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sábado, 24 de novembro de 2012

Seduções íntimas

Paola Emilia Cicerone

Há peças de roupa feminina que servem para cobrir, proteger ou esquentar – e existem aquelas que escolhemos para instigar o prazer daqueles que desejamos atrair. Qualquer que seja a motivação da escolha, aquilo que vestimos – ainda que junto à pele, longe do olhar da maioria das pessoas – faz revelações sobre nossos medos e fantasias. Embora hoje as rendas e os lacinhos já não estejam tão escondidos, até há poucos anos sutiãs, calcinhas, combinações, anáguas e corpetes, sempre em cores discretas, eram encontrados apenas em lojas de armarinhos ou nas prateleiras dispostas disfarçadamente nas grandes lojas. Atualmente a roupa íntima é um fenômeno de moda presente em campanhas publicitárias famosas; tornou-se um aspecto da cultura. Quem não se lembra, por exemplo, do comercial dos anos 80 cujo tema era o “primeiro sutiã”, ou do advento do modelo wonderbra, que inaugurou as curvas falsas? 

“Essas peças estão em uma posição ‘intermediária’ entre a pele e o tecido das roupas comuns; é essa carga simbólica que faz com que um corselete cause um impacto visual muito diferente daquele provocado por um maiô inteiro, que também cobre – ou deixa de cobrir – exatamente a mesma extensão do corpo de uma mulher”, afirma o semiólogo Ugo Volli, pesquisador da Universidade de Turim. Até o século 18, porém, eram os homens que usavam meias e ligas para deixar as pernas e até os genitais à mostra. As calcinhas também são uma invenção moderna. “No passado, acreditava-se que a mulher deveria ser ‘aberta embaixo’, uma ideia que ainda permanece disfarçadamente presente no imaginário erótico e é expressa por meio de imagens como a de Sharon Stone no filme Instinto selvagem, de 1992”, ressalta Volli. Segundo o estudioso de sistemas de signos e símbolos, essa crença, que estimula a fantasia de descobrir algo “secreto”, pode explicar por que os homens preferem, por exemplo, as meias femininas que vão até a altura das coxas, em vez dos modelos inteiriços. 

“O fascínio da roupa íntima está na brincadeira do vejo/não vejo que atrai a atenção para as zonas erógenas, o que faz com que estar vestido seja, em geral, mais erótico que ver o corpo completamente nu”, afirma o psicólogo e terapeuta de casais Giuseppe Rescaldina.

O pesquisador dinamarquês Per Ostergaard lembra que, em certas situações, usar determinada roupa é uma espécie de ritual, um momento de passagem: há peças que, na intimidade, despertam o imaginário erótico e permitem ao casal encarnar o que ele chama de “personagens de si mesmos”. Em geral a renda branca, por exemplo, evoca a ideia de pureza; já a cor preta costuma ser associada à ideia de mistério e sofisticação. Para grande parte das pessoas o vermelho vivo lembra tanto sensualidade quanto transgressão, enquanto estampas que imitam pele de animais podem remeter ao erotismo e à sensualidade. Embora não haja consenso, fatores culturais também entram em jogo, e persiste um imaginário erótico constantemente incrementado pela mídia. O fato é que a roupa íntima “fala de nós” e nos permite viver diferentes papéis. Talvez por isso a renda transparente, o corselete e as meias 7/8 continuem sendo tão atraentes por tantas décadas. Embora a tecnologia proponha cortes e tecidos confortáveis outrora inimagináveis, as imagens que realmente seduzem são as da roupa íntima que parece ser usada justamente para ser tirada.

LIMPO E CONFORTÁVEL

Já para os homens, a visão é um dos sentidos fundamentais para alimentar a excitação, enquanto mulheres costumam se voltar para o conjunto. Não é à toa que a maioria delas conseguem manter vários focos de atenção simultaneamente. “Trata-se de uma herança da época na qual o macho deveria escolher uma parceira com a qual propagar os próprios genes, por isso se voltava para detalhes, enquanto a fêmea precisava de um companheiro para criar a prole, e fazer essa avaliação exigia observar o conjunto com um olhar mais abrangente”, observa o sexólogo Fabrizio Quattrini, presidente do Instituto Italiano de Sexologia Científica, em Roma. É por isso que peças transparentes em cores que se destacam do tom da pele, cobrindo (e ao mesmo tempo evidenciando) as zonas erógenas excitam tanto os homens. Ou pelo menos grande parte deles. 

A cor da pele, em geral, é menos apreciada porque lembra demais a própria carne – e a suavidade, remetendo à realidade concreta, causando uma dicotomia entre carinho e paixão. “Simplificando, podemos afirmar que homens apreciam elementos que ‘forçam’ e ressaltam a imagem, que em nossa imaginação poderiam ser usados por um travesti ou uma prostituta. O vermelho forte, o sutiã que realça os seios ou a bota de salto fino superalto têm algo de tentador e ao mesmo tempo de proibido”, comenta a sexóloga Chiara Simonelli. “É uma espécie de fantasia que, para algumas pessoas, ajuda a acordar os sentidos, dá asas à imaginação e permite experimentações que, se estivessem vestidas de forma ‘comum’, dificilmente fariam”, diz. Neste contexto, a preparação até que a roupa seja exibida ao olhar alheio – a escolha da cor, dos detalhes, da maquiagem, a admiração da própria imagem antes, no espelho, e o momento da surpresa para o parceiro – compõe um ritual de apropriação de aspectos nem sempre óbvios da personalidade. A sexóloga ressalta que a característica arcaica da sensibilidade masculina é despertada por estereótipos, o que faz com que elementos eróticos pareçam especialmente interessantes. Essa produção pode, em determinados casos, apresentar-se para o homem como a sedutora imagem da mulher que se oferece a ele como um presente e, assim, o reafirma em seu papel dominante – na prática, um lugar cada vez menos efetivo. 

Já o olhar feminino costuma valorizar o conjunto, o que torna as mulheres mais benevolentes. Elas demonstram preferência por roupas íntimas masculinas que combinem conforto, elegância e higiene. Antigamente, um homem que dedicasse muita atenção à própria roupa de baixo seria classificado como pouco viril. Hoje, embora esse interesse exagerado continue a ser uma característica do universo homossexual masculino, a afirmação da própria imagem já comporta a descoberta do cuidado com o corpo e – algo antes impensável – maior preocupação com a roupa de baixo.

MELHOR SEM ROUPA?

Para muitas mulheres, o uso da lingerie pode ajudar a enfatizar ou resgatar a feminilidade: em muitos casos, admirar-se ao espelho com um conjunto bonito de calcinha e sutiã é um recurso para fazer as pazes com o próprio corpo – e aceitar que não é necessário ser perfeita para ser bonita, sensual e desejada. Segundo Ostergaard, porém, a roupa íntima sedutora traz contradições. Ao mesmo tempo que reforça a autoestima, pode exaltar inseguranças. Serve para realçar a feminilidade e tem o “poder mágico” de enfatizar a feminilidade, particularmente apreciada em uma época na qual as diferenças de gênero têm sido suplantadas. E existe quem se refira à lingerie como um estímulo a experimentações em relação à própria sexualidade. Essas peças, no entanto, têm sido um instrumento de controle do corpo feminino, aproximando-o do estereótipo imposto pela mídia: para se sentir bem com determinadas produções é indispensável aderir aos padrões estéticos oficiais. É como se as mulheres tivessem interiorizado certa imagem sem se dar conta de que ela não tem nada de natural, de que é apenas o resultado de recursos para aumentar o volume das formas ou sustentá-las. Isto também acontece porque aumentou a oferta de peças que antes pareciam reservadas a strippers ou garotas de programa. 

Parece, contudo, que a maioria não aprecia os excessos e prefere se mostrar sensual, em vez de declaradamente sexy. “Não seria exagero dizer que cada vez mais mulheres reconhecem o cérebro como o instrumento de sedução por excelência”, ressalta o sociólogo Francesco Morace, da empresa Future Concept Lab, especializada em pesquisas de opinião e comportamento. De qualquer forma, independentemente da classe socioeconômica, quase todas as mulheres têm alguma roupa íntima “especial”, embora o significado do termo seja subjetivo. Algumas valorizam seda e laços, enquanto outras preferem um conjunto clássico de calcinha e sutiã ou guardam com cuidado aquele que “deu sorte” em determinada ocasião. As peças adquirem valor simbólico, tanto que muitas vezes são guardadas de uma maneira diferente e não são emprestadas nem mesmo para as amigas mais íntimas com as quais se poderia tranquilamente dividir um biquíni, por exemplo. 

E não se pode esquecer que existe uma roupa íntima certa para cada ocasião. “Elas são escolhidas como um instrumento de comunicação com base em quem imaginamos encontrar”, observa Volli. Existe aquela para mostrar ao médico, às colegas da academia de ginástica e para o parceiro em uma noite especial. Não raro, as mulheres reservam a melhor calcinha para a noite em que sabem que irão para a cama com alguém. E há até aquelas que evitam um encontro íntimo quando não estão usando uma peça que não lhes pareça suficientemente adequada.

Parece não haver dúvida de que a roupa íntima serve para seduzir, “esquentar” o relacionamento ou, em alguns casos, simplesmente garantir mais segurança quando chega o momento de tirar a roupa. “De fato a escolha da lingerie pode ajudar a trazer de volta o componente lúdico de uma relação, o que é certamente positivo, mas é preciso que haja certa cumplicidade entre o casal para que ambos se divirtam”, afirma Volli. 

E obviamente há o risco de que a mulher que apostou numa roupa íntima sexy tenha alguma desilusão. Isto acontece quando, por exemplo, o conjunto comprado com tanto cuidado não recebe nenhum comentário, já que alguns homens (ainda) consideram os elogios como um sinal de fraqueza. E quando se recebe a lingerie de presente? “O gesto expressa desejo de intimidade e pode abrir possibilidades de diálogo”, acredita Rescaldina, embora muitas vezes os artigos escolhidos pelos parceiros sigam mais o próprio imaginário que as formas de quem deve usá-los. 

Na opinião do psicólogo, um look ousado, composto de meias aderentes, cinta-liga e sapatos de salto alto, exibido por quem sempre usou roupas folgadas tanto encanta quanto assusta o parceiro, principalmente se a relação passa por uma crise. A atitude feminina provocativa, principalmente quando surge de forma repentina, pode amedrontar homens mais inseguros, que tendem a ver a ousadia ou a sensualidade explícita de forma desvinculada do afeto que consideram “condizente” com uma relação estável. Apesar das transformações sociais e culturais, em alguns segmentos da sociedade o preconceito ainda ronda o imaginário coletivo marcado pelo machismo. E mesmo que inconscientemente, muitas vezes prevalece o conceito arcaico de que a fêmea é uma presa a ser dominada. Por isso, a maneira como uma mulher se veste (ou se despe) para se colocar no lugar de objeto de desejo do parceiro pode fazer com que ela seja vista como uma ameaça, um perigo, já que terá aquele que a quer sob seu domínio. Nesses casos, em vez de obter o resultado esperado, uma produção mais ousada pode surtir resultado oposto. E no lugar da atração, surgir o medo e, consequentemente, a rejeição. E poucas frases são menos bem-vindas do que a pergunta: “Mas o que você está vestindo?!”. 

Embora grande parte dos homens tenha ideias bastante precisas sobre seus gostos em relação ao vestuário feminino – , e não poderia ser de outra forma, tendo em vista a frequência com que certas imagens são alardeadas pela publicidade e oferecidas pela mídia – muitos realmente não se interessam por essas peças. Pensam que, quando se chega ao ponto de ver a lingerie, o jogo de sedução já está em andamento, e são sinceros quando afirmam que preferem a parceira simplesmente “sem roupa alguma”. 

A orientação dos especialistas para evitar decepções? Sondar a opinião do parceiro antes de fazer uma surpresa. De preferência, escolher peças que deixem quem usa à vontade – permitindo-se brincar com o imprevisível e com a sensualidade, porque talvez o mais importante não seja a roupa em si, mas o modo como ela é usada e toda a fantasia que evoca. Afinal, com atmosfera certa, até o agasalho macio e confortável pode mexer com a imaginação.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/seducoes_intimas.html>. Acesso em 15 nov 2012.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Solitários prazeres

Cristina Romualdo

Falar sobre masturbação costuma provocar constrangimentos, mesmo nos dias de hoje. Apesar de bem informados muitos homens e mulheres não tratam do assunto com naturalidade, seja na intimidade da relação com seus parceiros ou na educação dos filhos. Sem dúvida, falar sobre assuntos relacionados a sexo ainda é difícil para a maioria das pessoas – e a masturbação é um dos temas que mais provoca inibições. Para melhor entendermos o porquê dessas reações é preciso, em primeiro lugar, definir o significado dessa prática.

A masturbação pode ser entendida como uma excitação, habitualmente rítmica, efetuada com as mãos, na zona genital, própria ou do parceiro, com ou sem orgasmo, segundo o psicólogo Juan Carlos Kusnetzof. Já o médico William Howell Masters e a psicóloga Virginia Eshelman Johnson, que na década de 50 iniciaram pesquisas sobre a sexualidade humana, destacam como um dos aspectos definidores deste comportamento a auto-satisfação sexual obtida não só por meio da manipulação dos genitais, mas também pela estimulação de outras partes do corpo.

Conhecer a evolução histórica da sexualidade humana nos ajuda a desmistificar o tema e a entender o papel da prática no desenvolvimento sexual de homens e mulheres como forma de conhecer o próprio corpo – até para tornar o ato sexual partilhado mais prazeroso.

A palavra masturbação parece ter sua origem na expressão latina manusstuprare, que significa “manchar com a mão”, e sempre esteve, erroneamente, associada ao onanismo. Na verdade, o termo refere-se à prática do coito interrompido. Onan foi um personagem bíblico cujo irmão morreu sem ter tido filhos no casamento. Segundo costume do povo hebreu, o irmão que sobrevivia tinha a obrigação de se casar com a viúva para lhe dar filhos. Onan cumpriu a lei, mas por um motivo desconhecido praticava o coitus interruptus, ejaculando fora da vagina da parceira. Por isso, Deus o teria castigado – não por ter se masturbado e sim por não ter fecundado a mulher de seu irmão.

Desde os primórdios da humanidade, muitos mitos surgiram em torno do ato masturbatório e foram transmitidos de geração a geração. Alguns perderam-se ao longo do tempo, mas outros são mantidos até hoje. É o caso, por exemplo, da crença de que a masturbação freqüente traria aos jovens problemas sexuais no futuro; ou ainda, de que a produção de sêmen é limitada e, se esse “estoque” for gasto, o homem não poderá ter filhos. Para compreendermos como falsas concepções foram associadas à prática é necessário contextualizá-la nas diferentes épocas históricas, vislumbrando o cenário no qual se inseria.

Na Antigüidade, festivais egípcios celebravam a vida garantida pelos rios Nilo, Tigre e Eufrates. Nesses rituais, atribuía-se o poder da criação aos deuses e se creditava a eles a capacidade de manter a água corrente, fertilizando as terras por meio da masturbação – um ato considerado sagrado.

ENTRE MULHERES

Já os gregos não viam na prática nenhuma ligação com as divindades, mas também não a tinham como pecaminosa: acreditavam ser um comportamento natural, praticado mais pelas mulheres do que pelos homens, pois naquela cultura, em geral, havia pouco interesse dos homens em ter relações com suas companheiras, a não ser que fosse para gerar herdeiros. Portanto, não cabia a elas nenhum tipo de satisfação sexual, daí a idéia de que buscavam prazer pela masturbação praticada por elas mesmas ou por outra mulher.

Na Idade Média a Igreja Católica conquistou não apenas enorme poder econômico e político, como também predominância ideológica, instituindo mentalidade teocêntrica. Nesse período, em geral somente os padres eram alfabetizados e mantinham o controle das bibliotecas. Conseqüentemente, delimitavam o conhecimento ao qual a população em geral teria acesso. O matrimônio, nessa época, era recomendado pela Igreja por duas razões principais: por propiciar a única situação em que os filhos podiam ser concebidos sem a mácula do pecado e por manter os homens mais “regrados” e distantes de práticas consideradas pecaminosas – como homossexualidade, sexo anal ou oral, zoofilia e masturbação.

Já na Idade Moderna, época de grandes descobertas científicas, o poder sobre o conhecimento passou para as mãos dos médicos e a ciência se colocou a serviço da moral e de questões sociais. A masturbação era vista como atentado contra a humanidade, pois persistia a idéia de que ao “desperdiçar” o sêmen, a perpetuação da vida era impedida. No final do século XIX, uma outra forma de entender o homem e, conseqüentemente, sua sexualidade começou a se delinear. Neurologistas e psiquiatras apresentavam suas concepções sobre o funcionamento mental humano e a sexualidade passou a ser compreendida não apenas em seu aspecto físico, mas também psíquico.

Sem dúvida, o maior representante dessa nova forma de conceber as manifestações sexuais foi Sigmund Freud. Ele demonstrou interesse pelo tema da masturbação em 1892, buscando compreender o papel dessa atividade na vida do indivíduo, sua relação com os distúrbios psíquicos e questionando se a prática poderia originar traumas sexuais. Freud não via a masturbação como um vício a ser eliminado por meio de tratamento, mas a entendia como um comportamento inerente ao desenvolvimento sexual, que traria danos ao indivíduo, somente se sua estrutura psíquica já fosse propensa a distúrbios. Contudo, também acreditava que sua continuidade na vida adulta levaria à diminuição da potência sexual.

Em 1920, Wilhelm Stekel, colaborador de Freud até uma década antes, publicou o livro Impotência masculina – Perturbações psíquicas na função sexual do homem, no qual afirma que a masturbação, em si, não causa dano à saúde física ou psicológica. Tal atividade só provocaria distúrbios neuróticos que poderiam afetar o desempenho sexual quando vivenciada com culpa e sentimentos de autopunição provocados por proibições morais e religiosas.

Essa nova visão da sexualidade, que se afastava de uma óptica moralista e procurava se aproximar de uma concepção anatomofisiológica do funcionamento sexual, contribuiu para que surgisse uma proposta de tratamento para as disfunções sexuais, desenvolvida por Masters e Johnson no fim da década de 50. A proposta terapêutica baseava-se em uma seqüência de tarefas prescritas aos pacientes, cujo objetivo era devolver a eles a capacidade de concretizar, satisfatoriamente, a relação sexual. Posteriormente, a sexóloga Helen Singer Kaplan utilizou técnicas de compreensão psicodinâmica da problemática sexual, procurando identificar resistências intrapsíquicas e motivações inconscientes, bem como problemas de relacionamento conjugal que poderiam originar disfunções sexuais.

O psiquiatra e antropólogo Phillippe Brenot sintetiza bem a evolução pela qual a prática masturbatória passou ao longo da história da humanidade, em seu livro Elogio da masturbação. De pecado a ser condenado e doença a ser tratada, o ato transformou-se em recurso utilizado por especialistas para melhor conhecer a sexualidade humana e, cada vez mais, tem se tornado aceito como comportamento inerente ao desenvolvimento sexual saudável – que permitiu avanços científicos no estudo da sexualidade humana.

DURANTE A PUBERDADE

A primeira observação de espermatozóides num microscópio, feita no século XVII pelo holandês Anton van Leeuwenhoek, por exemplo, só foi possível graças à masturbação. Masters e Johnson conseguiram descrever a fisiologia da resposta física sexual graças a pessoas que consentiram em participar do estudo – se masturbar. E, por fim, tanto o exame de espermograma como a fecundação in vitro, usados respectivamente para diagnosticar e para contornar problemas de esterilidade, utilizam o esperma obtido pela masturbação.

A prática costuma ocorrer em diferentes fases do desenvolvimento humano. Na infância, é entendida como manipulação que assume caráter de autoconhecimento. Nesse processo descoberta de si, os pequenos buscam repetir as vivências prazerosas e evitar as que causam algum tipo de sofrimento, seja ele psíquico ou físico. Com a exploração do próprio corpo a criança descobre as regiões que lhe dão prazer ao serem tocadas. Sensações e emoções experimentadas durante essa exploração servirão de base para vivências sexuais futuras. Nessa fase, ela ainda não tem a mesma capacidade do adulto para compreender o que faz e por que o faz; não consegue identificar o toque em seus genitais como prazer erótico; não tem intenção de se estimular sexualmente. Se há algo de errado nessa situação é somente aos olhos do adulto que, confrontado com as próprias questões sexuais, pode se incomodar com a atitude da criança. Na verdade, podemos dizer que, nessa etapa, ela apenas se manipula para obter satisfação – esse ato somente se transformará de fato em masturbação quando atingir a puberdade.

Na adolescência, as alterações hormonais levam ao amadurecimento dos genitais, provocando novas sensações, o que intensifica a busca de prazer por meio da estimulação do próprio corpo. A maior conquista dessa fase é a aquisição do pensamento abstrato, o que possibilita o uso de fantasias como fonte de excitação sexual. Neste sentido, a masturbação antecipa a realidade no plano imaginário, abrindo caminho à concretização de futuras relações afetivo-sexuais e favorece o processo de amadurecimento sexual.

Ainda é muito comum ouvirmos homens e mulheres afirmando, equivocadamente, que a masturbação só é praticada por adultos que não têm vida sexual ativa, pois ainda prevalece a crença generalizada de que o amadurecimento do indivíduo leva à primazia e à exclusividade do ato sexual. Entretanto, não há nenhum motivo que justifique tal concepção; cada prática traz diferentes sensações prazerosas, não excludentes entre si.

Em geral, o início da vida a dois é cheio de novidades e existe muita energia para ser investida no relacionamento sexual. Nesta etapa da vida, a masturbação solitária pode tornar-se para alguns uma atividade rara. Contudo, é possível se beneficiar dessa prática por meio da estimulação mútua, o que pode ser um interessante instrumento de descoberta erótica para o casal, pois permite que cada um dos parceiros conheça melhor o corpo e a sexualidade um do outro.

UM JEITO DE APRENDER

Uma outra situação na qual a masturbação costuma ser utilizada como forma de manter a atividade sexual é quando um dos parceiros adoece ou sofre acidente que o impossibilite de ter relações de maneira convencional. Tal incapacidade não implica, necessariamente, privação de prazer para o casal. Na velhice, a manutenção do comportamento também costuma ser muito saudável.

Há ainda um longo caminho a ser percorrido para que as pessoas possam reconhecer a masturbação não apenas como uma manifestação sexual, mas também como um processo de aprendizado que o indivíduo tem sobre si mesmo.

Afinal, a excitação se apresenta com inúmeras variedades de ritmos e intensidades; está presente a todo o momento em nossa vida: por exemplo, ao saborearmos um alimento gostoso; ao ouvirmos um som suave; ao inspirarmos um aroma agradável; ao apreciarmos a beleza da natureza; ao sentirmos o calor do contato da pele de uma pessoa querida. Com a masturbação não é diferente, o ato possibilita a descoberta da própria sexualidade, por meio da experiência do auto-erotismo. Quando praticada sem culpas ou temores, fortalece a autoconfiança, eleva a auto-estima e proporciona o autoconhecimento.
- Muitas vezes vista como pecado ou doença ao longo da história, a masturbação transformou-se em recurso usado por médicos e especialistas em saúde mental para melhor compreender a sexualidade humana, desmistificar o tema e entender o papel da prática no desenvolvimento sexual.

- Segundo o psicólogo Juan Carlos Kusnetzof, a masturbação pode ser entendida como excitação sexual provocada por movimentos ritmados na zona genital.

- Freud questionou a relação do comportamento com os traumas sexuais, como se julgava no fim do século XIX (e até hoje ainda se acredita em alguns meios). Para ele, não se tratava de “vício” a ser curado, mas sim de comportamento inerente ao desenvolvimento sexual, que somente traria danos ao indivíduo se sua estrutura psíquica já fosse precocemente propensa a distúrbios.

Durante muito tempo predominou a intensa preocupação com a sexualidade – e principalmente com sua repressão. Nesse contexto, a masturbação deveria ser evitada a qualquer custo, até mesmo com o uso de trajes que dificultassem a prática. Ao analisar as formas de exercício de poder, o filósofo francês Michel Foucault ressaltou que no século XVIII a Igreja Católica cedeu, gradativamente, seu lugar ao saber médico e o corpo humano tornou-se objeto de novas técnicas de controle: além de culpabilizar aqueles que se deleitavam com a manipulação dos próprios genitais, o saber dominante os ameaçava com os mais terríveis prognósticos a respeito de sua saúde física e mental. No Dicionário das ciências médicas, de Serrurier, considerado obra de referência do início do século XIX, “o jovem masturbador” era descrito como um ser de “pele terrosa, língua vacilante, olhos cavos, gengivas retraídas e cobertas de ulcerações que anunciavam uma degeneração escorbútica. Para ele, a morte era o termo feliz de seus longos padecimentos”.

“Pode-se falar em um retorno terapêutico à masturbação. Muitos, como eu, terão efetuado a experiência que representa um grande progresso quando o paciente, no decorrer do tratamento, volta a se permitir a masturbação, ainda que sem a finalidade de permanecer nessa fase infantil”, escreveu Sigmund Freud, em 1912.

Ainda hoje, na clínica, relatos de pacientes referentes a masturbação freqüente aparecem vinculados não só à vergonha, mas também à culpa. Tocar de forma erotizada o próprio corpo expressa a busca do prazer – sem o álibi da reprodução ou do ímpeto de satisfazer o desejo do outro – e revela o caráter subjetivo da sexualidade. Já a culpa decorre do reconhecimento, ainda que a contragosto, da lei à qual somos subordinados e se insere numa dimensão simbólica. No caso da masturbação, é preciso assinalar a estreita relação da culpabilidade com o mito da impossibilidade de gerar descendentes. A culpa sempre traz a impotência: haja vista o gesto simbólico de “lavar as mãos”, praticado por personagens (fictícios ou não) assolados por esse sentimento, como Lady Macbeth e Pilatos. O ato “limparse” também pode ser associado à idéia de que há algo de muito sujo no próprio sexo.


Masturbação. C. Romualdo. Expressão e Arte Editora, 2003.

Elogio da masturbação. P. Brenot. Rosa dos Tempos, 1998.

A pré-história do sexo. T. Taylor. Campus, 1997.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/solitarios_prazeres.html>. Acesso em 03 out 2012.