Diana Levcovitz; Adriana Maimone Aguillar
A o refletir sobre o corpo da criança, poderíamos levar em
consideração inúmeros aspectos. Existe, atualmente, um número expressivo de
pesquisas realizadas sobre a obesidade infantil, especialmente em crianças de
classe média, associando o distúrbio a hábitos sedentários, tais como as
práticas de jogar video-games, assistir televisão, navegar na Internet, à falta
de atividades físicas nas escolas, como a expressão corporal, os esportes, a
dança ou o teatro. Alia-se a isso a alimentação inadequada, mesmo em crianças
das classes populares, ou a falta de um padrão alimentar. Outro aspecto seria a
questão da violência corporal que inclui maus tratos por parte dos pais ou
responsáveis, familiares, adultos e até adolescentes. Poderíamos falar da
questão das brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros
tempos, favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em questão das
brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros tempos,
favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em criança de rua,
queremos fazer referência a meninos abandonados e não a crianças brincando nas
ruas; são os valores que se invertem.
Para este ensaio nos restringiremos à pedagogização do corpo
infantil
Ainda temos as questões de sexualidade, de gênero, de raça e
de etnia. Como são vividos e pensados estes aspectos com relação ao corpo da
criança?
Falar do corpo da criança implica, necessariamente, falar de
vários corpos e, até mesmo, de várias infâncias. Ou, talvez, devamos
especificar a que corpo e a que infância estamos nos referindo. Nos séculos XVI
e XVII, tanto a noção de infância como a noção de corpo, eram totalmente
diferentes daquela que possuímos atualmente. Algumas pessoas poderão se
assustar ao ler as páginas do diário de Heroard, médico de Henrique IV, no qual
anotava alguns fatos da vida do jovem Luís XIII. Philippe Ariès descreve
algumas passagens deste diário no livro História Social da Criança e da
Família, onde podemos perceber claramente as distinções de comportamento. São
descritas situações nas quais brincadeiras sexuais eram realizadas sem a menor
vergonha ou pudor: “Luís XIII tem um ano: ‘Muito alegre’, anota Heroard, ‘ele
manda que todos lhe beijem o pênis.’ Ele tem certeza de que todos se divertem
com isso. Todos se divertem também com sua brincadeira diante de duas visitas,
o senhor de Bonnières e sua filha: ‘Ele riu muito para (o visitante), levantou-
lhe a roupa e mostrou-lhe o pênis, mas, sobretudo à sua filha; então segurando o
pênis e rindo com seu risinho, sacudiu o corpo todo.’As pessoas achavam tanta
graça que a criança não se cansava de repetir um gesto que lhe valia tanto
sucesso.” (ARIÈS, 1981, p.126)
Consideramos interessante ressaltar essas descrições apenas
como ilustração para a compreensão da maneira como a concepção de corpo assim
como a de infância se transforma no decorrer dos tempos.
Gênero e a teoria Queer
Queer é uma palavra inglesa e significa estranho,
excêntrico. Mas também é a forma pejorativa de se referir a homens e mulheres
que se interessam por pessoas do mesmo sexo. A filósofa norte-americana Judith
Butler manteve o termo para que, por meio do deboche, pudesse reinvidicar para
os estudos, e para a militância de uma forma geral, um caráter de contestação. O
termo, dessa forma, passou a designar tudo (pessoa ou coisa) que assume posição
contra qualquer tipo de normatização. A teoria queer nasceu de estudos feministas nos anos 90, sob
influência do pensamento de Foucault, especialmente no diz respeito à forma
como o poder se relaciona com a identidade. Basta lembrar que nas últimas
décadas do século XX, as feministas foram as primeiras a questionar que uma
identidade universal (no caso, a branca e masculina) devesse servir como
fundamento único para o pensamento e para a ação política. Alardearam a
necessidade de levar em conta a diferença, lembrando que raça, etnia, classe,
gênero e sexualidade são categorias que interagem e produzem um amplo espectro
de identidades que são mutáveis e resistentes a definições rígidas. Dessa
maneira, ao compreenderem a noção de categorias transhistóricas, tais como:
mulher, homem, homossexual, etc, muitos acadêmicos assumidamente feministas e
gays desenvolveram trabalhos de teoria queer como uma nova forma de pensar as
políticas de gênero e de sexualidade. Convém ser ressaltado que, enquanto a
teoria produzida desde estudos gays ou lésbicos examina diferentes identidades,
a teoria queer examina as diferenças para minar a própria noção de identidade.
“Correr, para nós, é como andar a cavalo, galopando,
competindo com o vento. Não se sabe nada, não se pensa, não se lembra de nada,
nada se vê, apenas sente-se a vida, uma vida plena.” (Janusz Korczak, Quando eu
voltar a ser criança, p.29)
MICHEL FOUCAULT, em História da Sexualidade I, A Vontade de
Saber, opõe dois conceitos ao estudar os discursos produzidos sobre o sexo. Um
deles era a scientia sexualis ou, dito resumidamente, um conjunto de saberes
sobre o sexo como discurso médico, cientificista, baseado na biologia
evolucionista da reprodução. Outro conceito , a ars erotica, era um conjunto de
saberes nascidos das práticas culturais, algumas milenares, da Grécia e da Roma
clássicas, da Índia e da China, que buscavam saber sobre o sexo para ampliá-lo.
No ocidente vingou o primeiro tipo de saber, tendo na confissão religiosa sua
principal fonte de discursos. Posteriormente, a confissão religiosa daria lugar
à Pedagogia e à Medicina. Quando o filósofo elabora o conceito de dispositivo
da sexualidade, o faz levando em conta estratégias globais de dominação. Para
este ensaio, entretanto, nos restringiremos a uma delas: a pedagogização do
corpo da criança. Não foi simplesmente proibido falar de sexo, mas, por meio da
Pedagogia, produziram-se formas exatas e corretas de se falar sobre o sexo, ou
seja, uma legitimação dos discursos sobre o assunto, acompanhada de uma forma
correta de se utilizar os corpos, mediante discursos específicos sobre o corpo.
A chamada “sociedade disciplinar” (termo cunhado por Michel
Foucault que se refere a cada um em uma instituição cujo objetivo é o controle
e a produção dos corpos), com seu modelo de repressão, impedia que se falasse
do corpo. Atualmente, na “sociedade de controle” (descrita por Gilles Deleuze
no livro Conversações, o qual a sociedade abole fronteiras, mas não o controle)
, ainda que a repressão não tenha sucumbido de todo, vivemos experiências
contrárias a ela. Nas palavras de Lins e de Gadelha (2002, pp.171-172) “(...)
superexcitam-se os corpos (...) configurando um corpo ágil, animado, hiperacelerado.
(...) Segundo Nietzsche, é sempre sobre a superfície dos corpos que incide
qualquer ‘educação’.”
Quando falamos de infância e de corpo caímos certamente em
questões acerca da educação, seja aquela oferecida pela escola, seja a
oferecida pelos pais ou seus responsáveis.
Família e escola foram instituições responsáveis pelo ensino
de cuidados individuais com o corpo
PARA COMPREENDERMOS aspectos relativos aos corpos das
crianças devemos levar em conta a maneira como nele estão inscritos alguns
imperativos históricos e culturais.
A partir disso, é possível afirmar que a criança, antes
mesmo de nascer, já está inserida num complexo de sentidos que lhe é dado pelas
instituições que a aguardam. Querendo ou não, ela carrega em seu corpo uma
espécie de narrativa que seus antepassados e mesmo seus contemporâneos
veiculam. E isso vale tanto para a criança que habita um grande centro urbano
quanto para aquela que vive em uma pequena aldeia e pertence a um povo
indígena. Entretanto, ela é um ser capaz de experienciar a vida de maneira
intensa, diferente do adulto. A criança tem inventividade para transformar o
que vê e o que descobre e, junto com seus pares, produz cultura. Efetuar esse
entendimento demanda uma compreensão da história, da geografia e da cultura que
atuam na direção da construção de um corpo que possui características próprias.
Para isso, algumas perguntas se impõem: como é vista a sexualidade na infância?
E quanto à questão de gênero, existe alguma diferença no trato dos meninos e
com as meninas? As crianças negras, ou de diferentes etnias, como são tratadas?
“Lembro-me de uma surra que um colega levou. Foi o professor
de caligrafia que o castigou. (...) Tive muito medo então. Parecia-me, que,
assim que acabassem com ele chegaria a minha vez. E senti muita vergonha, pois
o garoto foi castigado nu.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança,
39)
Família e escola têm-se constituído historicamente como
instituições de referência para se entender e informar o que vem a ser a
criança. Podese dizer que foram as instituições responsáveis pelo engendramento
da individualização, ensinando e exigindo ao longo do tempo, o cuidado sobre o
corpo em seus mínimos detalhes. Foucault, em entrevista à revista Quel Corps?
em junho de 1975, afirmou que tal movimento de individualização propiciou a
possibilidade de se perceber no corpo beleza, capacidade e habilidades. E isso
só foi possível dentro de um processo de educação meticuloso e sistemático,
levado adiante coletivamente. Fez-se necessário um investimento no corpo, uma
produção de padrões de disciplina e de destreza, de higiene, de “boa” postura,
e mesmo de etiqueta, de retórica e de apreciação do belo. Dessa maneira, as
crianças, à semelhança de soldados, eram investidas de um modelo de corpo poderoso
e saudável, adepto da ginástica, da nutrição balanceada, das horas de sono
restauradoras etc. Paralelamente, refinaram-se os saberes e diversas
disciplinas acreditaram poder explicar os funcionamentos e, os alcances e a
formação de um corpo modelar. A Medicina, com a Fisiologia e a Psiquiatria,
seria um exemplo disso. “(...) Mas, a partir do momento em que o poder produziu
este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge
inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde
contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do
casamento, do pudor. E, assim, o que tornava forte o poder passa a ser aquilo
por que ele é atacado... O poder penetrou no corpo, encontra−se exposto no
próprio corpo... (...)” (Foucault, revista Quel Corps?, junho de 1975)
Não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha
sido banida de todo
NESSE SENTIDO, o corpo da criança, como o do adulto, passa a
ser positivado. Ainda que, na casa ou na escola, seja muitas vezes desencorajado
a se mover e a falar, esse mesmo corpo recebe paparicação, aprende a
sociabilidade da negociação e inventa esconderijos para suas pequenas
descompressões. Não se trata, enfim, de um corpo genérico, mas de um corpo
produzido socialmente, culturalmente.
Nas relações entre os corpos das crianças e dos adultos
estão presentes relações de poder. Melhor dizendo, em qualquer tipo de relação
entre pessoas (criança-criança; adultoadulto e criança-adulto) o poder está
presente. E isso ocorre em nome de uma disciplina, de uma docilização. Isso
pode ser percebido facilmente no poder da mãe sobre a constituição do paladar
na criança, ou nas horas de sono “criadas” para esta.
NA SOCIEDADE disciplinar característica do século XVIII, a
cada um era destinado um lugar: a caserna, a fábrica, a escola, o manicômio, o
prostíbulo. Dessa maneira, os corpos eram vigiados constantemente e as ações
humanas executadas de acordo com ordens superiores. A escola surgiu, dessa
maneira, como instituição disciplinar por excelência. Nos dias atuais,
entretanto, não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha sido
banida de todo. Exemplo disso são estudos que constataram que, por ser o
momento do recreio o da movimentação livre, os professores o suprimem como
forma de punição aos desobedientes. Ademais, ao analisarem mudanças ocorridas
na escola, alguns autores chegam a afirmar que a indisciplina e a violência
nesse espaço podem ser vistas como efeito de uma transformação na sociedade. O
que se tem, na verdade, são resquícios da “sociedade disciplinar” sobrevivendo
a outro tipo de sociedade, ou seja, a “sociedade de controle”. Nesta, os
espaços de trabalho e de estudo, por exemplo, não aparecem tão bem definidos, e
não existe mais uma vigilância constante sobre as pessoas. O controle é
exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão branda que dificilmente é
reconhecido como tal. Outros exemplos da “sociedade de controle” são os
telefones celulares, a Internet, o GPS, a senha digital, as câmeras de
segurança, enfim, facilidades que o homem contemporâneo raramente questiona
como invasivas, por conta do proveito que delas tira. O controle, dessa
maneira, parece perder sua origem institucional para se exercer no nível
pessoal.
O controle é exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão
branda que dificilmente é reconhecido como tal
Uma oportunidade que as crianças inventam para relaxar do
controle disciplinar é inserir a sexualidade nas brincadeiras. Esse é um
assunto que provoca incômodo em casa e na escola e torna-se visível nas ações
“inocentes” impregnadas de excitabilidade e agressividade das crianças. Sendo
elemento tão constante na vida de todos, a sexualidade manifesta- se na criança
também como vontade de saber, de descobrir, de experimentar poder.
De uma maneira mais extensa, a sexualidade indica também a
maneira como o indivíduo sente, percebe, e lida com a genitalidade. Esse
conjunto de experiências carrega significados que são partilhados em diferentes
culturas e em determinados momentos de suas histórias. Apenas para ilustrar, o
que no Brasil contemporâneo é considerado incesto não o é, por exemplo, numa
tribo da Polinésia francesa no século XVII. Ou mesmo a masturbação que, em
tempos bíblicos, recebeu a conotação de imoralidade pelo fato de, nas práticas
masculinas, a ejaculação resultar desperdício de esperma essencial para a
reprodução.
“Vocês pensam, quem sabe, que nós também batemos um no
outro. Mas nossas mãos são pequenas e temos pouca força. E mesmo quando estamos
com uma bruta raiva nunca batemos para machucar. Vocês não sabem como são as
nossas brigas.”(Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p. 106)
Ao afirmar que há diferentes formas de se viver a
sexualidade e de se organizar afetivamente, Miskolci (2005) lembra que diversos
tipos de arranjos familiares se constituem a todo tempo, no mundo todo. Basta
lembrar que a família chamada de ”tradicional”, isto é, composta de pai, mãe e
filhos, tem dividido a cena social com famílias em que só um adulto cuida da
criança, com famílias cujo casal parental é homoerótico, e outras mais. Em
tempos de reprodução assexuada, vale lembrar que a heterossexualidade, antes
definição de padrão de normalidade em matéria de escolha ou orientação sexual,
é apenas mais uma – embora majoritária – no universo de possibilidades de vivência
afetiva e erótica. Em outras palavras, ser heterossexual não é sinônimo de ser
normal, pois quem tem outra orientação sexual não é imoral, indecente ou
anormal.
Autores defendem que novas questões de gênero devem
considerar a inversão do pólo referencial
“DANÇA É COISA DE MENINA”; “Azul pros meninos, rosa pras
meninas”; “Chorar é pra mariquinha”. Quando uma criança, espontaneamente, faz
afirmações como essas chegamos a achar natural que ela separe o mundo em duas
categorias e que, com base nelas, ordene seu saber e seu querer. Porém, não se
falam coisas espontaneamente, mas a partir de idéias, crenças, costumes que nos
acompanham desde o nascimento. E, no mundo da linguagem, dificilmente haverá
algo natural. Sabe-se que a natureza não equipou os corpos com idéias, crenças
e falas; elas foram sendo engendradas nas pessoas de muitas formas, desde as
relações de troca até o simples ensinamento. Afirmações como essas e tantas
outras que separam meninas e meninos foram produzidas muito antes que a criança
sequer se posicionasse sobre elas.
ATITUDES DO ADULTO muitas vezes conduzem a criança a formar
para si uma noção de gênero, de sexo e de identidade num sentido mais amplo.
Isso pode ser percebido não apenas na casa ou na rua, mas, também, nos chamados
equipamentos coletivos de educação. Alguns autores brasileiros, como Louro
(2003) e Miskolci (2005), defendem que novas questões surgidas a partir dos
estudos sobre gênero devem levar em conta o risco de se inverter o pólo
referencial, substituindo o homem - branco, ocidental, heterossexual, de classe
média - da cena hegemônica pela mulher perpetuando, assim, uma polarização que
é típica do binarismo conceitual. No campo da pesquisa histórica, Goellner
(2003) mostrou ser possível traçar o percurso das práticas de atenção ao corpo,
com a saúde e a higiene representando o “cuidado de si”, tanto quanto as
modificações sofridas ou realizadas ao longo dos séculos. Autores estrangeiros,
especialmente Butler (2005) acrescenta a essas preocupações a teoria queer
afirmando que, ao longo do tempo, foi construído também um discurso que
legitimou as diferenças de gênero. O resultado disso, no longo prazo, foi a
instituição do heterossexualismo compulsório. Em outras palavras, para que a
função reprodutiva tida como natural fosse garantida, alinharam-se,
obrigatoriamente, o sexo, o gênero e o desejo (veja texto O que é a teoria
queer?).
“As crianças são rápidas porque sabem deslizar entre.”
(Diálogos, Deleuze; Parnet, 1998, p. 42)
Etnia, do conceito à reflexão
O conceito de etnia, Munanga lhe atribui uma conotação
política, dada sua característica dinâmica. Segundo ele, etnia descreve um
conjunto de seres humanos que, em um determinado tempo, falam uma mesma língua,
professam uma religião ou acreditam em um mesmo ancestral e partilham uma visão
de mundo. Formam, assim, uma cultura que ocupa um determinado território.
Talvez se possa acrescentar que o conceito também abarca culturas que estão em
busca de um território, a exemplo de muitos povos indígenas do Brasil, dos
judeus e palestinos na Faixa de Gaza, dos bascos na França e na Espanha. “Ao
mesmo tempo em que nossa miscigenação e pluralidade étnica se transformam em
magníficas metáforas e alegorias literárias, negros, índios e mestiços vivem a
mais brutal discriminação em todos os lugares em que vivem, seja no campo ou
nos centros urbanos. Estranho jogo esse em que os diferentes são, a um só
tempo, objeto de exaltação e de exclusão.” (Gonçalves; Gonçalves e Silva, O
Jogo das Diferenças, p.14). Até nos livros escolares, particularmente nos do ensino
fundamental, o tema é revestido de um romantismo que coloca os índios em um
passado idílico, aprisionando-os em um imaginário de beleza, ingenuidade e
falta de futuro. Nas escolas, políticas de afirmação de etnias ou inexistem ou
são apagadas. É urgente, insistem esses estudiosos, que se estude a conduta da
sociedade em relação às diversas etnias, verificando que apoio recebem quando
resistem ao processo de globalização que, em larga medida, se coloca como
eurocêntrico e hegemônico.
Ao contrário do gênero, para muitos, a diferença entre raça
e etnia não é tão explícita. Ao orientar a discussão sobre o tema, Munanga
(2003) diz que, enquanto o conceito de raça se refere as características
físicas - formatos de rosto, de nariz, tipos de cabelo, diferentes graus de
concentração de melanina - o conceito de etnia procura localizar os grupos
humanos desde uma perspectiva histórica, simbólica e psicológica.
Componentes educacionais devem ser projetados e executados
levando em conta as diferentes identidades
A PESQUISA NACIONAL por Amostra Domiciliar (PNAD), realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1999, concluiu
que a população brasileira negra era de 45,5%. Apesar de tal constatação, o que
se vê, cotidianamente, é a negação da contribuição da raça negra para a
formação cultural do País. Uma explicação para esse apagamento é dada pelo mito
da democracia racial, segundo o qual a sociedade brasileira vive em harmonia,
respeitando mutuamente os direitos das diferentes raças. Na realidade, existe
um padrão sobre o qual se busca adequar a diferença racial, que por vezes
abertamente, conduz o ideal de beleza, de cultura, de bom gosto, de verdade, ao
modelo eurocêntrico, isto é, branco – preferencialmente do hemisfério norte –
cristão e masculino.
“Os adultos ficam espantados quando nos vêem brigando; e, no
entanto, somos solidários entre nós. Pois é, existem dois grandes times:
os adultos e as crianças.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p.
212)
NO QUE DIZ RESPEITO à criança, desde uma perspectiva de
coletivo, a escola é um espaço que deveria acolher e promover diferenças.
Abramowicz e Silvério (2006) alertam que, para isso acontecer na prática, ela
deve se orientar por uma equalização na qualidade do atendimento que oferece.
Os serviços, as instalações e os equipamentos, o currículo, a formação de
pessoal, e tantos outros componentes educacionais devem ser projetados e
executados levando em conta as diferentes identidades. Não se trata de premiar
um segmento da sociedade em detrimento de outro, mas privilegiar atitudes
voltadas para a valorização das diferenças étnico-raciais (veja quadro Etnia,
do conceito à reflexão).
A conclusão que chegamos é que cada criança traz uma
singularidade, uma história, uma vida, experiências particulares. Traz também
sentidos dados pela cultura e orientações passíveis de negociação no plano das
relações cotidianas. Perceber cada singularidade, revelar as possíveis
expressões de racismo e preconceito e trabalhar com essas questões presentes
nos espaços coletivos, este é o desafio colocado ao adulto, na casa, na escola,
na rua, na mídia. Cada uma destas instituições pode se atribuir a tarefa de
buscar novas possibilidades de propiciar à criança ou a apoiar em
relacionamentos com os outros, com o conhecimento, favorecendo assim a criação
de si e do outro.
Disponível em
http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/17/artigo92056-1.asp.
Acesso em 14 out 2013.