Joel Rennó Junior
30.dezembro.2013
Diversos livros de autoajuda e matérias divulgadas pela
imprensa vivem dando orientações e dicas para manter a mente saudável, mas até
que ponto isso é factível e depende apenas do nosso esforço e dedicação aos
propalados ensinamentos divulgados? Recebo muitos pacientes em grande
sofrimento e sentimento de culpa por não conseguirem, apesar do enorme esforço,
gerenciar melhor as situações de estresse ou conflito psicológico, mesmo
dedicando-se aos ensinamentos dos mestres da autoajuda. Até que ponto tudo
depende só do nosso próprio esforço e determinação?
Hoje sabemos que o meio ambiente hostil, com traumas ou
lesões de diversas origens, pode levar ao “silenciamento” ou desligamento de
alguns genes do cromossomo e isso ser responsável por algumas doenças mentais.
É o que denominamos de “epigenética”, área de estudos em franca ebulição na
psiquiatria atual.
Traumas ou situações adversas sofridos até dentro do
ambiente uterino, durante a gravidez, podem ser responsáveis por doenças mentais
no futuro. Entre os principais traumas temos a negligência, a rejeição materna,
quadros infecciosos, desnutricionais e até de violência na gravidez.
Mulheres com histórico de
abuso físico e sexual na infância e adolescência têm um risco muito aumentado de transtornos mentais como
transtorno bipolar, depressão e até transtorno de personalidade borderline – é
bom frisarmos que as mulheres, em geral, têm um risco duas a três vezes maior
para alguns transtornos mentais quando comparadas aos homens e prometo voltar,
no futuro, nesse tema da maior prevalência de transtornos mentais no sexo
feminino. Portanto, apesar da grande plasticidade do nosso cérebro, sempre
refazendo suas conexões sinápticas entre os neurônios, alguns traumas,
infelizmente, podem ter um impacto psíquico muito mais significativo em
determinados indivíduos vulneráveis.
A capacidade de gerenciar o nível de estresse hostil do dia
a dia é algo a ser desenvolvido ao longo da vida e depende de vários fatores.
Cada ser humano tem a sua própria capacidade de resiliência. Há diferenças
genéticas na forma como as pessoas lidam com a dor ou sofrimento e até
conseguem tirar grandes aprendizados e lições de superação, levando a um
crescimento psíquico importante. Portanto, temos capacidades de resiliência com
limites diferentes.
Algumas características
de personalidade podem ajudar ou prejudicar o ser humano. Pessoas mais inflexíveis, insensíveis, com baixa tolerância à frustração
e à dor ou com baixa
autoestima têm uma tendência maior a terem transtornos
psíquicos.
Saber lidar com as diferentes fases ou transições de nossas
vidas, com ressignificações das experiências de vida, também contribui para
diminuir a chance de um transtorno mental.
A dança dos hormônios também
pode aumentar a vulnerabilidade de algumas mulheres aos sintomas psíquicos em
determinados períodos de transição como o pré-menstrual, o pós parto e a
perimenopausa (período que antecede a menopausa em cerca de 5 anos e é
caracterizado por grande flutuação dos níveis hormonais). A psicoterapia também
é um instrumento valioso na elaboração de traumas, conflitos e na correção de
distorções cognitivas ou comportamentos patológicos e que predispõem aos
transtornos mentais.
O desenvolvimento da identidade e
unidade do ser humano é outro
ganho da psicoterapia, ou seja, ela ajuda na capacidade do ser humano em se
conhecer melhor.
Não desqualifico o papel de hábitos e comportamentos de vida
saudáveis e construtivos (alimentação correta, atividades físicas regulares,
atividades de lazer, atitudes altruístas ou de generosidade e religiosidade) na
prevenção do estresse em muitos casos. Mas, é fundamental que as pessoas
entendam que as vulnerabilidades biológicas podem ser diferentes e tais medidas
podem não funcionar para todos.
Portanto, manter a mente saudável é
uma grande conquista de cada ser humano e que precisa ser analisada dentro do
contexto de vida de cada pessoa, sem regras ou imposições inócuas que podem
levar à discriminação injusta de alguns indivíduos pela sociedade. Todos podemos
aprender com o sofrimento, mas cada um dentro de suas condições biológicas e
vivências históricas – além das sequelas individuais geradas por consequências
distintas causadas pelas situações estressoras.
É fácil, em saúde mental, ficar dando dicas ou receitas de
bolo e até alguns desses gurus da mídia que eu conheço vivem tomando
antidepressivos e ansiolíticos, o que contradiz e desmoraliza, parcialmente,
seus ensinamentos generalizados de autoajuda.
Disponível em http://blogs.estadao.com.br/mentes-femininas/.
Acesso em 10 fev 2014.