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sábado, 23 de agosto de 2014

“Nós queremos somar!!”: A emergência de transhomens no movimento trans brasileiro

Simone Avila; Miriam Pillar Grossi
VII Congresso Internacional de Estudos sobre a Diversidade Sexual e de Gênero
Associação Brasileira de Estudos da Homocultura
07, 08, 09 de maio de 2014 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul-RS

Resumo:Nunca fiz e nem faço parte de ONGs ou quaisquer grupos de militância LGBT. Você tem uma pessoa que se identifica como homem trans à frente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo e só. É curioso como dentro da própria ‘sigla’, somos quase que uma margem à margem”. Este é um fragmento da fala de Toni, um dos interlocutores da nossa pesquisa sobre transmasculinidades brasileiras iniciada em 2010. Essa entrevista foi realizada em março de 2010, quando ele tinha 32 anos. Toni é carioca, branco, tem curso superior completo e é pertencente à classe média. Ele fez sua transição de gênero no início dos anos 2000 em um serviço de saúde de um hospital universitário do centro do país.

domingo, 6 de outubro de 2013

Virginia Prince foi militante trans de coragem e cheia de conhecimento de causa

Pedro Paulo Sammarco Antunes
01/10/2013

Vamos conhecer agora a trajetória de vida de uma militante. Virginia Prince (1912 - 2009) foi uma grande ativista que lutou pelos direitos de transgêneros nos EUA. Nascida em Los Angeles, recebeu o nome Arnold Lowman. Começou a se transvestir com roupas consideradas femininas aos doze anos de idade. Graduou-se em química em 1935. Fez mestrado em 1937 e doutorado em 1939 pela Universidade da Califórnia, ambos em farmacologia. 

Casou-se com Dorothy Shepherd em 1941, teve um filho em 1946. Sua esposa não compreendia seu impulso por vestir-se de mulher. Procurou um psiquiatra que a aconselhou a se divorciar, dizendo que o marido era homossexual por causa do transvestismo. Em 1953 foi proibido pela justiça de ver o filho e acusado de ser um mau pai por Dorothy.

Começou a trabalhar com indústria química associada a cosméticos. Em 1955 começa a tomar hormônio feminino. Com o auxílio da mãe de Arnold, casa-se com Doreen Skinner em 1956.  Ela havia sido filha de uma governanta que trabalhou para a família Lowman.  Doreen estava ciente que Arnold gostava de se vestir de mulher. Aprendeu a compreender e conhecê-lo mais. Em 1960 Arnold funda uma revista cientifica voltada ao publico transgênero que se chamava “Transvestia”.

Em 1962 conhece Robert Stoller (1921 – 2006), famoso médico e especialista na área da sexualidade. Doreen, porém não aguenta a pressão de ver Arnold vestido de mulher em algumas ocasiões. Ela pede o divórcio em 1966. Na ocasião Arnold morava com o filho Bent, que começou a enfrentar problemas com o uso de drogas. Com o divórcio, Doreen ficou com metade das ações da indústria química de Arnold.

Em 1968, aos 56 anos de idade, já vivia o tempo todo vestida inteiramente como mulher. O nome Virginia Prince já havia sido adotado desde 1941. Poucos anos antes, em 1961, sofreu processo criminal por enviar a revista “Transvestia” por correio para alguns leitores. Foi alegado que Arnold, agora Virginia, estava enviando material erótico. Porém a publicação da revista continuou até a década de 1980. A partir da década de 1960 começou a trabalhar intensamente com outros especialistas, dentre eles o doutor Harry Benjamin (1885 – 1986) pelos direitos de transgêneros, além de ajudar a esclarecer sobre tal “fenômeno” até sua morte, em 2009.

Virginia relata que começou a se vestir de mulher, pois desenvolveu fetiche sexual por sapatos de saltos altos, seguido por masturbação. Com o tempo foi descobrindo a “mulher interior” que habitava dentro dela. Ao longo da vida desenvolveu pensamento acadêmico a respeito do assunto. Fundou organizações para pessoas que se transvestiam (Docter, 2004).

Em seu artigo “Homosexuality, transvestism, and transexuality: Reflections on their ethiology and differentiation” faz a distinção entre homossexualidade (orientação sexual), transvestismo (comportamento) e transexualidade (alteração do sexo genital com o objetivo de alterar o gênero). Coloca que a orientação sexual não tem necessariamente uma relação direta com a expressão de gênero. Virginia diz que ela mesma nunca se interessou por homens (Prince, 2005a).

Em outro artigo, intitulado de “The expression of femininity in the male” faz a diferenciação entre sexo e gênero. Ela defende que a socialização impõe certa identificação de gênero correspondente ao sexo biológico determinado. Com isso, todas as características consideradas do gênero oposto deverão ser reprimidas. Para ela o transvestismo masculino é a expressão da feminilidade suprimida em homens biológicos.

O verdadeiro travesti é o personificador daquilo que é considerado feminino. O objetivo é atingir a expressão total da personalidade independente do gênero. O ideal seria que todas as tarefas fossem desempenhadas tanto por homens e mulheres. Normas de gênero limitam a manifestação da criatividade das pessoas, pois elas não podem usar toda a sua criatividade. Para a autora tais normas transformam a todos e meio-seres-humanos (Bruce, 2005).

Em “Sex versus Gender”, Prince defende que o gênero pode ser performatizado independentemente do sexo anatômico. Ela diz que há grande confusão entre órgão genital e sexo performatizado. O que se busca é a mudança de gênero, não de sexo (órgão genital). Para ela o sexo está entre as pernas e o gênero está entre as orelhas.

Ela acredita que no futuro as barreiras entre os gêneros serão abolidas. As pessoas poderão transitar entre um e outro sem sofrerem preconceito. Não haverá roupas específicas para homens e mulheres. Classificações como transexuais, travestis, homossexuais, bissexuais e heterossexuais se tornarão obsoletas, pois as pessoas serão classificadas apenas como pessoas. Não haverá mais necessidade de tratá-las disso ou daquilo. Aquilo que chamamos de androgenia será cada vez mais comum. Haverá uma fusão completa entre o que chamamos de masculino e feminino (Prince, 2005b).

Já em “Transsexuals and Pseudotranssexuals”, Virginia argumenta que não quis a cirurgia de redesignação sexual, pois seu caso tratava de questões de gênero (psicossociais) e não de sexo (biológicas e fisiológicas). A sociedade machista, polarizada e patriarcal é que associa gênero, sexo e orientação sexual. Socialmente se entende que como o sexo é dado ao nascer, o gênero também deve ser.

Prince argumenta que tanto homens quanto o restante da sociedade considera se alguém é homem ou mulher por sua anatomia física. Tal ideia também foi defendida por (Bento, 2008 e 2006). Ela critica transexuais que buscam a cirurgia de redesignação sexual argumentando com sua ideia clássica de que o gênero está entre as orelhas e não entre as pernas. É como se a neovagina concedesse autorização social para que as transexuais vivessem o estilo de vida que sempre quiseram (Prince, 2005c).

Em The “transcendents” or “trans” people, Virginia defende que nos casamentos heterossexuais ao invés de duas pessoas inteiras se acompanharem, há duas pessoas dependentes da parte suprimida da outra, buscando assim, seu complemento. Para a autora, a mulher reconheceu antes do homem que era preciso lutar pela integração e romper as categorias estanques de gênero. Ela ainda argumenta que muitos problemas emocionais são advindos da criação e educação para se adequar ao gênero imposto, de acordo com o genital de nascimento (Prince, 2005d).

É interessante perceber que Virginia se tornou completamente aquilo que se chama de transgênero por volta dos sessenta anos de idade, ou seja, momento do processo de vida que chamamos de velhice. Foi militante, lutou por direitos e escreveu artigos e livros científicos sobre o tema. Assim como Virginia, outras pessoas consideradas transgêneros, se tornam militantes em idade avançada. 

Referências bibliográficas:
BRUCE, Virginia “The expression of femininity in the male”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 21- 27, 2005
DOCTER, Richard From man to woman. Northridge, California: Docter Press, 2004
PRINCE, Virginia “Homosexuality, transvestism and transsexuality: Reflections on their ethiology and differentiation”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 17-20, 2005a
PRINCE, Virginia “Sex versus Gender”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 29-32, 2005b
PRINCE, Virginia “Transsexuals and Pseudotranssexuals.” In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 33-37, 2005c
PRINCE, Virginia “The transcendents or trans people”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 39-46, 2005d

Disponível em http://mixbrasil.uol.com.br/lifestyle/corpo/virginia-prince-foi-militante-trans-de-coragem-e-cheia-de-conhecimento-de-causa-.html. Acesso em 05 out 2013.