Susana Mendoza
1 de maio de 2012
Uma terra de contrastes. Ao mesmo tempo em que Jerusalém é
considerada sagrada por três religiões monoteístas – o cristianismo, o judaísmo
e o islamismo – e reúne símbolos e pessoas tão diferentes entre si, é também
terreno sinuoso para a manifestação de direitos civis. A cidade abriga uma
comunidade LGBT vibrante, mas que frequentemente é alvo das camadas mais
conservadoras.
Em Jerusalém, há apenas um bar para o público LGBT e a
realização da Parada do Orgulho foi um direito conquistado após muito esforço.
Ela reuniu quatro mil pessoas em 2011, que exigiram a aprovação de uma
legislação que proteja LGBTs em Israel. Indignados com o desfile, grupos de
judeus ortodoxos protestaram em diversos pontos da cidade, controlados por
cerca de mil policiais espalhados por Jerusalém -- alguns chegaram a agredir os
participantes do evento. Em junho daquele ano, a marcha em Tel Aviv conseguiu
reunir 70 mil pessoas.
“Embora não existam tantos homossexuais quanto em Tel Aviv,
todos os anos Jerusalém atrai milhares de ativistas gays para participar da
marcha, para mostrar que, mesmo que os religiosos nos considerem ‘sujos’, esta
é nossa cidade também”, comenta A.S. um membro da comunidade LGBT da cidade.
Apesar das diversas ameaças de morte que recebem ano após
ano durante a parada, a manifestação anual se supera cada vez mais em termos de
assistência e organização. “A diferença entre a nossa marcha anual e a de Tel
Aviv e outras partes do mundo é que, em Jerusalém, adquire também um
significado de luta pelos nossos direitos e contra o ódio que uma ampla maioria
da população de Jerusalém sente por nós”, acrescenta Natalie V., uma belga que
desembarcou em Jerusalém há cinco anos.
Natalie, que há cinco anos namora uma mulher israelense, é
prova da dualidade do estado de Israel em relação à lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais. Embora Israel seja um país democrático, o judaísmo
ortodoxo interfere em muitos assuntos civis, incluindo os casamentos. Em
Israel, é impossível realizar um casamento civil, mesmo entre heterossexuais.
No entanto, em uma distorção, estão permitidas as uniões homoafetivas,
inclusive se uma delas for estrangeira, como é o caso de Natalie.
“É curioso que isto seja possível em um país onde predomina
tanto a religião. Eu quero deixar claro que em Jerusalém e Israel, até o
momento, não tive nenhum problema por andar de mãos dadas com a minha namorada,
nem por darmos um beijo”, diz. “No entanto, trabalho com uma família ortodoxa
judia e não comentei nada sobre a minha orientação sexual em quase quatro
anos", conta Natalie.
Ultraortodoxos caminhando ao lado de uma mulher muçulmana
usando o véu e uma menina de minissaia logo atrás são cenas comuns nas ruas de
Jerusalém. E é nessa heterogeneidade que, no final, reside uma espécie de
acordo tácito de não agressão. Embora, às vezes, essa bolha possa estourar,
como aconteceu durante a Parada do Orgulho LGBT de 2005, quando um judeu
ultraortodoxo esfaqueou vários participantes. Atentado pior aconteceu à
comunidade LGBT de Tel Aviv, quando uma bomba matou duas pessoas e feriu uma. O
culpado, um colono da Cisjordânia, afirmou que LGBTs são “animais”.
Portanto, apesar da mescla aparentemente suave entre
religiosos e seculares em Jerusalém, assim como no resto do país, uma tensão
soterrada pulsa abaixo da superfície. “Aqui, em geral, como os gays não
carregam um cartaz dizendo ‘sou gay’, não há tantos problemas, mas também você
não vai dar um beijo em outro homem em Mea Shearim (o bairro ultraortodoxo),
não queremos provocá-los em seu bairro”, diz Adam.
Segundo ele, porém, o resto da cidade é de todos. O bar
Mikve, antes conhecido como Shushan, na rua Shushan, foi o primeiro voltado
para o público LGBT a ser aberto na cidade. O lugar está vivendo uma nova era
dourada depois de permanecer fechado durante muitos anos devido às pressões dos
ortodoxos. Durante toda a semana há festas para clientes e as segundas-feiras
são exclusivas das drag queens.
“Em Jerusalém, não há muitas festas nem lugares para dançar,
por isso sempre aparecem heterossexuais. Na cidade, todos nos conhecemos e
amigos de todas as orientações sexuais se juntam a nós. Estamos misturados”,
conta com um sorriso Daniel R., empresário.
A empresa encarregada de organizar as festas, Unibra,
garante que é um sucesso, que atrai dezenas de pessoas a semana toda, embora as
festas drag sejam as preferidas. “As pessoas querem se divertir, já estão
cansadas de se esconder, mas infelizmente nesta cidade não há lugares para onde
sair à noite”, lamenta a Unibra.
Palestinos
Para os membros da comunidade LGBT palestina os desafios são
ainda maiores. “Para eles é mais difícil, pois vem de uma sociedade mais
conservadora, em que a homossexualidade é punida ou humilhada em público. Por
isso, a última coisa que querem é fazer uma declaração pública de que são gays,
sejam homens ou mulheres”, explica Adam.
A organização para palestinos LGBTs em Israel Al Qaws
organiza eventos para os palestinos e ajuda a criar uma rede de apoio e
conscientização entre a comunidade árabe. Uma vez por mês organiza uma festa
para que LGBTs palestinos que vivem em Israel possam se conhecer.
“Mesmo que os palestinos que vivem em Israel contem com os
mesmos direitos que os cidadãos judeus, muitas vezes há racismo e incompreensão
em relação aos gays palestinos”, comenta um porta-voz da Al Qaws. “Há também
muita incompreensão por parte da comunidade internacional, que se foca na
ocupação israelense. Além disso, a opinião da comunidade palestina pesa demais.
Dessa forma, não podemos esperar que eles saiam do armário como no Ocidente.”
Às vezes, Israel chega a acolher como refugiados palestinos
LGBTs que correm risco de morte ou que tenham recebido ameaças, embora não seja
algo tão frequente. Enquanto isso, em Jerusalém, continua a luta para que a
comunidade religiosa aceite lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais, se não como iguais, como cidadãos com os mesmos direitos de todos.
“Este é o nosso objetivo. Não queremos nem mais nem menos do
que têm os demais e poder passear tranquilamente de mãos dadas, sem ter medo
que nos façam sentir inferiores, nem ter a nossa Parada do Orgulho Gay cercada
por centenas de policiais”, diz Adam.
Para mostrar que, embora nem sempre venha à tona, o ódio
contra LGBTs corre solto em Jerusalém, em 2006 foi a homofobia que uniu
representantes das três religiões monoteístas para protestar contra a Parada do
Orgulho LGBT daquele ano. “É uma pena. Poderiam ter se unido para protestar
contra outras coisas mais importantes”, lamenta Adam.
Disponível em http://mundo.gay1.com.br/2012/05/jerusalem-o-desafio-de-ser-lgbt-na.html#.
Acesso em 22 jun 2013.