da sociologia, Emile Durkheim (1858-1917), que escreveu: "A causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais que o precederam, e não entre os estados de consciência individual" (Pinker, 2004, p. 46). Assim, justificavam-se as diferenças entre os grupos étnicos exclusivamente com base nas diferenças culturais. Logo, a partir desta perspectiva, o comportamento social do ser humano não poderia ser explicado por mecanismos e propriedades inatas da mente.

Até meados do século XX, a sociedade e sua ordem eram compreendidas como uma entidade orgânica e coesa

Perspectiva evolucionista

Nas últimas décadas, contudo, tem havido uma renovação fascinante da literatura no que concerne à origem e à evolução desse sistema de normas nas sociedades. Uma série de evidências aponta que o comportamento humano parece também ser um produto de forças e propósitos evolutivos, isto é, influenciado pelas predisposições biológicas moldadas durante a evolução da espécie para lidar com as demandas ecológicas impostas, sobretudo, aos nossos ancestrais. Interpretações modernas sobre a evolução da ordem social e cooperação têm-se centrado no estudo comparativo com outras espécies e na evolução de estratégias reprodutivas dos indivíduos, as quais dependem do tamanho, estruturação dos grupos e dos padrões de interação entre os integrantes do grupo. Essa perspectiva vislumbra a ordem social como um subproduto da evolução das estratégias individuais engendradas por um longo processo histórico-evolutivo.

Nesse sentido, as normas sociais, sob esta nova óptica, são vistas, portanto, como um produto e não causa das ações dos indivíduos. O cerne desta perspectiva encontra-se nas ideias de Charles Darwin sobre a evolução das espécies. Para Darwin (1859/1996), o ambiente seleciona os indivíduos que detêm características que trazem mais benefícios do que custos - concedendo-lhes mais chances de sobrevivência e de reprodução -, e isso implica uma seleção natural, a qual é responsável pela modificação das espécies ao longo do tempo e do espaço. A seleção natural é, dessa forma, o processo através do qual variantes favorecidas em uma população sobrevivem e se reproduzem mais. Nesse processo, o ambiente seleciona os indivíduos - passando esse conjunto de traços para as gerações seguintes (Cronin, 1995).

Do abstrato ao lógico
Imagens: ShutterStock
Para testar suas hipóteses, primeiramente, os pesquisadores aplicaram em estudantes universitários a tarefa de seleção de Wason. Esse teste consiste na apresentação de quatro cartões mostrando, por exemplo, os caracteres "A", "B", "3" e "4"; é explicado que cada carta possui, em uma face, uma letra e, na outra, um número, e a regra condicional é: "Se uma carta tem uma vogal de um lado, tem um número par do outro. Nesse caso, o participante deve dizer quais cartas ele deve virar, no mínimo, para confirmar a regra". As primeiras constatações foram de que em relações que envolviam o raciocínio lógico e abstrato a maioria dos estudantes não acertava na escolha dos cartões. Entretanto, o desempenho dos estudantes mudava quando a hipótese condicional se referia a uma regra social não abstrata. Nessa versão, foi solicitado aos estudantes que se imaginassem como um barman, o qual deveria cumprir uma lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores de 20 anos. Dessa forma, as cartas representavam os fregueses: "bebendo cerveja", "bebendo refrigerante" (que equivaleriam às letras "A" e "B", respectivamente), com "16 anos" e com "22 anos" - que equivaleriam as "3" e "4", respectivamente. Esse experimento permitiu aos pesquisadores concluírem que, na espécie humana, teriam evoluído adaptações específicas que tornariam o homem mais habilidoso para detectar possíveis trapaças no seu meio social a partir de contratos sociais e não abstratos.

Se aceitarmos os pressupostos da teoria da evolução, os quais alegam que características, tais como órgãos e dentes, são produtos da seleção natural, por que não admitir que a nossa mente também seja um produto do processo evolutivo? Esta é a proposta central da Psicologia Evolucionista, que se utiliza de conceitos e da lógica darwinista para compreender como as pressões ambientais moldaram o cérebro humano ao longo do tempo. Nesse sentido, a perspectiva evolucionista amplia o estudo do comportamento humano para além da análise física e de suas causas próximas - mecanismos fisiológicos - e passa a considerar e investigar também os mecanismos psicológicos evoluídos. Para tanto, se debruça sobre o seu surgimento na história da vida, adotando o método comparativo com outras espécies, entre indivíduos e entre os sexos, e procura compreender a sua função ou o valor para a sobrevivência e reprodução do indivíduo.

● A mente e o contratualismo ●
A Teoria da Mente é proposta inicialmente pelos primatologistas Premack e Wooddruff em 1978 e é definida, em Psicologia, como a capacidade para imputar estados mentais aos outros e a si próprio. Nesse sentido, ela é essencial quer para a autorreflexão como para a coordenação da ação social. A Teoria do Contrato Social ou contratualismo é uma teoria sobre o contrato social que se difundiu entre os séculos XVI e XVIII e que tenta explicar os caminhos que levam as pessoas a formar Estados e/ou manter a ordem social. Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762) são os mais famosos filósofos do contratualismo.

Sob o ponto de vista evolutivo, o ato de cooperar implica em custos para o executor e em benefícios gerados para quem recebe a ajuda, enquanto a trapaça é compreendida quando alguém não retribui um favor ou àqueles que retribuem, mas oferecem muito menos do que recebem; ou, ainda, quando alguém usufrui de um benefício sem pagar os devidos custos. É dessa forma que podemos compreender a cooperação e a trapaça como extremos de um continum que envolve as relações e os jogos sociais. Desta forma, os mecanismos psicológicos existentes atualmente teriam evoluído para resolver problemas vivenciados por nossos ancestrais caçadores- coletores há milhões de anos e são esses mecanismos que, modelados pelo ambiente, subjazem o comportamento humano.

Partindo do pressuposto que somos seres essencialmente sociais, é esperado que, durante a evolução da espécie humana, tenha evoluído um sistema de normas de convivência a fim de regular as interações assim como as trocas sociais entre os indivíduos. Assim, mecanismos emocionais e cognitivos, tais como detecção de trapaça, senso de justiça, vigilância; teoria da mente e reputação, teriam originado e evoluído para regular nossa natureza humana social benevolente e egocêntrica.

Teoria do Contrato Social

Os pesquisadores John Tooby e Leda Cosmides, da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, propuseram a Teoria do Contrato Social para explicar a evolução dos mecanismos reguladores das trocas sociais e da cooperação na espécie humana. Para tanto, levantaram a hipótese da existência de adaptações cognitivas específicas para regular as trocas sociais, entre elas: capacidade de identificar e reconhecer diferentes indivíduos; relembrar diversos aspectos históricos de interações com os indivíduos; detectar possíveis sujeitos violadores das regras sociais na população; expressar e compreender os desejos e as necessidades dos outros e representar os custos e benefícios nas trocas sociais dos mais diversos itens (veja quadro Do abstrato ao lógico).

● Teoria dos jogos●
É uma teoria matemática utilizada para o estudo da tomada de decisão e interação de dois ou mais indivíduos. Para isso, faz uso de diferentes jogos para compreender as estratégias dos indivíduos para alcançar o melhor desempenho, maximizando os seus ganhos. A aplicação dessa teoria à Psicologia tem sido importante para o estudo empírico do comportamento social, sobretudo da cooperação em humanos.

Após os estudos com o teste de seleção de Wason, novas questões foram feitas pelos psicólogos evolucionistas. Por exemplo, o que afeta a cooperação em um grupo? Quais são os mecanismos psicológicos e emocionais evoluídos para coibir a trapaça? Para responder a essas questões, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, estudaram o comportamento moral de crianças por meio de um jogo, conhecido como bens públicos - um dos famosos modelos propostos pela Teoria dos Jogos. Nesse jogo, cada criança recebia três chocolates e decidia quantos ela doaria para um fundo comum. Para cada chocolate doado era acrescentado mais dois no bem comum e, no final do jogo, este era dividido igualmente entre todos os indivíduos. As crianças foram separadas em grupos pequenos e grandes. Foi observado que nos grupos menores a generosidade foi maior, pois os indivíduos monitoravam o comportamento dos colegas. Entretanto, nos grupos maiores, em que não é fácil perceber quem doa, a cooperação caiu rapidamente, mostrando que o egoísmo prevalece quando o indivíduo não percebe um ambiente propício para a cooperação (Alencar, Siqueira e Yamamoto, 2008).

Uma série de evidências aponta que o comportamento humano parece ser um produto de forças e propósitos evolutivos

O estudo feito em campo reproduz de forma elegante um descompasso temporal, uma vez que no ambiente ancestral da espécie humana a organização social provavelmente era igualitária, sem privilégios para alguns membros e nem ocorrência de trapaceiros. O tamanho reduzido do grupo proporcionava uma fiscalização mais rigorosa do comportamento de cada um (Broom, 2006). Nesse sentido, a fiscalização era importante para coibir os trapaceiros; aqueles indivíduos que usufruem do benefício, mas não pagam o custo devido pelo mesmo (Trivers, 1971). Com o tempo, entretanto, os grupos foram crescendo e, por consequência, a identificação dos trapaceiros se tornou uma tarefa mais difícil (veja quadro Vigilância).

A capacidade de expressar e compreender os desejos e as necessidades dos outros é outra adaptação cognitiva específica para regular as trocas sociais. Premack e Woodruff (1978) estudaram o comportamento de chimpanzés que, assim como os humanos, pensam em seus coespecíficos. Assim, cunharam a expressão "Teoria da Mente", que significa a capacidade para imputar estados mentais aos outros e a si próprio. Neste sentido, ela é essencial quer para a autorreflexão como para a coordenação da ação social.

Com humanos, é empregado o clássico experimento "Problema da Sally-Anne", no qual é exibida uma cena para os sujeitos. Primeiramente, Sally entra, guarda uma bola em um local, por exemplo, atrás do sofá, e sai da cena. Entra em cena a Anne, que retira a bola de trás do sofá, a coloca em outro local, por exemplo, dentro de uma caixa, e sai. Sally retorna em busca da bola - nesse ponto a cena é interrompida. Em seguida, pergunta-se para o sujeito: "Onde Sally irá procurar pela bola?"

Vigilância

Pistas sutis de vigilância parecem também influenciar o comportamento dos indivíduos. Rigdon e colaboradores (2009) solicitaram para alguns sujeitos compartilharem um recurso de forma arbitrária com outros, que deveriam aceitar de forma passiva a oferta. Devido a esse caráter, esta situação é conhecida na literatura como jogo do ditador. Os pesquisadores, no momento da tomada de decisão, entregaram para os "ditadores" um cartão com três pontos - dispostos como uma face (figura a). Em outra condição, os ditadores viam o mesmo estímulo, no entanto, rotacionado 180º (figura b). Observou-se que os participantes ditadores alocaram mais recurso para os receptores quando eram submetidos à condição de vigilância. Os pontos distribuídos como se fosse uma face parecem ativar a área fusiforme do cérebro - responsável pelo reconhecimento de faces - sendo, portanto, suficiente para modificar o comportamento social dos ditadores.

Imagens: ShutterStock
a = Pontos dispostos como uma face (condição de vigilância). b = Pontos rotacionados 180o (condição neutra). Adaptado de Rigdon et al., (2009)

Recurso cognitivo

Os pesquisadores observaram que, até três anos de idade, as crianças apresentam dificuldades de entender que diferentes pessoas podem ter representações distintas de uma mesma realidade. Nesse caso, essas crianças respondem, em geral, que Sally irá procurar a bola dentro da caixa. Todavia, quando a mesma pergunta era feita para crianças com mais de seis anos, quase todas as crianças respondiam corretamente, que Sally iria procurar no local onde tinha deixado a bola, isto é, atrás do sofá. No que se refere à idade crítica no desenvolvimento da "Teoria da Mente", há divergências entre os pesquisadores (Ottoni, Rodriguez & Barreto, 2006).

No entanto, é inegável que, com tal recurso cognitivo, o ser humano pôde, por exemplo, planejar estratégias e tomar decisões críticas numa situação social. Além disso, tornou-se possível ao Homo sapiens prever que ideia os outros estariam formando a seu respeito, bem como tornou mais sofisticadas as relações e a comunicação intra e intergrupo, habilitando-o a entender artifícios da expressão humana como a ironia, a dissimulação, o sofrimento, o interesse e a falsidade.

Pode ser verdade que nossa moralidade é, em última análise, um meio pelo qual os indivíduos induzem o moralismo no próximo para satisfazer seus próprios interesses (Cartwright, 2000) e que, por mais niilista que seja isso, somos hospedeiros de genes egoístas usurpadores, cujo objetivo maior é sobreviver e se reproduzir. Mas assumir isso não nos inviabiliza o planejamento e a criação de contextos que burlem os desígnios da nossa essência genética e egocêntrica. Somos seres humanos imbuídos em um mundo social: viemos ao mundo equipados com predisposições para aprender a cooperar, a distinguir o justo e virtuoso do traiçoeiro, a praticar e prezar pela lealdade, a conquistar boa reputação diante dos nossos semelhantes, intercambiar produtos e informações, a dividir o trabalho e a modelar sua individualidade e vínculos sociais a partir das reações do outro. Nisso, somos uma espécie única.

Referências
Alencar, A. I., Siqueira, J. O, & Yamamoto, M. E. (2008). "Does group size matter? Cheating and cooperation in Brazilian school children". Evolution and human behavior, 29, 42-48. Broom, D. M. (2006). "The evolution of morality". Applied Animal Behavioral Science, 100, 20-28. Cartwright, J. (2000). Evolution and human behavior. London: MacMillan Press. Cosmides, L. & Tooby, J. (1992). "Cognitive adaptations for social exchange". In: H. J. Barkow, L. Cosmides & J. Tooby. The adapted mind: Evolutionary psychology and the generation of culture (p. 163-228). New York: Oxford University Press. Cronin, H. (1995). A formiga e o pavão: altruísmo e seleção sexual de Darwin até hoje. Campinas: Papirus. Darwin, C. (1859/1996). The origin of species. Oxford: Oxford University Press. Hamlin, J. K., Wynn, K., & Bloom, P. (2007). "Social evaluation by preverbal infants". Nature, 450, 557-559. Nowak, M. A., Page, K. M., & Sigmund, K. (2000). "Fairness versus reason in the ultimatum game". Science, 289, 1773-1775. Pinker, S. (2004). Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras. Ottoni, E. B., Rodriguez, C. F. & Barreto, J. C. (2006). "Teoria da Mente e compreensão da representação gráfica de conteúdos mentais (balões de pensamento)". Interação em Psicologia, 10, 225-234. Rigdon, M., Ishii, K., Watabe, M. & Kitayama, S. (2009). "Minimal social cues in the dictator game". Journal of Economic Psychology, 30, 358-367. Trivers, R. (1971). "The evolution of reciprocal altruism". Quarterly Review of Biology, 46, 35-57.


Disponível em http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/73/artigo244856-1.asp. Acesso em 25 ago 2013.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O corpo educado: pedagogias da sexualidade

Guacira Lopes Louro
Belo Horizonte-MG: Autêntica, 2000


Resumo: Como jovem mulher, eu sabia que a sexualidade era um assunto privado, alguma coisa da qual deveria falar apenas com alguém muito íntimo e, preferentemente, de forma reservada. A sexualidade — o sexo, como se dizia — parecia não ter nenhuma dimensão social; era um assunto pessoal e particular que, eventualmente, se confidenciava a uma amiga próxima. "Viver" plenamente a sexualidade era, em princípio, uma prerrogativa da vida adulta, a ser partilhada com um parceiro do sexo oposto. Mas, até chegar esse momento, o que se fazia? Experimentava-se, de algum modo, a sexualidade? Supunha-se uma "preparação" para vivê-la mais tarde? Em que instâncias se "aprendia" sobre sexo? O que se sabia? Que sentimentos se associavam a tudo isso?

quarta-feira, 28 de março de 2012

Cultura e ideologia: a mídia revelando estereótipos raciais de gênero

Adriane Roso et al
Psicologia & Sociedade; 14 (2): 74-94; jul./dez.2002


Resumo: Nesse artigo, analisamos duas formas simbólicas brasileiras (comerciais de televisão) tendo como enquadre teórico uma metodologia crítica baseada em alguns elementos teóricos dos Estudos Culturais. O ponto de partida é o conceito de minoria e maioria, e seu caráter nômico e anômico. Assumimos que as formas simbólicas podem ser entendidas como portadoras de ideologia, e para entender a ideologia subjacente a elas nós temos que desconstruir a unidade da mensagem e expor sua “naturalidade”. Nesse processo, aspectos relacionados às relações de dominação de gênero e raça foram desveladas, indicando que a discriminação em direção às minorias ainda é parte da nossa realidade mediada.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Mulher é presa no Afeganistão por estrangular nora que teve 3ª bebê menina

Bilal Sarwary
Da BBC em Cabul, no Afeganistão
Atualizado em  30 de janeiro, 2012 - 12:24 (Brasília) 14:24 GMT

A jovem Stori, de 22 anos e mãe de três meninas, foi assassinada no sábado no vilarejo de Mahfalay, distrito de Khanabad, que fica na província de Kunduz, no sudeste afegão.

O delegado da polícia local, Sufi Habib, disse que Stori teve os pés amarrados pela sogra, Wali Hazrata, enquanto seu próprio marido a estrangulava.

O corpo da afegã foi encontrado no mesmo dia por um dos vizinhos, que chamou a polícia.

O marido está foragido e não teve o seu nome divulgado. Acredita-se que o homem pertença à milícia Arbaki.

Autoridades locais disseram à BBC que o marido está sob proteção de um grupo armado ilegal, sob amparo de políticos no Afeganistão.

Direitos das mulheres

Ativistas de direitos humanos divulgaram o caso à imprensa afegã. A diretora do escritório de Defesa da Mulher de Kunduz, Nadira Gya, condenou o incidente.

"Foi um crime brutal cometido contra uma mulher inocente", disse. Nadira acusou as milícias de diversos ataques contra mulheres no Afeganistão.

Líderes religiosos e tribais também condenaram o assassinato da jovem. Eles disseram que a morte foi um ato de ignorância e um crime contra o Islã, a humanidade e as mulheres, e pediram punição rigorosa à sogra e ao marido envolvidos no crime. A terceira filha de Stori, que hoje tem dois meses, não se feriu no incidente.

Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120130_sogra_afeganistao_dg.shtml>. Acesso em 06 fev 2012.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Preconceito social faz famílias afegãs criarem meninas como meninos

Tahir Qadiry
Da BBC no Afeganistão
Atualizado em  19 de janeiro, 2012 - 11:15 (Brasília) 13:15 GMT

Três meninas usam roupas brancas e cobrem seus rostos com véus. Mas Mehrnoush, a quarta menina, veste terno e gravata. Na rua, Mehrnoush não é mais uma menina, e sim um rapaz chamado Mehran.

Azita Rafhat não teve filhos homens, e para evitar as provocações que famílias assim sofrem no Afeganistão, ela tomou a decisão radical de mudar a criação de Mehrnoush.

Esse tipo de atitude não é incomum no país. Existe até mesmo um termo – Bacha Posh – para meninas que são vestidas como garotos.

"Mesmo que você tenha uma boa posição no Afeganistão e está bem de vida, as pessoas veem você de forma diferente (se não tiver um filho homem). Elas dizem que a sua vida só é completa se você tem um filho", diz Azita.

Sempre houve preferência por meninos no Afeganistão, por motivos tanto econômicos quanto sociais.

O seu marido, Ezatullah, acredita que ter um filho é um sinal de prestígio e honra.
"As pessoas que nos visitavam sempre diziam: 'Oh, lamentamos que vocês não têm um filho.' Então imaginamos que seria uma boa ideia vestir nossa filha assim, já que ela também queria."

Economia

Muitas meninas vestidas de rapazes andam pelas ruas no Afeganistão. Algumas famílias optam por esse caminho para permitir que elas consigam empregos em lugares públicos, como em mercados, já que mulheres não podem trabalhar na rua.

Em alguns mercados de Cabul, um grupo de meninas, com idade entre cinco e 12 anos, se apresenta como meninos e vende água e chiclete. No entanto, nenhuma quis dar entrevista sobre o assunto.

A tradição não dura por toda a vida. Aos 17 ou 18 anos, as jovens voltam a assumir uma identidade feminina. Mas essa mudança não é nada simples.

Elaha mora em Mazar-e-Sharif, no norte do Afeganistão. Ela viveu como menino por 20 anos, porque sua família não tinha filhos homens. Apenas há dois anos, quando entrou na universidade, é que ela passou a se vestir como mulher.

No entanto, ela ainda não se sente totalmente feminina. Alguns de seus hábitos não são típicos de garotas, e ela diz que não pretende se casar.
"Quando eu era criança, meus pais me vestiam de menino porque eu não tinha um irmão. Até recentemente, vivendo como menino, eu saia para brincar com outros garotos e tinha mais liberdade."

Contra sua própria vontade, ela voltou a viver como mulher, e diz que só aceitou voltar porque se trata de uma tradição social. No entanto, ela se diz revoltada com a forma como as mulheres são tratadas pelos seus maridos no Afeganistão.

"Às vezes, eu tenho vontade de me casar e bater no meu marido, só para compensar a forma como as outras mulheres são tratadas em casa."

História comum

Atiqullah Ansari, diretor da famosa mesquita de Mazar-e Sharif, diz que a tradição é parte de um apelo que se faz a Deus.

As famílias que não têm filhos homens vestem as meninas assim como forma de pedir a Deus por um bebê homem.

Mães que não têm filhos homens visitam o templo de Hazrat-e Ali para fazer o pedido a Deus.
Ansari conta que de acordo com o Islã, as meninas que vivem como garotos precisam cobrir o rosto quando amadurecem.

No Afeganistão, histórias assim têm se tornado cada vez mais comuns. É comum pessoas conhecerem parentes ou vizinhos que já passaram por isso.

Fariba Majid, que dirige o Departamento de Direitos da Mulher da Província de Balkh, diz que ela própria já passou por isso, e quando era criança era chamada pelo nome masculino de Wahid.

"Eu era a terceira filha na minha família, e quando nasci, meus pais decidiram me vestir de menino", afirma.

"Eu podia trabalhar com meu pai em sua loja ou até mesmo ir para Cabul para comprar coisas para a loja."

Ela disse que a experiência a ajudou a ganhar confiança e permitiu que ela chegasse onde está hoje.

Segredo

A própria ex-parlamentar Azita Rafhat, mãe de Mehrnoush, também já passou por isso.
"Deixe-me contar um segredo", ela afirma. "Quando eu era criança, eu vivi como garoto e trabalhava com meu pai. Eu tive a experiência tanto do mundo masculino quanto feminino, e isso me ajudou a seguir uma carreira com ambição."

A tradição existe a séculos no Afeganistão. De acordo com o sociólogo Daud Rawish, de Cabul, isso pode ter começado durante períodos de guerra no passado, quando mulheres eram vestidas de homens para poderem ajudar a combater os inimigos.

Mas nem todos toleram esse tipo de tradição. O diretor da Comissão de Direitos Humanos da Província de Balkh, Qazi Sayed Mohammad Sami, disse que a prática é uma violação de direitos fundamentais.

"Nós não podemos mudar o gênero de alguém só por um tempo. Isso é contra a humanidade", afirma ele.

A tradição teve efeitos devastadores em algumas meninas, que sentem um conflito de identidades e acreditam ter perdido parte fundamental de suas infâncias.

Para outras, a experiência foi positiva, já que elas tiveram liberdades que nunca exerceriam, caso tivessem sido criadas apenas como garotas.

Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120119_afeganistao_meninas_dg.shtml>. Acesso em 19 jan 2012.