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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Vergonha do corpo pode estar deixando as mulheres doentes de verdade, sugere estudo

Rebecca Adams
The Huffington Post  
Publicado: 28/08/2015 17:04 
Estudos acadêmicos podem ser fascinantes... e muito confusos. Decidimos tirar todos os jargões científicos e explicá-los para você.
O cenário

Com toda a pressão para as mulheres parecerem esticadas, magras e eternamente jovensa autoobjetificação infelizmente é a regra nos dias de hoje. Os pesquisadores começam a acreditar que o autojulgamento não afeta só nosso estado mental – a vergonha do corpo pode nos deixar fisicamente doentes.

A ideia é que os padrões estritos de beleza – que contribuem para a vergonha do corpo – muitas vezes fazem as mulheres se sentirem mal a respeito de suas funções corporais (como menstruação e suor). Isso pode fazer as mulheres tentar esconder essas funções, o que por sua vez pode causar problemas de saúde.

Para investigar, a pesquisadora Jean Lamont, da Universidade Bucknell, realizou dois pequenos estudos.

A preparação

No primeiro estudo, Lamont pediu que 177 estudantes universitárias respondessem um questionário com frases como “Sinto vergonha quando tenho de usar tamanhos maiores de roupa”; “Tenho confiança de que meu corpo vai comunicar o que é bom para mim”; e “Sempre me sinto vulnerável a doenças”.
As participantes tinham de responder o quanto concordavam ou discordavam das afirmações. Lamont usou as respostas para medir a vergonha que cada participante tinha do próprio corpo, como elas respondiam ao corpo e como avaliavam sua própria saúde.
Depois, as mulheres relataram quantas infecções tiveram nos últimos cinco anos – como bronquite, pneumonia e candidíase – além de episódios de náusea, dor de cabeça e diarreia. Cada mulher também avaliou sua saúde numa escala de um a cinco.
Mas Lamont queria acompanhar os resultados num prazo mais longo, para garantir que eles não sofressem influência de depressão, cigarro ou índice de massa corporal (IMC).
Então ela fez uma versão longitudinal do estudo para controlar essas três variáveis. Nessa versão, ela pediu que 181 estudantes respondessem o mesmo questionário em dois pontos diferentes do semestre, uma vez em setembro e outra em dezembro (época em que há mais ocorrência de doenças infecciosas como gripe, bronquite etc., segundo o estudo).
Os resultados

Finalizados os dois estudos, Lamont descobriu que mulheres que tinham mais vergonha do corpo deram notas mais baixas para sua saúde e relataram mais infecções desde a adolescência. Os resultados se mantiveram no grupo controlado para depressão, cigarro e IMC.

Além disso, o segundo estudo mostrou que mulheres com mais vergonha do corpo tiveram mais infecções entre o primeiro e o segundo questionário. Isso sugere que a vergonha do corpo relatada pelas mulheres em setembro pode ter contribuído para infecções reportadas em dezembro.
Por que isso acontece? Lamont sugere a seguinte correlação: a vergonha do corpo indica má saúde, porque esse sentimento pode levar as mulheres a prestar menos atenção aos sinais do corpo e a avaliar incorretamente o estado de saúde.
A conclusão

O estudo levanta a questão: se tantas mulheres se sentem mal com seus corpos, qual é o real impacto disso na saúde? Isso é algo que ainda não se sabe – a escala do estudo foi muito pequena, e os resultados têm limitações, pois Lamont dependia dos sujeitos do estudo para obter os históricos de saúde (um problema conhecido nesse tipo de pesquisa).

Ainda assim, os estudos sugerem que estar de mal com o corpo pode potencialmente prejudicar a saúde física, além de oferecer insights sobre o porquê dessa relação.
De qualquer modo, que esse estudo seja mais um motivo para amar o próprio corpo. Sentir-se culpada por um pedaço de chocolate, ou se penitenciar porque você não é parecida com celebridades ou modelos photoshopadas pode ter consequências muito mais graves além do mau humor.

Disponível em http://www.brasilpost.com.br/2015/08/28/vergonha-do-corpo_n_8051040.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004. Acesso em 30 ago. 2015.

sábado, 14 de setembro de 2013

O silêncio na psicanálise

Alessandra Fernandes Carreira
10/09/2013

É tão vasto o silêncio da noite na montanha.
É tão despovoado.
Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo, 
pensar depressa para disfarçá-lo.
“Silêncio”, Clarice Lispector

A descoberta do inconsciente e a invenção da psicanálise, entre o final do século XIX e o início do século XX, deveu-se em grande parte a uma atitude fundamentalmente simples de seu fundador, Sigmund Freud: ele se dispôs a ouvir o que suas pacientes histéricas, até então silenciadas pela religião e pela ciência, tinham a dizer sobre seu próprio adoecimento.

Nessa escuta, a princípio, Freud lançou mão da hipnose, que serviu para retirar suas pacientes desse silenciamento, colocando-as a falar. Essa “limpeza da chaminé”, como foi nomeado esse trabalho por uma das pacientes de Josef Breuer, parceiro de Freud, recuperava cenas que, após serem recordadas no estado hipnótico, proporcionavam um notável alívio sintomático. Mas, por outro lado, esse método revelou-se inapropriado porque trazia dois efeitos indesejados ao tratamento: 1. existiam pacientes que não se conseguia hipnotizar e 2. os sintomas histéricos ou retornavam depois de um tempo, ou ganhavam novos formatos (Freud, 1909).

Tendo obtido, através da utilização da hipnose, a prova de que era preciso sair do silêncio para que o tratamento pudesse acontecer, Freud iniciou uma busca por um método de trabalho que permitisse ultrapassar essa barreira sem, no entanto, alterar o estado de consciência do paciente. Vemos que ele se deu conta da importância de o paciente poder ouvir o que dizia, enquanto dizia. Isso significava deixá-lo exposto à surpresa, ao enigma e, principalmente, ao silêncio.

Nessa busca, que podemos qualificar como ética, Freud criou, após alguns ensaios, o método da “associação livre”, utilizado até hoje. Trata-se de o paciente dizer tudo o que lhe vier ao pensamento, inclusive, e sobretudo, aquilo que ele julgar absurdo ou irrelevante. Vemos aí que Freud fez uma aposta: a de que o paciente sabe algo que sua consciência afirma desconhecer, pois há algo silenciado ou, em termos freudianos, recalcado. Com isso, ele também reconheceu uma insistência do recalcado em retornar, mas de forma disfarçada, distorcida.

Porém, a aplicação desse método fez Freud deparar-se, em seu trabalho clínico, com barreiras que ele chamou de resistências, ou seja, impedimentos para a associação livre, destacando-se dentre elas o silêncio do paciente. Esse silêncio aparece na sessão sob vários formatos: não ter nada a dizer, não poder dizer o que pensou ou experimentar uma espécie de “branco”, um esquecimento.

Essas lacunas, que emergem na associação livre, logo revelaram-se extremamente importantes no trabalho da análise, já que Freud reconheceu nelas um apontamento da proximidade do recalcado, isto é, daquilo que estava silenciado por ser, justamente, o cerne do sofrimento atual do paciente, sendo sua recordação direta, por isso, severamente evitada pelo aparelho psíquico (Freud, 1914).

Vemos que não só o silêncio, mas a própria possibilidade de silenciar durante uma sessão, tornou-se muito importante para o trabalho psicanalítico, na medida em que se fez índice daquilo que não consegue passar à palavra e que, por isso, traumatiza. É claro que o esforço de uma psicanálise vai na direção dessa passagem à palavra, mas esse trabalho não pode ser forçado. Ele precisa ser realizado pelo próprio paciente, que se autoriza, em seu tempo e em uma relação transferencial com seu psicanalista, a ultrapassar essa barreira de silêncio, dissolvendo através da ética do bem-dizer alguns sintomas que serviam, até então, para trazerem de forma mascarada o que estava silenciado.

Diferentemente da hipnose, que fornece um comando para que o paciente fale, Freud introduziu uma nova forma de trabalhar, na qual o paciente fica exposto ao próprio movimento do inconsciente, caracterizado por uma espécie de pulsação, que se alterna em abertura e fechamento (Lacan, 1964), bem como por apresentar caminhos próprios e tortuosos, exigindo um trabalho de escuta e interpretação. Esse é o meio para o analisante iniciar uma pesquisa que é fundamental para que uma psicanálise, de fato, aconteça.

Realizada essa demarcação do silêncio como mola propulsora do tratamento e índice do recalcado, que marcam a própria invenção da psicanálise, é preciso que agora abordemos uma espécie de duplo estatuto que o caracteriza. O próprio Freud já o vislumbrou, uma vez que, ao lado desse silêncio que pode e precisa passar à palavra na cadeia associativa, ele também encontrou um outro: aquilo que ele chamou de “rochedo da castração”, intransponível e que confere uma dimensão interminável à uma psicanálise (Freud, 1937). Dito de outro modo: trata-se de um impossível, que diz respeito ao vazio e que nunca passa à palavra.

É interessante notar que essa duplicidade é reconhecida também por Roland Barthes (1978), em referência à língua clássica, sendo que ele utiliza dois termos em latim para abordá-la. Um deles é sileo, que remete a uma ausência de movimento e de ruído, uma espécie de virgindade intemporal das coisas que existe antes de elas nascerem ou depois de elas desaparecerem. É aí que encontramos a origem de silentes, que pode ser traduzido para o português, em uma de suas acepções, como “mortos”. Já o outro termo utilizado por Barthes é taceo, que diz respeito a um calar-se enquanto deixar de falar, isto é, um silêncio verbal.

Jacques Lacan (1964-1965) também remete a duas formas do silêncio, utilizando esses mesmos termos em latim. Define taceo como a dimensão do silêncio que é aquela da palavra não-dita, enquanto sileo é, para ele, um silêncio fundante, estruturante, que aponta para uma ausência essencial da palavra, isto é, um buraco de significação, uma impossibilidade de simbolização (Lacan, 1967) que é, em última instância, a própria morte.

Para abordar as origens desse silêncio estruturante, Lacan (1964-1965) refere ao grito, expressão primitiva e indiferenciada da necessidade no recém-nascido que, por estar fora do sentido, convoca o outro a um ato interpretativo, que só pode se dar na linguagem. Tal ato tem por efeito a transmutação do próprio grito em demanda, ou seja, a mera descarga fisiológica, animada por um desconforto, é tomada como um pedido de um sujeito.

Freud já apontava que a primeira e mítica experiência de satisfação depende dessa ação do outro. Entretanto, acreditava que, por ela ser inédita, é também irrecuperável enquanto tal. Ela estabelece, com isso, tanto uma expectativa e procura por satisfação nos mesmos moldes da experiência inaugural, quanto uma impossibilidade de reencontro do objeto, ou seja, um vazio contínuo e constante para o sujeito, que nenhum objeto substituto pode preencher.

Isso mostra que, para além da demanda, que toma o lugar da necessidade através de um ato interpretativo do outro, surge também o desejo, pois há sempre uma insatisfação em toda e qualquer satisfação, há sempre falta. Dito de outro modo: o significante não dá conta do real, nem tudo passa à palavra, há sempre um resto. Em virtude dessa impossibilidade, podemos tomar o desejo, então, como oriundo do próprio silêncio que surge junto com o significante.

Assim, o grito não se perfila sobre um fundo de silêncio, pelo contrário: ele o faz surgir como silêncio (Lacan, 1964). Referindo ao quadro O grito (1893), de Eduard Munch, Lacan chama a nossa atenção para esse ser de aspecto estranho, que tapa as orelhas e escancara a boca em um grito que, literalmente, parece provocar e sustentar o silêncio. “O grito faz o abismo onde o silêncio se aloja.” (Lacan, 1964-1965, p. 217).

Esse abismo obriga o sujeito a uma retomada que Lacan chama de fantasia: uma construção significante que procura escamotear esse vazio ou, como nos diz Freud (1908), que procura concertar a realidade insatisfatória e realizar, sem realizar, o desejo. Assim, Lacan define a fantasia como algo que se interpõe à verdade, tal qual uma tela colocada no caixilho de uma janela. Isso é incrivelmente bem ilustrado em uma série de quadros de René Magritte, que trazem janelas justamente nessa condição de anteparo, especialmente um deles, intitulado A condição humana, de 1935. Para Lacan, “Seja qual for o encanto do que está pintado na tela, trata-se de não ver o que se vê pela janela.” (Lacan, 1962-1963, p. 85). E o que se vê pela janela? Nada.

Vale ressaltar que, embora inconfessável (Freud, 1908), por estar na lógica significante, a fantasia pode passar à palavra, isto é, ao saber. Mas, para isso, é preciso ultrapassar uma barreira: a da vergonha e da culpa. Essa travessia, embora realizada na cadeia associativa, conduz ao encontro derradeiro com o inominável, com a verdade que só pode ser meio-dita (Lacan, 1969-1970), o que estabelece a seguinte direção para uma psicanálise: é preciso atravessar taceo para atingir, embora não dizer, sileo.

Destarte, uma psicanálise trabalha nessas duas formas do silêncio, buscando trazer à palavra o que deixou de ser dito, por um lado, e cernindo aquilo que não pode ser dito, ou seja, apontando para essa impossibilidade estrutural e estruturante de sileo. Embora isso tenha uma dimensão trágica, tem também uma dimensão fecunda, à medida que libera o sujeito de uma esperança de completude que o mantém alienado ao desejo do Outro, desejo esse que se revela, afinal, sem nenhuma substância, mas sim como pura falta.

Referências bibliográficas
Barthes, R. O neutro. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Freud, S. (1908). "Escritores criativos e devaneio". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. IX, pp. 149-161.
Freud, S. (1909). "Cinco lições de psicanálise". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XI, pp. 13-57.
Freud, S. (1914). "Recordar, repetir e elaborar". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XII, pp. 193-206.
Freud, S. (1937)." Análise terminável e interminável". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XXIII, pp. 247-288.
Lacan, J. (1962-1963). O Seminário de Jacques Lacan, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Lacan, J. (1964). O seminário de Jacques Lacan, livro 11: Os Quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Lacan, J. (1964-1965). Problemas cruciais para a psicanálise. Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife. (publicação para circulação interna)
Lacan, J. (1966-1967). La logique du fantasme. Seminário inédito. (mimeo)
Lacan, J. (1969-1970). O seminário de Jacques Lacan, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Lispector, C. (1998). "Silêncio". In Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco.


Disponível em http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=91&id=1125. Acesso em 10 set 2013.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Crianças transgênero: mais do que um desafio teórico

Natacha Kennedy – University of London/Inglaterra
Cronos - Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da UFRN
v o l u m e 1 1 - n ú m e r o 2 - 2 0 1 0

Resumo: Este trabalho sugere que uma significante maioria de pessoas transgênero toma consciência de sua identidade de gênero em tenra idade. Assim, a maioria das crianças trans passa maior parte, ou todo período escolar, sentindo que têm uma identidade de gênero que é diferente daquela que têm que representar. Crianças transgênero são caracterizadas como “Não Aparentes” e “Aparentes”, com a vasta maioria tendendo à última categoria. Argumenta-se que o longo período de ocultação e supressão pode levar a problemas. Este projeto apresenta uma análise de evidências sugerindo que este é o caso, e considera que as implicações formam o ponto de vista do modo que as crianças entendem, racionalizam e atuam nestas situações e dão sentido às expectativas de transtorno de gênero. Os consequentes sentimentos de culpa e vergonha parecem representar problemas significativos a estas crianças quanto a seus fracassos na educação e em outras áreas de suas vidas.