Renata Leite
04/11/2014
Luz neon, ambiente escuro e filmes pornográficos expostos
nas estantes. Esses eram alguns dos elementos mais característicos das sex
shops dos anos 1980 e 1990, mas que, hoje, estão cada vez mais distantes da
realidade do setor erótico e sensual brasileiro. Dão lugar a eles, paredes
brancas, comunicação visual clean e a preocupação em evitar que produtos mais
explícitos permaneçam à vista e assustem a clientela. A mudança faz parte dos
esforços dos empresários para levar casais e, especialmente, mulheres casadas
para dentro de lojas e ao e-commerce, pessoas que até bem pouco tempo atrás não
se enxergavam como clientes dessas empresas.
O público feminino já representa 70% dos compradores de sex
shops físicas e virtuais, cujas vendas cresceram 20% em 2002, 15% em 2006,
18,5% em 2011 e 8% em 2013. Neste último ano, o incremento no faturamento ficou
abaixo do que nos demais períodos, devido à ameaça de crise econômica, mas,
ainda assim, acima do resultado de outros setores da economia. Mesmo com o
longo período de crescimento contínuo, segundo pesquisa da fabricante de
preservativos e itens eróticos Durex, apenas 17% dos brasileiros já adquiriram
ou experimentaram um produto do setor, ante 22% das pessoas, quando se
considera todo o mundo.
A última estratégia das empresas que atuam neste mercado,
intensificada este ano, foi o investimento em ações de responsabilidade social.
“Em outubro, vestimos as sex shops da Avenida Paulista, em São Paulo, de rosa,
numa campanha pelo combate ao câncer de mama, e distribuímos dois mil
informativos sobre a prevenção à doença. Também entregamos géis massageadores
às mulheres, e o sorriso que vimos no rosto delas nos mostrou que já estão
compreendendo a função de nossos produtos”, comemora Paula Aguiar, presidente da
Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), em
entrevista ao Mundo do Marketing.
Retorno às raízes
Esse movimento de aproximação do público feminino representa
um retorno às origens, já que a primeira sex shop foi inaugurada na Alemanha
pós-Segunda Guerra Mundial, por uma mulher que enxergava na atividade uma
ferramenta de empoderamento das demais mulheres. A maioria delas não havia
recebido uma educação sexual voltada para o prazer e a saúde, lacuna percebida
por Beate Uhse, que havia sido privilegiada por uma educação não repressora
conduzida por pais médicos. Após começar vendendo tabelinhas porta a porta, a
ex-pilota de acrobacia aérea, então desempregada, ampliou seu portfólio e se
tornou conselheira das moradoras do entorno.
Quando o modelo foi importado para os Estados Unidos, no
início da década de 1970, entretanto, ganhou novos contornos. Os filmes
pornográficos foram colocados à venda dentro dessas lojas, modificando o
público que frequentava o ponto de venda. Os homens heterossexuais e,
especialmente, os homoafetivos passaram a ser o principal público. “Estamos na
terceira geração de empresários à frente do setor, que marca o retorno das
mulheres para a condução dos empreendimentos. Essa mudança deu uma guinada nos negócios,
que hoje buscam desconstruir os tabus e os preconceitos que estão entranhados
na cultura brasileira”, relata Paula, que atua no setor há quase 15 anos.
A empresária começou sua trajetória na internet e pode ser
considerada veterana, já que, entre os negócios online, 56% foram inaugurados
há menos de dois anos e 76%, há menos de três anos. Entre os empresários do
setor, 100% contam com lojas virtuais, 33% físicas e 29% atuam por meio de
catálogos, segundo levantamento da Abeme. Além das ações sociais realizadas ao
longo de 2014, a associação também aposta no público evangélico para
incrementar o faturamento. Até o fim deste mês, a instituição lançará um e-book
com instruções para a venda a essa parcela da população.
Venda para crentes
Entre os temas abordados nos capítulos estão “Deus e o
sexo”, “a bíblia e o sexo” e “como atender a esse público”. Alguns pastores já
apontam os produtos eróticos e sensuais como importantes ferramentas para a
manutenção de casamentos, mas ainda existem muitas fiéis que vendem os itens às
amigas de cultos de forma quase clandestina, temendo represálias da Igreja. Nas
lojas, no entanto, as crentes se mostram mais abertas a informações e ofertas
do que as católicas, que continuam mais envoltas em tabus.
Com a crescente demanda por informações sobre como vender
para pessoas religiosas, a associação reuniu empresários do setor, clientes
evangélicas e especialistas em educação sexual para desenvolverem o e-book. “O
intuito é quebrar tabus, mostrar que o produto erótico tem o poder de unir,
reconectar casais, inclusive aqueles que estão juntos dentro da fé. Os itens
são importantes aliados das famílias”, ressalta Paula.
Essa necessidade de educação estimula a venda direta como um
importante canal de compra de produtos do setor. A aquisição de itens costuma
vir acompanhada de aconselhamentos e explicações de uso. Nesse contexto, nasceu
a Sophie Boutique Sensual, há cerca de um ano e meio. A marca atua por meio do
sistema de festas, encontros e reuniões realizados pelas consultoras, num
modelo semelhante ao adotado inicialmente pela Tupperware. A ideia é que as
mulheres se encontrem dentro de seu círculo de amizade, num ambiente em que se
sentem seguras para conversar sobre suas intimidades.
Marca busca investidores para expandir
Atualmente, a empresa conta com 10 consultoras e busca
investidores para poder ganhar capilaridade. “Eu e minha sócia fizemos 60
reuniões no primeiro ano para validar esse modelo. Passaram por nós mais de mil
mulheres. Nosso objetivo não é apenas vender um produto, mas transformar a
consciência delas sobre a sexualidade humana. Por isso, sempre levamos um
conteúdo para ajudá-las a construir esse relacionamento com seu próprio corpo”,
diz Christiane Marcello, Fundadora da Sophie Boutique Sensual, em entrevista ao
Mundo do Marketing.
A marca busca se distanciar ao máximo do conceito de sex
shop, por este mercado ainda estar marginalizado, ancorado na pornografia, no
chulo e no vulgar. Para se afastar dos atributos negativos e pejorativos, a companhia
optou por se posicionar como boutique, assim como muitas empresas que atuam no
setor. As atividades não se resumem às reuniões. Hoje, a Sophie Boutique
Sensual conta com mais dois núcleos: um que vende serviços complementares, como
palestras e rodas de leitura, e outro com foco na fabricação de produtos, como
bijuterias para o corpo, acessórios, luvas e vendas.
O trabalho todo tem na educação um importante pilar. “Cerca
de 99% das mulheres que chegam às reuniões nunca estiveram numa sex shop. Elas costumam
manifestar o desejo de apimentar a relação. À medida que a mulher chega no
núcleo de aconselhamento, acaba trazendo seus maridos. Aos poucos, estamos
formando nossos primeiros grupos de homens”, conta Christiane, que ganhou
experiência durante os cerca de 15 anos em que atuou como Executiva de empresas
como Avon, Grupo Boticário e Jequiti.
Comunicação voltada para o romantismo
A maioria das novas companhias do setor já nasceu adotando a
comunicação voltada para o amor e para os casais. Essa voz coesa vem gerando
efeitos positivos na imagem do mercado perante a sociedade, embora a relação
com o vulgar ainda seja comum na mente de muitos consumidores. A comunicação
visual das lojas é muito importante para a mudança na concepção do público, e
essa é uma das apostas da Doce Sensualidade. A boutique foca no romantismo e no
amor em todas as peças no ponto de venda e no site.
A própria distribuição dos produtos na loja apresenta os
clientes aos produtos de forma amena. A proposta é conquistar a confiança do
consumidor pouco a pouco, até partir para entender as reais necessidades dele.
A ideia é trabalhar como num relacionamento, começando pela sedução. A pessoa
chega no ambiente claro, intimista, onde não há vibradores e próteses expostas.
Os produtos são apresentados pouco a pouco, para que o cliente vá se despindo
de inibições e preconceitos.
O mesmo conceito está sendo aplicado ao e-commerce que será
lançado nos próximos dias. “O tabu é um dos fatores que mais distanciam o
público-alvo de uma loja, e isso impõe alguns cuidados. Quando abri o ponto de
venda, desenvolvi embalagens lindas e sacolas com o logotipo da empresa, mas os
clientes não queriam usá-las, porque tinham vergonha. Hoje usamos bolsas
pretas, sem nenhuma referência. Somos conhecidos como o país das mulheres mais
sensuais, da bunda, do carnaval, mas quando montamos a empresa é que vimos
como, na verdade, somos retrógrados em relação a sexualidade”, analisa Thais
Plaza, Sócia da Doce Sensualidade, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Disponível em
http://www.mundodomarketing.com.br/reportagens/marca/32112/mercado-erotico-e-sensual-se-reinventa-e-deixa-licoes.html?utm_medium=e-mail&utm_source=mail2easy&utm_campaign=Newsletter+Dia.
Acesso em 04 nov 2014.