Mostrando postagens com marcador comportamento. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador comportamento. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Diferenças cerebrais entre homens e mulheres justificam habilidades e comportamentos distintos?

Joel Rennó Junior
07.janeiro.2014

Do ponto de vista médico, há estruturas cerebrais com morfologia e funcionalidade diferentes entre o SNC (Sistema Nervoso Central) do homem e da mulher. Em parte, os comportamentos, atitudes, pensamentos, habilidades e sentimentos femininos podem ser distintos aos dos homens por tais diferenças anatômicas e funcionais entre os cérebros deles. Esse é o papel das neurociências na atualidade, apontar tais diferenças, a fim de que haja intervenções terapêuticas distintas e até medidas preventivas.

“Neurocientistas e a sociedade têm que ter muito cuidado ao fazerem as interpretações de tais diferenças, sem reducionismos perigosos. Pode haver uma distorção ao fazer reforços de preconceitos existentes contra a mulher, justificando certas habilidades diferenciadas como um sinônimo de inferioridade”       

Por que essa diferença entre o cérebro do homem e da mulher?
Sabemos que grande parte dessas diferenças decorre da exposição diferenciada do cérebro feminino ao hormônio estrogênio, já no intraútero, na gestação. O cérebro feminino vai se moldando e se desenvolvendo de uma forma distinta ao masculino já no intraútero.

Imagens da ressonância magnética funcional realizadas por neurocientistas apontam, entre inúmeras outras diferenças (poderíamos citar dezenas delas encontradas na última década):

1. O cérebro das mulheres é aproximadamente 10% menor que o dos homens, porém, possui maior número de conexões entre as células nervosas. O corpo caloso que faz a comunicação entre os hemisférios cerebrais direito e esquerdo costuma ser mais desenvolvido nas mulheres. Isso leva a uma melhor integração de diferentes estímulos entre os dois lados do cérebro feminino. Geralmente, as mulheres fazem várias tarefas simultâneas como cozinhar, ler, cuidar da casa e dos filhos de forma mais eficiente que os homens.

2. O cérebro esquerdo é bem mais desenvolvido entre as mulheres;

3. O cérebro direito mais desenvolvido entre os homens – contrariamente ao que pensa o grande público – sabe-se ser o hemisfério esquerdo denominado “científico”, analítico, racional, verbal, temporal, enquanto o hemisfério direito é dito “artístico”, sintético, emocional, não verbal e espacial, isso sob a influência direta dos hormônios sexuais (testosterona e outros).

4. A mulher está mais sujeita a sentir depressão do que o homem e, quanto a isso, existe uma relação direta com a baixa produção da substância química cerebral, a serotonina, no cérebro feminino. As oscilações dos níveis de estrogênio em períodos críticos do ciclo reprodutivo feminino como o pré-menstrual, o pós-parto e a perimenopausa (período que se inicia cerca de 5 anos antes da menopausa e vai até um ano após) são “gatilhos” para a depressão feminina mais frequente, cerca de duas vezes.

5. O cérebro masculino é voltado para a compreensão, enquanto o feminino é programado para a empatia (cuidado com a interpretação).

6. As imagens mostraram que o lobo parietal inferior, área envolvida em atividades matemáticas, é maior no cérebro deles. Portanto, os homens costumam ser melhores em tarefas matemáticas, enquanto as mulheres se saem melhor em atividades verbais (cuidado com a interpretação!).

7. As mulheres são mais emotivas e expressam com mais facilidade seus sentimentos do que os homens, porque o sistema límbico delas é mais desenvolvido do que o deles (cuidado com a interpretação!).

Interpretação entre diferenças de gênero deve evitar reducionismo perigoso

Os neurocientistas e a sociedade têm que ter muito cuidado ao fazerem as interpretações de tais diferenças, sem reducionismos perigosos. Pode haver uma distorção ao fazer reforços de preconceitos existentes contra a mulher, justificando certas habilidades diferenciadas como um sinônimo de inferioridade.

Lembro-me do discurso infeliz de um antigo reitor da Universidade de Harvard, nos EUA, destacando que as mulheres não seriam tão eficientes e brilhantes no campo das Ciências Exatas. Isso não faz tanto tempo assim, é relativamente recente. No passado, até foram publicados artigos sobre tais diferenças em revistas científicas consagradas como Science and Nature, amplificando e reforçando a suposta inferioridade feminina. Por coincidência, muitos dos cientistas da época eram homens.

Nunca podemos também deixar de levar em consideração o ambiente e a cultura em que o homem e a mulher estão inseridos. Na minha prática clínica, conheço homens sensíveis, afetuosos, que se saem melhor em atividades verbais do que matemáticas ou lógicas. Por outro lado, conheço mulheres que são pesquisadoras brilhantes, exímias matemáticas e com afeto raso e pouco contato verbal.

Biologia e genética não determinam tudo sobre comportamento e habilidades humanas

A biologia e a genética, embora relevantes, não são os únicos determinantes do comportamento e habilidades humanas. Por isso, pessoalmente, eu detesto piadas ou jocosidades a respeito de tais diferenças porque, no fundo, há uma expressão (até inconsciente) de nossos preconceitos e projeções. Isso, é claro, pode ser oriundo tanto dos homens quanto das mulheres. Já ouvi mulheres afirmando “acho aquele cara esquisito, sensível e romântico, pouco decidido e muito delicado”.

Ouvi também comentários de homens do tipo “aquela ali é uma empresária agressiva, racional e mal amada”. Ambos comentários trazem no seu bojo a mensagem que a neurociência jamais quer que tais diferenças se transformem em julgamentos ou justificativas estigmatizadoras dos gêneros, sejam masculinos ou femininos. Até porque alguns cientistas afirmam que cerca de 20% dos homens têm cérebros “femininos” e até 10% das mulheres têm cérebro “masculinizados”.

No próprio campo da sexualidade humana, observamos mudanças do comportamento sexual da mulher, mais arrojada, determinada, exigente e erotizada. Apesar de alguns determinantes biológicos, isso ilustra o quanto o ambiente e as forças sociais podem interferir. O objetivo deve ser sempre o de aprimorar as competências tanto dos homens quanto das mulheres, nunca aprofundar abismos pré-existentes.

Muitos me perguntam por que as mulheres criam discussões em casa, o que elas têm, com relação ao gênero feminino, que contribui para os conflitos de casal. Não vejo que os conflitos entre os casais sejam decorrentes de questões intrínsecas do gênero como as pessoas costumam apregoar – pelo menos na maior parte dos contextos. O principal fator realmente costuma ser a expectativa que se projeta na figura do outro, geralmente, sempre superdimensionada no início de muitos relacionamentos. A fase de encantamento acaba terminando e daí vem a frustração.

Alguns indivíduos, independentemente de serem homens ou mulheres, costumam projetar no outro verdades ou conceitos baseados em seus próprios valores. A figura idealizada de qualquer pessoa sempre acaba gerando consequências negativas. Ninguém, por melhor que seja, vai ser capaz de sustentar aspectos arquetípicos de um grande herói, infalível em sua essência. Por melhor que sejamos, nossa natureza humana pode se tornar frágil em algum momento.

Entre as questões que costumam gerar mais conflitos entre homens e mulheres, incluem-se a traição, o sentimento de rejeição de um ou de outro, a educação e os valores ensinados aos filhos, religião ou crença, brigas entre as famílias, dependência econômica e sexo. Não acredito ser possível classificar as mais típicas de um gênero ou de outro, tudo vai depender da dinâmica do casal e da própria família adotada em sua convivência diária, na capacidade individual de cada um poder crescer e se transformar.

Na sociedade atual, não vejo questões tão específicas ou típicas de um sexo em relação ao outro, há padrões mutáveis e imprevisíveis, devido aos múltiplos papéis envolvidos.


Disponível em http://blogs.estadao.com.br/mentes-femininas/. Acesso em 10 fev 2014.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Travesti Musa vira celebridade e lidera projetos sociais na Baixada

Elenilce Bottari
23/11/13

Em outubro passado, o carioca Ricardo Muniz tornou-se síndico-geral do Parque Valdariosa 2, um dos três blocos do conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida, construído no bairro de mesmo nome, em Queimados, na Baixada Fluminense. Favorito de quatro candidatos, ele recebeu 385 votos. O segundo colocado teve 37. Mais do que um prêmio por sua atuação na comunidade, foi a volta por cima de um guerreiro que, desde criança, lutou contra toda a sorte de preconceito. Ricardo, de 48 anos, nasceu menino, mas hoje vive como uma mulher.

Ele é o terceiro filho de uma família de nove irmãos, quatro homens e cinco mulheres. Nascido e criado na Pavuna, aos 15 anos, começou a estudar para realizar o sonho de sua mãe, que queria vê-lo militar da Aeronáutica, onde serviu por quase dez anos até se tornar cabo. Satisfeito o sonho materno, um dia ele saiu de casa, pela manhã, trajando a farda que tanto orgulhava a mãe, mas, quando voltou, no mesmo dia, depois de pedir baixa no quartel, já era outra pessoa: Musa Pandia, com muito prazer.

— Um amigo me indicou uma moça no Centro que podia montar meu corpo no mesmo dia. Coloquei uma prótese. Quando voltei para casa, foi um choque. Minha mãe com o tempo aceitou, mas meu pai, não. Meu irmão mais velho dizia que se tivesse um irmão homossexual matava. Até hoje, ele não fala comigo — conta a travesti, que aprendeu no quartel a enfrentar animosidades e a se impor pelo respeito.

— O comandante na fila perguntava se eu era homossexual. Eu negava sempre. Dizia: “Não senhor, não senhor, não senhor” — lembra Musa, rindo e acrescentando que “ninguém acreditava mesmo”.

— Minha família sempre foi muito conservadora e tentou mudar meu jeito, mas a gente já nasce como é. E eu detestava coisas de menino. Quando ganhava roupa, eu cortava para transformar em short e colete. Apanhava, mas fazia. Meu irmão não deixava eu brincar com as bonecas das minhas irmãs. Mas eu dizia para mim mesmo que um dia iria trabalhar e ter tudo que queria.

De enfermeira a cabeleireira

Depois do flash-back, que explica em parte como é e também um pouco de seu estilo de vida, Musa mostra o apartamento de 36 metros quadrados, com 60% do espaço ocupados por bonecas, bichos de pelúcia e outros artigos femininos.

Quando deixou a Aeronáutica, ela — agora, adquiriu o direito de ser chamada como gosta — tinha a intenção de trabalhar na Itália, mas desistiu quando soube que lá poderia se perder num mundo de drogas e bebidas. O nome de guerra, Musa, veio depois que ganhou um concurso de transformista em Copacabana.
— Eu era muito nova e parecia mesmo uma menininha. Acabei ganhando — diz.

Entre os vários cursos profissionalizantes que fez, o de auxiliar de enfermagem garantiu-lhe um estágio no Hospital Salgado Filho:
— Eu estava lá quando surgiu aquela história horrorosa do enfermeiro que matava pacientes para a máfia das funerárias. Fiquei tão chocada que desisti. Então abri um salão de cabeleireiro na Pavuna, mas depois de alguns anos decidi fechar por falta de segurança.

Mais uma volta no tempo para lembrar a história do auxiliar de enfermagem Edson Isidoro Guimarães, que em 1999 foi preso acusado da morte de mais de uma centena de pacientes, durante os plantões no Salgado Filho. Musa já viu muita coisa.

Com a morte da irmã, há dois anos, ela decidiu sair da Pavuna e acabou indo parar em Queimados, no apartamento que sua tia tinha conquistado através do programa Minha Casa Minha Vida.

— Eu não conhecia ninguém e, assim que cheguei, foi complicado. As pessoas queriam me taxar, né? “Tem um veado aqui e vai esculachar o condomínio”. Passei um mês sem sair de casa. Comecei a trabalhar como cabeleireira e, aos poucos, fui ganhando a confiança da vizinhança. Quando surgiu uma vaga de porteiro, tudo mudou — recorda-se de quando virou porteira.

Piso de cerâmica e água quitada

Moradora do térreo, Musa decidiu colocar piso de cerâmica na portaria do prédio. Depois, para não ficar sem água, quitou a conta com a concessionária, que estava atrasada. Foi o bastante para, há pouco mais de um mês, ser convencida pelos vizinhos a entrar na disputa para síndico (a).
— Foi em 14 de outubro. O salão estava lotado. Eu ganhei a maioria esmagadora dos votos. Pensei “Musa, você conquistou o pessoal.”

Sem entender nada de condomínios, Musa leu dois livros para estudar suas novas funções. Em um pouco mais de um mês de trabalho, ela renegociou os débitos de R$ 53 mil de luz e R$ 18 mil de água, deixados pela administração anterior. Também construiu um abrigo para o ponto de ônibus que serve aos moradores e mudou o parque das crianças para um ponto mais seguro do condomínio.

Hoje, suas metas são segurança e saneamento. E vem lutando para impedir a venda de drogas no conjunto. Já instalou câmeras de segurança e passa o dia monitorando o movimento, através de dois monitores do circuito interno. Segundo ela, tudo no “diálogo”, mas, quando a crise é grande, admite, fala mais alto o “cabo Ricardo”.

— Não adianta ficar brigando que eles não obedecem. Eu converso uma, duas vezes. Se não funcionar, eu chamo a polícia. E vou junto para que eles saibam que fui eu que chamei, sim, porque não respeitaram o acordo.

Diferentemente de quando chegou, sem ter coragem para sair de casa, hoje, por onde passa, Musa é saudada pelos moradores e pelas crianças. Tem sempre um gaiato cantando o sucesso do MC Bola: “Ela não anda, ela desfila. Ela é top, capa de revista. É a mais-mais, ela arrasa no look. Tira foto no espelho pra postar no Facebook...”
— É sempre assim — conta a moradora Cláudia Cristina da Hora, uma das muitas fãs de Musa.

Segundo ela, a síndica já chegou trazendo benefícios para os moradores:
— A gente quer que os outros prédios tenham um piso como o que ela instalou no edifício dela, sem nem ser síndica. Aliás, ainda antes de ser síndica, o prédio dela era o único que tinha água. Por atraso do condomínio, os outros prédios estavam com a água cortada.

A maior queixa dos moradores é com o esgotamento sanitário:
— O problema é que a manilha só vem até a entrada do condomínio, e os canos internos são insuficientes e não dão vazão. Todo dia, tem entupimento, e a água volta para os apartamentos do primeiro piso. Já reclamamos com a Odebrecht, que diz já ter acabado o contrato e que a gente tem que pagar para trocar o encanamento. Mas muitos moradores aqui não têm como pagar — explica Musa, que vem buscando parcerias para melhorar a vida dos moradores.

— Nós conseguimos um ônibus do Sesc que vai trazer para cá cursos profissionalizantes. Precisamos também de lazer para os jovens. É preciso ocupá-los. Se eles continuarem sem nada para fazer, não vai dar certo, não teremos como controlar o uso de drogas — observa, com a autoridade que a experiência de vida lhe deu.

Entre os parceiros, está agora o Projeto Valdariosa, da Caixa Econômica Federal, que pretende fazer um estudo sobre o conjunto habitacional e seu entorno para produzir um plano de desenvolvimento local. O objetivo é melhorar a qualidade de vida dos moradores de unidades construídas pelo programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal. Com apoio da prefeitura de Queimados, o projeto é executado por meio de uma parceria entre o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Metrópole Projetos Urbanos (MPU).

— O objetivo é implantar ações capazes de garantir sua sustentabilidade e governabilidade e estabelecer a reaplicabilidade em outros conjuntos habitacionais do Minha Casa Minha Vida. O projeto é participativo no sentido de encontrar soluções de baixo para cima. Assim, a população e os síndicos são os protagonistas do processo — explicou o sociólogo Paulo Magalhães, do Iets, coordenador do projeto de desenvolvimento sustentável do conjunto Valdariosa. Segundo ele, o trabalho vem sendo desenvolvido de forma compartilhada e está focado em ações de trabalho, renda e governança.

Coração solitário

Construído em 2010, o conjunto fica no bairro Parque Valdariosa, em Queimados, e tem 1.500 apartamentos, divididos em três blocos: cada um conta com 25 edifícios de cinco andares. Desde outubro, a equipe do Projeto Valdariosa entrevista moradores, lideranças comunitárias e gestores locais e reúne dados estatísticos. As informações vão gerar um Diagnóstico Participativo, com perfil dos residentes e um panorama do conjunto e do bairro.

— O diagnóstico é o primeiro passo para a construção de um Plano de Desenvolvimento Integrado e Sustentável e uma agenda local — explica Magalhães.

Para Musa, a integração entre o conjunto e o entorno é fundamental para garantir a qualidade de vida e a segurança dos moradores:
— Outra reforma que estamos providenciando é a do muro. Não adianta fechar a murada que os moradores derrubam, porque não tem passagem para eles atravessarem para o outro lado da Dutra. Então, depois de uma conversa com eles, decidimos colocar portões dos dois lados, para a Dutra e para ir à padaria. Eu vou dar uma chave para cada condômino.

— O que faz a Musa fazer tanto sucesso aqui é o fato de ela respeitar os moradores. Por isso, todos respeitam ela — arrisca outro morador.

Com tantas missões a cumprir, a vida afetiva de Musa ficou de lado.
— Não tenho namorado e nem tempo para namorar. Nunca saí com ninguém do condomínio. Isso porque aprendi no quartel a nunca misturar as coisas. É a regra — prega.

O que restou da época de shows ficou na parede da sala do apartamento de Musa, que tem uma decoração psicodélica, cheia de luzes e cores.
— É o meu canto. Adoro minhas bonecas.


Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/travesti-musa-vira-celebridade-lidera-projetos-sociais-na-baixada-10866074#ixzz2lZ9c5Wa2. Acesso em 29 dez 2013.

domingo, 29 de dezembro de 2013

O que as pesquisas revelam sobre traição amorosa

Maurício Grego
14/11/2013

Pesquisas de comportamento mostram que a traição nas relações afetivas cresce entre as mulheres americanas, mas permanece estável entre os homens. E sugerem que a infidelidade é mais comum no Brasil que nos Estados Unidos. Reunimos alguns achados interessantes de estudos científicos recentes sobre o tema. Confira.

1 Os mais bonitos, ricos e educados traem mais
Um estudo dos pesquisadores americanos David Buss (da Universidade do Texas em Austin) e Todd Shackelford (da Universidade Florida Atlantic) traça um perfil das pessoas que têm mais chances de trair. Elas são bem sucedidas profissionalmente, têm nível educacional e financeiro acima da média, são fisicamente atraentes e possuem boas habilidades sociais. Segundo esse estudo, uma pessoa tímida e fracassada dificilmente trai.

2 Mulheres percebem quando um homem tende a trair
Três pesquisadores da Universidade da Austrália Ocidental pediram a mulheres que olhassem para homens que não conheciam e avaliassem sua propensão a trair. Depois, perguntaram a esses homens se já haviam traído alguém. O índice de acerto da avaliação feminina mostrou-se surpreendentemente alto. Na análise dos pesquisadores, homens com aparência mais fortemente masculina têm mais tendência a trair, e as mulheres percebem isso. Já quando o experimento inverso foi feito, com os homens avaliando as mulheres, o índice de acertos foi muito baixo.

3 Brasileiros traem mais que outros latino-americanos
Uma pesquisa da empresa Tendencias Digitales apurou, em 2010, que os brasileiros traem mais que outros latino-americanos. Nessa sondagem, 70,6% dos homens brasileiros declararam já terem traído ao menos uma vez na vida. Entre as mulheres, o percentual era de 56,4%. Vale notar que esse estudo (divulgada pelo jornal O Globo) não tem rigor científico. E, como foi feito via web, sondou apenas pessoas com acesso à internet. Mas decidimos incluí-lo aqui por ser uma rara pesquisa sobre o tema feita no Brasil.

4 As mulheres estão traindo mais do que antes
Na edição mais recente da General Social Survey (GSS), pesquisa de comportamento que é realizada há quatro décadas nos Estados Unidos, 14,7% das mulheres declaram já ter traído o cônjuge. Em 1991, só 11% diziam já ter traído. Logo, houve crescimento de quase 40% na traição feminina declarada. Mas os homens ainda traem mais. Entre eles, o percentual é de 21,6% e quase não mudou desde 1991, como noticiou a agência Bloomberg.

5 O motivo para trair pode não ser o desejo sexual
As razões que levam alguém a trair vão desde puro desejo sexual até vingança contra o parceiro, passando pela busca de novas experiências. O especialista Gary Neuman, autor do livro “The Truth About Cheating” (“A verdade sobre a traição”), diz que 92% dos homens que traem não fazem isso primariamente para ter sexo. Ao menos entre o público que ele entrevistou, um motivo citado com bastante frequência é sentir-se desvalorizado no casamento ou distante da esposa.

6 Traição de mulher com outra mulher incomoda menos
Um estudo liderado por Jaime Confer, da Universidade do Texas em Austin, apontou que a chance de um homem perdoar uma traição da namorada é de 22%. Esse percentual aumenta para 50% se a traição for com outra mulher. Entre as mulheres, uma traição heterossexual teria 28% de chance de ser perdoada. Se o caso for com outro homem, porém, a chance cai para 21%. Para Confer, homens temem que a pulada de cerca da namorada ou esposa resulte em gravidez. Já nas mulheres o medo maior é o de ser abandonadas. Isso explicaria as diferenças observadas na pesquisa.

7 Mulheres desaprovam a traição mais que homens
A General Social Survey também apontou que 78% dos homens americanos acham a traição conjugal errada em qualquer circunstância. Entre as mulheres, o percentual é maior: 84%. A desaprovação vem crescendo com o tempo. Nos anos 70, 63% dos homens e 73% das mulheres americanas achavam que trair era errado.

8 Mulheres tendem a transformar caso em namoro
Um estudo feito com estudantes universitários americanos em 2007 apontou que as mulheres jovens têm mais chance que os homens de transformar um caso extraconjugal em namoro. Elas dizem, com frequência, que traíram porque estavam insatisfeitas com o namorado. Já os homens tendem a dizer, mais comumente, que traíram por que surgiu uma oportunidade para isso. Isso sugere que os jovens americanos do sexo masculino veem a traição como algo realmente casual. Já as universitárias às vezes usam esse comportamento para encerrar uma relação insatisfatória.


Disponível em http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/8-fatos-curiosos-sobre-a-traicao-nas-relacoes-amorosas?page=1. Acesso em 29 dez 2013.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Machismo: pesquisa mostra que brasileiros ainda querem uma 'Amélia'

Danielle Barg
06 de Dezembro de 2013

O machismo no Brasil é um tema que volta e meia está no topo das discussões: quando se pensa que avançamos neste aspecto, logo aparece alguma novidade para provar o contrário. E enquanto muita gente pensa que alguns conceitos ficaram lá no século passado, uma pesquisa vem trazendo dados preocupantes dentro deste cenário.

O instituto Avon apresentou esta semana os resultados do estudo Percepções dos homens sobre a violência doméstica contra a mulher. O tema machismo foi abordado em diversas questões, uma vez que o comportamento representa um tipo de violência.

Ficou comprovado que muitos deles ainda esperam da mulher o papel de Amélia: servil e pouco ousada. Entre os destaques, estão dados como: 85% dos homens consideram inaceitável que a mulher fique bêbada; 69% não querem que a mulher saia com amigos (as) sem o marido e 46% não gostam que mulheres usem roupas justas e decotadas.

Quando o assunto são as tarefas domésticas, 43% acham que quem deve cuidar da casa é a mulher, enquanto que 89% dos entrevistados consideram inaceitável que a mulher não mantenha a casa em ordem. No campo da sexualidade, 47% deles concordam que o homem precisa mais de sexo do que a mulher.

O Terra conversou com alguns homens para confrontar os dados do estudo.

Álcool, roupas e liberdade

Sair com as amigas, para muitas mulheres, é sinônimo de liberdade e de algumas horas de descontração – longe das obrigações envolvendo trabalho, filhos e casa. Embora alguns homens tenham dificuldade em admitir, o ciúme e o instinto de ‘propriedade’ está presente em muitos relacionamentos.

O gestor ambiental Marcos Flavio, 28, discorda. “Dentro de uma razoabilidade moral, não sendo ridículo, nem expondo a intimidade, creio que uma roupa decotada, combinando, seja sim bonito”, analisa.

Já quando o assunto é o álcool, rejeitado por 85% dos homens da pesquisa, as opiniões são divergentes. Diego Rodrigues, 28, executivo, acredita que é aceitável uma mulher ficar bêbada, mas com uma ressalva. “Desde que não seja uma coisa frequente, ou em situações em que não convém.”

O gestor operacional Robson Leandro da Silva discorda. “E daí que a mulher ficou bêbada? Se fosse o contrário (mulheres achando inaceitável homens bêbados) diriam que é frescura”.

Síndrome de Amélia

O estigma da Amélia, 'que era mulher de verdade’, vem sendo rejeitado ao longo dos anos por muitas mulheres, que hoje em dia têm enorme representatividade no mercado de trabalho. Os homens mais abertos à esta mudança de padrão aceitaram a virada, porém, como comprova a pesquisa, existem muitos que ainda preferem se acomodar no papel de marido provedor – que simplesmente é servido e não assume papéis na vida doméstica.

Com relação ao número de 43% que acham que quem deve cuidar da casa é a mulher, Diego acredita o dado pode estar relacionado às habilidades femininas. "Acho que mulher tem mais bom gosto para cuidar da casa no que diz respeito a móveis, louças, organização.”

Para Matheus, o segredo é o equilíbrio. “Os casais atuais dividem as tarefas e compartilham as coisas boas e ruins de cuidar da casa”, afirma, embora também acredite que “as mulheres são muito mais preocupadas com isso que os homens.”

Robson é contra o número da pesquisa. “Essa divisão não deve existir. Se você divide a casa com alguém, deve dividir as tarefas. A menos que um dos dois tenha por hobby, por exemplo, cozinhar. O que não acredito que aconteça com a questão da limpeza. Felizmente, as mulheres trabalham hoje e não devem assumir as funções de doméstica”, observa.

Sexo

Os hormônios masculinos geralmente são os ‘culpados’ pela aparente maior necessidade de sexo deles. E pelo visto eles concordam, já que 47% pensam desta forma, segundo a pesquisa.

C.R.S., 33, contato comercial, que prefere não se identificar, a informação procede. “O homem é mais sexual do que a mulher. Os homens admitem e as mulheres mais convencionais também. Mas não é palavra, é comportamento, pelo menos sob minha visão.”
Violência doméstica

Os números da violência propriamente dita, revelados pelo estudo, também não são animadores. Entre os mais alarmantes, estão o de que 16% já foram violentos com a companheira, atual ou ex; 56% dos homens já cometerem algum tipo de agressão com a companheira, entre eles, xingamentos (53%), empurrões (19%), tapas (8%).

Além disso, 35% disseram desconhecer a lei Maria da Penha, enquanto que 48% deles não apoia a mulher a buscar a Delegacia de Mulher caso o homem a obrigue a fazer sexo sem vontade.

A pesquisa lembra ainda que a cada 4 minutos uma mulher é vítima de agressão no Brasil e até 70% delas sofrem violência ao longo da vida.


Disponível em http://mulher.terra.com.br/comportamento/machismo-pesquisa-mostra-que-brasileiros-ainda-querem-uma-amelia,77bb0eefc99b2410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em 15 dez 2013.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Criança pode escolher ser menino ou menina? Veja o que os especialistas dizem

Anelise Zanoni
16/08/2010

Assim que veio ao mundo, Shiloh foi recebida por flashes. Estampou capa de revistas, teve o semblante comparado com os pais e desfilou, ao lado da mãe, modelitos de vestidos e sapatinhos de boneca.

Primeira filha biológica dos atores Angelina Jolie e Brad Pitt, a menina se transformou agora no centro de um polêmico debate: aos quatro anos, quer ser um menino.

O desejo de usar calça jeans masculina, camisetões e bermudas — justificado pela famosa mãe como um gosto próprio da pequena, que, segundo ela, "pensa que é como os irmãos" — foi acatado. Hoje, Shiloh é confundida com o irmão mais novo quando está na rua, porque teve o cabelo cortado e se veste como um guri.

— Alimentar essa vontade da criança pode revelar a perturbação da identidade sexual dos próprios pais. O transtorno de gênero pode afetar diversas áreas da vida da menina e trazer problemas futuros, como quadros de depressão e dificuldade de interação social — explica o psicanalista gaúcho Roberto Barberena Graña, especializado em crianças e adolescentes.

As possíveis consequências na vida de uma criança que vive um gênero oposto ao seu (masculino ou feminino) são explicadas por questões sociais. Desde que nascem, ou quando estão na barriga da mãe, os bebês são inseridos em uma categoria definida: menino ou menina. É quando todos o classificam de acordo com a biologia e passam a comprar roupas com cor relacionada ao sexo e brinquedos diferenciados. A criança fica acostumada com esses conceitos e é tratada de acordo com o gênero que tem. Mas, quando decide ser diferente e assumir outro gênero, uma série de mudanças ocorre a sua volta.

— A distinção entre homem e mulher é básica para a compreensão de nós mesmos enquanto seres humanos. Ela regula o modo como os indivíduos são tratados, os papéis que desempenham na sociedade e as expectativas sobre o modo de se comportar e se sentir — afirma a professora de Educação da Universidade de Londres Carrie Paechter, autora do livro Meninos e Meninas (Artmed, 192 páginas).

Ela explica que, nos anos iniciais, a família é a base para o desenvolvimento da compreensão infantil do que homens e mulheres, meninos e meninas fazem e de como essas atividades podem variar de acordo com o sexo de cada um. Crianças menores demonstram tendência à generalizações e tiram conclusões sobre o masculino e o feminino a partir daquilo que enxergam — é possível que Shiloh, por exemplo, veja com encanto o mundo que cerca os irmãos.´

Os pais, entretanto, não precisam se preocupar se o filho gosta de brincar com bonecas ou se a menina prefere se divertir com carrinhos ou espadas. A preferência só se torna preocupante se for corriqueira, obsessiva, diz Graña.

— Os pais participam mais ou menos ativamente na produção do transtorno. O comportamento compulsivo deve ser bem observado, e o incentivo leva à construção de um problema maior, ligado ao lado social e ao desenvolvimento da criança. Se os padrões puderem ser analisados precocemente, é possível corrigi-los — afirma Graña.

Pulando de um lado para outro

Sexo é trabalho da genética, gênero se constrói. Para que os dois andem em harmonia na vida de uma criança, é preciso ter identidade de homem ou de mulher e perceber os símbolos e significados do que é masculino e feminino.

Só que, quando sexo e gênero se contrapõem para a criança, uma série de desafios surge, principalmente na vida dos pais.

Para o psicanalista Roberto Barberena Graña, autor do livro Transtornos da Identidade de Gênero na Infância (Editora Casa do Psicólogo, 282 páginas), o caso de Shiloh, por exemplo, pode estar ocorrendo devido a uma a distorção na matriz familiar do gênero. Ou seja, uma lacuna na identidade sexual do pai ou da mãe (ou dos dois) ou nas gerações passadas da família pode contribuir para o desejo da menina de ser e se vestir como um guri.

— Ela vive, com certeza, um momento pré-transexual, o que poderá evoluir para o transexualismo adulto — explica o especialista.

É importante dar liberdade para a criança escolher suas roupas e brinquedos. Entretanto, segundo Graña, quando há compulsão por algo do sexo oposto, há transtorno, que pode afetar áreas do desenvolvimento e trazer dificuldade de interação social, estado de retraimento, quadros de depressão, tentativa de suicídio infantil (ligada principalmente a acidentes domésticos), psicose, problemas na sala de aula, agitação e hiperatividade.

Para evitar os reflexos, ele indica a busca de um profissional para fazer uma avaliação mais precisa. Quanto mais cedo, melhor.

— Aos dois ou três anos, os pais já podem observar algum transtorno e buscar ajuda. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor a evolução clínica. O ideal é não esperar até a puberdade — avalia o especialista.

Os sinais mais comuns são o desejo compulsivo e repetitivo por atividades, brinquedos e roupas do sexo oposto. Meninos que desejam sempre vestir as roupas da mãe ou das irmãs, que se encantam por maquiagens, gurias que não querem saber das bonecas ou que preferem usar cuecas e brigam para não usar as roupas de menina, merecem ser observadas com mais atenção, diz o psicanalista.


Disponível em http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/donna/noticia/2010/08/crianca-pode-escolher-ser-menino-ou-menina-veja-o-que-os-especialistas-dizem-3004697.html. Acesso em 28 out 2013.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Masturbação e pornografia podem se tornar dependência; veja pesquisa

Elvis Pereira
01/09/2013

Masturbação e pornografia podem se tornar uma dependência. Desde o fim de 2010, o IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas, em São Paulo, acompanha 86 homens com comportamento sexual compulsivo. Eles participam do primeiro estudo sobre o tema no país feito com pacientes. O objetivo é buscar evidências científicas sobre o problema e formas mais eficazes de tratá-lo, segundo Marco Scanavino, 47, principal autor da pesquisa. Os resultados iniciais foram divulgados neste ano, na revista "Psychiatry Research".


Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2013/09/1334806-masturbacao-e-pornografia-podem-se-tornar-dependencia-veja-pesquisa.shtml. Acesso em 10 set 2013.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Cooperar ou desertar

Tiago José Benedito Eugênio

Boas conversas surgem em uma mesa de bar ou diante das estantes de livros. É comum no final de um happy hour as pessoas dividirem as despesas e, mais comum ainda, alguém não ter dinheiro para ajudar a pagar a conta. Nessa hora, sempre existe um amigo que coopera e empresta o dinheiro. "Prometo que pago você amanhã, obrigado" é a resposta mais corriqueira para tal ato de camaradagem. Doce ilusão, o tempo passa e o devedor nunca mais toca no assunto, enquanto que quem emprestou nunca esquece. Será que em outra situação, no futuro, este devedor receberá ajuda do seu amigo?

Ou, então: um amigo chega à sua casa. Diante dos seus livros, você faz uma apresentação dos assuntos que está estudando e trabalhando. Após alguns comentários, seu amigo avista um livro que lhe chama atenção. Depois de folhear e elogiar o livro, ele o pede emprestado e promete que devolverá, assim que terminar de lê-lo. Os meses se passam e o livro emprestado não é devolvido. Você comunica o seu amigo, envia um e-mail dizendo que está precisando da obra. Mas ele diz que sempre se esquece de devolvê-lo ou, então, simplesmente ignora seu pedido e não responde. O que sente o indivíduo que gentilmente emprestou o livro? Ele emprestará outro livro para seu amigo?

Há uma infinidade de situações como essas, afinal, a cooperação e a trapaça estão no centro do comportamento social humano. Mas, afinal, por que o ser humano apresenta essa bipolaridade? Por que em algumas situações nos comportamos como mocinho, em outras, somos o vilão da história? Até meados do século XX, a sociedade e sua ordem eram compreendidas como uma entidade orgânica e coesa, e seus cidadãos, meras partes. Nesta vertente, os indivíduos eram negligenciados e a mente que importava era aquela pertencente ao grupo. A negação da autonomia da cultura em relação às mentes individuais também foi articulada pelo fundador da sociologia, Emile Durkheim (1858-1917), que escreveu: "A causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais que o precederam, e não entre os estados de consciência individual" (Pinker, 2004, p. 46). Assim, justificavam-se as diferenças entre os grupos étnicos exclusivamente com base nas diferenças culturais. Logo, a partir desta perspectiva, o comportamento social do ser humano não poderia ser explicado por mecanismos e propriedades inatas da mente.

Até meados do século XX, a sociedade e sua ordem eram compreendidas como uma entidade orgânica e coesa

Perspectiva evolucionista

Nas últimas décadas, contudo, tem havido uma renovação fascinante da literatura no que concerne à origem e à evolução desse sistema de normas nas sociedades. Uma série de evidências aponta que o comportamento humano parece também ser um produto de forças e propósitos evolutivos, isto é, influenciado pelas predisposições biológicas moldadas durante a evolução da espécie para lidar com as demandas ecológicas impostas, sobretudo, aos nossos ancestrais. Interpretações modernas sobre a evolução da ordem social e cooperação têm-se centrado no estudo comparativo com outras espécies e na evolução de estratégias reprodutivas dos indivíduos, as quais dependem do tamanho, estruturação dos grupos e dos padrões de interação entre os integrantes do grupo. Essa perspectiva vislumbra a ordem social como um subproduto da evolução das estratégias individuais engendradas por um longo processo histórico-evolutivo.

Nesse sentido, as normas sociais, sob esta nova óptica, são vistas, portanto, como um produto e não causa das ações dos indivíduos. O cerne desta perspectiva encontra-se nas ideias de Charles Darwin sobre a evolução das espécies. Para Darwin (1859/1996), o ambiente seleciona os indivíduos que detêm características que trazem mais benefícios do que custos - concedendo-lhes mais chances de sobrevivência e de reprodução -, e isso implica uma seleção natural, a qual é responsável pela modificação das espécies ao longo do tempo e do espaço. A seleção natural é, dessa forma, o processo através do qual variantes favorecidas em uma população sobrevivem e se reproduzem mais. Nesse processo, o ambiente seleciona os indivíduos - passando esse conjunto de traços para as gerações seguintes (Cronin, 1995).

Do abstrato ao lógico
Imagens: ShutterStock
Para testar suas hipóteses, primeiramente, os pesquisadores aplicaram em estudantes universitários a tarefa de seleção de Wason. Esse teste consiste na apresentação de quatro cartões mostrando, por exemplo, os caracteres "A", "B", "3" e "4"; é explicado que cada carta possui, em uma face, uma letra e, na outra, um número, e a regra condicional é: "Se uma carta tem uma vogal de um lado, tem um número par do outro. Nesse caso, o participante deve dizer quais cartas ele deve virar, no mínimo, para confirmar a regra". As primeiras constatações foram de que em relações que envolviam o raciocínio lógico e abstrato a maioria dos estudantes não acertava na escolha dos cartões. Entretanto, o desempenho dos estudantes mudava quando a hipótese condicional se referia a uma regra social não abstrata. Nessa versão, foi solicitado aos estudantes que se imaginassem como um barman, o qual deveria cumprir uma lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores de 20 anos. Dessa forma, as cartas representavam os fregueses: "bebendo cerveja", "bebendo refrigerante" (que equivaleriam às letras "A" e "B", respectivamente), com "16 anos" e com "22 anos" - que equivaleriam as "3" e "4", respectivamente. Esse experimento permitiu aos pesquisadores concluírem que, na espécie humana, teriam evoluído adaptações específicas que tornariam o homem mais habilidoso para detectar possíveis trapaças no seu meio social a partir de contratos sociais e não abstratos.

Se aceitarmos os pressupostos da teoria da evolução, os quais alegam que características, tais como órgãos e dentes, são produtos da seleção natural, por que não admitir que a nossa mente também seja um produto do processo evolutivo? Esta é a proposta central da Psicologia Evolucionista, que se utiliza de conceitos e da lógica darwinista para compreender como as pressões ambientais moldaram o cérebro humano ao longo do tempo. Nesse sentido, a perspectiva evolucionista amplia o estudo do comportamento humano para além da análise física e de suas causas próximas - mecanismos fisiológicos - e passa a considerar e investigar também os mecanismos psicológicos evoluídos. Para tanto, se debruça sobre o seu surgimento na história da vida, adotando o método comparativo com outras espécies, entre indivíduos e entre os sexos, e procura compreender a sua função ou o valor para a sobrevivência e reprodução do indivíduo.

● A mente e o contratualismo ●
A Teoria da Mente é proposta inicialmente pelos primatologistas Premack e Wooddruff em 1978 e é definida, em Psicologia, como a capacidade para imputar estados mentais aos outros e a si próprio. Nesse sentido, ela é essencial quer para a autorreflexão como para a coordenação da ação social. A Teoria do Contrato Social ou contratualismo é uma teoria sobre o contrato social que se difundiu entre os séculos XVI e XVIII e que tenta explicar os caminhos que levam as pessoas a formar Estados e/ou manter a ordem social. Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762) são os mais famosos filósofos do contratualismo.

Sob o ponto de vista evolutivo, o ato de cooperar implica em custos para o executor e em benefícios gerados para quem recebe a ajuda, enquanto a trapaça é compreendida quando alguém não retribui um favor ou àqueles que retribuem, mas oferecem muito menos do que recebem; ou, ainda, quando alguém usufrui de um benefício sem pagar os devidos custos. É dessa forma que podemos compreender a cooperação e a trapaça como extremos de um continum que envolve as relações e os jogos sociais. Desta forma, os mecanismos psicológicos existentes atualmente teriam evoluído para resolver problemas vivenciados por nossos ancestrais caçadores- coletores há milhões de anos e são esses mecanismos que, modelados pelo ambiente, subjazem o comportamento humano.

Partindo do pressuposto que somos seres essencialmente sociais, é esperado que, durante a evolução da espécie humana, tenha evoluído um sistema de normas de convivência a fim de regular as interações assim como as trocas sociais entre os indivíduos. Assim, mecanismos emocionais e cognitivos, tais como detecção de trapaça, senso de justiça, vigilância; teoria da mente e reputação, teriam originado e evoluído para regular nossa natureza humana social benevolente e egocêntrica.

Teoria do Contrato Social

Os pesquisadores John Tooby e Leda Cosmides, da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, propuseram a Teoria do Contrato Social para explicar a evolução dos mecanismos reguladores das trocas sociais e da cooperação na espécie humana. Para tanto, levantaram a hipótese da existência de adaptações cognitivas específicas para regular as trocas sociais, entre elas: capacidade de identificar e reconhecer diferentes indivíduos; relembrar diversos aspectos históricos de interações com os indivíduos; detectar possíveis sujeitos violadores das regras sociais na população; expressar e compreender os desejos e as necessidades dos outros e representar os custos e benefícios nas trocas sociais dos mais diversos itens (veja quadro Do abstrato ao lógico).

● Teoria dos jogos●
É uma teoria matemática utilizada para o estudo da tomada de decisão e interação de dois ou mais indivíduos. Para isso, faz uso de diferentes jogos para compreender as estratégias dos indivíduos para alcançar o melhor desempenho, maximizando os seus ganhos. A aplicação dessa teoria à Psicologia tem sido importante para o estudo empírico do comportamento social, sobretudo da cooperação em humanos.

Após os estudos com o teste de seleção de Wason, novas questões foram feitas pelos psicólogos evolucionistas. Por exemplo, o que afeta a cooperação em um grupo? Quais são os mecanismos psicológicos e emocionais evoluídos para coibir a trapaça? Para responder a essas questões, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, estudaram o comportamento moral de crianças por meio de um jogo, conhecido como bens públicos - um dos famosos modelos propostos pela Teoria dos Jogos. Nesse jogo, cada criança recebia três chocolates e decidia quantos ela doaria para um fundo comum. Para cada chocolate doado era acrescentado mais dois no bem comum e, no final do jogo, este era dividido igualmente entre todos os indivíduos. As crianças foram separadas em grupos pequenos e grandes. Foi observado que nos grupos menores a generosidade foi maior, pois os indivíduos monitoravam o comportamento dos colegas. Entretanto, nos grupos maiores, em que não é fácil perceber quem doa, a cooperação caiu rapidamente, mostrando que o egoísmo prevalece quando o indivíduo não percebe um ambiente propício para a cooperação (Alencar, Siqueira e Yamamoto, 2008).

Uma série de evidências aponta que o comportamento humano parece ser um produto de forças e propósitos evolutivos

O estudo feito em campo reproduz de forma elegante um descompasso temporal, uma vez que no ambiente ancestral da espécie humana a organização social provavelmente era igualitária, sem privilégios para alguns membros e nem ocorrência de trapaceiros. O tamanho reduzido do grupo proporcionava uma fiscalização mais rigorosa do comportamento de cada um (Broom, 2006). Nesse sentido, a fiscalização era importante para coibir os trapaceiros; aqueles indivíduos que usufruem do benefício, mas não pagam o custo devido pelo mesmo (Trivers, 1971). Com o tempo, entretanto, os grupos foram crescendo e, por consequência, a identificação dos trapaceiros se tornou uma tarefa mais difícil (veja quadro Vigilância).

A capacidade de expressar e compreender os desejos e as necessidades dos outros é outra adaptação cognitiva específica para regular as trocas sociais. Premack e Woodruff (1978) estudaram o comportamento de chimpanzés que, assim como os humanos, pensam em seus coespecíficos. Assim, cunharam a expressão "Teoria da Mente", que significa a capacidade para imputar estados mentais aos outros e a si próprio. Neste sentido, ela é essencial quer para a autorreflexão como para a coordenação da ação social.

Com humanos, é empregado o clássico experimento "Problema da Sally-Anne", no qual é exibida uma cena para os sujeitos. Primeiramente, Sally entra, guarda uma bola em um local, por exemplo, atrás do sofá, e sai da cena. Entra em cena a Anne, que retira a bola de trás do sofá, a coloca em outro local, por exemplo, dentro de uma caixa, e sai. Sally retorna em busca da bola - nesse ponto a cena é interrompida. Em seguida, pergunta-se para o sujeito: "Onde Sally irá procurar pela bola?"

Vigilância

Pistas sutis de vigilância parecem também influenciar o comportamento dos indivíduos. Rigdon e colaboradores (2009) solicitaram para alguns sujeitos compartilharem um recurso de forma arbitrária com outros, que deveriam aceitar de forma passiva a oferta. Devido a esse caráter, esta situação é conhecida na literatura como jogo do ditador. Os pesquisadores, no momento da tomada de decisão, entregaram para os "ditadores" um cartão com três pontos - dispostos como uma face (figura a). Em outra condição, os ditadores viam o mesmo estímulo, no entanto, rotacionado 180º (figura b). Observou-se que os participantes ditadores alocaram mais recurso para os receptores quando eram submetidos à condição de vigilância. Os pontos distribuídos como se fosse uma face parecem ativar a área fusiforme do cérebro - responsável pelo reconhecimento de faces - sendo, portanto, suficiente para modificar o comportamento social dos ditadores.

Imagens: ShutterStock
a = Pontos dispostos como uma face (condição de vigilância). b = Pontos rotacionados 180o (condição neutra). Adaptado de Rigdon et al., (2009)

Recurso cognitivo

Os pesquisadores observaram que, até três anos de idade, as crianças apresentam dificuldades de entender que diferentes pessoas podem ter representações distintas de uma mesma realidade. Nesse caso, essas crianças respondem, em geral, que Sally irá procurar a bola dentro da caixa. Todavia, quando a mesma pergunta era feita para crianças com mais de seis anos, quase todas as crianças respondiam corretamente, que Sally iria procurar no local onde tinha deixado a bola, isto é, atrás do sofá. No que se refere à idade crítica no desenvolvimento da "Teoria da Mente", há divergências entre os pesquisadores (Ottoni, Rodriguez & Barreto, 2006).

No entanto, é inegável que, com tal recurso cognitivo, o ser humano pôde, por exemplo, planejar estratégias e tomar decisões críticas numa situação social. Além disso, tornou-se possível ao Homo sapiens prever que ideia os outros estariam formando a seu respeito, bem como tornou mais sofisticadas as relações e a comunicação intra e intergrupo, habilitando-o a entender artifícios da expressão humana como a ironia, a dissimulação, o sofrimento, o interesse e a falsidade.

Pode ser verdade que nossa moralidade é, em última análise, um meio pelo qual os indivíduos induzem o moralismo no próximo para satisfazer seus próprios interesses (Cartwright, 2000) e que, por mais niilista que seja isso, somos hospedeiros de genes egoístas usurpadores, cujo objetivo maior é sobreviver e se reproduzir. Mas assumir isso não nos inviabiliza o planejamento e a criação de contextos que burlem os desígnios da nossa essência genética e egocêntrica. Somos seres humanos imbuídos em um mundo social: viemos ao mundo equipados com predisposições para aprender a cooperar, a distinguir o justo e virtuoso do traiçoeiro, a praticar e prezar pela lealdade, a conquistar boa reputação diante dos nossos semelhantes, intercambiar produtos e informações, a dividir o trabalho e a modelar sua individualidade e vínculos sociais a partir das reações do outro. Nisso, somos uma espécie única.

Referências
Alencar, A. I., Siqueira, J. O, & Yamamoto, M. E. (2008). "Does group size matter? Cheating and cooperation in Brazilian school children". Evolution and human behavior, 29, 42-48. Broom, D. M. (2006). "The evolution of morality". Applied Animal Behavioral Science, 100, 20-28. Cartwright, J. (2000). Evolution and human behavior. London: MacMillan Press. Cosmides, L. & Tooby, J. (1992). "Cognitive adaptations for social exchange". In: H. J. Barkow, L. Cosmides & J. Tooby. The adapted mind: Evolutionary psychology and the generation of culture (p. 163-228). New York: Oxford University Press. Cronin, H. (1995). A formiga e o pavão: altruísmo e seleção sexual de Darwin até hoje. Campinas: Papirus. Darwin, C. (1859/1996). The origin of species. Oxford: Oxford University Press. Hamlin, J. K., Wynn, K., & Bloom, P. (2007). "Social evaluation by preverbal infants". Nature, 450, 557-559. Nowak, M. A., Page, K. M., & Sigmund, K. (2000). "Fairness versus reason in the ultimatum game". Science, 289, 1773-1775. Pinker, S. (2004). Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras. Ottoni, E. B., Rodriguez, C. F. & Barreto, J. C. (2006). "Teoria da Mente e compreensão da representação gráfica de conteúdos mentais (balões de pensamento)". Interação em Psicologia, 10, 225-234. Rigdon, M., Ishii, K., Watabe, M. & Kitayama, S. (2009). "Minimal social cues in the dictator game". Journal of Economic Psychology, 30, 358-367. Trivers, R. (1971). "The evolution of reciprocal altruism". Quarterly Review of Biology, 46, 35-57.


Disponível em http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/73/artigo244856-1.asp. Acesso em 25 ago 2013.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Bases biológicas da orientação sexual e da identidade de gênero

Daniel Pessoa
10 outubro, 2009

Homens e mulheres revelam padrões de diferenças comportamentais e cognitivas que refletem as diversas influências hormonais no desenvolvimento do cérebro.

Alguns estudos têm apontado para a importância do hipotálamo como área do cérebro responsável pela regulação do comportamento reprodutivo. Tem se mostrado que o hipotálamo de ratos machos é maior que o de ratos fêmeas, estando esta diferença sob controle hormonal. Estas diferenças também têm sido identificadas no hipotálamo humano, e estariam relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero. Aparentemente, transexuais masculino-femininos apresentam hipotálamos menores que os de indivíduos masculinos.

Em ratos, a privação de hormônios masculinos, através da castração ou bloqueio hormonal, imediatamente após o nascimento, leva a uma redução nos comportamentos sexuais masculinos (montar durante a cópula) e a um aumento nos comportamentos sexuais femininos (lordose – arqueamento das costas durante o coito). A administração de hormônios masculinos a ratos fêmea levam a um resultado similar, com aumento de monta e diminuição de lordose.

Isto também parece ocorrer em seres humanos. A análise do comportamento lúdico de meninas com HCA (hiperplasia das adrenais), em comparação com seus irmãos e irmãs, mostrou uma “masculinização” de seus comportamentos. A HCA faz com que grandes quantidades de hormônios masculinos sejam produzidas.

No passado, a ciência já serviu como pretexto para deflagração de preconceitos e conceitos distorcidos. A ciência não é perfeita, afinal é realizada por seres humanos. Vamos torcer para que os cientistas não se esqueçam do passado e que a ética prevaleça em suas pesquisas e interpretações.


Disponível em http://pessoadma.wordpress.com/2009/10/10/bases-biologicas-da-orientacao-sexual-e-da-identidade-de-genero/. Acesso em 11 ago 2013.

sábado, 10 de agosto de 2013

Consumo, logo existo

Roberta de Medeiros
dezembro de 2009

Diante de um mercado forte e diversificado, o homem da sociedade contemporânea é continuamente bombardeado por sedutoras peças publicitárias, que prometem bem-estar, status, conforto, projeção imediata e ilusão de segurança. Com a chegada das festas de fim de ano, a lógica do “consumo, logo existo”, segundo a qual o bem-estar é conquistado pela aquisição de produtos, se torna ainda mais evidente. Em casos extremos, a compulsão por compras pode se tornar patológica.

Dois psiquiatras, o alemão Emil Kraepelin (1856-1926) e o suíço Eugen Bleuer (1857-1939), foram os primeiros a escrever sobre o comprar compulsivo (ou oniomania), no início do século XX. Para os pesquisadores, levar em conta a dificuldade de controlar o impulso é elemento essencial para compreender o quadro. Eles observaram que algumas mulheres com esse diagnóstico buscavam excitação, assim como os jogadores patológicos. O tema caiu no esquecimento nos anos seguintes e foi retomado de forma mais intensa na década de 90. O transtorno, porém,ainda não é considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas, a pessoa que sofre de compulsão experimenta uma forte ansiedade que só é aliviada quando faz a compra. “Ela não consegue controlar um desejo intrusivo e repetitivo. O ato é imediatamente seguido por intenso sentimento de alívio.” Em situações de impossibilidade de comprar podem aparecer sintomas como irritação, sudorese, taquicardia, tremor e sensação de desmaio iminente. Algum tempo depois de adquirir a nova mercadoria, porém, surge a sensação de remorso e decepção diante da incapacidade de controlar o impulso. Numa atitude compensatória, o mal-estar causado pela culpa leva a pessoa a comprar novamente, dando continuidade ao círculo vicioso.

Numa sociedade que estimula o máximo consumo e a satisfação do prazer imediato, a compulsão por compras não é notada tão prontamente pela família, diferente do que ocorre com de outras dependências, como o abuso de drogas. Por isso, quem sofre do transtorno leva muitos anos para reconhecer o caráter patológico do seu comportamento. Mas quando isso acontece, a pessoa sente vergonha por não vencer a batalha contra o impulso – e, assim, o transtorno pode ser mantido em segredo por anos a fio.

Segundo a psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do Ambulatório de Dependências Não Químicas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a avaliação do problema não é feita com base na quantidade de dinheiro gasto. Isso, por si só, não constitui evidência para diagnóstico, mas sim prejuízo que o comportamento pode causar na vida da pessoa, já que ela passa a negligenciar atividades sociais importantes como trabalho e família. “O que deve ser considerado é a relação do paciente com a compra. Para o compulsivo, o único prazer está no ato de adquirir, ele não pretende usufruir do objeto: é um comportamento vazio”, afirma. Há, portanto, uma restrição do prazer, um empobrecimento social e uma queda da qualidade de vida, já que a pessoa se torna apática diante de outros estímulos.”

Em sua tese de doutorado, Juliana Bizeto investiga os fatores de risco que estão envolvidos com o surgimento de dependências não químicas. Com base em dados de uma pesquisa realizada com pacientes compulsivos atendidos pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp, ela constatou que um aspecto de grande importância é a falta de inserção social. “A pessoa que não está inserida em um grupo social, seja no trabalho, na família ou na igreja tem maior possibilidade de desenvolver algum tipo de dependência, seja por compras, jogos, sexo ou internet”, observa.

O artigo “Compulsive Buying. Demography, Phenomenology and comorbidity in 46 subjetcs”, publicado pelo periódico Gen Hosp Psychiatry em 1994, mostra que 94% dos compradores compulsivos são mulheres. Juliana ressalta, porém, que a presença do transtorno na população masculina pode estar subestimado. “Não sabemos se as mulheres são realmente as maiores vítimas ou se são as que mais frequentemente procuram o serviço de saúde. Em alguns casos, a gravidade do quadro é ainda mais acentuada nos homens porque eles demoram a buscar tratamento e, quando isso acontece, chegam ao ambulatório muito comprometidos”, ressalta.

Tempo de abusos

Nem sempre esse comportamento se repete durante o ano todo. A pessoa também pode ter “orgias” de compras ocasionais em algumas situações, como aniversários, épocas de festas e férias. A terapeuta observa, porém, que o gasto episódico não é suficiente para confirmar um diagnóstico. “No caso da compra por hábito ou impulso, a pessoa se sente atraída pelo produto; quando se trata de compulsão há descontrole, o compulsivo simplesmente não resiste e compra”, diz a psicóloga Júnia Cicivizzo Ferreira, da Unifesp.

Ela lembra que, em geral, os adolescentes são alvos fáceis quando o assunto é o consumo exagerado. O transtorno tem início no final da adolescência, fase em que as pessoas conseguem crédito pela primeira vez, fazendo com que alguns já iniciem a vida adulta como uma dívida incalculável. As compras descontroladas feitas por adolescentes podem estar associadas ao abuso de drogas e de álcool e ao início precoce da vida sexual. Apesar de o custo do transtorno nunca ter sido calculado, estima-se que o impulso de comprar movimente mais de US$ 4 bilhões em compras anuais nos Estados Unidos, segundo o artigo “The Influence of culture on cunsumer impulsive buying behavior”, de 2002, publicado na revista J. Consume Psycol.

Segundo Tatiana Filomensky, o comportamento compulsivo pode servir como meio de descarga para sanar angústias, raiva, ansiedade, tédio e pensamentos de desvalorização pessoal. Segundo ela, trata-se de um movimento aprendido. Embora não haja um “modelo”, há muitos casos de pessoas com o transtorno que tiveram pais ausentes que compensavam negligência com presentes. “Há casos, por exemplo, de pessoas que se atrasam para buscar o filho na escola e depois os compensam com doces ou brinquedos. Com isso, ensinam que objetos e produtos aplacam a tristeza; esse comportamento pode ser adotado pela criança na fase adulta.”

“Há pais que passaram por dificuldades financeiras na infância e, na melhor das intenções, tentam poupar os filhos de privações”, diz o psicólogo Luiz Gonzaga Leite, coordenador do Departamento de Psicologia do Hospital Santa Paula e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. “Isso pode comprometer a ideia de limite tornar essas crianças, adultos incapazes de suportar frustrações.”

Poder e narcisismo

O psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo concorda que o transtorno está relacionado à carência afetiva, mas acredita que o problema também tenha implicações com a necessidade de estabelecer relações de poder. “Nossa organização social nos ensina que para ser poderoso é preciso possuir objetos. O desejo de posse pode ser uma forma de compensar sensações de inferioridade que vivemos na infância diante dos adultos. Parte daí a vontade de mostrar, mais tarde, que somos fortes. E essa busca é realimentada pela cultura: afinal de contas, a carência dá lucro.”

Já o psicanalista Joel Birman, professor de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a voracidade do compulsivo está envolvida com elementos tão presentes na atualidade, como o narcisismo, o culto ao eu e o vazio existencial. O ato de comprar, segundo ele, equivale a uma experiência erótica que atenua o sofrimento do homem contemporâneo. “As pessoas recorrem ao consumo exagerado para que possam exibir uma imagem narcísica, que tem por objetivo o preenchimento do vazio com objetos. A compulsão se baseia numa lógica social que supervaloriza o ter em detrimento do ser.”

Segundo Birman, a pessoa está sujeita ao consumo incontrolável à medida que projeta ideais de perfeição nos ídolos idealizados, fabricados pela indústria cultural, que suprem a carência afetiva. “Nossa cultura valoriza astros envolvidos em impressões estéticas e performáticas, o que aumenta a insegurança das pessoas sobre o que têm como potência. Isso deflagra uma sensação generalizada de desqualificação. Se não fôssemos bombardeados a cada instante pelo estrelismo alardeado pela mídia, estaríamos menos tomados pela compulsividade.”

O avarento e o perdulário: duas faces da mesma moeda

Em seu livro Do ter ao ser, o psicanalista Erich Fromm diz que possuir coisas é uma condição inerente ao homem. Há cerca de 12 mil anos, com a fundação da agricultura, nossos ancestrais passaram a desenvolver uma ligação mais intensa com utensílios e adornos. Os objetos eram usados no cotidiano e tinham funcionalidade. Na sociedade capitalista, porém, a propriedade deixa de ter esse caráter utilitário: em geral, acumulamos mais bens do que somos capazes de usar.

Do ponto de vista psíquico, o avarento e o esbanjador têm em comum a relação patológica com a propriedade, relacionada ao “ter possessivo”: ambos querem acumular mais que seria necessário para o seu uso. Tanto a infinidade de objetos que o gastador acumula em suas incursões por lojas de departamentos quanto o dinheiro que o poupador exagerado deixa de gastar remetem à ideia de uma propriedade morta, uma vez que os bens deixam de ter qualquer funcionalidade ou valor de uso.

Em seu texto “Caráter do erotismo anal”, de 1908, Sigmund Freud propõe um paralelo entre os interesses envolvidos no ato de acumular bens e o dinheiro. Segundo a teoria psicanalítica, a criança se agarra ao desejo de possuir porque ainda não é capaz de produzir – e essa sensação faz parte do desenvolvimento saudável. Mas se o adulto se torna refém do sentimento de posse, isso pode significar que ainda não se sente capaz de criar algo por si.

Fatores biológicos

Pesquisas indicam que alguns neurotransmissores têm papel importante no surgimento do comportamento compulsivo. É o caso da serotonina, envolvida nos processos de regulação dos estados de humor e do sono. Pouca quantidade da substância no cérebro parece estar ligada à impulsividade. Um estudo que examinou usuários de ecstasy, droga que leva à perda de neurônios de serotonina, mostrou que esse grupo apresentou maior propensão à impulsividade e tomadas de decisões erradas.

Outra substância que pode estar envolvida na compulsão é a dopamina, relacionada à dependência de substâncias e de comportamentos. As alterações na atividade do neurotransmissor podem estar associadas à busca de recompensas, que causam sentimentos de prazer. Alguns autores do estudo propõem a existência de um mecanismo de dependência desencadeado pela diminuição de dopamina, que provoca a chamada síndrome de deficiência da recompensa e indica que algumas pessoas têm mais risco de desenvolver dependência.

Estudos com pacientes com doença de Parkinson reforçam a hipótese de que a dopamina está envolvida nos transtornos do controle dos impulsos. Vários pacientes examinados apresentavam comportamento repetitivo de busca de recompensa, como compulsão por jogo, sexo, comida e compras. Esse comportamento estaria relacionado com a degradação das células neurais que captam a substância, em função da doença e do tratamento.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/consumo_logo_existo.html. Acesso em 10 ago 2013