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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Escola violou direito de transgênero usar banheiro das meninas, diz justiça

G1
31/01/2014

O Tribunal de Justiça do estado de Maine, nos Estados Unidos, decidiu que uma escola da cidade de Orono violou os direitos civis de Nicole Maines ao impedir um estudante transgênero de usar o banheiro feminino quando era criança. Nicole, atualmente com 16 anos, nasceu menino, batizado com o nome de Wyatt, mas se reconhece como menina. O caso começou em 2009, Nicole foi ao tribunal em junho do ano passado, e a decisão foi anunciada na noite desta quinta-feira (30).

"Esta é uma decisão importante que marca um grande avanço para os jovens transexuais", disse Jennifer Levi, diretora de uma ONG de advogados que defende os direitos dos transgêneros.

A decisão do tribunal estadual derrubou uma resolução de uma instância inferior que havia decidido que a escola primária agiu corretamente ao determinar que Nicole usasse um banheiro administrativo em vez do banheiro das meninas. Pela primeira vez, uma decisão determinou que o aluno transgênero deve usar o banheiro com o qual mais se identifica.

O tribunal estadual concluiu que a escola violou a Lei de Maine dos Direitos Humanos, de 2005, que proíbe a discriminação com base no sexo ou orientação sexual. A polêmica se arrastou porque uma lei estadual de 1920 também exige banheiros separados para meninos e meninas nas escolas. A advogada do distrito escolar alegava que enquanto a lei sobre os banheiros separados não mudasse, era direito da escola não violá-la.

Na decisão, o tribunal teve que conciliar as duas leis distintas, e o juiz deixou claro que a decisão teve como base uma ampla documentação sobre a identidade de gênero de Nicole. "Ficou claro que o bem-estar psicológico e emocional do estudante depende do seu direito em usar o banheiro correspondente à sua identidade de gênero", escreveu o juiz Warren Silver. "Mas esta decisão não serve para as escolas deixarem os estudantes escolherem qual banheiro prefere usar.

Irmão gêmeo

Nicole tem um irmão gêmeo idêntico, Jonas, mas desde os dois anos de idade se identificava como uma menina. Quando criança, enquanto o irmão colecionava carrinhos e se fantasiava de super-heroi, Nicole preferia se vestir de princesa e brincar de bonecas. Aos quatro anos, perguntou à mãe quando iria se tornar uma menina. Aos 11 anos, Nicole passou por um tratamento médico que inibe a ação dos hormônios da puberdade.

Na escola primária os problemas começaram. Nicole começou a usar o banheiro das meninas. Os funcionários da escola, inicialmente, deixaram. Mas depois que o avô de um menino da quinta série reclamou, Nicole foi proibida. A direção da escola então mandou Nicole usar um banheiro separado.

Depois do anúncio da decisão do juiz, os colegas da atual classe de Nicole, que está no ensino médio, levantaram e bateram palmas. Nicole compareceu ao tribunal em junho do ano passado, quando disse que não desejaria a sua experiência de ninguém. "Espero que os juízes tenham entendido que tudo o que um estudante quer é ir para a escola se divertir e fazer amigos, e não sofrer bullying dos alunos ou da administração do colégio."

O pai de Nicole, Wayne Maines, disse que tudo o que ele queria era para a sua filha para ser tratada como seus colegas de classe . Ele disse que estava emocionado quando soube da decisão. "Isso serve de mensagem para os meus filhos que você pode acreditar no sistema e que pode funcionar", disse.

Melissa Hewey, advogada do distrito escolar, disse que a decisão vai resolver uma questão não só para Orono, mas para escolas de todo o estado . "O tribunal já esclareceu o que tem sido uma questão difícil e é uma vez mais comum nas escolas, e o Departamento Escolar de Orono vai fazer o que precisa para que se cumpra a lei", afirmou.


Disponível em http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/01/escola-violou-direito-de-transgenero-usar-banheiro-das-meninas-diz-justica.html. Acesso em 31 jan 2014.

sábado, 18 de janeiro de 2014

A regulação da sexualidade e da identidade de gênero através do riso: as piadas nas escolas.

Rodolfo Luiz Costa de Godoi
Departamento de Sociologia
Bacharelado em Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia
Universidade de Brasília 

Resumo: A heteronormatividade é uma forma social, e estabelece a maneira correta de agir, pensar e ser. Parte-se de uma análise do preconceito contra lésbicas, gueis, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil, para poder entender a dimensão macrossocial da heteronormatividade e da cisnormatividade. Foram entrevistados doze jovens, quatro homens cisgêneros homossexuais, quatro mulheres cisgêneras homossexuais, três mulheres transexuais heterossexuais, e um homem transexual heterossexual, que relataram suas experiências sobre sexualidade e identidade de gênero na escola. O preconceito contra pessoas LGBTs funciona como uma ação social, que responde a uma estrutura heteronormativa e cisgênera, materializando-se através das piadas. Essa ação visa sancionar e regulamentar aquelas que fogem de suas regras, mas também a legitimar, reafirmar, positivar e vigiar aquelas e aqueles que encontram-se em consonância com o padrão heteronormativo e cisgênero. A piada, a gozação e o escárnio apresentam-se na escola como uma forma de dinamizar e tornar a heteronormatividade e o padrão cisgenero insidiosos, corriqueiros e latentes.



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

'Deveria ter me preparado mais', diz transexual constrangida no Enem

G1
06/01/2014

A estudante Ana Luiza Cunha de Silva, de 17 anos, acredita que não alcançou a pontuação necessária no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para entrar no curso de Arquitetura, primeira opção dela. Com a divulgação das notas, a candidata transexual que sofreu constrangimento ao apresentar o documento de identidade aos fiscais da prova afirma ter tirado notas boas, mas reconhece que deveria ter estudado mais para o curso desejado. “Eu me preparei, mas deveria ter me preparado mais para o Enem. Levei o terceiro ano mais como uma série. Estava mais preocupada em passar de ano. Eu já tinha noção de que seria mais difícil passar em arquitetura”, disse.

O Ministério da Educação divulgou o resultado da edição de 2013 do Enem na noite desta sexta-feira (3). Nesta segunda-feira (6), começam as inscrições dos estudantes nos cursos, que vão até as 23h59 do dia 10 de janeiro. Os candidatos poderão usar a nota do exame para concorrer a uma das 171.756 vagas da edição do primeiro semestre de 2014 do Sisu oferecidas pelas 115 instituições de ensino superior participantes.

Ana Luiza afirma que alcançou 664.14 pontos. Para tentar o curso de Arquitetura na Universidade Federal do Ceará, o que queria a transexual, ela conta que seriam necessários mais de 700 pontos. “Com essa pontuação, vou ver outros cursos que tenho vontade. Tenho em vista moda, design e, até mesmo, teatro. Ano que vem vou tentar de novo pra arquitetura, mas por enquanto quero  cursar algo e estudar. Não quero ficar parada”, afirma a estudante.

Segundo Ana Luiza, as notas mais baixas foram em Ciências da Natureza. “Esperava ter tirado mais na redação. Mas mudou a forma de corrigir também. Ficou mais rígido”, diz. Para a transexual, o constrangimento na identificação não atrapalhou o desempenho nas provas. “Acho que não tenha prejudicado. Talvez o nível da prova desse ano ter sido mais difícil em algumas matérias tenha sido o motivo”, conclui.

Retirada da sala

No primeiro dia de provas do Enem, Ana Luiza afirmou que já estava sentada na carteira, com seu cartão de respostas do Enem, quando foi retirada da sala em que estava, em Fortaleza, e teve que passar por duas salas até ser liberada para fazer as provas de ciências humanas e ciências da natureza. Segundo ela, todo o processo durou entre 15 e 30 minutos, mas ela não chegou a perder tempo de prova porque chegou ao local do exame antes mesmo da abertura dos portões.

Ana Luiza, que adotou seu nome social aos 14 anos, conta que primeiramente foi levada à sala de uma subcoordenadora do Enem no seu local de provas. "Ela foi verificar a identidade, e perguntou por que não mudei meus documentos", explicou.

A adolescente explicou que já procurou seu advogado para fazer o trâmite, mas que, segundo ele, no Brasil só é possível iniciar o processo de troca do nome civil após os 18 anos, que ela só vai completar em março de 2014.

Ela foi então encaminhada a outra fiscal do Enem, que, depois de conversar com ela, a fez preencher o formulário usado para identificar os candidatos que não estão com os documentos oficiais. "Ele me perguntou informações, o telefone fixo, o nome dos meus pais, e tive que assinar três vezes. A situação, segundo Ana Luiza, não se repetiu no segundo dia de provas.


Disponível em http://g1.globo.com/ceara/noticia/2014/01/deveria-ter-me-preparado-mais-diz-transexual-constrangida-no-enem.html. Acesso em 06 jan 2014.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Transexual constrangida no Enem diz que não obteve boa pontuação

Alex Araújo
05/01/2014

A transexual Beatriz Marques Trindade Campos, de 19 anos, uma das estudantes que fizeram a edição de 2013 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), diz que não obteve uma boa pontuação no teste. Ela consultou a nota depois que o Ministério da Educação divulgou o resultado na noite desta sexta-feira (3).

Antes do início do teste, a jovem teve dificuldades na hora de ser identificada para fazer as provas por ser transexual e afirma que sofreu constrangimento. Os fiscais ficaram surpresos por causa do nome masculino que consta na carteira de identidade. "Perguntaram se era eu mesma, coisas assim, mas no final deixaram entrar", contou, ao G1, em entrevista depois do primeiro dia do exame, em 26 de outubro. No segundo dia, como os fiscais eram os mesmos, não houve problemas na entrada.

Segundo Beatriz, o processo de identificação não foi o que a atrapalhou na prova, já que ela chegou ao local para fazer o Enem com bastante antecedência. “Eu não estudei para o Enem. Fiz as provas com os conhecimentos adquiridos no ensino médio”, falou Beatriz.

Beatriz disse ter alcançado 600 pontos, o que, na opinião dela, é uma pontuação baixa e não deve garantir a vaga em uma universidade de Belo Horizonte.

Ela já estuda direito em uma faculdade particular em Sete Lagoas, na Região Central de Minas Gerais, mas pretendia se transferir para uma instituição de ensino superior na capital mineira através do Prouni.


Disponível em http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2014/01/transexual-constrangida-no-enem-diz-que-nao-obteve-boa-pontuacao.html. Acesso em 06 jan 2014.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Transexual revela como projeto 'Damas' ajudou capacitar e enfrentar mercado de trabalho

Neto Lucon 
26 de agosto de 2013

A ocupação em algum cargo no mercado de trabalho é chamada popularmente de "lugar ao sol". Um espaço em que a produção, a eficiência, a satisfação e a recompensa conversam em prol da cidadania e da dignidade. Para quem é travesti ou transexual, a concorrência se alia ao preconceito e o estigma leva grande parte para a prostituição – um trabalho autônomo que merece todo o respeito e direitos, mas que não pode ser visto como sinônimo de “trans” ou a única opção do grupo.

Dentre as inúmeras profissionais que buscam se inserir no mercado formal está Claudia de Freitas, 42, que depois de trabalhar como atendente de telemarketing na mesma empresa por dois anos, foi dispensada devido a um corte geral do turno. Ela está desempregada há um ano e contados 14 dias e já passou por cinco dinâmicas de entrevistas, nenhuma bem sucedida porque, de acordo com Claudia, carrega o fardo de ser transexual. “Em algumas me cortam na hora do grupo e certamente não é por falta de experiência”, diz.

Quando tudo parecia perdido, as oportunidades não apareciam e a autoestima já não era das melhores, Claudia conheceu, por meio de algumas amigas, no dia 2 de julho de 2013 o projeto Damas, no Rio de Janeiro, que visa diminuir a evasão escolar sofrida por trans e prepará-las para o mercado formal de trabalho. O projeto é desenvolvido desde 2006 pela Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual juntamente com a Secretaria Municipal de Assistência Social, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Damas foi a luz no fim do túnel do preconceito.

Por dentro das aulas

Os encontros ocorrem todas as terças e quintas-feiras das 13h às 17, no centro do Rio, e abordam disciplinas e questões como Comportamento, Etiqueta, Saúde, Direito, Português, Inglês e Mercado de Trabalho. “A experiência das minhas colegas é de total dedicação, de esforço e busca de oportunidade. Para mim, o mercado formal resgata a dignidade, a autoestima, mostra que somos capazes. Afinal, como sempre falo, não somos extras terrestres e tampouco nascemos de chocadeiras. E o Damas nos trata com muito respeito e consciência das nossas necessidades”.

No total, são seis meses de aulas e 20 alunas, que nos intervalos também dividem experiências e se unem para uma sociedade com menos transfobia. Em uma das aulas, uma aluna relatou que o pai não aceita a sua condição e que chegou a agredi-la no local onde se prostituía. Ela disse que várias colegas tentaram defendê-la no momento e informaram que o pai também se tratava de um cliente. A trans entrou na questão de processá-lo ou não e todas se emocionaram com a história.

“O projeto ajuda a nos conhecermos melhor, trocar experiências e, o melhor, fazer amizades”, diz Claudia, que destaca que as aulas de Comportamento e Postura com Thomas Dourado, aulas de Direito com a Dr. Claudia Turner e também com a professora de inglês Tatiana, são as suas preferidas. “A Tatiana, que é lusa, tem uma cabeça incrível”, salienta.

Outro fato muito positivo do Damas é que , além de capacitar travestis e transexuais, também abre um processo de vivência profissional durante seis meses. Essa experiência conta com o incentivo de cinco secretarias: a Secretaria Municipal de Educação, Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego, Saúde e a Coordenaria da Diversidade Sexual. Muitas, que se dedicam e almejam continuar, permanecem no cargo. Um exemplo eficaz e importantíssimo de inclusão.

Novas turmas em 2014

Claudia se prepara se formar em dezembro e conquistar alguma profissão que contemple áreas tais como recepcionista, auxiliar administrativa ou em turismo. “Quando era pequena e perguntavam o que eu queria ser, respondia artista, porque sempre gostei de me exibir [risos] e adorava a Roberta Close. Hoje, busco algo no meu perfil. Sou maquiadora, mas tenho experiência em outras áreas, falo e escrevo fluentemente dois idiomas... Quero muito trabalhar”, defende.

Uma nova turma com novas trans está prevista para janeiro de 2014 e as interessadas podem se inscrever por meio do telefone [21] 2976 9137 - lembrando que este é um projeto exemplar ocorre no Rio de Janeiro. “Aconselho a todas que queiram uma oportunidade no mercado, afinal todas nós temos o direito por um lugar ao sol”, defende a aluna, que vai contar nos próximos meses o futuro de sua vida profissional ao NLucon. Estamos acompanhando e, claro, na torcida!


Disponível em http://www.nlucon.com/2013/08/transexual-revela-que-projeto-damas.html?m=1. Acesso em 10 dez 2013.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Tratamento na escola afugenta transexuais, dizem especialistas

Portal Terra
05 de Dezembro de 2013

Pode ser o menino que prefere usar vestido ou a menina que usa um nome masculino, não importa: boa parte das escolas e dos professores ainda têm dificuldades em lidar com transexuais - condição de quem tem uma identidade de gênero diferente da designada no nascimento. Transexuais relatam que as escolas não aceitam o uso do seu nome social - diferente do que consta na carteira de identidade - e que muitas vezes são obrigados a usar banheiros que não são condizentes com o gênero que se identificam.

A vice-presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Keila Simpson, acredita que as escolas precisam compreender e incluir três populações – travestis, homens transexuais e mulheres transexuais. “Se essa lógica passasse para escola, já teríamos um bom caminho andado”, destaca. Keila diz que transexuais e travestis não têm a sua identidade respeitada quando chegam na escola e a consequência drástica é o abandono da sala de aula. “Se a trans está na escola e tem uma aparência feminina, deve ser orientada para usar ambientes femininos na escola”, afirma. Para Keila, ainda há a ideia de que travestis e transexuais não estão interessados em estudar. “Quando a escola se abre, se recicla e se renova, o público transexual e travesti vai à procura da educação formal”, destaca.

Durante o Ensino Médio, em uma escola pública de Sete Lagoas (MG), a transexual Beatriz Trindade conta que a sua relação com os colegas dentro da sala de aula era tranquila. “Eles até me ajudavam quando tinha algum problema com professor, que às vezes me chamava pelo meu nome civil”, diz. Ao solicitar o uso o nome social na escola, teve seu pedido negado. Ela relata ter passado por dificuldades com a secretaria da escola e com a direção. “Eles têm a tradição de fazer faixas de comemoração para quem é aprovado no vestibular e eu pedi para usarem meu nome social, porque aquilo não era um documento, era simplesmente uma faixa e isso desencadeou uma discussão”, conta. “Eles estavam me desrespeitando, foi terrível”, relembra.

O caso Enem

Atualmente cursando o segundo período de direito do Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm) Beatriz enfrentou dificuldades para a realização do Enem neste ano. “Eu não me senti ofendida, não me senti discriminada, senti constrangimento. A fiscal não sabia o que fazer”, afirma. Os fiscais da sala em que Beatriz estava desconfiaram da sua identidade, já que em seu documento continha uma foto na qual a jovem não se parece mais e também constava o nome de um menino.

A diretora auxiliar do Colégio Estadual Chico Mendes, de São José dos Pinhais (PR), e transexual, Laysa Machado, destaca que os objetivos dos transexuais ao fazer o Enem são os mesmos de qualquer outra pessoa. Ao sofrerem constrangimentos e discriminações ao longo da vida, a diretora auxiliar acredita que o único caminho que restará é o da prostituição. “Esse caminho agrega 90% das transexuais, principalmente as oriundas de famílias pobres”, destaca.


Disponível em http://noticias.terra.com.br/educacao/,6179ef60792c2410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html. Acesso em 05 dez 2013.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

As discussões sobre gênero e diversidade sexual em livros didáticos do ensino fundamental II

Marcos Lopes de Souza; Beatriz Rodrigues Lino dos Santos
IX Congreso Internacional sobre Investigación en Didáctica de las Ciencias
Girona, 9-12 de septiembre de 2013

Resumo: Este trabalho objetivou analisar as questões de gênero e diversidade sexual em livros didáticos de Ciências utilizados em escolas públicas de ensino fundamental (6° ao 9° ano) da cidade de Jequié-Bahia-Brasil. Foram avaliadas cinco coleções didáticas, cada uma com quatro volumes. Apenas uma coleção se dedicou à discussão conceitual dos papéis de gênero e a influência sociocultural na construção e desconstrução dos padrões de feminilidade e masculinidade. Ao analisar as imagens dos compêndios constatou-se a presença maior de homens em relação à de mulheres. Em geral, as imagens dos homens foram associadas à demonstração de força física e envolvendo movimento, já das mulheres relacionadas à fala, ao educar e à demonstração de carinho. Nenhum dos livros analisados apresentou outras expressões de desejo, prazer sexual ou sentimento que escapassem da heterossexualidade.



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Transexualidade e preconceito: as implicações do psicólogo

Mário de Oliveira Neto
Maressa de Freitas Vieira
2a. Jornada Científica e Tecnológica da FATEC de Botucatu.
21 a 25 de Outubro de 2013, Botucatu – São Paulo, Brasil

Resumo: A aceitação na família, na escola, a inserção no mercado de trabalho, os direitos garantidos por leis, o acolhimento, a igualdade, a dignidade e, acima de tudo, a liberdade (no seu mais amplo significado) são direitos garantidos de grande parte da sociedade, exceto a transexuais. Isto porque a sociedade atual, muitas vezes, exclui significativamente os transexuais, dificultando e impedindo o acesso do reconhecimento da identidade e dos direitos civis básicos desses indivíduos. Diariamente transexuais são alvos de preconceitos, exclusão, ameaças, agressões e violências das mais variadas formas, culminando não muito raro em homicídio. A esse conjunto de atitudes a pessoa transexual, denomina-se transfobia. (JESUS, 2011). Transexuais e travestis, a partir das avaliações sociais e biológicas, são vistos como fracassos ambulantes, incapacitados para desenvolverem seu potencial natural em função de seu comportamento socialmente inadequado. Assim, o individuo está exposto a violências, ridicularização, estigma e marginalização, fortalecendo assim o gênero binário, ou seja, masculino e feminino (GUIMARÃES et al, 2013).

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Universo infantil moldado

Diana Levcovitz; Adriana Maimone Aguillar

A o refletir sobre o corpo da criança, poderíamos levar em consideração inúmeros aspectos. Existe, atualmente, um número expressivo de pesquisas realizadas sobre a obesidade infantil, especialmente em crianças de classe média, associando o distúrbio a hábitos sedentários, tais como as práticas de jogar video-games, assistir televisão, navegar na Internet, à falta de atividades físicas nas escolas, como a expressão corporal, os esportes, a dança ou o teatro. Alia-se a isso a alimentação inadequada, mesmo em crianças das classes populares, ou a falta de um padrão alimentar. Outro aspecto seria a questão da violência corporal que inclui maus tratos por parte dos pais ou responsáveis, familiares, adultos e até adolescentes. Poderíamos falar da questão das brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros tempos, favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em questão das brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros tempos, favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em criança de rua, queremos fazer referência a meninos abandonados e não a crianças brincando nas ruas; são os valores que se invertem.

Para este ensaio nos restringiremos à pedagogização do corpo infantil

Ainda temos as questões de sexualidade, de gênero, de raça e de etnia. Como são vividos e pensados estes aspectos com relação ao corpo da criança?

Falar do corpo da criança implica, necessariamente, falar de vários corpos e, até mesmo, de várias infâncias. Ou, talvez, devamos especificar a que corpo e a que infância estamos nos referindo. Nos séculos XVI e XVII, tanto a noção de infância como a noção de corpo, eram totalmente diferentes daquela que possuímos atualmente. Algumas pessoas poderão se assustar ao ler as páginas do diário de Heroard, médico de Henrique IV, no qual anotava alguns fatos da vida do jovem Luís XIII. Philippe Ariès descreve algumas passagens deste diário no livro História Social da Criança e da Família, onde podemos perceber claramente as distinções de comportamento. São descritas situações nas quais brincadeiras sexuais eram realizadas sem a menor vergonha ou pudor: “Luís XIII tem um ano: ‘Muito alegre’, anota Heroard, ‘ele manda que todos lhe beijem o pênis.’ Ele tem certeza de que todos se divertem com isso. Todos se divertem também com sua brincadeira diante de duas visitas, o senhor de Bonnières e sua filha: ‘Ele riu muito para (o visitante), levantou- lhe a roupa e mostrou-lhe o pênis, mas, sobretudo à sua filha; então segurando o pênis e rindo com seu risinho, sacudiu o corpo todo.’As pessoas achavam tanta graça que a criança não se cansava de repetir um gesto que lhe valia tanto sucesso.” (ARIÈS, 1981, p.126)

Consideramos interessante ressaltar essas descrições apenas como ilustração para a compreensão da maneira como a concepção de corpo assim como a de infância se transforma no decorrer dos tempos.

Gênero e a teoria Queer
Queer é uma palavra inglesa e significa estranho, excêntrico. Mas também é a forma pejorativa de se referir a homens e mulheres que se interessam por pessoas do mesmo sexo. A filósofa norte-americana Judith Butler manteve o termo para que, por meio do deboche, pudesse reinvidicar para os estudos, e para a militância de uma forma geral, um caráter de contestação. O termo, dessa forma, passou a designar tudo (pessoa ou coisa) que assume posição contra qualquer tipo de normatização. A teoria queer nasceu de estudos feministas nos anos 90, sob influência do pensamento de Foucault, especialmente no diz respeito à forma como o poder se relaciona com a identidade. Basta lembrar que nas últimas décadas do século XX, as feministas foram as primeiras a questionar que uma identidade universal (no caso, a branca e masculina) devesse servir como fundamento único para o pensamento e para a ação política. Alardearam a necessidade de levar em conta a diferença, lembrando que raça, etnia, classe, gênero e sexualidade são categorias que interagem e produzem um amplo espectro de identidades que são mutáveis e resistentes a definições rígidas. Dessa maneira, ao compreenderem a noção de categorias transhistóricas, tais como: mulher, homem, homossexual, etc, muitos acadêmicos assumidamente feministas e gays desenvolveram trabalhos de teoria queer como uma nova forma de pensar as políticas de gênero e de sexualidade. Convém ser ressaltado que, enquanto a teoria produzida desde estudos gays ou lésbicos examina diferentes identidades, a teoria queer examina as diferenças para minar a própria noção de identidade.

“Correr, para nós, é como andar a cavalo, galopando, competindo com o vento. Não se sabe nada, não se pensa, não se lembra de nada, nada se vê, apenas sente-se a vida, uma vida plena.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p.29)

MICHEL FOUCAULT, em História da Sexualidade I, A Vontade de Saber, opõe dois conceitos ao estudar os discursos produzidos sobre o sexo. Um deles era a scientia sexualis ou, dito resumidamente, um conjunto de saberes sobre o sexo como discurso médico, cientificista, baseado na biologia evolucionista da reprodução. Outro conceito , a ars erotica, era um conjunto de saberes nascidos das práticas culturais, algumas milenares, da Grécia e da Roma clássicas, da Índia e da China, que buscavam saber sobre o sexo para ampliá-lo. No ocidente vingou o primeiro tipo de saber, tendo na confissão religiosa sua principal fonte de discursos. Posteriormente, a confissão religiosa daria lugar à Pedagogia e à Medicina. Quando o filósofo elabora o conceito de dispositivo da sexualidade, o faz levando em conta estratégias globais de dominação. Para este ensaio, entretanto, nos restringiremos a uma delas: a pedagogização do corpo da criança. Não foi simplesmente proibido falar de sexo, mas, por meio da Pedagogia, produziram-se formas exatas e corretas de se falar sobre o sexo, ou seja, uma legitimação dos discursos sobre o assunto, acompanhada de uma forma correta de se utilizar os corpos, mediante discursos específicos sobre o corpo.

A chamada “sociedade disciplinar” (termo cunhado por Michel Foucault que se refere a cada um em uma instituição cujo objetivo é o controle e a produção dos corpos), com seu modelo de repressão, impedia que se falasse do corpo. Atualmente, na “sociedade de controle” (descrita por Gilles Deleuze no livro Conversações, o qual a sociedade abole fronteiras, mas não o controle) , ainda que a repressão não tenha sucumbido de todo, vivemos experiências contrárias a ela. Nas palavras de Lins e de Gadelha (2002, pp.171-172) “(...) superexcitam-se os corpos (...) configurando um corpo ágil, animado, hiperacelerado. (...) Segundo Nietzsche, é sempre sobre a superfície dos corpos que incide qualquer ‘educação’.”

Quando falamos de infância e de corpo caímos certamente em questões acerca da educação, seja aquela oferecida pela escola, seja a oferecida pelos pais ou seus responsáveis.

Família e escola foram instituições responsáveis pelo ensino de cuidados individuais com o corpo

PARA COMPREENDERMOS aspectos relativos aos corpos das crianças devemos levar em conta a maneira como nele estão inscritos alguns imperativos históricos e culturais.

A partir disso, é possível afirmar que a criança, antes mesmo de nascer, já está inserida num complexo de sentidos que lhe é dado pelas instituições que a aguardam. Querendo ou não, ela carrega em seu corpo uma espécie de narrativa que seus antepassados e mesmo seus contemporâneos veiculam. E isso vale tanto para a criança que habita um grande centro urbano quanto para aquela que vive em uma pequena aldeia e pertence a um povo indígena. Entretanto, ela é um ser capaz de experienciar a vida de maneira intensa, diferente do adulto. A criança tem inventividade para transformar o que vê e o que descobre e, junto com seus pares, produz cultura. Efetuar esse entendimento demanda uma compreensão da história, da geografia e da cultura que atuam na direção da construção de um corpo que possui características próprias. Para isso, algumas perguntas se impõem: como é vista a sexualidade na infância? E quanto à questão de gênero, existe alguma diferença no trato dos meninos e com as meninas? As crianças negras, ou de diferentes etnias, como são tratadas?

“Lembro-me de uma surra que um colega levou. Foi o professor de caligrafia que o castigou. (...) Tive muito medo então. Parecia-me, que, assim que acabassem com ele chegaria a minha vez. E senti muita vergonha, pois o garoto foi castigado nu.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, 39)

Família e escola têm-se constituído historicamente como instituições de referência para se entender e informar o que vem a ser a criança. Podese dizer que foram as instituições responsáveis pelo engendramento da individualização, ensinando e exigindo ao longo do tempo, o cuidado sobre o corpo em seus mínimos detalhes. Foucault, em entrevista à revista Quel Corps? em junho de 1975, afirmou que tal movimento de individualização propiciou a possibilidade de se perceber no corpo beleza, capacidade e habilidades. E isso só foi possível dentro de um processo de educação meticuloso e sistemático, levado adiante coletivamente. Fez-se necessário um investimento no corpo, uma produção de padrões de disciplina e de destreza, de higiene, de “boa” postura, e mesmo de etiqueta, de retórica e de apreciação do belo. Dessa maneira, as crianças, à semelhança de soldados, eram investidas de um modelo de corpo poderoso e saudável, adepto da ginástica, da nutrição balanceada, das horas de sono restauradoras etc. Paralelamente, refinaram-se os saberes e diversas disciplinas acreditaram poder explicar os funcionamentos e, os alcances e a formação de um corpo modelar. A Medicina, com a Fisiologia e a Psiquiatria, seria um exemplo disso. “(...) Mas, a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor. E, assim, o que tornava forte o poder passa a ser aquilo por que ele é atacado... O poder penetrou no corpo, encontra−se exposto no próprio corpo... (...)” (Foucault, revista Quel Corps?, junho de 1975)

Não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha sido banida de todo

NESSE SENTIDO, o corpo da criança, como o do adulto, passa a ser positivado. Ainda que, na casa ou na escola, seja muitas vezes desencorajado a se mover e a falar, esse mesmo corpo recebe paparicação, aprende a sociabilidade da negociação e inventa esconderijos para suas pequenas descompressões. Não se trata, enfim, de um corpo genérico, mas de um corpo produzido socialmente, culturalmente.

Nas relações entre os corpos das crianças e dos adultos estão presentes relações de poder. Melhor dizendo, em qualquer tipo de relação entre pessoas (criança-criança; adultoadulto e criança-adulto) o poder está presente. E isso ocorre em nome de uma disciplina, de uma docilização. Isso pode ser percebido facilmente no poder da mãe sobre a constituição do paladar na criança, ou nas horas de sono “criadas” para esta.

NA SOCIEDADE disciplinar característica do século XVIII, a cada um era destinado um lugar: a caserna, a fábrica, a escola, o manicômio, o prostíbulo. Dessa maneira, os corpos eram vigiados constantemente e as ações humanas executadas de acordo com ordens superiores. A escola surgiu, dessa maneira, como instituição disciplinar por excelência. Nos dias atuais, entretanto, não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha sido banida de todo. Exemplo disso são estudos que constataram que, por ser o momento do recreio o da movimentação livre, os professores o suprimem como forma de punição aos desobedientes. Ademais, ao analisarem mudanças ocorridas na escola, alguns autores chegam a afirmar que a indisciplina e a violência nesse espaço podem ser vistas como efeito de uma transformação na sociedade. O que se tem, na verdade, são resquícios da “sociedade disciplinar” sobrevivendo a outro tipo de sociedade, ou seja, a “sociedade de controle”. Nesta, os espaços de trabalho e de estudo, por exemplo, não aparecem tão bem definidos, e não existe mais uma vigilância constante sobre as pessoas. O controle é exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão branda que dificilmente é reconhecido como tal. Outros exemplos da “sociedade de controle” são os telefones celulares, a Internet, o GPS, a senha digital, as câmeras de segurança, enfim, facilidades que o homem contemporâneo raramente questiona como invasivas, por conta do proveito que delas tira. O controle, dessa maneira, parece perder sua origem institucional para se exercer no nível pessoal.

O controle é exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão branda que dificilmente é reconhecido como tal

Uma oportunidade que as crianças inventam para relaxar do controle disciplinar é inserir a sexualidade nas brincadeiras. Esse é um assunto que provoca incômodo em casa e na escola e torna-se visível nas ações “inocentes” impregnadas de excitabilidade e agressividade das crianças. Sendo elemento tão constante na vida de todos, a sexualidade manifesta- se na criança também como vontade de saber, de descobrir, de experimentar poder.

De uma maneira mais extensa, a sexualidade indica também a maneira como o indivíduo sente, percebe, e lida com a genitalidade. Esse conjunto de experiências carrega significados que são partilhados em diferentes culturas e em determinados momentos de suas histórias. Apenas para ilustrar, o que no Brasil contemporâneo é considerado incesto não o é, por exemplo, numa tribo da Polinésia francesa no século XVII. Ou mesmo a masturbação que, em tempos bíblicos, recebeu a conotação de imoralidade pelo fato de, nas práticas masculinas, a ejaculação resultar desperdício de esperma essencial para a reprodução.

“Vocês pensam, quem sabe, que nós também batemos um no outro. Mas nossas mãos são pequenas e temos pouca força. E mesmo quando estamos com uma bruta raiva nunca batemos para machucar. Vocês não sabem como são as nossas brigas.”(Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p. 106)

Ao afirmar que há diferentes formas de se viver a sexualidade e de se organizar afetivamente, Miskolci (2005) lembra que diversos tipos de arranjos familiares se constituem a todo tempo, no mundo todo. Basta lembrar que a família chamada de ”tradicional”, isto é, composta de pai, mãe e filhos, tem dividido a cena social com famílias em que só um adulto cuida da criança, com famílias cujo casal parental é homoerótico, e outras mais. Em tempos de reprodução assexuada, vale lembrar que a heterossexualidade, antes definição de padrão de normalidade em matéria de escolha ou orientação sexual, é apenas mais uma – embora majoritária – no universo de possibilidades de vivência afetiva e erótica. Em outras palavras, ser heterossexual não é sinônimo de ser normal, pois quem tem outra orientação sexual não é imoral, indecente ou anormal.

Autores defendem que novas questões de gênero devem considerar a inversão do pólo referencial

“DANÇA É COISA DE MENINA”; “Azul pros meninos, rosa pras meninas”; “Chorar é pra mariquinha”. Quando uma criança, espontaneamente, faz afirmações como essas chegamos a achar natural que ela separe o mundo em duas categorias e que, com base nelas, ordene seu saber e seu querer. Porém, não se falam coisas espontaneamente, mas a partir de idéias, crenças, costumes que nos acompanham desde o nascimento. E, no mundo da linguagem, dificilmente haverá algo natural. Sabe-se que a natureza não equipou os corpos com idéias, crenças e falas; elas foram sendo engendradas nas pessoas de muitas formas, desde as relações de troca até o simples ensinamento. Afirmações como essas e tantas outras que separam meninas e meninos foram produzidas muito antes que a criança sequer se posicionasse sobre elas.

ATITUDES DO ADULTO muitas vezes conduzem a criança a formar para si uma noção de gênero, de sexo e de identidade num sentido mais amplo. Isso pode ser percebido não apenas na casa ou na rua, mas, também, nos chamados equipamentos coletivos de educação. Alguns autores brasileiros, como Louro (2003) e Miskolci (2005), defendem que novas questões surgidas a partir dos estudos sobre gênero devem levar em conta o risco de se inverter o pólo referencial, substituindo o homem - branco, ocidental, heterossexual, de classe média - da cena hegemônica pela mulher perpetuando, assim, uma polarização que é típica do binarismo conceitual. No campo da pesquisa histórica, Goellner (2003) mostrou ser possível traçar o percurso das práticas de atenção ao corpo, com a saúde e a higiene representando o “cuidado de si”, tanto quanto as modificações sofridas ou realizadas ao longo dos séculos. Autores estrangeiros, especialmente Butler (2005) acrescenta a essas preocupações a teoria queer afirmando que, ao longo do tempo, foi construído também um discurso que legitimou as diferenças de gênero. O resultado disso, no longo prazo, foi a instituição do heterossexualismo compulsório. Em outras palavras, para que a função reprodutiva tida como natural fosse garantida, alinharam-se, obrigatoriamente, o sexo, o gênero e o desejo (veja texto O que é a teoria queer?).

“As crianças são rápidas porque sabem deslizar entre.” (Diálogos, Deleuze; Parnet, 1998, p. 42)

Etnia, do conceito à reflexão
O conceito de etnia, Munanga lhe atribui uma conotação política, dada sua característica dinâmica. Segundo ele, etnia descreve um conjunto de seres humanos que, em um determinado tempo, falam uma mesma língua, professam uma religião ou acreditam em um mesmo ancestral e partilham uma visão de mundo. Formam, assim, uma cultura que ocupa um determinado território. Talvez se possa acrescentar que o conceito também abarca culturas que estão em busca de um território, a exemplo de muitos povos indígenas do Brasil, dos judeus e palestinos na Faixa de Gaza, dos bascos na França e na Espanha. “Ao mesmo tempo em que nossa miscigenação e pluralidade étnica se transformam em magníficas metáforas e alegorias literárias, negros, índios e mestiços vivem a mais brutal discriminação em todos os lugares em que vivem, seja no campo ou nos centros urbanos. Estranho jogo esse em que os diferentes são, a um só tempo, objeto de exaltação e de exclusão.” (Gonçalves; Gonçalves e Silva, O Jogo das Diferenças, p.14). Até nos livros escolares, particularmente nos do ensino fundamental, o tema é revestido de um romantismo que coloca os índios em um passado idílico, aprisionando-os em um imaginário de beleza, ingenuidade e falta de futuro. Nas escolas, políticas de afirmação de etnias ou inexistem ou são apagadas. É urgente, insistem esses estudiosos, que se estude a conduta da sociedade em relação às diversas etnias, verificando que apoio recebem quando resistem ao processo de globalização que, em larga medida, se coloca como eurocêntrico e hegemônico.

Ao contrário do gênero, para muitos, a diferença entre raça e etnia não é tão explícita. Ao orientar a discussão sobre o tema, Munanga (2003) diz que, enquanto o conceito de raça se refere as características físicas - formatos de rosto, de nariz, tipos de cabelo, diferentes graus de concentração de melanina - o conceito de etnia procura localizar os grupos humanos desde uma perspectiva histórica, simbólica e psicológica.

Componentes educacionais devem ser projetados e executados levando em conta as diferentes identidades

A PESQUISA NACIONAL por Amostra Domiciliar (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1999, concluiu que a população brasileira negra era de 45,5%. Apesar de tal constatação, o que se vê, cotidianamente, é a negação da contribuição da raça negra para a formação cultural do País. Uma explicação para esse apagamento é dada pelo mito da democracia racial, segundo o qual a sociedade brasileira vive em harmonia, respeitando mutuamente os direitos das diferentes raças. Na realidade, existe um padrão sobre o qual se busca adequar a diferença racial, que por vezes abertamente, conduz o ideal de beleza, de cultura, de bom gosto, de verdade, ao modelo eurocêntrico, isto é, branco – preferencialmente do hemisfério norte – cristão e masculino.

“Os adultos ficam espantados quando nos vêem brigando; e, no entanto, somos solidários entre nós. Pois é, existem dois grandes times: os adultos e as crianças.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p. 212)

NO QUE DIZ RESPEITO à criança, desde uma perspectiva de coletivo, a escola é um espaço que deveria acolher e promover diferenças. Abramowicz e Silvério (2006) alertam que, para isso acontecer na prática, ela deve se orientar por uma equalização na qualidade do atendimento que oferece. Os serviços, as instalações e os equipamentos, o currículo, a formação de pessoal, e tantos outros componentes educacionais devem ser projetados e executados levando em conta as diferentes identidades. Não se trata de premiar um segmento da sociedade em detrimento de outro, mas privilegiar atitudes voltadas para a valorização das diferenças étnico-raciais (veja quadro Etnia, do conceito à reflexão).

A conclusão que chegamos é que cada criança traz uma singularidade, uma história, uma vida, experiências particulares. Traz também sentidos dados pela cultura e orientações passíveis de negociação no plano das relações cotidianas. Perceber cada singularidade, revelar as possíveis expressões de racismo e preconceito e trabalhar com essas questões presentes nos espaços coletivos, este é o desafio colocado ao adulto, na casa, na escola, na rua, na mídia. Cada uma destas instituições pode se atribuir a tarefa de buscar novas possibilidades de propiciar à criança ou a apoiar em relacionamentos com os outros, com o conhecimento, favorecendo assim a criação de si e do outro.



Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/17/artigo92056-1.asp. Acesso em 14 out 2013.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

PR: aluna transexual recorre ao Estado para usar nome feminino na escola

Rafael Moro Martins
12/09/2013

Em Curitiba, uma estudante transexual de 15 anos recorreu à Seed (Secretaria da Educação do Paraná) para poder ser tratada pelo nome social na escola particular em que estuda. Apesar de seu registro civil trazer um nome masculino, a aluna quer ser chamada pelo nome social feminino. A secretaria formou uma comissão para estudar o caso.

Combate à homofobia

A história de V. chegou à Seed pelas mãos da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). No relato ao órgão público, a estudante afirma que tenta junto com os pais convencer a escola a usar seu nome social há cerca de três meses. "Não nos documentos ou provas ou diploma, somente informalmente, e, se possível, fazer um acordo com os professores de me chamarem de V. na chamada, mesmo que no papel conste meu nome civil".

Apesar disso, prossegue o relato, a escola "não permite e diz que não é possível, pois pode ser acusada de estar me 'incentivando'". Segundo a estudante, o uso do nome masculino a faz sentir vulnerável a reações preconceituosas. "Me sinto vulnerável, já que eles me chamam
pelo meu antigo nome na frente de desconhecidos, causando desconforto. Possivelmente fico vulnerável a sofrer transfobia, já que poucos sabem de minha condição sem eu contar".

"Tivemos uma reunião com o fórum estadual de Educação nessa quarta (11). Formou-se uma comissão a qual serão convidados Ministério Público, Sinepe (Sindicato das Escolas Particulares do Paraná) e sindicatos de professores para debater o caso e criar uma norma clara no Conselho Estadual da Educação para adolescentes", informou Toni Reis, secretário de Educação da ABGLT.

Procurada pela reportagem, a Seed confirmou, via assessoria, que criou a comissão, mas que não poderia interferir no caso por se tratar de escola particular.

"Quando há concordância dos pais, como no caso de V., o nome social deve ser utilizado. Temos um governador que se chama Carlos Alberto (Richa, PSDB), mas todos os chamam de Beto (Richa). É no trato social que deve ser usado o nome", ele comparou.

"Boa vontade"

Nesta quinta (12), a secretária da escola onde estuda V., Suzana Puntel, disse ao UOL que iria encaminhar à Seed alguns documentos. "Eles é que definirão como devemos agir", disse.

"Não fizemos nada de errado. É preciso de uma papelada legal [que defina a adoção do nome social]. Nós aceitamos a opção dela, não vemos nenhum problema. Mas há uma questão legal, burocrática. Se ela está matriculada com o nome de batismo, como vai assinar uma prova com outro nome?", questionou Suzana.

"Queremos resolver o assunto da melhor forma possível", afirmou a secretária.

Em documento com data de 2009 enviado à reportagem pela Seed, lê-se que o Conselho Estadual de Educação aprovou "por unanimidade" parecer que tratou de caso semelhante, mas de aluno maior de 18 anos. "Somos favoráveis à inserção do nome social, além do nome civil, nos documentos internos do estabelecimento de ensino aos alunos travestis e transexuais maiores de 18 anos, que requeiram, por escrito, esta inserção".

Segundo Toni Reis, o único Estado brasileiro que tem regulamentação para o uso do nome social por estudantes menores de idade com aprovação dos pais, atualmente, é o Ceará.


Disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/09/12/pr-aluna-transexual-recorre-ao-estado-para-usar-nome-social-na-escola.htm. Acesso em 16 set 2013.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Crianças transgênero: mais do que um desafio teórico

Natacha Kennedy – University of London/Inglaterra
Cronos - Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da UFRN
v o l u m e 1 1 - n ú m e r o 2 - 2 0 1 0

Resumo: Este trabalho sugere que uma significante maioria de pessoas transgênero toma consciência de sua identidade de gênero em tenra idade. Assim, a maioria das crianças trans passa maior parte, ou todo período escolar, sentindo que têm uma identidade de gênero que é diferente daquela que têm que representar. Crianças transgênero são caracterizadas como “Não Aparentes” e “Aparentes”, com a vasta maioria tendendo à última categoria. Argumenta-se que o longo período de ocultação e supressão pode levar a problemas. Este projeto apresenta uma análise de evidências sugerindo que este é o caso, e considera que as implicações formam o ponto de vista do modo que as crianças entendem, racionalizam e atuam nestas situações e dão sentido às expectativas de transtorno de gênero. Os consequentes sentimentos de culpa e vergonha parecem representar problemas significativos a estas crianças quanto a seus fracassos na educação e em outras áreas de suas vidas.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Brincadeiras perversas

Cleo Fante
janeiro de 2008

A violência e seus impactos são temas freqüentes nos debates nacionais e internacionais, especialmente quando se desdobram em tragédias que envolvem estudantes e instituições escolares. É fato que tais acontecimentos trazem à luz questões até então negligenciadas no passado, como a violência entre os estudantes.

Os trotes universitários, muitas vezes humilhantes e violentos, por exemplo, ainda são pouco discutidos e só ganham visibilidade quando os meios de comunicação veiculam cenas de barbárie. A literatura mostra a existência desse costume em diversos países. No Brasil, datam da criação das instituições acadêmicas. Como herança de Coimbra, os trotes em algumas instituições brasileiras já fizeram – e continuam a fazer – inúmeras vítimas. O primeiro registro de morte – de um aluno da Faculdade de Direito – ocorreu em Recife, em 1831.

Ainda hoje, essas práticas são consideradas por muitos como ritos de passagem – e esperadas com certa ansiedade tanto por calouros quanto por seus parentes. Entretanto, aqueles que se dedicam ao estudo do tema concordam que se trata de um ritual de exclusão e não de integração. Deve ser considerado como um mecanismo de dominação fundamentado por discriminação, intolerância, violência e preconceitos de classe, etnia e gênero. O abuso de poder é sua marca principal.

Em razão de atitudes agressivas e abusos psicológicos, sob a alegação de que se trata de “brincadeiras”, muitos estudantes se convertem em “bodes expiatórios” do grupo, desde a sua entrada no ensino superior até a sua conclusão e, em alguns casos, essa situação se estende na vida profissional. Os que se negam a participar da “interação” são sumariamente coagidos, intimidados, perseguidos ou mesmo isolados do convívio e das atividades dos demais.

Em muitas situações, o trote, que seria um ato pontual, se prolonga numa série de ações repetitivas e deliberadas. Sobre as vítimas dessa perseguição recaem prejuízos, que podem afetar várias áreas de sua vida afetiva, acadêmica, familiar, social e profissional. Sentimentos de insegurança, inferioridade, incompreensão, revolta e desejos de vingança podem resultar em stress intenso, depressão, fobias e culminar em suicídio e assassinatos. Outros não resistem à pressão e abandonam a vida acadêmica, carregando consigo a dor e a frustração de ter pertencido a uma instituição que nada fez para romper com essa cultura.

Por outro lado, existem os que se resignam e aceitam submeter-se às diversas formas de opressão e tortura, ou se tornam cúmplices delas: respaldados na tradição dos trotes, justificarão seus atos de posterior dominação. Há ainda aqueles que apenas presenciam o que acontece aos colegas, mas, mais tarde, também se sentirão aptos a reproduzir a experiência.

Estamos, assim, diante de uma dinâmica repetitiva de abusos, já que aquele que foi vítima tende a ser algoz no futuro – seja no ambiente acadêmico, profissional, social ou na instituição familiar.

No ambiente profissional essas práticas ocorrem tantas vezes que chegam a ser vistas como “normais”. De acordo com a freqüência e a intensidade os atos podem se caracterizar como assédio moral. Há grande probabilidade de que suas conseqüências afetem a saúde mental de trabalhadores, comprometendo a auto-estima, a vida pessoal e o rendimento profissional, resultando em queda da produção, faltas freqüentes ao trabalho, licenciamentos para tratamento médico, abandono do emprego ou pedidos de demissão, alto grau de stress, depressão e, em casos extremos, suicídio.

No contexto familiar, a violência pode ser vista como “prática educativa” ou forma eficaz de controle, validada pela maioria que a presencia ou a vive, incluindo a própria vítima. Tanto no contexto profissional quanto na família há estreita ligação de dependência – afetiva, emocional ou financeira – entre os protagonistas. Isso faz com que as vítimas em geral se calem e carreguem consigo uma série de prejuízos psíquicos.

Pesquisas mostram que grande parte daqueles que sofreram abusos psicológicos na infância utilizará na vida adulta essas práticas na educação de seus filhos, acreditando ser esse o procedimento mais adequado. Outros se tornarão submissos, passivos, indefesos, acreditando ser merecedores dos maus-tratos. Muitos ainda reproduzirão a violência no espaço socializador imediato à família, ou seja, na escola.

Assassinato psíquico

É na análise das relações entre os adultos e na observação das interações de grupos de crianças na escola que se alarga nossa percepção sobre o círculo vicioso de abusos. O que antes se acreditava ocorrer apenas nas relações entre os adultos – descritas como padrões relacionais disfuncionais, abusive relationships – se verifica também entre as crianças com idade igual ou semelhante. Trata-se do bullying escolar: um conjunto de comportamentos marcados por atitudes abusivas, repetitivas e intencionais e pelo desequilíbrio de poder.

Bullying é um termo de difícil tradução na língua portuguesa, assim como a dor e o sofrimento daqueles que são vítimas desse fenômeno antigo, mas apenas recentemente identificado. Pode ser considerado um problema mundial que ocorre em todas as escolas, independentemente de serem públicas ou privadas, de sua localização ou dos turnos de funcionamento. Trata-se de uma forma quase invisível, que sorrateiramente vai diminuindo o outro, como se fosse uma espécie de “assassinato psíquico”. Suas conseqüências afetam todos os envolvidos, porém, os maiores prejudicados são mesmo as vítimas diretas, que suportam silenciosas o seu sofrimento.

Alguns motivos justificam o silêncio: o medo de represálias e de que os ataques se tornem ainda mais persistentes e cruéis; a falta de apoio e compreensão quando se queixam aos adultos; a vergonha de se exporem perante os colegas; o sentimento de incompetência e merecimento dos ataques; o temor das reações dos familiares, que muitas vezes incentivam o revide com violência ou culpabilizam as vítimas.

Apesar de os educadores saberem da existência dessa forma de violência, nenhuma ação efetiva foi adotada até os anos 70, por acreditarem ser “brincadeira própria da idade” ou do processo de amadurecimento do indivíduo. Infelizmente, muitos ainda têm esse olhar, o que colabora significativamente para sua disseminação.

O despertar para a gravidade desse comportamento teve início há cerca de duas décadas, primeiro na Suécia e anos depois na Noruega, onde a questão se tornou tema de estudos científicos. O pesquisador norueguês Dan Olweus, professor da Universidade de Bergen, reconhecido internacionalmente como pioneiro nas investigações sobre o fenômeno, observou os altos índices de suicídio entre os estudantes e constatou a relação com o bullying na escola.

Aos poucos, o tema despertou interesse em outros países, inclusive no Brasil. Nossos estudos sobre a temática são recentes, datam de 2000, motivo pelo qual muitos ainda desconhecem o tema, sua gravidade e abrangência. Apesar dos recentes estudos, pesquisas revelam que 45% dos estudantes brasileiros estão envolvidos diretamente no fenômeno.

Assim como no mundo dos adultos, os autores de bullying planejam meticulosamente seus ataques. Escolhem dentre seus pares uma “presa” que pareça vulnerável – aquela que não oferecerá resistência, não revidará, não denunciará e nem conseguirá fazer com que outros saiam em sua defesa.

Desferem seus golpes de modo a humilhar, constranger, difamar, menosprezar, excluir a vítima e intimidá-la de forma direta ou indireta. Para isso, se utilizam de várias estratégias, como apelidos pejorativos, comentários maldosos, calúnias, gozações, piadas jocosas relacionadas à sexualidade, insinuações, assédios, ameaças, danificação ou furto de pertences, empurrões, chutes, socos, pontapés, invasões e ataques virtuais, entre outras.

Esse tipo de comportamento preocupa pais e educadores de todo o mundo, especialmente por envolver crianças muito novas. O bullying pode ser identificado a partir dos 3 anos, quando a “intencionalidade desses atos já pode ser observada”.

As meninas agem de forma ainda mais velada e cruel. Enquanto os garotos escolhem aleatoriamente seus alvos, elas elegem as próprias amigas e “executam o plano” no horário do lanche ou de lazer. Infernizam a vida da colega e desferem contra ela diversas formas de maus-tratos. Uma das mais freqüentes e dolorosas é a exclusão social: ficam “de mal” ou fingem não reconhecer a vítima. Intimidam, constrangem, exigem que traga algo de casa para a escola de que muitas vezes não dispõem, visando ridicularizá-la ou isolá-la. Fofocam, inventam mentiras, ameaçam e contam seus segredos aos outros.

Riso e aplauso

Independentemente da idade dos envolvidos e do local onde ocorrem os assédios, parece haver entre aqueles que presenciam a situação certo grau de tolerância ou até mesmo de conivência. Em alguns casos, alegam que a vítima “merece” hostilidade por causa do seu comportamento provocativo ou passivo. Alguns chegam mesmo a rir e incentivar o que ocorre ao “bode expiatório” – uma atitude que fortalece a ação dos autores e sua popularidade. Outros temem ser o próximo alvo, preferindo, assim, fazer parte do grupo de agressores, o que garante a sua segurança na escola.

Com a conivência do grupo e a omissão dos adultos, os “valentões” tendem, cada vez mais, a abandonar sentimentos de generosidade, empatia, solidariedade, afetividade, tolerância e compaixão. Falhas na formação do caráter se tornam mais acentuadas e, infelizmente, muitos pais e educadores não percebem – ou fingem não perceber – o que se passa.

Com o tempo, as forças do indivíduo que sofre os abusos são minadas, seus sonhos desaparecem, aos poucos ele vai se fechando e se isolando. Esse talvez seja o pior momento na vida das vítimas: o abandono de si mesmo.

Muitos não superam as humilhações vividas durante os anos de escola e podem tornar-se adultos abusivos, depressivos ou compulsivos. Tendem a apresentar problemas na vida afetiva, por não confiar nos parceiros. Na vida laboral, podem desenvolver dificuldade de se expressar, principalmente em público, evitar assumir postos de liderança e apresentar déficit de concentração e insegurança, principalmente quando precisam resolver conflitos ou de tomar decisões. Ou seja, tornam-se presa fácil do assédio moral. Quanto à educação dos filhos, há grandes probabilidades de que se mostrem superprotetores, projetando sobre eles seus medos, desconfianças e inseguranças.

É importante, porém, lembrar que estamos nos referindo a um comportamento repetitivo, deliberado e destrutivo, diferentemente de um comportamento agressivo pontual, numa situação em que a criança, na disputa de um brinquedo ou de seu espaço, ataca o outro com mordidas e socos ou com xingamentos e ameaças. Não nos referimos aqui às divergências de pontos de vista, de idéias contrárias e preconceituosas que muitas vezes redundam em discussões, desentendimentos, brigas ou conflitos sociais ou às disputas profissionais, em que o colega é visto como empecilho para uma promoção, por exemplo. Também não aludimos a pais que, em sua ignorância, aplicam “corretivos” nos filhos quando estes os desafiam, desobedecem ou desapontam.

Referimos-nos a uma ação violenta gratuita e recorrente, baseada no desequilíbrio de poder. É a intencionalidade de fazer mal e a persistência dos atos que diferencia o bullying de outras formas de violência. É por meio da desestabilidade emocional das vítimas e no apoio do grupo que os autores ganham simpatia e popularidade. A busca por sucesso, fama e poder a qualquer preço, o apelo ao consumismo, à competitividade, ao individualismo, ao autoritarismo, à indiferença e ao desrespeito favorecem a proliferação do bullying. E seu potencial de destruição psíquica não cessa com o fim da escolaridade ou da adolescência: se desdobra em outros contextos, num movimento contínuo e circular.

O que se sabe é que esse movimento não pode mais ser ignorado. É necessário estudá-lo à luz das diversas ciências, para que possamos compreendê-lo melhor. É imprescindível a adoção de medidas emergenciais por parte de autoridades, instituições, empresas, famílias, enfim, da sociedade, uma vez que seus prejuízos afetam a todos os níveis e contextos sociais. Ignorar a situação é abrir espaços para muitos protótipos de tiranos, que estão hoje em pleno desenvolvimento. Afinal, no futuro, não serão estes que ingressarão nas universidades, que desempenharão cargos importantes em grandes empresas, que aplicarão leis e penas, que serão manchete em noticiários - sobre violência, que nos representarão no poder e serão responsáveis pela educação das crianças?

Conceitos-chave

Sentimentos de insegurança, inferioridade, incompreensão, revolta e desejos de vingança causados por essa situação podem resultar em stress intenso, depressão, fobias e culminar em suicídio e assassinatos. Muitos não resistem à pressão e abandonam a vida acadêmica, carregando consigo a dor e a frustração de ter pertencido a uma instituição que nada fez para romper com essa cultura. Outros se resignam e aceitam submeter-se à opressão e tortura, ou se tornam cúmplices delas: respaldados na tradição dos trotes, justificarão seus atos de posterior dominação.

É a intenção de fazer mal e a persistência dos atos que diferencia o bullying de outras formas de violência. Em razão de atitudes agressivas e abusos psicológicos, sob a alegação de que se trata de “brincadeiras”, muitos estudantes se convertem em “bodes expiatórios” do grupo, desde a sua entrada no ensino superior até a sua conclusão e, em alguns casos, essa situação se perpetua na vida adulta.

Humilhação e cabeças raspadas para “domesticar” novatos

Há muito tempo a violência entre estudantes tem sido um traço característico das relações escolares. Entretanto, seu foco era direcionado ora para a violência contra a escola e seus representantes (no caso das rebeliões estudantis), ora para os próprios pares (como nos trotes).

No que se refere às rebeliões, registros mostram sua ocorrência já no século XVII, na França. A de 1883, no Liceu Louis-le-Grand, em conseqüência da expulsão de um aluno, tornou-se célebre. As revoltas de estudantes contra os pedagogos eram constantes e marcadas por atos de violência, inclusive com a utilização de instrumentos como bastões, pedras, espadas e chicotes.

Já a origem dos trotes estudantis é incerta; porém, existem registros de sua ocorrência na Idade Média. Um dos documentos mais antigos desse tipo data de 1342 e refere-se à Universidade de Paris. Nas instituições européias, era comum separar os novatos dos veteranos. Aos novos alunos era negada a possibilidade de assistir às aulas junto com os demais, no interior das salas: eles eram obrigados a se dirigir aos vestíbulos (pátios de acesso ao prédio) – daí o uso do termo vestibulando para identificar aqueles que estão prestes a entrar para a universidade.

Sob a alegação de profilaxia e necessidade de manter a higiene, os novatos tinham a cabeça rapada e, na maioria das vezes, suas roupas eram queimadas. Essa prática, no entanto, logo se converteu numa espécie de culto à humilhação.

Freqüentemente, os trotes assumiam conotações sexuais, transformando-se em humilhantes orgias para aqueles que eram submetidos a elas. Com o tempo, os trotes ganharam ainda mais requintes de crueldade. Foram registrados, sobretudo, nas universidades de Heidelberg (Alemanha), Bolonha (Itália) e Paris (França), situações em que os calouros eram obrigados pelos veteranos a beber urina e a comer excrementos antes de serem declarados “domesticados”.

O julgamento dos monstros fedorentos

No início do século XX, na Alemanha, era comum que calouros fossem obrigados a vestir roupas feitas de falsa pele de animal, com orelhas, chifres e presas. Fantasiado, o jovem era arrastado pelos colegas até cinco ou seis “juízes”, sob olhares atentos de uma grande platéia. Era insultado e tratado como “monstro fedorento” por “assistentes” que em dado momento recebiam ordens para “depená-lo”, cortando-lhe as orelhas com tesouras e os chifres com serras; os dentes eram arrancados com tenazes. O nariz era limado e as nádegas, “polidas”; o novato era sacudido, empurrado e, por fim, açoitado com varas. Durante a tortura, o calouro tinha de se reconhecer culpado de inúmeros “pecados”, sobretudo sexuais. E, como penitência, era obrigado a oferecer um banquete aos veteranos.

Tragédia na escola

Os maus-tratos repetidos podem ao longo do tempo causar graves danos ao psiquismo e interferir negativamente no processo de desenvolvimento cognitivo, emocional, sensorial e socioeducacional. Quando os ataques são crônicos, as vítimas podem se tornar agressoras; em casos extremos, muitas vezes resultam em tragédias escolares, como as de Columbine (1999) e Virginia Tech (2007), nos Estados Unidos, as de Taiúva (2003) e Remanso (2004), no Brasil, e a da Finlândia (2007).

PARA CONHECER MAIS
Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Cléo Fante. Verus, 2005.

Bullying, como combatê-lo? Prevenir e enfrentar a violência entre jovens. A. Costantini. Itália Nova, 2004.

Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes): www.bullying.pro.br


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/brincadeiras_perversas.html. Acesso em 03 ago 2013.