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sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Transexuais: políticas públicas para quem cara-pálida?


Artigo acadêmico de Glória W. de Oliveira Souza
Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana
outubro de 2015






quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Bisturi não é varinha de condão

Após encontro de alguns leitores do blog Cantinho-da-Glória, estes resolveram entrevistar a criadora e administradora do blog, Glória W. de Oliveira Souza. O objetivo era saber sobre a criação da ferramenta, que está hospedada pelo Google e conhecer, um pouco mais, como pensa a autora que resolveu abordar um tema pouco difundido na internet.


Cantinho-da-Glória – Qual é a sua formação?

Glória W. de Oliveira Souza – No meu sort bio costumo apontar que sou Comunicóloga. Educadora. Jornalista. Consultora Empresarial. Designer de Vitrina. Visual Merchandiser. Artista Plástica. Crítica de Arte. Pesquisadora. Possuo graduação em Educação Artística (1978); Artes Plásticas (1979) e Jornalismo (1984). Mestrado em Comunicação Social (1999). Doutorado (incompleto) em Design e Arquitetura. Sócia-diretora da Canalw Difusão do Conhecimento. Responsável pelos blogs gwConsultoria e Cantinho-da-Gloria. Docente universitária e membro de organização nacional e internacional na área de comunicação social.

CG – Por que você resolveu criar o blog sobre a temática da transexualidade?

GS – A partir do momento em que percebi que o assunto não estava sendo devidamente explorado, principalmente pelas mídias tradicionais e digitais. Havia muitas informações difundidas de forma inadequada. Em vez de ajudar a esclarecer, confundia ainda mais os leitores.

CG – Você poderia dar um exemplo?

GS – Um assunto que ainda persiste, infelizmente, que é a confusão entre identidade de gênero e orientação sexual.

CG – Qual é a diferença?

GS – De maneira bem simplória, para melhor compreensão, diria que identidade de gênero é como a pessoa se identifica em relação do gênero, independente de sua constituição biológica. Admito a existência de três tipos de identidade de gênero (externalizável): feminina, masculina e androgênica. Já orientação sexual, que indica por quais gêneros ela sente-se atraída, seja física, romântica ou emocionalmente, e é internalizável. Pode ser assexual, bissexual, homossexual e heterossexual. Ao aprofundar no tema, produzi uma Grade Diagnóstica da Sexualidade (GDS), onde também identifico a categoria da corporeidade (referente a anatomia biológica) onde aparecem as figuras de fêmeas, machos e intersexos.

CG – E existe diferença entre travesti e transexual?

GS – De maneira bem simples diria que a travestilidade, geralmente, é representada por pessoas designadas homens no nascimento, mas que procuram a construção do feminino, através de suas vestimentas e pode incluir, ou não, também procedimentos estéticos e cirúrgicos. É raro, mas também existem travestis em pessoas designadas mulheres ao nascer. Já a transexualidade  diz respeito ao indivíduo que sofre com a sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo biológico. Para tanto, faz uma transição para um gênero diferente ao do nascimento e, de formas diferentes, perseguem a cirurgia de transgenitalização, o que não ocorrem com as travestis. E, por isso, a população transexual conta com ações específicas promovidas por profissionais e gestores.

CG – Como assim?

GS – Os transexuais contam com o suporte do Conselho Federal de Medicina, que regulamentou a prática da cirurgia de transgenitalização. O Ministério da Saúde instituiu o processo transexualizador, que define regras para a mencionada cirurgia seja patrocinada pelo governo federal. E isso ocorre porque esses gestores compreendem a transexualidade como um fator de saúde, ou seja, precisa ser tratado para o bem estar da pessoa, conforme reza a Constituição e por ser admitida pela Organização Mundial de Saúde como doença. Eis um dos benefícios da patologização. É vista, pelos envolvidos, como tratamento preventivo (medicina preventiva) e não curativo (medicina curativa).

CG – E quanto transexuais existem no Brasil?

GS – Ninguém sabe ao certo. Há muitas especulações. Aliás, só especulações. Estimativa difundida mundo afora, e que são adotadas sem questionamentos, apontam números conflitantes, pois ninguém sabe como surgiram. São dados milagrosos e a ciência não trabalha com milagres. Então o que vemos são superlativos nos números, de acordo com o interesse de cada um. Estou concluindo um estudo que indicam existir no Brasil não mais do que cinco mil pessoas transexuais. Meu estudo abarca o período de 2000 a 2014.

CG – Como surgiu o blog? Já tinha alguma experiência no tema?

GS – Pesquisei muito rapidamente sobre a temática na rede e percebi que havia um vazio. Então decidi utilizar uma ferramenta de fácil acesso e que eu não interferisse no conteúdo com minhas observações pessoais. Seria tendenciosa. Escolhi então por difundir o assunto tão somente com as postagens que encontrava na internet fazendo republicação. A única mudança que me permiti foi fazer uma edição visual, adequando ao modelo sugerido pelo Google, mas sem alterar o conteúdo. O objetivo do blog é deixar que o leitor criasse sua própria opinião sobre a matéria postada, tanto é que as referências estão no fim de cada texto. Quanto a experiência, participei como autora com o capítulo “Um olhar de dentro: apontamentos iniciais acerca da transexualidade”, parte do livro “Minorias sexuais: direitos e preconceitos” (2012), organizado por Tereza Rodrigues Vieira. 

CG – E como foi a recepção ao blog?

GS – Não foi aquilo que eu desejava. O blog surgiu em setembro de 2011 e em setembro do ano passado, fiz um levantamento. Das quase 800 postagens, nesse período o acesso foi de um pouco mais de 26 mil no Brasil; quase 21 mil na Russia e 10 mil nos Estados Unidos. O acesso chegou mais via Facebook. A postagem mais vista não chegou a 500 acessos.

CG – Seria por causa da temática do blog?

GS – Não creio. O que se recomenda, nas redes digitais, é que se tente aproximar o máximo possível do público-alvo desejado. E a transexualidade é um nicho. Julgo que, apesar do assunto estar mais presente na mídia atualmente, o assunto não é tão atrativo e nem necessário para o dia-a-dia das pessoas.

CG – Não é necessário? Explica.

GS – Para as pessoas que não fazem parte deste universo, quer diretamente como os viventes; bem como os que têm relação indireta, como médicos, psicólogos, assistentes sociais e outras categorias profissionais, o assunto tem importância apenas enquanto informação. Mas nem mesmos os seres viventes do fenômeno se interessam em aprofundar o conhecimento sobre o tema. O foco deles têm sido outro.

CG – Quer dizer que os próprios transexuais não se interessam pelo assunto?

GS – Infelizmente sim. Para quê ler se as informações circulam mais rapidamente pela forma oral, redes sociais, encontros casuais. E o resultado disso (falta de interesse) é a disseminação de informações, muitas vezes, equivocadas, prevalecendo mais as versões do que os fatos. E não devemos nos esquecer de que a temática tem forte apelo emocional. Tanto é que é muito elevado o índice de automedicação, devido, principalmente de que sonhos e informações muitas vezes se conflitam. Então se acredita no primeiro milagreiro que promete corpo perfeito sem esforços e em pouco tempo. E aí o bicho pega...

CG – Explica melhor...

GS – Costumo dizer que tenho encontrado muitas pessoas que fazem parte desse universo e que se pautam pelos “três is”: ignorância informativa (que difere da comportamental); ingenuidade e inocência. Como é uma população muito carente, a necessidade de acreditar em sonhos é muito presente. Muitas delas procuram a cirurgia de transgenitalização por julgar que, após a feitura da mesma, a vida delas mudará radicalmente, quanto a aceitação da família, proposição de emprego, contração de matrimônio e dissipação todo e qualquer tipo de bullying social. Ledo engano. Tenho repetido para essas pessoas que bisturi não é varinha de condão.

CG – Como identificar quem é travesti ou transexual?

GS – Não é fácil e nem simples. No capítulo do livro que participei, digo que isso só será possível por intermédio dos microssinais e nanossinais, devido aos avançados estudos das neurociências, que vem abrindo caminho para melhor conhecer essa população. Swaab, em sua obra recente (2014), “We are our brains: a neurobiography of the brain, from the womb to Alzheimer’s”, aponta que a transexualidade ocorre no cérebro nos primeiros meses de gravidez, no útero. Portanto, a transexualidade é cerebral e não construção social, como muitos apregoam. Ninguém se torna transexual, nasce-se transexual.

CG – Quais são as carências desta população?

GS – De todo o tipo. As mais gritantes estão no campo familiar, escolar, social (incluindo aqui necessidade de renda), afetivo e, principalmente, na auto-compreensão do próprio fenômeno. A confusão que a sociedade faz na identificação e classificação do ser transexual também atingem aos próprios seres viventes. Tanto que é comum encontrarmos seres que desejam fazer mudanças corporais e buscar identificação com o gênero oposto ao biológico, mas fogem de terapias, que poderiam ajudar na compreensão da situação em que vivem. O comportamento pode demonstrar o medo da perda dos sonhos desejados e que talvez não seja tão verdadeiro.

CG – Por que isso ocorre?

GS – Primeiro vivemos numa “sociedade espermatozóica”, onde só têm valor quem é o primeiro ou o mais “saudável”. Este termo é usado como antônimo de doença. Transexualidade não é doença. Tanto é que, quando da descoberta e diagnóstico adequados, é fator de felicidade e não sofrimento. Mas faz parte do CID (Classificação Internacional de Doenças), instrumento da Organização Mundial da Saúde (OMS), no item F64-0. Também está no DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais), criado por psiquiatras norte-americanos e que é seguido como uma bíblia pelo resto do mundo. Tanto é que muitos dos profissionais que tratam do tema – inclusive no Brasil – usam o termo “transexualismo”, cujo sufixo, de origem grega, exprime a ideia de, dentre outros fenômenos, doença. É preciso, portanto, que todos que estejam envolvidos com esta população tenham um olhar mais atualizado. Isto não significa aceitar tudo e nem rejeitar tudo. É preciso mais aprofundamento.

CG – Como isso seria possível?

GS – Primeiro ver o fenômeno a partir da medicina holística, que é a abordagem de tratamento médico baseada na teoria de que os organismos vivos e o meio ambiente (não confundir com ecologia) funcionam juntos como um todo integrado, sob os aspectos físico, psicológico e social. A partir daí, somar-se ao que eu chamo de “duplo agá” (HH): humanismo holístico. O humanismo é uma filosofia moral que coloca os humanos como principais, numa escala de importância. Mas isso não ocorre na prática. Só vemos isso em discursos de quem detém o poder, qualquer que seja. Esse novo enfoque requer sensibilidade, desprendimento e estudo, assim seria possível ver “os olhos brilharem” dos transexuais quando abordarem suas próprias situações. Mas o que prevalece, hoje, são os medos e sonhos.

CG – Os profissionais envolvidos com essa população têm receio em buscar esse “novo olhar”?

GS – Eu trocaria a palavra ‘receio’ por desconhecimento. Adicionaria ainda o preconceito que vigora, infelizmente, em muitos desses profissionais que atuam junto a este público. O preconceito é velado, mas ele “grita silenciosamente”. André Oliveira, pesquisador sobre comportamento, diz que as pessoas, precisamente as urbanas, são conservadoras e liberais. São defensoras de valores superestabelecidos como a família, o casamento, a segurança e a carreira. Entretanto, por outro lado, querem testar coisas novas, e tem dificuldade em lidar com a homossexualidade, novas relações familiares e as drogas. Aliás, eu não gosto de utilizar o termo ‘preconceito’, prefiro definir este ato como “bullying dissimulado”, pois se trata de uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, mas de forma sutil, quase imperceptível.

CG – Você pode falar um pouco mais sobre esse desconhecimento?

GSEm conversas informais com vários profissionais e estudantes de várias áreas, percebi que o tema da transexualidade sequer é mencionado em uma única aula. Isso é preocupante quando ocorre, principalmente, em cursos como medicina e psicologia. Estou formatando uma pesquisa para ver se isso se confirma. O resultado disso é o que ouvi, certa vez, de uma profissional de psicologia ao me dizer: ”se uma pessoa chega para mim e diz que é transexual, quem sou eu para dizer que não é”. Ela se esquece de que dentro desta população há pessoas com transtornos diversos – corrigíveis – projeções, traumas e outras manifestações que podem ser passageiras e não configurar, necessariamente, caso de transexualidade. Não se trata de rejeitar o sujeito auto-declarante, mas de permitir um diagnóstico minimamente técnico-científico.

CG – Mas esse conhecimento não passa por uma educação melhor?

GSMas educado todo mundo o é e o tempo todo. É que há certa confusão entre educação e escolarização. O pai que bate na mãe está educando o filho. Os que furam a fila de um banco estão educando os demais para a mesma prática ou coisa pior. A mãe que trai o marido ou esconde uma fruta na sacola dentro de um supermercado está educando os filhos sobre as mesmas práticas. Portanto, tudo é educável. O que se deve é melhorar as formas e formatos da escolarização (em todos os níveis) para torná-la atraente e dentro das necessidades dos aprendizes. Hoje a escolarização (do maternal a pós-graduação) é um martírio. Só há adesão devido a obrigação e imposição.

CG – Muitos transexuais, inclusive, abandonam os estudos devido ao preconceito, não?

GSPode ter sido. Hoje isso já não é mais desculpa. Qualquer pessoa pode continuar – ou iniciar – a escolarização de dentro de casa, em qualquer momento e qualquer nível escolar. Certa vez encontrei uma pessoa transexual que passava mais de cinco horas diárias na frente do Facebook e tinha abandonado os estudos devido ao que você disse. Então sugeri que ela reservasse meia hora por dia para qualquer tipo de curso. Resultado: ela deixou de conversar comigo, ficou com raiva. Então tenho minhas dúvidas quando identifico esses comportamentos vitimizados, tentando me fazer crer que todo o mal contra ela vem da sociedade.

CG – Acredita que uma campanha sobre isso não ajudaria, como fazem contra o preconceito?

GSDa maneira como é feita hoje, não, não acredito que ajuda a mudar nada. Só reforça o que existe. As campanhas, qualquer que seja o tema, precisam mudar de estratégia e técnica. Deixar de ser racionais na linguagem (quer textual, quer icônica) e partir para apelos emocionais. É isso que fazem a propaganda e publicidade de produtos. E dentro do foco pretendido. Se a necessidade é tratar sobre trabalho, não há porque o foco ser na sexualidade. O que é preciso é demonstrar a qualificação da população objeto da campanha. Costumo brincar que, para uma vaga de recepcionista, por exemplo, o que menos importa são as identificações sexuais (gênero ou orientação), mas sua qualificação para atender e receber. Ninguém irá pedir para levantar a saia ou abaixar as calças para decidir se aceitará ou não ser atendido por aquela pessoa. Aliás, termino o capítulo no livro que já mencionei que não há transexualidade abaixo da linha do umbigo. E sabe por quê? Porque está no cérebro.

CG – Qual é a sua análise sobre as políticas públicas para travestis e transexuais?

GSNão acredito que existam. O termo está sendo muito utilizado. Virou um mantra, principalmente por parte de gestores. Podemos entender a nomenclatura como uma espécie de planejamento por parte de um ente público. Mas como pode se planejar se não tem elementos concretos que possa alimentar esse plano? Um documento público da Prefeitura de São Paulo deixou isso em evidência. É uma pena. Planejamento sem elementos que alimentam os preceitos do plano, não é planejamento, é especulação. Não é de se espantar que os resultados sejam frustrantes. Para ambas as partes. Grosso modo, conforme Graças Rua, política pública envolve decisão sobre diversas ações estratégicas (planejamento racional – policy) e os atores receptores (público-alvo – politics). E a pergunta que fica é: como praticar políticas públicas sem conhecer o perfil e as necessidades do público-alvo? E por falar em público-alvo, a sua pergunta abarca duas populações distintas. Portanto, cada uma requer uma política própria.


CG – Pode dar detalhes?


GS – Sim, duas populações: a de travestis e a de transexuais. Cada uma requer um planejamento, diagnóstico e prognóstico próprios. São fenômenos diferentes, apesar das semelhanças. Um exemplo vivo foi a criação do Ambulatório para Travestis e Transexuais (ASITT) pelo governo do Estado de São Paulo junto ao CRT. Uma boa ideia mal aplicada. Em entrevista informal não gravada, um dos diretores me disse que o serviço foi parar lá no CRT porque foi rejeitado em outras oito unidades médicas do Estado. Teria dito o secretário da saúde da época (2009): “vocês já estão acostumados a lidar com uma população estigmatizada”. Com essa visão, o serviço foi implantado no local. Só que os profissionais daquela unidade têm suas expertises na área curativa (transexualidade requer atendimento preventivo) e são especialistas no atendimento aos portadores de HIV há mais de 30 anos. E agora? Resultado: visão distorcida do fenômeno (o protocolo de atendimento deixa isso evidente – portaria 1/2010); briga de poder entre os profissionais (“para mim, este ambulatório, em sua concepção, surge de fontes que, entre si, são antagônicas. Ele é o resultado do encontro de águas conflituosas”. As palavras estão em Guimarães A., Bagoas, n. 10, 2013), e inúmeros conflitos entre os usuários do ASITT e portadores de HIV, sem falar em uma crise sem precedentes, envolvendo pacientes e profissionais, ocorrida ano passado dentro do ASITT. Repito: uma boa ideia mal utilizada, devido a disputa de egos, briga por poder, interferência ideológica e escassez de mão-de-obra e material que compreendessem as premências desta população.

CG – Você disse que o Ministério da Saúde estabeleceu o processo transexualizador? O que é isso?

GS – Resumidamente é uma regulamentação feita pelo ministério a partir das resoluções do Conselho Federal de Medicina relativa ao atendimento, no nível do governo, sobre o tratamento ambulatorial e cirúrgico para a população transexual. A última regulamentação é de 2013 e trata do acompanhamento clínico (considerado de média complexidade), pré e pós-operatório (alta complexidade). O paciente precisa ter entre 21 e 75 anos e participar, por no mínimo, dois anos de acompanhamento antes da operação e um ano no pós-operatório. Esses atendimentos são feitos em unidades hospitalares nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Goiânia e em todos há equipe multiprofissional composto por médicos psiquiatra, endocrinologista, clínico, ginecologista obstetra, cirurgião plástico, urologista, além de psicólogo, assistente social e enfermeiro.

CG – Quais são os avanços em termos de legislação para esta população?

GS – Eu não tenho esses dados. Mas não creio que combates em relação ao bullying, criação de empregos, compreensão familiar, imposição de novos conhecimentos sejam efetivos por meio da legislação. O Brasil possui mais de 180 mil leis – o que dá uma média de 18 leis por dia – muito das quais obsoletas, inaplicáveis, irreais, inúteis e inconstitucionais. Uma sociedade não se muda por decreto, mas por reeducação social e disponibilidade de escolarização.

CG – Para finalizar...

GS – Agradecer a oportunidade da conversa e esperando que, a partir deste bate-papo, o blog possa contribuir mais para a difusão do conhecimento desta temática, que faz parte de todas as sociedades. 

terça-feira, 31 de março de 2015

Homossexualidade, transexualismo e a medicina tradicional chinesa: da filosofia chinesa às políticas públicas

Fábio L. Stern
Bagoas - n.º 05 - 2010 


Resumo: Apesar de as relações homossexuais terem sido comuns na China Antiga e o Huang Di Nei Jing, livro base da Medicina Chinesa, ter sido escrito nesse período, não há passagens nele que falem sobre isso. Também não há artigos sobre o status médico dos transexuais e homossexuais na Medicina Chinesa, mesmo com a criação de um órgão que estuda Medicina Chinesa e sexualidade pelo Ministério da Saúde da República Popular da China. Sendo assim, este artigo discute a posição da Filosofia Chinesa, a qual originou a Medicina Chinesa, e as políticas públicas sobre transexualismo e homossexualidade na República Popular da China que possam apontar para uma provável postura da Medicina Chinesa perante o tema. 









sábado, 9 de agosto de 2014

Algumas contribuições da filosofia e sociologia na compreensão do envelhecimento e velhice de travestis

Pedro Paulo Sammarco Antunes;
Elisabeth Frohlich Mercadante
Revista Portal de Divulgação, n.11, Jun. 2011 - 

Resumo: Este estudo trata do envelhecimento de travestis. Justifica-se, igualmente, pela relevância social do tema, chamando a atenção sobre o processo de envelhecimento para a comunidade científica, a sociedade em geral e o próprio grupo de travestis em particular. A existência da travesti é precária desde a adolescência. Elas já são consideradas anormais e, portanto sem lugar. Muitas saem ou são expulsas de casa, por causa do intenso preconceito familiar e também da vizinhança. Assim, buscam habitar espaços onde serão aceitas. A maioria encontra na prostituição acolhimento afetivo, de moradia e funcionalidade mínima para sobreviver. Passam a vida em contextos violentos. Habitam o mundo de forma improvisada e frágil. Essa pesquisa detectou que é preciso haver políticas públicas que as amparem desde a infância. As travestis idosas são consideradas abjetas mesmo antes do seu processo de transformação. Atravessam a vida como abjetas. As que atingem a velhice são verdadeiras sobreviventes. Conhecer suas trajetórias de vida possibilita identificar quais são os pontos mais críticos onde não há qualquer tipo de amparo existencial.



segunda-feira, 21 de outubro de 2013

“Venci a minha homofobia e o meu racismo”, diz atriz transexual dos EUA

Ricardo Donisete
19/08/2013

Sophia Burset é uma transexual num mundo preconceituoso e desinformado sobre o assunto transexualidade. Tendo casado com uma mulher antes de assumir sua identidade feminina, ela tem um filho que não aceita bem a sua mudança de sexo. Para complicar ainda mais a situação, Sophia vai parar na cadeia por fraudar cartões de crédito, que foram usados para custear sua cirurgia de readequação sexual.

Resumidamente, essa é a história da personagem que a americana Laverne Cox interpreta na série “Orange Is The New Black”, recém-lançada pelo Netflix, um serviço de streaming de filmes e seriados. A atriz não tem filhos e, felizmente, também não tem problemas legais. Mesmo assim, a sua experiência pessoal ajudou o compor o papel, já que Laverne é uma transexual que já enfrentou muito preconceito.

“Eu me identifico com os sentimentos que fizeram Sophia se sentir culpada por ter consciência da sua condição. Ela sacrificou tudo, sua família e sua liberdade para ser verdadeira com ela mesma, para viver de uma maneira autêntica. Mas pagou um preço alto por isso”, admite Laverne, falando numa conferência por telefone com a reportagem do iGay , da qual participaram também outros veículos de imprensa de todo o continente americano.

Ainda apontando as semelhanças que a sua vida pessoal guarda com a personagem, Laverne lembra as dificuldades que Sophia passa na cadeia para tomar os hormônios que a auxiliam na mudança de sexo. “Infelizmente, em alguns momentos na minha vida também me foram negados cuidados de saúde para a minha transexualidade”, conta a atriz.

Embora tenha passado por dificuldades parecidas com as de sua personagem, Laverne tem uma visão esperançosa sobre o futuro das transexuais como ela, reconhecendo que a sua própria presença num programa de sucesso pode ajudar a diminuir o preconceito.

“Acho que demos um primeiro passo. Acredito que ser representado na TV é algo muito importante”, explica Laverne. “Hoje, a maioria dos americanos entende que os homossexuais têm o direito de casar... No meu pensamento, essas pessoas mudaram seus corações e mentes por causa desse tipo de representação. Então, é algo realmente poderoso. Mas as políticas públicas também têm que mudar”, pondera.

Dividindo o papel com o irmão gêmeo

Em flashbacks, “Orange Is The New Black” mostra o passado de Sophia, quando ela ainda era o bombeiro Marcus e não tinha feito a cirurgia de mudança de sexo. Laverne chegou a se oferecer para interpretar o personagem nesta fase, mas a ideia foi descartada quando uma diretora da série descobriu que ela tinha um irmão gêmeo, o músico M Lamar.

“Nós temos um vínculo muito forte e temos muito respeito um pelo outro, nos respeitamos como artistas e como pessoas. E fiquei grata por poder dividir com ele esse momento na série”, diz Laverne sobre trabalhar com M Lamar, acrescentando que os dois dividiram o papel, mas não chegaram a gravar juntos.

A diretora que teve a ideia de chamar M Lamar é nada mais nada menos do que a estrela Jodie Foster . A premiada atriz foi a responsável pela direção do episódio que mostra o passado de Sophia.

“Jodie foi incrível. Ela é uma grande diretora de atores, por razões óbvias. Ela é uma atriz brilhante, mas também muito generosa. Foi como ter um mestrado em atuação”, relata Laverne, se derramando em elogios para a diretora famosa.

"Gosto mais de mim agora"

Laverne começou sua carreira no meio artístico em 2008, participando do reality show “I Want to Work for Diddy” do canal VH1, que buscava uma assistente para o rapper P. Diddy. Ela não venceu a competição, mas ficou famosa nos Estados Unidos. Desde então, a transexual tem buscado se aperfeiçoar com artista e também como pessoa.

“Eu gosto mais de mim agora. Comecei a trabalhar com um terapeuta, o nome dele é Brad Calcutera, e ele é brilhante. Trabalhei muito as minhas questões internas, venci a minha homofobia internalizada, o meu racismo internalizado e também a vergonha”.

Depois da terapia, a atriz mudou até concepção sobre o próprio trabalho. “É um equívoco dizer que atuar é fingir ser outra pessoa. A realidade é que nós exploramos a nossa própria verdade para dar verdade aos nossos personagens”, conclui Laverne.
*Com reportagem de Renata Reif


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-08-19/venci-a-minha-homofobia-e-o-meu-racismo-diz-atriz-transexual-dos-eua.html. Acesso em 14 out 2013.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A reconfiguração da família e as novas formas de ser do lar

Ádima Domingues da Rosa

O trecho da famosa música Pais e Filhos, da banda de rock Legião Urbana, sintetiza, em uma ótica estética, muitas das transformações sociais pelas quais a instituição familiar contemporânea tem atravessado. "Eu moro na rua, não tenho ninguém, eu moro em qualquer lugar, já morei em tanta casa que nem me lembro mais, eu moro com meus pais". Essa mensagem demonstra com sutileza e claridade o sofrimento dos filhos que são muito afetados pela separação dos pais, fato que tem se tornado cada vez mais comum, conforme apontam os dados do IBGE .

No entanto, esse rearranjo da família atual não pode ser negado e deve, inclusive, ser celebrado como uma transformação positiva nos padrões e nas relações afetivas, rumo às vivências mais plurais e democráticas. A sua aceitação é fonte destacada de reflexão social e implica ainda a necessidade de se repensar a elaboração de políticas públicas.

Com as grandes transformações observadas nas últimas décadas no campo da sexualidade, da afetividade e das dinâmicas sociais, a família nuclear, heterossexual, não deve ser mais tida como o modelo único, ou mesmo o padrão referencial, mas apenas como mais uma forma de arranjo familiar. Afinal de contas, o número de mulheres e homens que coordenam sozinhos seus lares junto com os seus filhos é altíssimo. Além disso, cresce a percepção social de que é fundamental reconhecer o direito de casais homossexuais de constituírem uma família e terem filhos.

Neste quesito, as políticas públicas brasileiras são avançadas, pois refletem a família a partir de sua função, levando em consideração a solidariedade entre seus membros, o desencadeamento das relações entre eles e a importância no desenvolvimento que cada indivíduo exerce sobre o outro. Não há e não deve haver qualquer juízo de valor acerca de qual a orientação sexual "ideal" dos cônjuges. Ao contrário, deve existir apenas um reforço no papel da família como instituição central para a proteção social.

É fundamental reconhecer o direito de casais homossexuais de constituírem uma família e terem filhos

Essa visão de família não unilinear está substanciada tanto na realidade quanto em diversos documentos governamentais, principalmente aqueles voltados à assistência social, onde o apoio, a orientação e a manutenção da família constituem a prioridade. Mas não é aquela família "quadradinha", que muitas vezes imaginamos à luz de preconceitos e visões heteronormativas do mundo.

As políticas públicas atuais levam em consideração modelos diferenciados de famílias, partindo do pressuposto de que as mulheres ganharam não apenas a sua independência financeira, mas também a de seus destinos, passando a coordenar as suas famílias, sem receios de fracasso, porém muitas vezes enfrentando o preconceito da sociedade - situação comum também aos casais homossexuais.

Neste caso em particular, nos parece que, muitas vezes, as concepções das políticas públicas compreendem um nível avançado até de absorção de novos padrões comportamentais. Mas, no âmbito das dinâmicas cotidianas, as relações caminham a passos lentos e nem sempre percorrem o mesmo caminho das legislações. Em alguns casos, porém, a legislação parece bastante retrógrada, principalmente quando observamos a dificuldade de adoção de filhos por parte de casais homossexuais.

Quando isso ocorre, se transforma em notícia nacional, num acontecimento que "está para além desta sociedade", pois parece ofender os valores de setores conservadores da sociedade, sobretudo os religiosos. É utilizando esse tipo de exemplo que podemos perceber com mais clareza o quanto a sociedade como um todo é preconceituosa, o quanto idealizamos um tipo de família heterossexual, em que o pai exerce o papel de coordenador do lar. O enfrentamento a essa dominação masculina e heterossexual da instituição familiar serve de bandeira para diversos movimentos sociais, tais como o feminista e o GLBTT. Como bem podemos notar, a realidade social está mil anos à frente de alguns valores que ainda persistem.

O que insiste em permanecer é a sombra do preconceito que, no decorrer de nossa formação, enquadra o sexo feminino e masculino em caixinhas de titânio, vinculadas à identidade sexual heterossexual, que são quase impossíveis de serem quebradas. A formação das crianças ainda é dividida em meninos e meninas, a dominação de gênero ainda está impressa em cada brinquedo infantil, que irá, de certa forma, determinar as habilidades a serem desenvolvidas em cada um de nós. Assim, a divisão social do trabalho é naturalizada, como se homens já nascessem conhecendo matemática e a estrutura completa de um computador, enquanto as meninas nascem sabendo fazer uma deliciosa feijoada, aprendendo bem as técnicas de manejo com o fogão e com a lavadora de roupas.

É preciso, porém, compreender que a diversidade sexual, com sua pluralidade afetiva e de experiências, constitui, sobretudo, um positivo elemento de integração dos laços sociais e de vivência civilizada. A orientação sexual do indivíduo não influencia de forma negativa o seu caráter. Pelo contrário, só traz benefícios à sociedade, pois um indivíduo satisfeito no seu relacionamento afetivo-sexual será uma pessoa feliz e tranquila em todos os ambientes sociais, seja de trabalho, escola ou família. A comprovação do bem-estar social causado pela aceitação das diferentes orientações sexuais é a própria verificação do que ocorre quando ela não existe.

As pessoas podem se isolar, se destruir, ficar atormentadas. Outras podem até se suicidar por não aguentarem a pressão da sociedade, que neste caso tende a sufocar os indivíduos, fazendo que eles, muitas vezes, vivam se escondendo do grupo social. O isolamento é comum entre os indivíduos homossexuais que tentam evitar o preconceito. No entanto, os movimentos sociais já lutam de todas as formas para que os homossexuais não tenham de se isolar e possam viver sua afetividade e sexualidade como os heterossexuais, já que a ideia é sufocar o preconceito e não o indivíduo.

OBS. 1 - Ver Programa Brasil sem Homofobia, em: www.sedh.gov.br. OBS. 2 - Utiliza-se, no âmbito das políticas públicas e dos movimentos sociais, para se referir a diversos movimentos a sigla GLBTT (gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis).


Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/23/artigo133462-1.asp. Acesso em 10 set 2013.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Deputados querem barrar mudança de sexo pelo SUS

Revista Forum
02/02/2012

Se depender de membros do Legislativo, a iniciativa do Executivo sobre a cirurgia de mudança de sexo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não acontecerá. Miguel Martini (PHS-MG) protocolou na Mesa Diretora da Casa um projeto de decreto legislativo que interfere na identidade sexual de milhares de pessoas: a realização do chamado “processo transexualizador” – ou cirurgia de mudança de sexo – por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

O deputado quer suspender a Portaria 1.707, publicada em agosto deste ano pelo Ministério da Saúde, que prevê a inclusão desse tipo de cirurgia entre os procedimentos custeados pelo SUS. Caso seja aprovado pela Câmara e pelo Senado, o decreto pode frustrar a expectativa das 500 pessoas que, segundo o Coletivo Nacional de Transexuais, aguardam na fila da rede pública para trocar de sexo.

“Ora, se o SUS não tem condições de atender as mulheres durante o pré-natal, se não tem condições de fazer cirurgias, se não tem condições de atender pacientes oncológicos, como poderá fazer cirurgia para mudança de sexo, em detrimento daqueles que não têm condições de viver nem de sobreviver?”, questionou Martini, integrante da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.

Um dos principais representantes no Congresso do movimento Renovação Carismática, da Igreja Católica, Martini já articula o apoio da Frente Parlamentar Evangélica para derrubar a norma, o que deve deflagrar mais um embate entre religiosos e homossexuais no Parlamento, a exemplo do que já ocorre na discussão do projeto de lei que torna crime a discriminação por orientação sexual.

O presidente da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara, João Campos (PSDB-GO), condena veementemente a possibilidade de mudança de sexo por meio de procedimento bancado pelos SUS. “Isso é um absurdo. O SUS não está tendo dinheiro para financiar políticas públicas curativas, ou de combate a epidemias, vai ter dinheiro para atender a questões pontuais, individuais, de alguns cidadãos brasileiros?”, protestou Campos, para quem a coletividade será desrespeitada se esse tipo de cirurgia for realizado pelo SUS.

“Quantas pessoas estão esperando na fila para fazer cirurgia de câncer de mama, por exemplo, e não conseguem? Isso é dissenso, uma falta de juízo, uma excrescência”, completou o deputado, acrescentando que as “conveniências” de determinados cidadãos não pode ser bancada pelo Estado sem que esteja caracterizada a necessidade. “Quem quiser [fazer a cirurgia de troca de sexo] que pague de seu próprio bolso. Além disso, homossexualidade não é doença.”

João Campos afirma que, se todas as reivindicações dos grupos homossexuais e congêneres fossem atendidas, o país viverá “uma ditadura dos homossexuais”. “Se todas as demandas dos gays do país têm de ser consideradas legais, tudo o que for contrário a elas será visto como irregularidade”, declarou o tucano.

Já o presidente do grupo Estruturação (grupo LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros – de Brasília), Milton Santos, avalia que a objeção dos deputados revela mais uma preocupação religiosa e falta de conhecimento do que apreço pelo interesse público.

“Acho que alguns parlamentares se baseiam em fundamentos bíblicos, religiosos, para questionar direitos conquistados pelo grupo LGBT”, criticou Milton, dizendo que já enfrentou situações semelhantes envolvendo congressistas. “Em geral, o Congresso tem um olhar para a população não se baseando no que a Constituição rege. Alguns parlamentares não se preocupam em se informar a respeito de certos assuntos.”

Religião

Miguel Martini contesta que sua iniciativa seja baseada em questões religiosas. Segundo o deputado, motivos não faltam para barrar a realização de cirurgias de mudança de sexo pelo SUS.

“É um motivo lógico, de um claro bom senso, e diria que quase ético. Na medida em que o governo está buscando recursos para a saúde, com vários problemas no setor, uma coisa dessas é uma ofensa à população”, disse o líder do PHS, apelando à realidade social para reforçar sua argumentação. “Eu presido uma entidade oncológica. As pessoas com câncer não conseguem fazer as cirurgias previstas no SUS”, acrescentou.

Outra razão apontada por Martini é o custo da cirurgia de mudança de sexo (cerca de R$ 1,5 mil), além da suposta falta de premência do problema. “É uma coisa caríssima, um processo muito complexo. E quem é homossexual não tem risco de morte porque é homossexual”, alegou o deputado, dizendo ser até compreensível que países desenvolvidos, com eficiente estrutura de saúde pública, ofereçam o serviço aos cidadãos.

“Mas é inaceitável em um país com os problemas do Brasil. Isso [a operação] é um luxo, uma agressão à sociedade. Isso é um acinte contra o povo brasileiro, contra o cidadão que não tem dinheiro, não tem atendimento, está sofrendo dor, muitos estão morrendo nas filas do SUS”, arrematou o deputado, acrescentando que o procedimento contraria o artigo 129 do Código Penal Brasileiro – o Decreto Lei n.º 2.848, que define pena de detenção de três meses a um ano para quem “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.

Além disso, argumenta Martini, o segundo parágrafo do artigo 129 também estabelece que a pena é de “reclusão de dois a oito anos” se a lesão corporal é resultado, entre outras hipóteses, de “perda ou inutilização de membro, sentido ou função”.

Segundo a assessoria do ministério da Saúde, o argumento de Miguel Martini é questionável. “Não há motivo para que o Estado não assista pessoas que sofrem física e emocionalmente, quando o assunto é a necessidade em saúde”, argumenta o ministério. Além disso, segundo a assessoria, o próprio Conselho Federal de Medicina reconhece que a cirurgia de mudança de sexo não é mais vista como procedimento experimental, e sim como prática clínica.


Disponível em http://revistaforum.com.br/blog/2012/02/deputados_querem_barrar_mudanca_de_sexo_pelo_sus-2/. Acesso em 25 ago 2013.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Movimentos sociais e participação social no SUS: considerações sobre a população GLBTT

Tatiana Lionço
SérieAnis 50, Brasília, LetrasLivres, 1-9, agosto, 2007 - ISSN 1518-1324

Resumo: Novas mobilizações sociais demandam inovação nas estratégias de gestão das políticas de saúde, requerendo ampla participação de grupos específicos na enunciação de suas reais necessidades e anseios no campo da saúde. Para além do Controle Social no SUS, vem sendo propostas estratégias inovadoras de participação social na gestão, como é o caso do Comitê Técnico Saúde da População GLBTT do Ministério da Saúde. Cabe, no entanto, questionar potencialidades e entraves da participação social em espaços governamentais institucionalizados.




terça-feira, 28 de agosto de 2012

Situação do transexual está inserida no direito à saúde

Luis Felipe Galeazzi Franco
16 de julho de 2012

Na data de 28/06/2012 foi publicado no site da ConJur artigo intitulado “As decisões extravagantes referentes ao direito à saúde”, abordando o grande problema que os entes federados enfrentam hoje, relativo ao número elevado de demandas judiciais envolvendo casos cujos pedidos extrapolam os limites do direito à saúde. Como bem observado no referido artigo, percebe-se que as decisões judiciais no campo das ações em que se pleiteiam medicamentos e tratamentos médicos em face dos entes públicos muitas vezes ainda são tomadas desconsiderando as políticas públicas de saúde existentes e a realidade técnica (médico-farmacêutica). Por outro lado, discorda-se do exemplo colocado no referido artigo ao citar como exemplo de decisão extravagante as condenações para o custeio das cirurgias de transexualização. Questiona a autora se esse tipo de intervenção cirúrgica “estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição”.

De fato, em demandas relativas ao direito à saúde presencia-se o aspecto emocional que subjaz à discussão jurídica, consistente na percepção do juiz que um cidadão jurisdicionado possa a vir a falecer “em suas mãos” por falta de um medicamento, razão pela qual comumente se acolhe o pedido da parte autora, deferindo-se medicamentos e tratamentos médicos, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, sem a devida comprovação de sua segurança biológica, eficiência, eficácia, custo-efetividade e, não raro, sem registro na Anvisa e sem ao menos se verificar se existe alternativa terapêutica inserida na própria política pública já existente, trazendo como consequência, conforme frisado no referido artigo, “algumas decisões inadequadas, desnecessárias e desproporcionais aos entes federados, bem como discriminatórias em relação aos demais necessitados do mesmo Sistema Único de Saúde”. Citem-se como exemplo: a) a concessão de oxigenoterapia hiperbárica para tratamento de pé diabético, tecnologia a qual, se incorporada ao SUS, resultaria no impacto de R$ 11 bilhões, conforme dados da Conitec, ou seja, mais de 10% do orçamento do Ministério da Saúde; b) a concessão de órteses e próteses com discriminação de marca específica, o que dá azo a eventual conluio entre prescritores e indústria; c) o medicamento do eculizumabe (Soliris), cujos gastos do Ministério da Saúde com compras decorrentes de decisões judiciais foram de aproximadamente R$ 12 milhões (compreendido o período de 2009 a 2011, atendendo a 14 ações judiciais individuais) e que, segundo o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde — Decit-MS, não possui evidência científica suficiente para a incorporação no âmbito do SUS, além do fato de não possuir registro na Anvisa e tanto a agência sanitária canadense (Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health — CADTH), quanto a agência escocesa (Scottish Medicines Consortium — SMC) não recomendarem a incorporação do eculizumabe em seus sistemas públicos de saúde, ressaltando que o tema é objeto da SL 558 no Supremo Tribunal Federal, pendente de julgamento.

O Judiciário e os demais operadores do Direito não podem fechar os olhos para a existência de um constante desafio em se garantir a universalidade e integralidade do acesso à saúde diante de recursos públicos contingenciados, mesmo porque o campo da saúde, assim como demais setores da economia, tem sofrido inúmeras transformações decorrentes, principalmente, de novos conhecimentos e do desenvolvimento tecnológico. Assim, é prudente que os provedores de serviços de saúde busquem absorver de forma racional os avanços tecnológicos após avaliar cuidadosamente a efetividade das inovações, razão pela qual não pode prevalecer, no âmbito das ações judiciais, a lógica do “pediu-levou”, que mais beneficia os interesses das indústrias farmacêuticas que a saúde da população. Não é demais lembrar que o interesse econômico subjacente às tecnologias de saúde não pode ser desprezado. O mercado da saúde é dominado por multinacionais, dotadas de forte poder econômico e o Estado brasileiro é um mercado consumidor importante[i].

Frise-se que a diretriz do atendimento integral, estabelecida no texto constitucional (artigo 198, II), representa simultaneamente o caminho a ser trilhado e o objetivo a ser perseguido e alcançado à medida do financeiramente possível. Por outro lado não se trata de direito absoluto! Não há um direito à integralidade, no sentido de se abarcar todas as tecnologias em saúde disponíveis no mercado, até porque a tal diretriz, como estabelecida na Constituição, deve ter como prioridade as atividades preventivas. Nesse contexto, relevante salientar a inovação legislativa representada pela Lei 12.401/2011, que altera a Lei 8.080/1990, dispondo sobre a assistência terapêutica e sobre as condições e requisitos para a incorporação de tecnologias em saúde no sistema brasileiro de atenção à saúde. A edição deste diploma legal se deu, entre outros motivos, pela necessidade de se delinear de forma mais precisa o conceito de integralidade da assistência adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e objetiva beneficiar os usuários do SUS e fortalecer a atuação do Ministério da Saúde no que concerne a sua capacidade para orientar as atividades econômicas em prol das necessidades em saúde.

Portanto, tal diploma legal deve ser observado pelo Judiciário, no intuito de se evitar decisões judiciais que desconsideram por completo que, para que se concretize o acesso universal e igualitário à saúde (artigo 196 da Constituição Federal), compreende-se a imposição de que as ações e os serviços de saúde sejam dirigidos à população como um todo, sem discriminação ou privilégios de qualquer ordem. Nesse sentido a reflexão de Luís Roberto Barroso: “O Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com a sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.”[ii][1]

Não obstante a constatação das dificuldades existentes ao lidar com questões envolvendo assistência à saúde em processos judiciais, inegável o esforço do Judiciário na busca de maior eficiência na solução de tais demandas, pela instituição do Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e os respectivos Comitês Executivos Estaduais, que têm como objetivo a elaboração de estudos e a proposição de medidas e normas para o aperfeiçoamento de procedimentos e a prevenção de novos conflitos judiciais na área da saúde, sendo indispensável, para isso, a atuação conjunta do Poder Judiciário com o Ministério da Saúde, como órgão de direção nacional do SUS e com as Secretarias de Saúde em cada estado ou município.

No tocante ao questionamento sobre se a intervenção cirúrgica de redesignação sexual estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição, é de se tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, frise-se que a transexualidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno de identidade de gênero, sendo inclusive catalogada no código internacional de doenças, cujo CID é o 10-F64.0, sendo que o único tratamento para melhorar tal condição clínica é a troca de sexo social e genital, além de psicoterapia de apoio. O transexual busca a cirurgia de trangenitalização para adequar sua aparência física ao seu sexo psicológico, ou seja, o procedimento cirúrgico é a etapa mais importante do tratamento de transexualismo, necessitando de um diagnóstico preciso, multidisciplinar, por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social. Ademais, a transexualidade não está associada e é independente da orientação sexual, bem como não se confunde com hermafroditismo.

Por sua vez, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1.955 de 12 de agosto de 2010[iii]que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo, ao considerar o paciente transexual como portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou, até mesmo, autoextermínio, afirma em seu artigo 3º que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios de: a) desconforto com o sexo anatômico natural; b) desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; c) permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; d) ausência de outros transtornos mentais. Ademais, atualmente a possibilidade de realização da cirurgia de redesignação sexual em nosso país pelo transexual encontra-se ainda mais concreta, com a edição da Portaria 1.707 de 18 de agosto de 2008 do Ministério da Saúde[iv], que instituiu o processo transexualizador no âmbito do SUS[v], além do que a Resolução do CFM de 2010 traz novidade em relação à anterior no sentido de que os tratamentos de transgenitalismo podem ser realizados em qualquer estabelecimento de saúde devidamente habilitado.

Diante disso, percebe-se facilmente que a situação do transexual está inserida no campo do direito à saúde como um direito fundamental, haja vista ser a saúde, conforme o conceito da OMS[vi], um estado de completo bem-estar físico, mental e social, recordando-se ainda que para a realização da cirurgia de transgenitalização há a necessidade de um diagnóstico médico e de indicação terapêutica. A referida cirurgia é, portanto, uma prestação positiva de saúde que objetiva garantir não mais que o mínimo de bem estar ao transexual. Diante das considerações tecidas sobre a tutela jurídica do transexual, cabe apontar pertinente observação de Tereza Rodrigues Vieira, em trabalho sobre o tema: “O transexual não quer muito, quer apenas o mínimo essencial para uma sobrevivência digna, procurando o equilíbrio entre os direitos fundamentais e sociais. O direito à busca do equilíbrio corpo-mente do transexual, ou seja, à adequação do sexo e prenome, está ancorado no direito ao próprio corpo, no direito à saúde e, principalmente, no direito à identidade sexual, a qual integra um poderoso aspecto da identidade pessoal.”[vii][2]

Assim, é possível sustentar a possibilidade autorização de realização da cirurgia de transgenitalização pelo SUS, mesmo que requeridas em ações judiciais, desde que cumpridos os requisitos da Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.955/2010 e da Portaria n. 1.707/2008 do Ministério da Saúde, não só do ponto de vista biomédico, com propósito terapêutico, mas também como forma de concretização dos direitos fundamentais pelo Estado, principalmente dos direitos à saúde, à igualdade, a não discriminação e, primordialmente, como proteção à dignidade da pessoa humana ao livre desenvolvimento da personalidade e à identidade de gênero.
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[i] “As farmacêuticas gastam dezenas de bilhões de dólares para seduzir os médicos oferecendo viagens e convenções. E o pior, muitas vezes fazem isso fingindo que os estão educando. O resultado dessa convivência é que os médicos aprenderam um estilo de medicina que se baseia em remédios. E mais: que remédios recém-lançados, normalmente mais caros, são melhores do que os antigos, ainda que não haja qualquer evidência científica que sustente essa idéia. (...) Elas fazem experimentos clínicos, mas não o trabalho essencial, que é realizado pelos cientistas ligados às redes de saúde de vários países e pelas universidades. E isso acontece porque a indústria farmacêutica está mais preocupada com o marketing do que com a pesquisa e desenvolvimento. Em 2004, o conjunto das 9 principais farmacêuticas americanas teve lucros sobre vendas 3 vezes maiores que a média das outras 500 empresas mais rentáveis dos EUA. Elas gastam 15% do orçamento em pesquisa e desenvolvimento – isso é menos do que a metade do que gastam com administração e marketing.(Doutores sabem de nada, Entrevista com médica americana Marcia Angell, acadêmica sênior do Departamento de Medicina Social da Universidade Harvard, autora do livro The Truth About Drug Companies - “A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos - ex-editora de uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo Revista New England Journal of Medicine, publicada na Revista Super Interessante, in http://super.abril.com.br/saude/doutores-sabem-nada-446454.shtml).
[ii]
[ii] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Interesse Público, Belo Horizonte, ano IX, n. 46, p. 31-62. nov. 2007.p. 33.
[iii]
[iii] CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.955 de 12 de agosto de 2010. Publicada no D.O.U., de 3 de setembro de 2010, seção I, p. 109/110. Disponível em
[iv]
[iv] BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.707 de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Disponível em:
[v]
[v] Destaque-se ainda a edição da Portaria SAS/MS nº 457/2008 da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, que aprovou a Regulamentação do Processo Transexualizador no âmbito do SUS. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/prt0457_19_08_2008.html>
[vi]
[vi] Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. Disponível em:
[vii]
[vii] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008 p. 232.


Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-jul-16/luis-franco-situacao-transexual-campo-direito-saude>. Acesso em 27 ago 2012.