William Kremer
23 de
fevereiro, 2014
Na música Same Love, que se tornou um hino não-oficial de apoio
ao casamento gay nos Estados Unidos, a dupla Macklemore e Ryan Lewis,
vencedores do prêmio Grammy de Melhor Artista Revelação na última edição do
prêmio musical, ironiza quem diz acreditar que a homossexualidade é fruto de
uma "escolha".
A opinião científica parece estar do lado deles. Desde o
início da década de 90, pesquisadores vêm mostrando que a homossexualidade é
mais comum em irmãos e parentes da mesma linhagem materna.
Segundo esses cientistas, isso se deve a um fator genético.
Também relevantes – apesar de ainda não amplamente comprovadas – são as
pesquisas que identificam diferenças fisiológicas nos cérebros de
heterossexuais e de gays, assim como os estudos que afirmam que o comportamento
homossexual também está presente em animais.
Mas, como gays e lésbicas têm normalmente menos filhos
biológicos do que os heterossexuais, uma questão continua intrigando
pesquisadores de todo o mundo.
"Se a homossexualidade masculina, por exemplo, é um
traço genético, como teria perdurado ao longo do tempo se os indíviduos que
carregam 'esses genes' não se reproduzem?", indaga o pesquisador Paul
Vasey, da Universidade de Lethbridge, no Canadá.
"Trata-se de um paradoxo do ponto de vista
evolucionário."
Muitas das teorias envolvem pesquisas realizadas sobre a
homossexualidade masculina. A evolução do lesbianismo permanece muito pouco
estudada. Ela pode ser semelhante ou muito diferente.
Os cientistas ainda não sabem a resposta para esse
quebra-cabeça darwinista, mas há muitas teorias em jogo e é possível que
diferentes mecanismos atuem em cada pessoa.
Conheça algumas das principais teorias a respeito do
assunto:
Genes que definem a homossexualidade também ajudam na
reprodução
O alelo – um grupo de genes - que às vezes influencia a
orientação homossexual também pode trazer vantagens reprodutivas. Isso
compensaria a falta de reprodução da população gay e asseguraria a continuação
dessa característica, uma vez que não-homossexuais também poderiam herdar esses
genes e transmiti-los a seus descendentes.
Há duas ou mais maneiras pelas quais esta transmissão dos
genes pode acontecer. Uma possibilidade é que este grupo de genes crie um traço
psicológico que torne os homens heterossexuais mais atraentes para mulheres, ou
as mulheres heterossexuais mais atraentes para os homens.
"Sabemos que as mulheres tendem a gostar de traços e
comportamentos mais femininos nos homens e isso pode estar associado com coisas
como o talento para ser pai e a empatia", diz Qazi Rahman, coautor do
livro Born Gay; The Psychobiology of Sex Orientation ("Nascido Gay, A
Psicobiologia da Orientação Sexual", em tradução livre).
De acordo com essa teoria, uma quantidade pequena desses
alelos aumentaria as chances de sucesso reprodutivo do portador desses genes,
porque o torna atraente para o sexo oposto.
De vez em quando, um membro da família recebe uma
"porção" maior destes genes, que se reflete na sua orientação sexual.
Mas porque este alelo traz vantagens reprodutivas, ele permanece no DNA humano
através das gerações.
Gays seriam 'ajudantes no ninho'
Alguns pesquisadores acreditam que, para entender a evolução
dos homossexuais, é preciso observar qual é o papel que os gays têm nas
sociedades humanas.
A pesquisa de Paul Vasey em Samoa, na Polinésia, baseou-se
na teoria da seleção de parentesco ou hipótese do "ajudante no
ninho".
A ideia é que os homossexuais compensariam a falta de filhos
ao promover a aptidão reprodutiva de irmãos e irmãs, contribuindo
financeiramente ou cuidando dos sobrinhos. Partes do código genético de um gay
são compartilhadas com sobrinhas e sobrinhos e, segundo a teoria, os genes que
determinam a orientação sexual também podem ser transmitidos.
Vasey ainda não mediu o quanto que ser homossexual aumenta a
taxa de reprodução dos irmãos, mas comprovou que em Samoa, homens gays passam
mais tempo fazendo "atividades de tio" do que homens heterossexuais.
Atividade homossexual em animais
- Cerca de
400 espécies têm atividade homossexual, incluindo os macacos bonobos (machos e
fêmeas), que são parentes próximos dos humanos.
- Em alguns
casos há razões reprodutivas. Os peixes machos da família Goodeidae, por
exemplo, imitam fêmeas para enganar os rivais.
- A
preferência de longo prazo por parceiros do mesmo sexo é rara entre os animais,
mas 6% dos carneiros-selvagens machos (na foto) são, de fato, "gays".
- Pesquisas
sobre o comportamento animal ajudaram a anular as leis contra a sodomia no
Texas - mesmo assim, os cientistas ressaltam que a homossexualidade humana pode
ser muito diferente da animal.
Fonte: Artigo "Same-sex sexual behavior and
evolution", de Nathan Bailey e Marlene Zuk, napublicação Trends in Ecology
and Evolution.
"Ninguém ficou mais surpreso que eu", disse Vasey
sobre suas descobertas. Seu laboratório já havia comprovado que homens gays no
Japão não eram mais atenciosos ou generosos com seus sobrinhos e sobrinhas do
que homens e mulheres heterossexuais sem filhos. O mesmo resultado foi
encontrado na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e no Canadá.
Vasey acredita que o resultado em Samoa foi diferente porque
os homens que ele estudou lá eram diferentes. Ele pesquisou os fa'afafine, que
se identificam como um terceiro gênero, vestindo-se como mulheres e tendo
relações sexuais com homens que se consideram heterossexuais. Os fa'afafine são
parte de um grupo transgênero e não gostam de ser chamados de gays nem de
homossexuais.
O pesquisador especulam que parte da razão pela qual os
fa'afafine são mais atenciosos com seus sobrinhos e sobrinhas é sua aceitação
na cultura de Samoa, em comparação com os gays no Ocidente e no Japão. A lógica
é a de que gays que são rejeitados tendem a ajudar menos os familiares a
criarem seus filhos.
Mas ele também acredita que há alguma coisa no estilo de
vida dos fa'afafine que os torna mais propensos a serem carinhosos com seus
sobrinhos e sobrinhas. E especula que encontrará resultados semelhantes em
outros grupos de "terceiro gênero" ao redor do mundo.
Se isso for comprovado, a teoria do "ajudante no
ninho" pode explicar em parte como um traço genético da atração pelo mesmo
sexo não foi excluído dos humanos ao longo da evolução.
Mesmo com uma menor capacidade de se reproduzir,
homossexuais que se identificam como um "terceiro gênero" ajudariam a
aumentar a capacidade reprodutiva de seus parentes heterossexuais, ao assumirem
cuidados com as crianças.
Homossexuais também têm filhos
Nos Estados Unidos, cerca de 37% da população lésbica, gay,
bissexual e transsexual Cliquetêm filhos, 60% dos quais são biológicos. De
acordo com o Instituto Williams, casais gays com filhos têm, em média, dois.
Estes números podem não ser altos o suficiente para
sustentar que traços genéticos específicos ao grupo sejam passados adiante, mas
o biólogo evolucionista Jeremy Yoder lembra que durante boa parte da história
moderna, pessoas gays não viveram vidas abertamente homossexuais.
Obrigadas pela sociedade a casarem e terem filhos, suas
taxas reprodutivas devem ter sido mais altas do que são hoje.
Medir a quantidade de gays que têm filhos também depende de
como você define "ser gay". Muitos dos homens heterossexuais que têm
relações sexuais com os fa'afafine em Samoa casam-se com mulheres e têm filhos.
"A categoria da atração pelo mesmo sexo se torna muito
difusa quando temos uma perspectiva multicultural", diz Joan Roughgarden,
um biólogo evolucionista na Universidade do Havaí.
No Ocidente há indícios de que muitas pessoas passam por uma
fase de atividade homossexual, mesmo que sejam principalmente heterossexuais.
Isso tornaria mais complicado afirmar que somente pais que
levam uma vida homossexual poderiam passar "genes gays" adiante.
Nos anos 1940, o pesquisador de sexo americano Alfred Kinsey
descobriu que apenas 4% dos homens brancos eram exclusivamente gays após a
adolescência, mas 10% dos homens tiveram um período de atividade gay de 3 anos
e 37% tiveram relações com alguém do mesmo sexo em algum momento de suas vidas.
Uma pesquisa nacional de atitudes em relação ao sexo feita
na Grã-Bretanha em 2013 apresentou número mais baixos. Cerca de 16% das
mulheres disseram ter tido alguma experiência sexual com outra mulher (8%
tiveram contato genital) e 7% dos homens disseram ter tido alguma experiência
sexual com um homem (5% tiveram contato genital).
Mas a maior parte dos cientistas pesquisando a evolução gay
estão mais interessados na existência de um padrão de desejo interno contínuo.
Identificar-se como gay ou heterossexual não é tão importante, nem ter relações
homossexuais com maior ou menor frequência.
"A identidade sexual e os comportamentos sexuais não
são boas medidas da orientação sexual. Os sentimentos sexuais, sim", diz
Paul Vasey.
Nem tudo está no DNA
Qazi Rahmandiz afirma que grupos de genes que determinam a
atração pelo mesmo sexo só explicam parte da variedade da sexualidade humana.
Outros fatores biológicos que variam naturalmente também
interferem. Um em cada sete homens, por exemplo, devem sua sexualidade ao
"Efeito Big Brother": observou-se que garotos com irmãos mais velhos
têm maiores chances de serem gays - cada irmão mais velho aumentaria as chances
de homossexualidade em cerca de um terço.
Ainda não se sabe o porquê, mas uma teoria é a de que a cada
gravidez de um bebê do sexo masculino, o corpo da mulher desenvolve uma reação
imunológica a proteínas que tem um papel no desenvolvimento do cérebro
masculino.
Como isto só interfere de alguma forma no bebê depois que
muitos irmãos já nasceram - a maioria dos quais serão heterossexuais e terão
filhos - esta peculiaridade pré-natal não foi descartada pela evolução.
A exposição a níveis incomuns de hormônios antes do
nascimento também pode afetar a sexualidade. Por exemplo, fetos de fêmeas
expostos a altos níveis de testosterona antes do nascimento demonstram altos
índices de lesbianismo depois.
"A identidade sexual e os comportamentos sexuais não
são boas medidas da orientação sexual. Os sentimentos sexuais, sim."
Paul Vasey
Estudos mostram que mulheres lésbicas e homens
"machões" tem uma diferença no comprimento dos dedos indicador e
anular - que demonstra a exposição pré-natal à testosterona. Em lésbicas
"femininas" esta diferença é muito menor.
Os gêmeos idênticos também provocam questionamentos.
Pesquisas descobriram que se um gêmeo é gay, há cerca de 20% de chance de que
seu gêmeo idêntico tenha a mesma orientação sexual. Apesar de a probabilidade
ser maior do que o normal, ainda é pequena considerando que os dois tem o mesmo
código genético.
William Rice, da Universidade da Califórnia Santa Barbara,
diz que pode ser possível explicar isso olhando não para nosso código genético,
mas para o modo como ele é processado. Rice e seus colegas se referem ao campo
emergente da epigenética, que estuda como partes do nosso DNA são
"ligadas" ou "desligadas".
Para Qazi Rahman, é a mídia que simplifica excessivamente as
teorias genéticas da sexualidade, com suas reportagens sobre a descoberta do
"gene gay". Ele acredita que a sexualidade envolve dezenas ou
centenas de grupos de genes que provavelmente levaremos décadas até descobrir.
Disponível em
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/02/140219_quebra_cabeca_evolucao_homossexualidade_lgb.shtml.
Acesso em 26 fev 2014.