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terça-feira, 15 de abril de 2014

Assexuais vivem bem sem sexo, mas podem ter um relacionamento

Yannik D´Elboux
14/04/2014

Para uma pequena parcela da população, o sexo é uma prática completamente sem sentido. As pessoas chamadas assexuais, apesar de não terem nenhuma anormalidade, não sentem interesse em fazer sexo.

Como o conceito de assexualidade ainda é recente, muitos nunca ouviram falar desse termo e com frequência julgam a indiferença ao sexo como problema. "Sou normal, não tenho traumas nem doenças que me impeçam de fazer sexo, simplesmente não sinto vontade", explica Claudia Mayumi Kawabata, 33 anos, que trabalha como orçamentista em uma gráfica em São Paulo (SP).

Assim como outras pessoas na mesma situação, Claudia percebia que não era igual a maioria, porém não sabia a razão. "Sempre me achei diferente, pois, além de não sentir atração sexual, também não sinto atração estética", conta.

Ela só foi descobrir o que significava assexualidade em 2011, o que lhe deu liberdade para se aceitar. Desde 2013, Claudia é uma das moderadoras da comunidade A2 na internet, grupo que reúne mais de 700 usuários e busca divulgar a existência da assexualidade, além de promover a troca de experiências sobre o assunto.

Ainda não se tem ideia da quantidade existente de pessoas assexuais. "Por ser uma sexualidade praticamente desconhecida, não temos números confiáveis, nem no Brasil nem no mundo", afirma a pedagoga e pesquisadora Elisabete Regina Baptista de Oliveira, que está desenvolvendo uma tese de doutorado sobre assexualidade pela Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo). "A única pista que temos é de que 1% da população não tem interesse por sexo", acrescenta.

Segundo Elisabete, esse número provém de dois estudos realizados nas décadas de 1940/1950 e 1990 nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, porém não representa um bom retrato da realidade, já que muitas pessoas que poderiam se identificar como assexuais não conhecem esse conceito.

Sem desejo

A ginecologista e sexóloga Sylvia Maria Oliveira Cunha Cavalcanti, presidente da comissão de Sexologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), afirma que a assexualidade costuma ser bastante rara. "Não é uma coisa muito comum porque o ser humano é o mais sensualizado de todos os animais. O sexo para nós não se restringe à reprodução, é uma forma de comunicação, de expressar os sentimentos".

Para a médica, o desinteresse sexual pode surgir por diversos motivos, desde aspectos biológicos, como alterações hormonais, até psicossociais, como uma educação repressora, decepção com o parceiro, experiências negativas, entre outros. Porém, para alguns não há uma causa. "Existem pessoas que realmente não se interessam, o sexo é algo absolutamente sem nenhum valor para elas", diz Sylvia.

A ausência de desejo pode significar um problema, sobretudo naqueles que antes possuíam ímpeto sexual. Nos assexuais, segundo Elisabete Oliveira, o desinteresse é uma característica permanente ao longo da vida desde a puberdade. "Trata-se de perspectiva: a falta de desejo pode ser vista como um transtorno ou como mais uma cor no arco-íris da diversidade sexual", analisa a pesquisadora.

Para a ginecologista e sexóloga, o desinteresse nos assexuais não precisa de tratamento se não estiver causando nenhum incômodo ou estresse. "Se não é um problema para a pessoa, se ela estiver satisfeita assim, não há o que fazer, não tem o que ser tratado. Não ter vontade também é um direito da pessoa", diz Sylvia Maria.

Românticos e arromânticos

Apesar de não sentirem atração sexual, os assexuais podem ou não ter interesse no relacionamento amoroso. Aqueles que desejam parceria amorosa costumam ser chamados de românticos e os que não se interessam por esse envolvimento de arromânticos.

"Não foi a falta de interesse por sexo a minha principal fonte de questionamentos na adolescência, mas, sim, a minha falta de interesse amoroso", conta Saulo Albert, 20 anos, estudante de Direito, de Vitória da Conquista (BA), que se identifica como assexual arromântico.

Saulo, também um dos moderadores da comunidade A2, diz que nunca teve vontade de namorar ou se relacionar sexualmente. Esse comportamento geralmente não é bem visto em um mundo no qual o amor e o sexo estão por toda parte, das músicas às novelas. "Passamos a aceitar que a vida com um parceiro amoroso é a grande fórmula da felicidade", critica Saulo.

O estudante baiano acredita que, assim como as pessoas, os caminhos para a felicidade também são diferentes. "Eu me sinto amado e acolhido pelas pessoas ao meu redor, por isso o amor [romântico] não é um sentimento que me faz falta. Isso, para mim, é mais do que suficiente", declara.

Mesmo sem vontade, alguns assexuais acabam tendo relações sexuais quando namoram para poder satisfazer o parceiro. Foi o caso de Claudia Mayumi, assexual romântica, que já morou com um namorado por dois anos e tem uma filha de 13 anos. "Antes de saber que era 'assex', tentei ter uma vida sexual ativa, mas isso me deixava mal. Depois de cada relação sexual entrava em conflito comigo mesma, pois tinha de fingir para agradar a outra pessoa", revela.

Para Claudia, a vida flui melhor quando ela está só. "Sou feliz sem sexo. Quando estou sozinha, me sinto completa; quando estou em algum relacionamento, eu me sinto frustrada e vazia", constata.

Não sonhar com o casamento não significa viver de forma isolada ou preferir a solidão. "Os assexuais dão muita importância aos seus relacionamentos em família e com os amigos, diferentemente de pessoas não assexuais que priorizam seus relacionamentos amorosos acima de todas as coisas", diz a pesquisadora Elisabete Oliveira.


Disponível em http://mulher.uol.com.br/comportamento/noticias/redacao/2014/04/14/assexuais-vivem-bem-sem-sexo-mas-podem-ter-um-relacionamento.htm. Acesso em 14 abr 2014.

domingo, 29 de setembro de 2013

Fantasia e desejo nas redes sociais

Luiz Fernando Dias Duarte
02/11/2012

O vocabulário sobre as emoções na cultura ocidental contém muitas áreas de imprecisão e ambiguidade, o que enseja a impressão comum de não corresponder a representações sociais sistemáticas, recorrentes e obrigatórias. Desejo e fantasia são algumas dessas categorias que deslizam com frequência em nossa linguagem, como se expressassem apenas volúveis devaneios da vida individual de cada um de nós.

Tanto as psicologias quanto as ciências sociais enfrentam o desafio de compreender os modos pelos quais se estruturam essas dimensões da experiência humana – e como emergem e intervêm nas tramas da vida social.

Já nos primeiros tempos das ciências sociais, temas como os do ‘ideal’, da ‘imitação’, da ‘influência’, da ‘autoridade’, do ‘transe’ se impunham nessa área sutil da constituição coletiva da vida dita ‘subjetiva’ dos sujeitos. Dimensões que, sob a forma das ‘paixões’ e da ‘imaginação’, já haviam motivado os filósofos sociais desde o século 17, devido à sua crucialidade nas esferas da família, da religião, da política e da prática econômica.

A capacidade de imaginação e de projeção futura de imagens ideais, desejáveis, é uma dimensão essencial da construção dos sentidos do mundo em qualquer sociedade. Entre nós, essa capacidade é sobrevalorizada como chave da ideologia do progresso e da mudança, sob a forma da ‘criatividade’ e da ‘invenção’. Tanto nossas ciências como nossas artes e nossos meios de comunicação são lugares regulares do cultivo e fomento da imaginação ideal.

Graças ao extraordinário desenvolvimento da criatividade científica, produziram-se recentemente novos recursos públicos de compartilhamento da fantasia e do ideal, concentrados na comunicação digital e na possibilidade de sua circulação em ‘mundos virtuais’.

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social, a partir de posições máximas de individualidade, intimidade e exclusividade. Cada sujeito social exercita sua vontade e obedece ao seu desejo de forma singular, ao acessar o espaço virtual e encaminhar na tela suas opções de navegação. Esse espaço é, no entanto, apenas uma nova versão dos espaços sociais reais, essenciais para o estabelecimento de uma identidade humana.

Imperiosa condição

Acabo de participar, no 36º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), de um Grupo de Trabalho sobre ‘sexualidade e gênero’, em que diversas comunicações puseram em cena os mundos virtuais, do ponto de vista das fantasias sexuais ou eróticas para ali transpostas e ali retrabalhadas e vivenciadas.

Do ponto de vista dos organizadores do grupo, trata-se de uma coincidência imprevista; do ponto de vista da experiência social que cabe aos antropólogos interpretar, trata-se de uma imperiosa condição: os desejos e as fantasias eróticas, tão essenciais para a vida humana, encontram no espaço virtual uma arena privilegiada para se desenvolver, já que podem circular em uma esfera de trocas muito ampliada, em um gigantesco mercado de opções, com altas garantias de anonimato e baixas exigências de dispêndio econômico.

Ana Paula Vencato tratou das mulheres que se relacionam com crossdressers masculinos na vida real e que têm suas ambivalentes experiências compartilhadas em redes virtuais; Laura Lowenkron explorou “a construção dos marcadores corporais da menoridade em investigações policiais de pornografia infantil na internet”; Débora Leitão apresentou sua pesquisa sobre “sexualidade e mercado erótico no mundo virtual Second Life”; Carolina Parreiras tratou da produção de pornografia alternativa na internet; e Weslei Lopes da Silva discutiu as “representações e vivências do corpo feminino em interações sexuais pagas no ciberespaço”.

Outros trabalhos não focados na internet, como o de Amaro Braga Júnior sobre a ‘homoafetividade’ em quadrinhos japoneses, permitiram uma comparação frutífera entre diferentes conjugações da fantasia erótica contemporânea no Brasil. 

Virtualidade e realidade

Muito se pode discutir as condições da pesquisa em tais contextos: o acesso às redes e grupos; a ética da relação com os interlocutores; a fluidez e impermanência dos círculos de interação; a dificuldade de proceder a correlações entre as condições ‘reais’ dos sujeitos plugados e as que são encenadas por seus avatares on-line.

Em outro nível de preocupações, o próprio estatuto da ‘virtualidade’ é muito discutível, já que as experiências desencadeadas nesse meio são também ‘reais’ ao seu modo; no registro da relativização a que se dedica a antropologia sobre a concepção de realidade característica de nossa cultura.

Afinal de contas, a leitura de um romance, a realização de uma viagem, a fruição de um concerto musical, a experiência de um ritual religioso ou de absorção de um alucinógeno são todas elas experiências fantásticas de efeitos imediatamente concretos, de máxima implicação para a vida ‘real’ de cada um de nós.

A internet corresponde a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural

A internet corresponde, assim, a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural, com potenciais de realização em escala de massa e com algumas propriedades singulares, que os estudos tentam discernir.

Novos horizontes de relação entre o público e o privado são evidentes – e afetam particularmente as experiências eróticas. Também se apresenta aí uma nova fronteira entre a sensibilidade corporal imediata e as mediações intelectuais e cognitivas, o que desafia as convenções tradicionais da satisfação do desejo e da atualização da fantasia.

E a própria fronteira entre a fantasia e a realidade pode se refundir, como na criminalização da posse de imagens de pornografia infantil num computador pessoal, estudada por Laura Lowenkron: um crime de fantasia numa fervilhante galáxia de desejos.

Sugestões de leitura:
Leitão, Débora Krischke. Entre primitivos e malhas poligonais: modos de fazer, saber e aprender no mundo virtual Second Life. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n.38, jul/dez 2012.
Bell, Mark. Toward a definition of virtual worlds. Journal of Virtual Worlds Research, vol.1, n.1, 2008.
Butler, Judith. The force of fantasy: feminism, mapplethorpe and discursive excess. In: Cornell, D. (org.). Feminism and pornography. Nova Iorque: Oxford University Press, 2000, p. 487-508.
Foucault, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
Miller, Daniel e Slater, Don. Etnografia on e off-line: cybercafés em Trinidad.Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n.21, p.41-65, jan/jun 2004.
Parreiras, Carolina. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre pornografia online. Cadernos Pagu, n.38, jan/jun 2012.


Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/sentidos-do-mundo/fantasia-e-desejo-nas-redes-sociais. Acesso em 24 set 2013.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

1% da população não tem nenhum desejo sexual

Destak Jornal
26 de Agosto de 2012

Um por cento da população não sente nenhuma espécie de atração sexual. A afirmação é de Anthony Bogaert, pesquisador e professor associdado da Brock University do Canadá, que chegou à conclusão após analisar as respostas que 18 mil britânicos deram sobre a vida sexual em estudo realizado na década de 1990.

No levantamento, parte dos entrevistados afirmou que nunca havia se sentido sexualmente atraído nem por pessoas do sexo oposto nem por pessoas do mesmo sexo.

A pesquisa virou "Entendendo a Assexualidade", livro que será lançado em setembro. Em entrevista ao jornal americano "Daily News", Bogaert explicou que há duas formas de assexualidade. Existem as pessoas que possuem um certo nível de desejo sexual, mas não o colocam em prática com outras pessoas e apenas se satisfazem sozinhas por meio da masturbação, e há também o grupo que não possui nenhum tipo de desejo sexual.

A obra também defende que os assexuados devem ser classificados na categoria "quarta sexualidade", levando em conta que já existem os héteros, os homossexuais e os bissexuais. Para Bogaert, que enxerga na falta de desejo sexual uma possível reação a uma excessiva promoção do sexo nas sociedades modernas, os assexuados sempre existiram, mas só agora resolveram "sair do armário".


Disponível em http://www.destakjornal.com.br/noticias/saude/1-da-populacao-nao-tem-nenhum-desejo-sexual-157341/. Acesso em 25 ago 2013.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Homens preferem mulheres vestidas de vermelho, diz estudo

Folha Online  
02/05/2012

As roupas vermelhas sempre foram tidas como uma forma de deixar as mulheres mais atraentes para os olhares dos homens e um estudo publicado no "Journal of Social Psychology" deu uma possível razão para isso.

Após entrevistar 120 homens com idade entre 18 e 21 anos, um grupo de psicólogos descobriu que, para eles, mulheres com roupas vermelhas são mais fáceis de levar para a cama no primeiro encontro.

Segundo os entrevistados, quando elas vestem vermelho demonstram uma "maior intenção sexual" do que quando usam cores mais neutras.

De acordo com o jornal britânico "The Telegraph", não é nem mesmo necessário que a roupa seja muito reveladora para que seja julgada dessa maneira pela mente masculina, até mesmo uma simples camiseta funciona assim.

Os pesquisados tiveram de olhar fotos de mulheres com tops nas cores vermelho, branco, azul e verde, e julgaram quais delas eram mais atraentes e quais topariam fazer sexo mais facilmente.

Depois do vermelho, a ordem das cores em que as mulheres estariam mais propensas a topar a proposta foi azul, verde e, por último, branco.

"Estudos têm demonstrado que o vermelho está ligado ao amor romântico e ao desejo, assim como a fertilidade feminina", diz o estudo feito pela University of South Brittany.


Disponível em http://f5.folha.uol.com.br/estranho/1084434-homens-preferem-mulheres-vestidas-de-vermelho-diz-estudo.shtml. Acesso em 03 ago 2013.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

História da ciência e a diversidade de orientações sexuais: natureza, cultura e determinismo

Valter Forastieri
Candombá - Revista Virtual, v. 1, n. 1, p. 1 – 15, jan – jun 2005

Resumo: Este artigo é uma revisão de como a ciência vem tratando a questão da existência de uma variedade de tipos de orientações sexuais. A orientação sexual, um padrão peculiarmente humano, é caracterizada pelo comportamento sexual mais aspectos cognitivos referentes à atração, fantasias e desejos sexuais. A tentativa de explicação desse fenômeno criou disputas entre biólogos e psicólogos, a controvérsia natureza versus cultura. No início do século XX, o determinismo cultural da psicanálise foi a base de explicação da orientação sexual, mas, com o passar das décadas, foi perdendo espaço para o determinismo biológico, impulsionado pela revolução biotecnológica.


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Vida sem sexo

Adriana Giachini 
14/11/2012
          
O sexo faz parte da vida humana. Já na bíblia (que acredita-se ter sido escrita entre 1445 e 450 a.C) consta que, um dia, homem e mulher tornarão-se uma só carne. Outrora um tabu, o assunto hoje é tratado a exaustão e, às vezes, chega a ser banalizado.

Está na televisão, no cinema, na literatura e, claro, na vida real. Fala-se em iniciação sexual, em orgasmo, traição, doenças sexualmente transmissíveis, remédios estimuladores, taras e kamasutra ... o silêncio só impera quando o assunto é quem não gosta de sexo e nem pretende praticar.

Para muitos, não gostar é impossível. Para o Manual Estatístico e Diagnóstico de Distúrbios Mentais (DSM), da Associação Americana de Psiquiatria, a ausência do desejo sexual é distúrbio (existem vários). No entanto, os assexuais estão aí para comprovar que a vida sem sexo é uma realidade (e não uma doença) na qual o “problema” não está na cama – nem naquilo que não se faz entre quatro paredes. O maior obstáculo é o preconceito.

“Viver sem sexo numa sociedade que considera que o desejo sexual é universal e que a atividade sexual é indispensável para a saúde e felicidade não é nada fácil”, diz a pedagoga e socióloga Elisabete Regina Baptista de Oliveira.

Mestre em sociologia da educação, e doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), ela estuda há um ano a assexualidade para sua tese de doutorado. “Busco conhecer as trajetórias de pessoas assexuais no processo de auto-identificação”, explica.

A pesquisa de Elisabete está sendo feita na Faculdade de Educação da USP e a tese será defendida em 2014. “Meu interesse surgiu a partir da constatação de que, apesar de haver comunidades de assexuais no Brasil, não havia pesquisas acadêmicas sobre o tema no País. 

Nos Estados Unidos, e em outros países, os assexuais estão se organizando em movimentos para ter visibilidade nos meios de comunicação. No Brasil, as interações entre os assexuais restringem-se às poucas comunidades existentes no Orkut e na Comunidade Assexual A2 (www.assexualidade.com.br) ”, justifica.

Uma pesquisa recente feita no Reino Unido, com mais de 18 mil pessoas, e analisada por cientistas da Universidade de Brock, no Canadá, estima que 1% da população seja assexual. Um número que, em termos mundiais, representa 70 milhões de pessoas. Gente que apesar de perfeitamente capaz defende o direito de não transar. E é feliz assim.

Quarto sexo

A informação primordial sob o tema é entender a luta dos assexuais. São homens e mulheres, de idades variadas, que levantam a bandeira da abstinência – sem que ela seja uma imposição como ocorre, por exemplo, com os celibatários. Para eles, a assexualidade é uma quarta orientação sexual – assim como ser heterossexual, homossexual ou bissexual.

“Eu vejo que a assexualidade é uma interpretação da falta de desejo, antes sempre considerada um distúrbio. Na verdade, ainda não existe uma definição totalmente acabada da assexualidade. Mas em linhas gerais, ser assexual significa não ter nenhum – ou pouquíssimo – interesse pela atividade sexual. E esse comportamento, não traz infelicidade, angústia ou desconforto”, explica Elisabete.

Pelo direito de não transar, os assexuais começam a ser organizar, especialmente em comunidades na internet.

O site mais conhecido é o da Aven (Asezual Visibility and Education Network) – que tem realizado passeatas mundo a fora sob o slogan “It´s o.k. To be A” (algo como “tudo bem ser assexual”). 

No Brasil, o grupo de assexuados ganha força em páginas como www.assexualidade.com.br (primeiro do País a discutir o tema) e o www.redeassexual.com (lançado no começo de setembro).

São espaços para discussão e também desabafos. Ali, muitos assexuais lamentam não serem compreendidos sequer pelos familiares. E compartilham histórias de vida tendo como elo comum o desejo de serem aceitos como são. A maioria, entretanto, confessa manter a opção sexual em segredo, com medo de represálias, seja no ambiente familiar, entre amigos ou mesmo no trabalho. “Os assexuais não se identificam com a forma com que a sexualidade está colocada na sociedade. E esse processo pode até levar a pessoa ao isolamento”, diz Elisabete.

A pesquisadora tem a aprovação de quem vive a assexualidade diariamente. “A falta de informação é que gera o preconceito. Acredito que se as escolas falassem sobre a diversidade sexual, ajudaria bastante. Mas, e infelizmente, no momento nem psicólogos e médicos tem conhecimento da assexualidade”, acredita a web designer Shanna Capell, criadora do site www.redeassexual.com, que está no ar desde 1º de setembro.

Segundo ela, que é assexual, a página na internet tem como objetivo “informar, debater e dar mais visibilidade ao tema”. Aos 28 anos, Shanna confidencia que, apesar do desejo de aceitação e da esperança em encontrar um parceiro, mantém sua assexualidade escondida da família e da maioria dos amigos. “Acho que cada um deve avaliar bem se vai contar e quando.

Nos EUA há um projeto (asexualawarenessweek.com) para, entre outras coisas, incentivar os assexuais a falarem, aumentando a visibilidade do tema. Eu vejo que o ser humano é complexo e diverso. E é importante dizer que o assexual sofre pela discriminação e não pela falta de sexo.”

Aliás, é bom explicar que a ausência do desejo sexual não significa que os assexuais não queiram relacionamentos amorosos – nem que não tenham prazer, por exemplo, como a masturbação.

Nas comunidades dedicadas ao tema, a explicação é que eles podem ser divididos entre os gostariam de manter relacionamentos, desde que não envolvam atividade sexual (são os chamados de românticos); os que aceitam transar para satisfazer seus parceiros e os que não têm interesse algum no tema. Para alguns, especialmente deste último grupo, até mesmo o beijo causa repulsa.

Nadando contra a maré

Não seria exagero afirmar que, para a sociedade moderna, o sexo é quase uma exigência – e especialmente no mundo ocidental. Como exemplo dessa “sexomania”, pode-se destacar que o maior best seller da literatura atual – a trilogia “50 tons de Cinza” – nada mais é do que um romance erotizado. Os livros, da escritora britânica Erica Leonard James, já venderam mais de 40 milhões de cópia no mundo e virarão filme.

Até a indústria farmacêutica – que recentemente lançou a versão do viagra para mulheres – se dedica ao tema com especial “carinho”, de olho em seu potencial lucrativo. Não à toa. Para muita gente, o sexo é tão importante como comer e dormir. E dá-lhe argumentos para comprovar a afirmação que faz bem para o corpo. Dirão: faz bem saúde e para ego.

Sem contar que é fundamental para a perpetuação da espécie. “O desejo sexual foi construído historicamente (sobretudo pelas ciências médicas) como universal, ou seja, todas as pessoas, independentemente da época, da cultura, do meio social devem sentir desejo sexual, de preferência desejo heterossexual. 

Mas já sabemos que a sexualidade não está somente no corpo biológico. Ela se constrói nas relações sociais, que são permeadas por determinadas culturas. Hoje os assexuais contestam este postulado histórico. Essas pessoas têm nos mostrado, nos últimos 10 anos, que existe muita coisa que ainda não sabemos sobre a sexualidade humana.”

Para a pesquisadora, os assexuais são a prova viva de que a necessidade sexual não pode ser equiparada a outras necessidades biológicas, como alimento ou água. “Isso é o que a mídia propaga; isso é o que as ciências biológicas propagam, isso é o que a indústria do consumo propaga. A sexualidade não está somente no corpo biológico, como eu já disse. Se a pessoa acredita que o sexo é fundamental, ela vai construir sua vida em torno dessa crença, e pode se sentir infeliz quando estiver impossibilitada de fazer sexo, ou de ter um relacionamento amoroso. Se a pessoa acredita que para ela o sexo não é importante – ou totalmente dispensável – ela vai viver sua vida bem e ajustada em torno dessa crença, ou sentir-se infeliz se for obrigada a fazer sexo.”

Os desafios dos assexuais

_ Viver numa sociedade que considera que o desejo sexual é universal e que a atividade sexual é indispensável para a saúde e felicidade.
_ Viver numa sociedade que apregoe que não fazer sexo – ou não desejar o sexo – não é normal
_ Viver numa sociedade que ensina que não é possível ter relacionamentos amorosos prazerosos que não envolvam a atividade sexual.
_ Viver numa sociedade que apregoe que o sexo é necessariamente consequência do amor.
_ Viver numa sociedade que considera que não é possível ser feliz sozinho.
_ Viver numa sociedade que priorize a atividade sexual, quando existem tantos outros aspectos importantes na vida.
_ Viver numa sociedade que não acredite na diversidade humana
_ Viver numa sociedade que não respeita o direito individual de tomar decisões em relação ao uso de seu corpo.

Assexual ou assexuado

Nas comunidades virtuais brasileiras, as duas denominações são encontradas, porém, defende-se que o termo mais correto é assexual uma vez a perspectiva trabalhada é a de orientação sexual. A palavra assexual segue a mesma formação de outras palavras que nomeiam outras orientações sexuais, como heterossexual, homossexual e bissexual.

Pesquisa

A socióloga Elisabete Regina Baptista de Oliveira mantém um blog na internet sobre a assexualidade e no qual divulga pesquisas recentes que estejam relacionadas ao tema. Entre os tópicos, está um artigo produzido na área de biologia e escrito pelos cientistas Wendy Portillo e Raul Paredes, do Instituto de Neurobiologia da Universidade Autônoma do México.

Nele, os autores relatam que em diversas espécies de mamíferos, a ciência observa a existência de machos aparentemente normais, mas que não seguem o padrão de conduta sexual da maioria – mesmo quando estimulados por fêmeas sexualmente receptivas. Esses animais, conhecidos como não copuladores (NC), de acordo com os autores do artigo, poderiam ser equivalentes aos assexuais humanos – ainda que o ser humano seja portador de uma estrutura psicológica diferente.

As espécies de animais nos quais foram identificados machos não copuladores são as ovelhas e algumas espécies de roedores, como ratos, cobaias, camundongos e hamsters. Os machos não copuladores correspondem entre 1% e 5% - porcentagem próxima à estimativa de alguns cientistas para humanos que não têm interesse pela atividade sexual.

Segundo os estudiosos, estas deficiências podem ser causadas por alterações no sistema nervoso central. O conjunto de pesquisas estudadas sugere que a falta de interesse por sexo no mundo animal tem um componente biológico importante que pode modificar o sistema nervoso central e, consequentemente, sua função. Ainda segundo os pesquisadores não existem estudos sobre interesse sexual em fêmeas mamíferas.

Disponível em http://metropole.rac.com.br/_conteudo/2012/11/capa/10568-vida-sem-sexo.html. Acesso em 29 nov 2012.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A invenção da mulher

Marcus do Rio Teixeira

A sexualidade humana constantemente é explicada com base no mecanismo hormonal e em modelos animais. Desse ponto de vista, as coisas são essencialmente simples – homens e mulheres seguiriam condutas que visariam a reprodução da espécie, comparáveis às dos outros animais sexuados. Cotidianamente, porém, a realidade desmente tal hipótese. 

Mamíferos, aves e peixes apresentam comportamento invariável durante o período do acasalamento, que consiste na emissão de determinados sinais – visuais, sonoros, olfativos – facilmente reconhecidos pelo indivíduo do sexo oposto. Na natureza, portanto, não existe possibilidade de mal-entendido; os únicos problemas que os casais enfrentam são de ordem material, como densidade demográfica da espécie em sua região. No reino animal não há sofrimento psíquico causado pelo relacionamento sexual. Não se ouve falar de peixes apaixonados, elefantes em crise de meia-idade ou leoas querendo discutir a relação.

Em contrapartida, na espécie humana, não há uma conduta unívoca para a aproximação sexual; além disso, os sinais emitidos por cada um são ambíguos tanto para seu parceiro como para si. A própria linguagem, que supostamente serve para a comunicação, é a principal fonte desse mal-entendido. Quem nunca teve a sensação de que o(a) parceiro(a) não compreende nada do que lhe é dito? Permeada de linguagem, nossa sexualidade perde as certezas e o objetivo natural da reprodução da espécie. Longe do Éden sexual imaginado nostalgicamente por nossos cientistas, ela é marcada pelas incertezas e pelos conflitos inerentes ao humano. “De todos os animais ofalasser [o ser falante] é o único que possui uma sexualidade infeliz. Não somente complicada, mas infeliz”, comenta o psicanalista francês Charles Melman.

Édipo feminino

Uma vez que a linguagem nos afasta de uma sexualidade natural, determinada pela biologia, o que definiria então a feminilidade? Sabemos que o fato de uma pessoa nascer com um par de cromossomos XX significa que se trata de uma fêmea da espécie humana, mas não garante que venha a ser uma mulher. Se o real do organismo não fornece essa garantia, o que constituiria a especificidade da posição feminina? Poderíamos pensar que tal posição nada mais seria do que a assunção, pelo sujeito, das representações do feminino que a cultura lhe transmite. Sabemos, porém, que tais representações variam histórica e geograficamente. Seria então a feminilidade uma colagem imaginária de modelos impostos, sujeita a oscilações de tempo e lugar? Qual o papel da linguagem na constituição da posição sexual?

De acordo com Sigmund Freud (1856-1939), a assunção, pelo menino e pela menina, de uma posição masculina ou feminina ocorre ao final de uma série de investimentos libidinais e identificações com o casal parental (ou com os adultos que cumprem esse papel), que ele denominou Édipo, tendo como modelo o mito grego. Freud destaca a importância no Édipo de um elemento simbólico que ele chamou, novamente segundo uma referência clássica, de falo. Desde o início ele esclarece que, embora o órgão masculino seja uma das formas assumidas pelo falo, este não se reduz ao pênis. Em uma equação simbólica, outros objetos da realidade podem ter valor fálico, como o bebê para a mãe, as fezes como objeto de dom ou ainda o dinheiro. O inconsciente não reconhece a díade homem/mulher, mas apenas fálico/castrado.

A saída do Édipo masculino em sua forma mais simples se dá, grosso modo, pela renúncia do menino à mãe como primeiro objeto do desejo devido ao temor da castração. Ao identificar-se com o pai, que ocupa a função de agente interditor entre a mãe e ele, o menino adquire a possibilidade de exercer sua virilidade com outras mulheres, respeitando o tabu do incesto. Mas é o Édipo feminino que constitui motivo de embaraço para Freud; ele logo percebe que o percurso da menina em direção à sexualidade adulta não é simétrico como o do garoto. A mudança do objeto de desejo (a mãe é também o primeiro objeto de desejo para a garota) para o pai e a própria saída da situação edípica são questões problemáticas.

Ao final, Freud destaca o ressentimento da menina em relação à mãe por não encontrar do lado dela um elemento simbólico que possa lhe garantir o acesso à feminilidade. A relação entre mãe e filha, portanto, seria sempre um tanto tensa e marcada pela reivindicação, traços que, segundo ele, se repetiriam com o primeiro homem com o qual a mulher mantivesse um laço conjugal.

Portanto, enquanto a masculinidade é da ordem da transmissão, a feminilidade diz respeito à invenção, a cargo de cada mulher. Não é à toa que questionar-se sobre o que significa ser feminina é algo muito comum para elas. A figura da amiga, na qual a mulher se espelha e de quem imita não somente os aspectos físicos, o corte de cabelo, as roupas, mas também o jeito, o “ar”, ilustra perfeitamente essa busca do traço da feminilidade. A jovem Dora, que Freud atendeu para tratar de sintomas histéricos, é um caso clássico até hoje citado como exemplo do misto de fascinação e rivalidade de uma mulher em relação a outra. 

Construção da feminilidade

Em sua releitura da teorização freudiana do Édipo, o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1980) ressalta alguns pontos importantes para a compreensão da feminilidade. Em primeiro lugar, distingue a castração em sua dimensão simbólica, como submissão às leis da linguagem, de sua dimensão imaginária, como temor da emasculação, sentimento de perda ou inferioridade. Define o falo como um significante, ressaltando o papel da linguagem na constituição do sexual no humano, que assim se diferencia da atividade reprodutiva dos animais. O que o significante fálico instaura é a dessimetria radical entre as posições masculina e feminina: dado que não há dois elementos simbólicos, um para cada sexo, homens e mulheres devem se reportar a um mesmo significante, o falo. A repartição simbólica dos seres sexuados não duplica simplesmente a divisão anatômica, mas organiza duas classes de seres que se referem, de maneiras diferentes, a um mesmo significante. Mesmo entre os casais homossexuais cada um dos parceiros assume comumente um papel que é facilmente reconhecido como masculino ou feminino. Ou seja, ainda que não haja distinção anatômica entre os parceiros, a diferença da posição sexual é instaurada pelo falo.

Segundo Lacan, as duas formas de se reportar ao falo podem ser compreendidas com o recurso dos verbos ser e ter. Inicialmente, o bebê, menino ou menina, seria tomado pela mãe como sendo o falo, investimento desejante necessário para seu advento como sujeito. Esse momento inicial deve ser transitório, uma vez que a permanência da criança assujeitada ao desejo da mãe traria conseqüências graves. É necessária, portanto, a intervenção do pai (ou de alguém que exerça a função paterna) como um agente a privar a mãe de seu falo e a criança de seu objeto incestuoso. Mas é somente em um tempo logicamente posterior que o pai ressurge como portador do falo que a mãe deseja e a situação edípica pode encontrar sua saída. O menino herdaria aquilo que Lacan chama de insígnias do pai, adquirindo uma “virilidade por procuração”. Desse modo, ele pode jogar com ter o falo como atributo viril, ainda que simbolicamente tenha passado pela castração. Quanto à menina, a passagem à posição feminina se daria pela via do não tê-lo, ao mesmo tempo que pode vir a sê-lo, o que lhe confere um enorme poder sobre aqueles que o têm.

A teorização lacaniana traz de imediato algumas implicações: a primeira é que macho e fêmea, na espécie humana, não são o complemento natural um do outro, como preconizam ainda hoje algumas teorias, ecoando um ideal tão antigo quanto o yin/yang. Porém, mesmo não sendo complementares, “masculino” e “feminino” não são categorias estanques, que possam ser pensadas isoladamente. Assim, a mulher tem seu desejo suscitado pelo falo que o parceiro possui, enquanto para o homem é ela que encarna o falo que ele deseja. 

É importante lembrar que a inexistência de um significante específico que venha a garantir a feminilidade torna a mulher particularmente sensível ao imaginário, ao mundo das imagens. Isso se manifesta não somente quanto à imagem do outro, do semelhante, como na relação de amizade com outra mulher, mas também no que diz respeito às imagens provenientes da mídia, que impõem padrões de beleza de forma superegóica. A medicina reconhece há tempos a alta incidência entre mulheres de quadros clínicos relacionados à excessiva preocupação com a imagem corporal, como a anorexia. 

Lacan frisa ainda o aspecto de construção do feminino ao inspirar-se em um artigo da psicanalista Joan Rivière para definir a feminilidade como mascarada, ou seja, um conjunto de artifícios que a mulher utiliza para parecer feminina aos olhos do homem. O papel do olhar aqui não deve ser negligenciado; é esse olhar que a mulher busca em seu parceiro como garantia de sua importância no desejo dele. Se pensarmos que o próprio eu é construído a partir do olhar do outro, que lhe confere consistência, podemos dimensionar o que representa para a mulher ser reconhecida como desejável por um homem.

A mulher no desejo masculino

Ao introduzir o conceito de objeto a, ao qual chamou de sua invenção, Lacan acentua a dissimetria entre as posições masculina e feminina. Na teoria lacaniana, trata-se do objeto fundamentalmente perdido, do qual o sujeito é separado em sua constituição e que representa a matriz de todos os objetos que ele vai desejar posteriormente na realidade, sendo denominado por isso de causa do desejo. Ainda que seja essencialmente imaterial, o objeto a pode ser materializado imaginariamente por alguns objetos; estes possuiriam a característica comum de serem parciais, em geral partes do corpo. O desejo masculino recorta imaginariamente no corpo da mulher esse objeto, o que faz com que ele não a deseje em sua totalidade, mas como objeto parcial. “Ao ter acesso ao lugar do desejo, o outro de modo algum se torna o objeto total, mas o problema, ao contrário, é que ele se torna totalmente objeto, como instrumento do desejo”, diz Lacan.

A percepção de que algo no corpo da mulher é tomado como objeto do desejo masculino pode provocar certa inquietação nela. Sobretudo na puberdade, com as modificações físicas, o surgimento dos caracteres sexuais secundários, a menina pode apresentar sinais de inibição, como a recusa em vestir roupas de banho para não exibir o corpo ou a adoção de uma postura curvada para esconder o aparecimento dos seios. Essa inibição sinaliza uma mudança, marcada pela consciência do olhar masculino que vê seu corpo como desejável. O que está em jogo aí é a passagem da condição de criança à de mulher que porta em seu corpo o objeto que causa o desejo para o homem. 

Mais tarde, ainda que possa aprender a jogar com esse objeto para provocar o desejo masculino, a mulher não deixará de manter certa estranheza em relação ao fato de portá-lo em seu corpo. É comum se perguntar o que exatamente suscita o desejo de seu parceiro. Se ela chega a formular a pergunta ao homem e este lhe responde com sinceridade, a resposta inevitavelmente a decepcionará. Afinal, o que seus lábios, seios ou nádegas têm de especial ou mais importante que seu próprio ser?

A mulher estranha o caráter fetichista do desejo masculino, assim como a clivagem que para o homem separa facilmente o desejo do amor, uma vez que para ela ambos convergem em um mesmo objeto. “Mas ela encontra o significante de seu próprio desejo no corpo daquele a quem sua demanda de amor é endereçada”, afirma Lacan. Sua estranheza maior, porém, diz respeito ao lugar de objeto que ocupa na fantasia do homem. 

Formas de existir

É nos anos 70 que Lacan cria um de seus aforismos mais polêmicos: “A mulher não existe”. Há sem dúvida certo gosto pela provocação nessa afirmação, porém ela não deixa de manter uma coerência teórica com a afirmação freudiana de que o inconsciente não reconhece a diferença dos sexos, mas apenas a dicotomia fálico/castrado. Portanto, o que Lacan afirma não existir não é a mulher em sua materialidade física, e sim o significante que definiria “A” mulher. Dessa forma, as mulheres são obrigadas, uma a uma, a construir sua versão da feminilidade sem um suporte simbólico.

A mulher, porém, ganha existência como ideal presente na criação artística – por exemplo, na literatura. Quando o poeta cria uma representação do feminino, ele confere realidade a esse ideal. Da mesma forma, o homem apaixonado quando toma sua amada como aquela que é capaz de preencher sua falta. Segundo Melman, “o amor é ele mesmo uma tentativa de fazer existir A mulher, a única, aquela sem a qual minha vida está perdida”. A distância entre esse ideal e a mulher da realidade pode ser verificada sobretudo na vida das musas ou sex symbols, que sofrem por encarnar, muitas vezes com conseqüências trágicas, esse ideal que ultrapassa suas limitações cotidianas. 

A maternidade seria outra forma de fazer existir a mulher, dessa vez contando com o aval da religião cristã, que cultua a figura materna. O problema é que essa seria mais uma maneira de encarnar o falo, restando para ela a sensação de que a feminilidade continuaria no horizonte. Além disso, nossa cultura, na atualidade, aponta tal vertente como limitadora e acena com outros modos de realização feminina.

É em torno dessa época que Lacan define masculino e feminino como dois campos nos quais os sujeitos podem se colocar independentemente de sua anatomia. Tais campos são constituídos por sua relação com o falo, aqui redefinido como função fálica. Os homens são totalmente concernidos pela função fálica, ou seja, eles são todos fálicos. Sua relação com o mundo é mediada pelo gozo fálico, que inclui o gozo sexual, porém não se resume a ele. As mulheres, por sua vez, não se restringem ao gozo fálico, embora participem dele tanto quanto os homens. 

Nesse sentido, elas seriam não-todas fálicas, ou seja, elas teriam acesso pleno ao gozo fálico, mas também a um gozo não-fálico, que Lacan qualifica como suplementar. Dessa maneira, ele relê o impasse de Freud, que não conseguia explicar totalmente a sexualidade feminina a partir do falo, admitindo que a feminilidade não diz respeito inteiramente ao falo e que ela só pode ser pensada considerando sua pertença a um campo não-fálico. A noção de um gozo suplementar é interessante porque, enquanto a teorização freudiana deu margem a críticas que acusavam a psicanálise de situar a mulher do lado do menos, a versão lacaniana nesse sentido a situa do lado do mais, mais de um gozo. Esse gozo, que Lacan chama de gozo Outro, não diz respeito ao sexo. Ele o aproxima, antes, do gozo místico dos santos, daquilo que está excluído da palavra, do inefável.

Lógica do desencontro

A feminilidade possui, portanto, algo de inapreensível ao homem, visto que não participa da significação fálica que organiza o universo masculino. Ela é organizada segundo uma lógica diversa, uma lógica do não-todo. Ainda que do ponto de vista da biologia homem e mulher sejam macho e fêmea da mesma espécie, buscam objetos diferentes e são regidos por lógicas diversas. Isso faz com que a mulher guarde, para o homem, uma dimensão de estranheza, que se traduz comumente no preconceito sob a forma das acusações mais diversas.

Lacan vai formular então outro aforismo polêmico: “A relação sexual não existe”. Na verdade, ele utiliza o termo francês rapport, que pode ser traduzido tanto por relação quanto por razão, no sentido matemático. Se há uma heterogeneidade radical entre os sexos, em que cada um se relaciona não com o outro, mas com um objeto diferente, então não há uma relação biunívoca, não é possível escrever uma razão entre eles. Isso coloca os desencontros da vida amorosa e sexual sob um novo ângulo, não mais como uma contingência a ser sanada por meio do esforço e da boa vontade dos parceiros, e sim como uma dificuldade decorrente dos efeitos da linguagem sobre a sexualidade humana. 

Para a mulher, seu corpo não é suficiente como garantia de acesso à posição feminina. Como ser da linguagem, ela não tem, assim como o homem, a receita pronta de uma sexualidade conforme a natureza. Porém, ao contrário de seu parceiro, que encontra a garantia de sua posição de homem em um elemento da própria linguagem, ela se ressente por não encontrar, como ele, um elemento simbólico que confirme sua condição de ser sexuado. Onde estaria exatamente a feminilidade: no corpo, na aparência, na sedução? 

As injunções que chegam à mulher provenientes do imaginário constituem um sucedâneo precário daquilo que para o homem é suprido pela referência fálica, além de variarem segundo o capricho da moda e das ideologias. O ideal contemporâneo em nossa cultura parece ser o da indiferenciação sexual. No entanto, o que a mulher possui simbolicamente é sua condição dehéteros, de diferença inassimilável pelo falicismo.

Imaginário masculino

No filme Neblina e Sombras, de Woody Allen, há uma cena em que a personagem de Mia Farrow foge dos maus-tratos de seu marido e é acolhida pelas prostitutas no bordel da cidade. Elas têm então um diálogo muito bem-humorado em que falam sobre as fantasias sexuais masculinas, que, vistas de fora, são esquisitas ou ridículas. 

Na acepção psicanalítica, a fantasia não é estritamente um roteiro de um jogo sexual, mas a relação entre o sujeito desejante e o objeto que causa seu desejo. É ela que sustenta a vida sexual e amorosa do sujeito que busca esse objeto na realidade. 

Para a mulher, o fato de um homem tomá-la como tal objeto é algo que a intriga; ela se esforça para entender o que significa ocupar esse lugar e muitas vezes tenta com sinceridade corresponder a ele, imitando seus gostos, suas preferências ou tentando ser como seus amigos homens, com os quais ele parece tão à vontade. Porém não pode evitar a sensação de despersonalização que a acomete, uma vez que se trata da fantasia dele, na qual ela ocupa o lugar de objeto. Ora, um objeto é, por definição, o contrário de um sujeito; não é alguém, é algo. Aquilo de que ela se ressente é da negação de sua subjetividade a que é exposta pela fantasia masculina. 

Desejo amortecido

Freud considera a inibição sexual na mulher resultado de um recalque excessivo da atividade masturbatória na fase edipiana. Já o psicanalista francês Jacques Lacan, em sua apresentação no Congresso sobre Sexualidade Feminina (1960), chega a afirmar que, se for levada em conta sua forma transitória, a frigidez feminina é praticamente genérica. Ressalta, porém, que ela é “relativamente bem tolerada” pelas mulheres, em comparação com a atitude dos homens diante da impotência. Lembra ainda que a frigidez deve ser compreendida no âmbito da neurose e que isso explica “sua inacessibilidade a qualquer tratamento somático – e, por outro lado, o fracasso corriqueiro dos préstimos do parceiro mais desejado”.

É interessante notar que tais observações são confirmadas nos dias de hoje pelo fracasso, até o momento, na criação de um equivalente feminino dos medicamentos para a chamada disfunção erétil – que, na realidade, não são afrodisíacos, apenas vasodilatadores. Ou seja, eles propiciam condições fisiológicas para o desejo sexual se manifestar, porém são ineficientes para gerá-lo. 

Diante do fenômeno, a psicanálise não propõe uma solução física, mas a compreensão da própria constituição do desejo. Se a frigidez é bem tolerada entre as mulheres, como afirma Lacan, é porque, para elas, não há clivagem entre desejo e amor. Assim, uma dificuldade referente ao desejo pode ser mais bem tolerada quando continua existindo um investimento amoroso no parceiro. 

O psicanalista francês Charles Melman, por sua vez, comenta que no início de sua prática clínica, há cerca de 50 anos, a frigidez tinha de fato um caráter quase genérico, mas que hoje, apesar de ainda existir, é cada vez mais rara. Ele atribui tal mudança a uma suspensão do recalque sobre a sexualidade devido a transformações culturais. De fato, a mulher tem atualmente a possibilidade de exercer sua sexualidade de uma forma que não era possível às pacientes de Freud. Isso mostra a plasticidade do sintoma e quanto ele não pode ser reduzido a mecanismos fisiológicos.


PARA CONHECER MAIS
A feminilidade: conferência XXIII (1923). S. Freud, em Obras completas, Imago, 1976, vol. 22.

Sexualidade feminina (1931). S. Freud, em Obras completas, Imago, 1976, vol. 21.

O seminário livro 5: As formações do inconsciente (1957-1958). J. Lacan. Jorge Zahar, 1999.

O seminário livro 20: Mais, ainda (1972-1973). J. Lacan. Jorge Zahar, 1982.

A significação do falo (1966). J. Lacan, em Escritos, Jorge Zahar, 1998.

Será que podemos dizer, com Lacan, que a mulher é o sintoma do homem? C. Melman. Tempo Freudiano, 2005.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_invencao_da_mulher_imprimir.html>. Acesso em 11 out 2012.

sábado, 17 de março de 2012

Dicas impressas 8: Choque; Desejo; Menstruação

TAILLE, Yves de La. Ponta do iceberg Como refletir sobre notícias que chocam o senso comum, quando muitos, em uma sociedade gélida, buscam autorrespeito? Espetáculos bárbaros como o “Rodeio das Gordas” desfrutam de cultura da vaidade, agridem a moral e silenciam a dignidade. Psique, Ano V, n.º 60, pp. 22-23.

SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Desejo e adição nas relações de consumo As pessoas seriam assim tão facilmente manipuláveis? O consumo teria podido adquirir o papel que tem em nossa cultura sem encontrar nenhum lastro em necessidades legítimas das pessoas? Psique, Ano VI, n.º 72, pp. 38-45.

OVADIA, Daniela. Naqueles dias Relacionado a incômodo e desconforto físico pela maioria das mulheres, o período menstrual tem implicações emocionais, sociais, psicológicas e sexuais que nem sempre são levadas em conta. Mente & Cérebro, ano XIX, nº 229, fevereiro de 2012, pp. 4853. 

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Biblioteca 2: Extrasexo: ensaio sobre o transexualismo



MILLOT, Catherine. Extrasexo: ensaio sobre o transexualismo. São Paulo: Escuta, 1992. 132 páginas.


"Então, por que não a psicanálise? Um jovem transexual veio ver-me um dia, acreditando erroneamente que eu Ihe daria o endereço de um cirurgião capaz de praticar as operações de mudança de sexo. Insisti para que me dissesse porque desejava tanto ser operado. Respondeu-me que era porque tinha a impressão, tendo a aparência de uma mulher enquanto se sentia homem, de viver uma mentira. Objetei-lhe que, ao se operar, não faria senão trocar uma mentira por outra."


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