Elisabete Regina Baptista de Oliveira
7 de junho de 2012
O artigo sobre o qual falaremos hoje é um dos poucos artigos
acadêmicos sobre assexualidade escritos em espanhol. De autoria do Professor
Luis Álvarez Munárriz, catedrático de Antropologia Social da Universidade de
Murcia, na Espanha, o trabalho apresenta reflexões sobre assexualidade, bem como
alguns resultados de entrevistas feitas por ele com o objetivo de conhecer um
pouco mais sobre o que as pessoas pensam sobre esse tema.
Fiz um recorte dos temas do artigo para focar somente na
pesquisa empírica feita pelo professor, bem como seus resultados e conclusões.
Nesta pesquisa empírica, Munárriz conversou com diversos entrevistados, na
universidade na qual leciona, para conhecer a percepção que estes tinham sobre
a assexualidade, ou seja, como veem falta de desejo sexual na perspectiva da
orientação sexual. No restante do artigo - que não será abordado nesta postagem
- o antropólogo analisa algumas falas de assexuais em postagens na internet,
analisado-as a partir de alguns referenciais teóricos da antropologia.
Primeiramente, Munárriz entrevistou, na própria
universidade, 12 pessoas que não se consideram assexuais, com o objetivo de
saber sua opinião sobre o conceito de assexualidade. Nesses contatos, o
pesquisador deparou-se com diferentes visões, entre elas, pessoas incrédulas,
que não acreditam que uma pessoa normal não sinta desejo sexual ou que não
tenha fantasias sexuais. Uma informante declarou: “Não consigo imaginar uma
jovem de 18 anos que seja assexual.”
Outro entrevistado disse: “Isso é contraditório porque todas
as pessoas têm desejo sexual, isso é impossível!” Outro declarou: “Se a pessoa
não faz sexo, fica ruim da cabeça!” Outro perguntou ao entrevistador, em tom
irônico: “E você, é assexual? Tudo bem, ser assexual.” Uma entrevistada
mostrou-se indiferente à pergunta e respondeu: “OK, e daí?”, afirmando, em
seguida, que ignorava que existisse esse tipo de pessoa, mas que não era
surpresa e que não tinha nenhum interesse ou preocupação com esse assunto. Um
entrevistado homossexual respondeu: “Todas as condutas deveriam ser
consideradas normais, eu acho que é positivo que os assexuais se sintam
atraídos por outras pessoas, mas não tenham a necessidade de ter relação
sexual.”
Nesta primeira aproximação, Munárriz constatou o enorme
desconhecimento e estranhamento sobre a assexualidade que predomina sobre a
população entrevistada, mas também uma tentativa de compreensão da
assexualidade feita por um entrevistado pertencente a uma minoria sexual. Esse
desconhecimento também foi constatado nos três grupos de discussão que ele
realizou com estudantes universitários, com o mesmo objetivo, ou seja, saber o
que pensam sobre o conceito de assexualidade. Um deles declarou:
A assexualidade é algo absurdo, impossível, já que a
sexualidade está no ser humano. Só se a pessoa nasceu com um defeito genético,
ou houve algum problema que inibiu seu desejo sexual, caso contrário é
totalmente impossível a existência dessa orientação sexual. Eu acho que
assexuais não existem.
Essas primeiras entrevistas serviram de base para que o
antropólogo elaborasse um questionário simples, que tinha três objetivos: 1)
calcular o percentual aproximado de assexuais entre os entrevistados; 2) saber
o grau de conhecimento dessas pessoas sobre a assexualidade; e 3) obter uma
definição aproximada de pessoa assexual.
Com esses objetivos, o estudioso aplicou o questionário a
alunos de diferentes faculdades e campus da Universidade de Murcia. Recebeu 145
questionários respondidos, sendo 79 de mulheres e 66 de homens.
Uma das perguntas feitas pelo pesquisador era sobre a
orientação sexual dos respondentes, incluindo as alternativas heterossexual,
homossexual, bissexual e assexual. O objetivo dessa pergunta era saber se havia
pessoas que se identificavam como assexuais entre os entrevistados. O resultado
é que nenhum dos 145 respondentes se identificou como assexual em sentido
estrito. Somente um respondente selecionou duas alternativas ao mesmo tempo:
heterossexual e assexual. Todos os outros respondentes escolheram uma das
outras três alternativas: heterossexual, ou homossexual ou bissexual. Esse
resultado pode indicar o total desconhecimento da assexualidade como orientação
sexual, ao menos como possibilidade de identificação.
Outra pergunta do questionário dizia respeito ao grau de
conhecimento dos respondentes sobre a assexualidade. O resultado comprovou que
existe um enorme desconhecimento sobre as pessoas assexuais, podendo isso ter
reflexo nos resultados da primeira pergunta. A questão seguinte indagava sobre
o grau de interesse dos respondentes pela atividade sexual. Como esperado, considerando
que os respondentes eram todos jovens, a maioria revela ter muito interesse
pela atividade sexual.
Em uma questão, Munárriz abordou a definição de
assexualidade, a partir de duas perspectivas diferentes: a do desejo sexual e
da resposta sexual, entendendo o desejo sexual como uma experiência subjetiva
dos indivíduos e a resposta sexual como uma resposta biológica do corpo a um
estímulo, também conhecida como libido. A esta pergunta, todos os entrevistados
afirmaram possuir os dois, desejo e resposta. É altamente significativa a
coerência que aparece nas respostas: todos os que têm desejo sexual também
afirmam experimentar resposta do corpo a estímulos interpretados como sexuais.
O pesquisador não fez nenhuma pergunta em relação à existência ou inexistência
de atração sexual – que seria o direcionamento do desejo para outra pessoa -
normalmente definida por muitos assexuais como característica de sua orientação
sexual. Não está claro se ele compreende desejo e atração como sinônimos.
Também não faz indagações sobre existência ou não de orientação afetiva, que
também constitui uma parte importante da identidade assexual.
A última pergunta era aberta e indagava a opinião dos
respondentes sobre a assexualidade. Um dos entrevistados respondeu da seguinte
forma:
Acho que a sexualidade é parte fundamental do ser humano, é
algo natural e permite a perpetuação da espécie. A assexualidade pode ter a ver
com o medo, talvez o medo do desconhecido, medo dos riscos do sexo.
Em sua pesquisa nas comunidades assexuais na internet,
Munárriz revela que não captou esse medo descrito por este respondente nos
discursos dos assexuais, muito pelo contrário, os assexuais lhe pareceram
bastante confiantes com a identificação como assexual. De qualquer modo, o
resultado de sua pesquisa empírica mostra o quanto a assexualidade é
desconhecida até mesmo por estudantes universitários, que têm acesso a
tecnologias de informação e comunicação, que dirá da população geral que pode
não ter esse acesso? E que implicações pode ter esse desconhecimento nas vidas
daqueles e daquelas que se identificam como assexuais?
O pesquisador não fornece respostas claras aos objetivos
formulados por ele na realização das entrevistas. Munárriz reconhece, no final
do texto, as dificuldades em se reconhecer a assexualidade como uma orientação
sexual, pois este reconhecimento significaria um grande abalo em tudo o que a
ciência e a cultura construíram historicamente sobre sexualidade. Mas seu texto
revela uma resistência muito grande por parte do pesquisador em perceber a
assexualidade na perspectiva da orientação sexual. Para ele, não existe base
suficiente para se aceitar a existência de uma nova identidade sexual e muito
menos base para que a assexualidade possa se constituir no motor de uma
verdadeira revolução sexual.
Texto comentado
Munárriz, L. A. La identidad “asexual”. Gazeta de
Antropologia, no. 26/2, 2010, Articulo 40
Matéria intitulada Trajetória de jovens assexuais é tema de
doutorado na USP, que noticia pesquisa, feita pela Agência Universitária
de Notícias, da USP:http://www.usp.br/aun/antigo/www/_reeng/materia.php?cod_materia=1205211
Disponível em
http://assexualidades.blogspot.com.br/2012/06/percepcoes-sobre-assexualidade-por.html.
Acesso em 09 jul 2013.