Mostrando postagens com marcador internet. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador internet. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Como a tecnologia está modernizando o mercado do sexo e tirando-o da crise

Administradores
26 de agosto de 2014

Ao longo da história, prostitutas e seus clientes desenvolveram diferentes métodos para se encontrarem. Na Alemanha, onde a profissão é legalizada, é possível utilizar um app chamado Peppr para contratar serviços sexuais. Ao digitar sua localização, clientes recebem informações sobre prostitutas em lugares próximos, preços e tipos físicos. Segundo a revista The Economist, o app, que tem planos de expansão, é um exemplo de como a internet tem transformado esse mercado, que - assim como os formais - também foi estremecido pela crise econômica global e agora encontra na tecnologia o caminho para se reerguer.

Essas plataformas digitais oferecem segurança para as prostitutas: agora, elas podem informar quais clientes são violentos e verificar seus exames médicos antes de aceitar um encontro. Mesmo nos Estados Unidos, onde a prostituição é considerada ilegal, encontros são arranjados pela internet. A Economist analisou 190 mil perfis de profissionais do sexo no site TrickAdvisor, que oferece críticas internacionais. Os clientes falam sobre as características físicas das prostitutas, os serviços e os preços que elas cobram.

Existem dados disponíveis desde 1999, mas a Economist utilizou as informações mais recentes de 84 cidades em 12 países. Um dos pontos que chamou atenção dos analistas foi que a crise econômica de 2008 também afetou as prostitutas. Uma acompanhante inglesa chamada Vanessa explicou que homens acreditam que pagar por sexo é um luxo e como os preços de artigos necessários estão mais altos, eles estão cortando os gastos.

Na cidade de Cleveland, em Ohio, onde o desemprego aumentou substancialmente, o preço de uma hora de sexo desabou. Outro fator que causou a queda nos preços foi o aumento da imigração. Entre os fatores que fazem prostitutas diminuírem o seu preço está a inexperiência, segundo a revista.

A análise mostrou como o preço de uma hora de sexo pode variar, de acordo com os serviços que ela oferece e as características físicas. Prostitutas que permitem práticas menos comuns recebem uma média de 50 dólares a mais. Já quem aceita sexo a três pode receber até 120 dólares a mais.

O preço varia também em relação à etnia. Em grandes cidades americanas e Londres, negras geralmente recebem menos que brancas.


Disponível em http://administradores.com.br/noticias/cotidiano/saiba-como-a-prostituicao-e-afetada-pela-tecnologia-e-crise-economica/91789/. Acesso em 30 ago 2014.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Crowdfunding pagou mudança de sexo em apenas 24 horas

Visão
8 de Maio de 2014
               
Até aqui, a norte-americana Samantha Allen considerava-se uma vítima da Internet: "Já me chamaram todos os nomes anti-femininos, anti-gay e anti-transexuais do dicionário", queixava-se. 

Mas, agora, foi graças à Internet, mais precisamente a uma plataforma de financiamento coletivo que conseguiu reunir, num tempo recorde de menos de 24 horas, o dinheiro que precisava para a sua operação de mudança de sexo.

Quando decidiu fazer a cirurgia para remover o pénis e substitui-lo por uma vagina, Samantha Allen descobriu que precisava de 20 mil dólares. O seguro pagava metade, mas ficavam a faltar 8 mil euros (5750 euros).

Sem recursos, a norte-americana e a mulher, Corey Burke, lançaram uma campanha de crowdfunding para angariar fundos para a operação. Na descrição do seu pedido, explicava que tinha tomado hormonas femininas desde novembro de 2012 e confessava que tinha passado a vida a "tentar corrigir as circunstâncias do [seu] nascimento".

A cirurgia teve lugar no último dia 23 de abril e a primeira coisa que, segundo o Daily Mail, Samantha Allen fez quando acordou foi anunciar no Twitter: "Tenho uma vagina".


Disponível em http://visao.sapo.pt/crowdfunding-pagou-mudanca-de-sexo-em-apenas-24-horas=f779722. Acesso em 08 mai 2014.

terça-feira, 18 de março de 2014

Historiadora debate Barbie, aborto, erotismo e os mitos que a mulher leva para a cama

Nina Lemos
18.07.2011

A historiadora Mary Del Priore, 59 anos, odeia a boneca Barbie. Explica-se. Segundo ela, foi com a chegada da boneca da Mattel ao Brasil, nos anos 70, que a mulher brasileira começou a ficar obcecada em ser loira, magra, consumista. “A Barbie ensina as crianças a serem putas”, diz essa senhora distinta, autora de 29 livros, o mais recente deles, Histórias Íntimas, um panorama sobre o erotismo e a intimidade no Brasil.

Mary é uma especialista em história brasileira com todas as credenciais de intelectual de sucesso. Foi professora na USP e fez doutorado na França. Mas ela gosta mesmo é de contar histórias, seja em romances ou em livros como Corpo a Corpo com a Mulher ou História do Amor no Brasil, ambos com mais de 40 mil exemplares vendidos. Sim, Mary é uma escritora de best-seller (o seu mais recente livro ocupava até o fechamento da edição o primeiro lugar na lista dos mais vendidos de não ficção) que não se considera intelectual, “mas uma boa pesquisadora”.

Mãe de três filhos (Pedro, 36 anos, Paulo, 34 e Isabel, 31) ela pertence a uma geração que quebrou tabus, porém também não dramatiza suas experiências. Está no segundo casamento, não teve crise ao criar os filhos ao mesmo tempo em que se dedicava a uma carreira intelectual e envelhece com tranquilidade. Questiona a obsessão pelo corpo, mas se apresenta na entrevista maquiada e elegantemente vestida.

O que preocupa mesmo essa moça distinta são as mulheres da geração dos 20, 30 anos. “A geração dos meus filhos quer fazer tudo ao mesmo tempo, o que é uma situação dramática”, ela avisa. E também acha que, por mais que as mulheres sejam independentes, sofrem de uma submissão grave: se não a homem nenhum, ao espelho.

“Isso é reflexo de um narcisismo muito grave. Antes, queríamos mudar o mundo. Hoje, sentimos falta de um engajamento em causas sociais, dos outros”, diz. Não, não pense que ela está falando que se você reciclar o seu lixo vai ser mais feliz. “Hoje se pensa muito ‘se eu fizer a minha parte, já está bom’. É triste, pois a pessoa continua isolada, achando que não precisa trabalhar coletivamente”, afirma.

Funk e sex shop

As palavras polêmicas saem com serenidade da boca dessa filha da elite carioca (estudou no tradicional colégio Sion). Na entrevista a seguir, ela questiona o funk brasileiro: “Acho a Tati Quebra-Barraco uma machista”. E também a internet. “Tem coisas maravilhosas, mas exibe a sexualidade de forma mecânica e ginecológica.” E acha que as pessoas não fazem tanto sexo, apesar da moda das sex shops e do excesso de exposição de nossas intimidades. “Quem tem tempo para ter amante com o trânsito de São Paulo?”, brinca. Enquanto serve café e bolo para a repórter na casa do século retrasado que escolheu para viver, em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, Mary, mulher sofisticada, fala da abertura dos primeiros bordéis no Brasil, de aborto, plástica, do papel do homem... A vontade é de não parar de conversar com essa contadora de histórias.

Tpm - Você é de uma geração que quebrou tabus, queimou sutiãs. Qual acha que é a diferença entre sua geração de mulheres e a das que têm 20, 30 anos hoje?

Mary Del Priore - Acho que vocês têm uma vida extremamente sacrificada. Sempre reparo nisso quando pego a ponte aérea. Vejo mulheres absolutamente estressadas, ao mesmo tempo ligando para saber dos filhos e tendo que dar conta de muita pressão no trabalho. Essa geração de mulheres está ocupando postos em todas as áreas. Houve um avanço enorme. Nós fizemos um esforço para que nossas filhas se educassem e isso deu certo. Mas agora vocês estão no topo, estão no limite. Ter que dar conta da vida profissional e da vida privada é dramático. O desafio que chegou no fim do século passado é este: como ser a melhor esposa, a melhor profissional, a mais bonita, a mais inteligente. Isso me preocupa muito. Não sei o que vocês vão priorizar, se os afetos vão ficar comprometidos, se a saúde vai ficar comprometida...

Você acha que para a sua geração essas escolhas eram mais fáceis?

Na minha geração era mais simples. A família vinha em primeiro lugar. Você casava, tinha filhos. Só fui ver que existia a solidão como opção criativa quando fui morar na França nos anos 80. Isso era uma escolha de muitas mulheres de lá. Você deixar de lado o marido, os filhos, para cumprir os compromissos profissionais e intelectuais era a agenda. Não sei se isso é uma coisa de países com mais educação, onde você pode escolher os seus afetos, não é obrigada a casar. Ninguém é obrigada a casar lá. Isso está chegando agora ao Brasil, mas às custas de muitos sacrifícios.

Você é mãe de três filhos, foi professora universitária e já lançou 29 livros. Teve que fazer muitos sacrifícios para dar conta de tudo?

Não tive que fazer muitos sacrifícios. Sou um exemplo à parte. Me casei cedo e tive três filhos. Mas só depois que eles estavam crescidos voltei a estudar. E sabia exatamente o que queria fazer na universidade: história. Fiz um concurso de pós-graduação na USP e passei em primeiro lugar. Tive muita sorte. Não fiquei patinando, pensando no que queria fazer. E voltei a estudar quando meus filhos também já estavam na escola. Então, não me sentia culpada como as mulheres de hoje se sentem. Antes de voltar a estudar, eu era casada com um homem que estava indo muito bem na carreira dele, era a housewife perfeita! Mas voltei a estudar por vontade e isso não foi uma crise para mim. E tinha ajuda com os meus filhos, deu para conjugar tudo sem culpa. Eles iam para a escola, eu para a universidade.

E seu marido, seus pais, a incentivaram ou acharam que você ia abandonar a família?

Sempre tive muito apoio dos meus dois maridos para estudar. E, quando os meus filhos foram para a universidade, pude me dedicar só ao trabalho. E fui criada em um ambiente intelectual. Meus pais gostavam de juntar gente em casa, de políticos, como Carlos Lacerda, a poetas, como Olegário Mariano. Eu e meu irmão ficávamos no meio disso tudo, convivendo com os adultos. E sempre fui estimulada a ler, o que foi fundamental quando decidi que ia viver de escrever livros.

E, quando você foi morar fora para estudar, não teve que abrir mão do contato com seus filhos?

Eu estava recém-casada com meu segundo marido e de novo tive sorte. Era professora da USP e ele tinha negócios fora. Meus filhos foram comigo e tiveram a chance de passar esse tempo fora, o que acho que deu a eles uma visão de mundo diferente. Acho que a viagem não é só trocar de espaço físico. Isso te ajuda a avaliar a sua condição de brasileiro. Passei cerca de cinco anos fora. O que foi bom para que todos nós avaliássemos o que queríamos fazer. Foi quando me dei conta de que havia espaço para escrever esses livros que escrevo hoje.

Hoje temos esse sucesso de livros históricos, como o 1808, de Laurentino Gomes. Por que você acha que estamos com esse interesse pela história?

Na Europa existe uma tradição de romances históricos desde o século 19. Aqui, tivemos uma população basicamente analfabeta até o século 19. E hoje, com esse mercado de leitores se ampliando, o interesse pela história aumentou. Acho que um dos motivos é que, nesse período de globalização, todo mundo quer saber de onde veio. Senão, fica todo mundo perdido.

Por que resolveu direcionar seu trabalho a questões femininas?

Meu trabalho não é só sobre mulheres. Acabei escrevendo muito sobre corpo, amor. Mas escrevi 29 livros. Tenho uma coluna no Estado de S. Paulo e sou dessa geração que promoveu mudanças, isso me deu esse radar. Mas tenho interesse em fazer história romanceada. Sobre grandes personagens, como a condessa de Barral, a amante de dom Pedro II. Agora, resolvi, em Histórias Íntimas, falar sobre os temas que estão na ordem do dia, como racismo, homofobia. São as coisas que estão aí. E sobre os mitos do erotismo brasileiro. “As mulheres brasileiras são extremamente machistas. São independentes, mas quando chegam em casa querem ser tratadas como princesas. Esse é um grande paradoxo”

Um desses mitos é que as mulheres brasileiras são “calientes”. Você concorda com isso?

Acho que o grande problema das mulheres brasileiras é que elas são extremamente machistas. Não deixam os filhos lavarem a louça e querem ser chamadas de docinho em casa. E se identificam com as mulheres frutas, comestíveis. Fora de casa, são independentes. Quando chegam em casa, querem ser tratadas como princesas. Esse é um grande paradoxo. Elas casam para entrar em um conto de fadas.

E o que os homens buscam no casamento?

Homens e mulheres têm aspirações diversas em relação ao casamento. As mulheres querem que o casamento seja tudo, que preencha todas as coisas. O homem, quando casa, quer uma família, filhos. Eles procuram coisas realmente diferentes. Então, fica difícil dar certo.

Hoje, muitas mulheres são executivas, políticas. Existe o mito de que entrando pesado no mercado de trabalho a mulher tende a se masculinizar e a imitar o homem. Você concorda com isso?

Não concordo. Acho que a mulher brasileira sempre vai usar da sedução, por isso não vai virar um homem de saias. Temos esse exemplo histórico. No Brasil, desde os tempos coloniais, as mulheres sempre usaram do seu poder de sedução para ter poder. Elas são muito femininas. E ainda existe muito no Brasil mulheres que ganham dinheiro com o corpo. Todas querem ser modelo. Isso é característica de um país que ainda é muito miserável. O sonho é ser BBB, depois posar para a Playboy, ou seja, enriquecer vendendo o corpo. Isso vai mudar quando o país tiver mais educação.

Outra coisa que acontece no Brasil é que a mulher, quando envelhece, é chamada de feia. Já o homem fica charmoso. Como você e as mulheres da sua geração estão lidando com o envelhecimento?

A minha geração está podendo lidar melhor com o envelhecimento. Sabemos que ir ao cirurgião plástico uma vez por mês não vai resolver o problema de ninguém. Envelhecer é uma coisa chata. Você tem perdas. Se você era uma fundista, vai ter problema de joelho. Não é agradável. Agora, vejo que as mulheres da minha idade que estudaram não saem correndo para o cirurgião plástico com a primeira ruga que aparece. O bom de envelhecer é colocar as coisas na balança, ver o que você ainda quer fazer. Se você tem satisfação com a sua família, com o seu trabalho, seus amigos, você vai encarar o envelhecimento com serenidade. Para mim, isso não é um bicho de sete cabeças. “A mulher está preocupada em emagrecer, ser gostosa e não pensa no coletivo. Isso precisa mudar até para que ela possa deixar de ser escrava do espelho”

Mas muitas mulheres enlouquecem com as perdas físicas, a perda da beleza.

No passado, a velhice era respeitada, era sinal de sabedoria. Mas o século 20 é o século do corpo. E o que você vê hoje no Brasil é que as mulheres são escravas do espelho. A brasileira ainda está muito preocupada com seu próprio umbigo. Ela está preocupada em emagrecer, ser gostosa e não pensa no coletivo. Isso precisa mudar até para que a mulher possa deixar de ser escrava do espelho. E isso você vai conseguir pensando na sua sociedade, se engajando em alguma causa coletiva. E o que acontece hoje é que muitos pensam: “Se eu fizer a minha parte, já está bom”. Você recicla o seu lixo e acha que já fez a sua parte. E continua isolada dos outros achando que não precisa trabalhar coletivamente. Tudo isso faz parte de pensar só em si mesma, não sair de si, ser muito narcisista.

O Brasil é o segundo país em cirurgias plásticas no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Ainda copiamos muito o modelo americano?

Começamos a copiar os Estados Unidos depois da Segunda Guerra. Antes era a Europa, só se falava francês nas escolas, esse era o modelo. A elite brasileira começou a ir para os Estados Unidos estudar nos anos 50. E, claro, temos a influência do cinema americano. A formação do macho brasileiro está muito ligada ao cinema americano. A importância do físico masculino vem dos filmes. Antes, os homens não tinham vaidade. A obsessão pela virilidade, essa coisa de colocar o pau na mesa, foi alimentada pelo filme americano, pelos faroestes.

A imagem da mulher também deve ter sido influenciada pelos filmes...

As primeiras loiras vieram do cinema americano. Para você ver, a moda da loira chegou ao Brasil no fim do século 19 com os bordéis, que são uma ideia importada da Europa. Cafetões começaram a trazer para o Brasil mulheres pobres que se diziam loiras. E é nessa mesma época que as bonecas francesas chegaram ao Brasil. Olha que loucura!

E hoje temos essa febre de loiras.

Isso começou nos anos 70, com a chegada da Barbie ao Brasil. É aí que começa o ideário do personal trainer, do fitness. E na mesma época começam as apresentadoras loiras na TV brasileira. Acho isso uma perversão! Em um país mestiço você brincar com boneca loira e ter como ídola uma apresentadora loira cria uma problema de autoestima muito sério nas crianças. Você disse em um dos seus livros que isso tem a ver com a obsessão das brasileiras pelas cirurgias plásticas. No Brasil a cirurgia plástica é uma coisa complicada. A mulher toma como parâmetro a Barbie, sendo o país esse caldeirão mestiço de negro, branco, índio. Então, como a mulher vai conseguir ser a Barbie? Não vai. Não é à toa que o Brasil é o segundo país em cirurgia plástica no mundo. A Barbie é uma boneca que ensina a menina a ser puta. E só isso. Ela só quer saber de roupa, nem liga para o Ken. Ela só ensina a consumir. As bonecas bebês, por exemplo, ensinavam a ser mãe. A Barbie ensina a consumir, e as garotas adoram. E não sei quando o reinado da Barbie vai acabar. Tinha jurado que jamais daria uma Barbie para minha neta. O que você acha que aconteceu? Já dei [risos].

Por que, afinal, você deu?

Porque não resisti. As meninas não resistem nem uma avó. Elas ficam loucas pela boneca. Não sei porque as meninas adoram aquela coisa toda rosa.

Além das cirurgias plásticas, hoje existe também a obsessão pela magreza.

Até os anos 80, para o homem, a mulher gostosa era aquela que enchia uma cama, a mulher com forma. Em um dos meus livros, entrevistei uma psicanalista que me disse que, quando as mulheres fazem plástica, isso não é para os homens, mas para elas. Dizem que a mulher sempre quer ser bonita para o homem. Mas acho que no fundo não é isso, é para ela mesma.
“A Barbie é uma boneca que ensina a menina a ser puta. Ela só quer saber de roupa, nem liga para o Ken. Ela só ensina a consumir. E não sei quando o reinado da Barbie vai acabar”

A plástica seria uma maneira de melhorar a autoestima?

Autoestima é uma palavra nova, ela deve estar no vocabulário há dez anos. As palavras vão acompanhando a história. Hoje, é importante a mulher ter autoestima, é uma coisa que ajuda a caminhar, mas não pode ser só isso. Ela também precisa interagir com os outros, participar da sociedade.

Você disse que as mulheres de 30, 40 anos estão sobrecarregadas porque têm que dar conta de muita coisa. Essa pressão atinge os homens também?

O patriarcado não atrapalha só as mulheres. E não vamos ficar com essa de que o homem é um vilão. Ele também está sendo cobrado demais. Além de trabalhar muito, tem a pressão de ser bom pai. E precisa fazer sucesso, senão ele é um “loser”.

E os homens não teriam também a pressão de ser cheios de aventuras sexuais, com amantes, por exemplo?

Acho que não, porque as pessoas não têm mais tempo. Nos anos 50, os homens tinham garçonnières, onde ficavam com suas amantes, que em geral eram pessoas do seu círculo de amizade. Isso é uma coisa engraçada da sociedade brasileira, as pessoas ficavam com amigas da família, parentes, para deixar tudo em casa. Isso não existe mais. Com o trânsito de São Paulo, quem vai conseguir ter uma garçonnière e a família? E uma coisa boa é que o divórcio, recentemente, foi legitimado, e as pessoas acabaram com uma ideia que existia na minha geração, de que o casamento tinha que ser uma fusão absoluta. Não, em um casamento você não vira um. Continuam sendo duas pessoas. E, se não der certo, você pode se divorciar. Isso é uma conquista recente. Quando era criança, no colégio Sion, se a pessoa era filha de pais separados, era expulsa. Hoje, as pessoas podem reconstruir seus laços. Ou até ficar sozinha.

Hoje, além de ter filhos e ser boa profissional, ainda temos que ser liberadas sexualmente. Você não acha que até isso pode ser uma pressão a mais?

Sim, com certeza. Você tem que ter feito de tudo, o que está bem fora da realidade. As pessoas nem têm tempo para ter essa vida sexual tão animada. Hoje tem, por exemplo, as sex shops, mas acho que isso serve mais para jornalistas fazerem matérias [risos]. Eu, sinceramente, não conheço mulheres que passem toda semana em uma sex shop para saber “o que chegou de novidade”. Acho que ninguém quer saber qual é o último berro em consolo [risos].

Por outro lado, antes não podíamos nem falar de sexo...

Sim, as coisas mudaram muito rápido e tivemos ganhos incríveis. Para você ter uma ideia, os primeiros manuais de educação sexual eram feitos para homens. E falavam mal do homossexualismo e da masturbação. Os primeiros dirigidos para as mulheres só tinham umas 15 páginas, em que, claro, explicavam que as mulheres precisavam se preparar para o rito eterno. E só eram indicados para mulheres com mais de 18 anos, que estivessem comprometidas. Isso foi na época da ditadura do Getúlio Vargas, nos anos 40. Então, não faz tanto tempo assim.

Hoje as mulheres podem, por exemplo, falar de sexo em músicas de funk. O que você acha desse funk com forte apelo sexual?

Acho que o funk produziu um machismo de saias. Quando a Tati Quebra- Barraco fala “eu te pago e te levo para o motel”, ela vira uma mulher com um rolo de macarrão na mão, machista, que manda nos homens. Sabe aquele homem que tem o dinheiro e por isso acha que pode mandar na mulher e fazer dela o que quiser? Essa é a imagem que o funk da Tati Quebra-Barraco passa para mim. Fora isso, acho que o funk tem um apelo sexual muito forte, que banaliza.

Como o aborto esteve presente no país historicamente? Você é a favor da legalização?

O aborto existe desde sempre no Brasil. Existiam chás entre os indígenas e também o infanticídio. Isso é um tema que as pessoas evitam falar. Mas sempre existiu uma falta de sensibilidade muito grande. Mães pobres sempre usaram o infanticídio e o aborto. E o que acontece? Quem aborta em geral é a mãe pobre, que está desesperada, que não pode criar mais um filho. De maneira que é preciso pensar em uma forma de legalizar o aborto no Brasil para que tantas mortes de adolescentes, por exemplo, parem de acontecer.

Existe o mito de que o Brasil é um país tolerante, onde as minorias se respeitam. Acredita nisso?

Racismo só “acabou” no Brasil quando houve uma lei. Precisou de uma lei para mudar. Isso não é coisa de um país tolerante! Temos a história da escravidão, que também tem muita coisa que os outros não sabem. Não eram só os brancos que eram escravocratas. Um escravo, quando ganhava algum dinheiro e conseguia comprar a sua alforria, a primeira coisa que fazia era ter seus escravos. O racismo não é só uma questão de pele. É uma coisa que está entranhada na história brasileira. É bom não perder de vista a tensão entre os grupos. “As pessoas não têm tempo para uma vida sexual tão animada. Não conheço mulheres que passem toda semana na sex shop para saber qual é o último berro em consolo [risos]”

Você acha que a pressão para que as mulheres casem e tenham filhos para serem aceitas na sociedade diminuiu?

Acho que as pessoas estão começando a achar que a solidão não é uma maldição. O “ficou para titia” está começando a diminuir. Existem novos modelos familiares. Um deles é a família em que a mãe é separada do pai, a criança tem um padrasto, meios-irmãos etc. E outro, que começa a ser estudado pelos sociólogos, é de pessoas que não casam mesmo. Preferem escolher os seus afetos entre amigos e nas relações amorosas que têm ao longo da vida. E o mais interessante é que isso está ligado a uma escolha pela liberdade.

Como a internet influencia no erotismo hoje em dia?

Na internet é tudo muito ginecológico. No século 19, o erotismo era imaginar a nudez, as mulheres eram todas cobertas, então o bacana era isso. E não à toa o fetiche era com os pés, com as mãos, partes todas cobertas. O que vira o erotismo na época da internet? Sendo de uma forma tão ginecológica, não sei como as novas gerações vão trabalhar o erotismo. Não sei com o que os adolescentes sonham quando vão para a cama. O que sabemos por estudo é que a internet disponibiliza imagens em que o sexo é muito mecânico, uma coisa estilo academia de ginástica. E muitos jovens veem o sexo assim pela primeira vez e passam a achar que é tudo mecânico. No que isso vai dar, sinceramente, não sei. Não tenho 14, 15 anos para saber.

Você morou em São Paulo, em Paris, e agora mora no campo. Por que fez essa opção?

Meu marido viaja muito, ele tem escritório na Suíça. Morei na França, estudei em São Paulo, mas decidi que não queria ficar fora do Brasil, longe dos meus filhos e das minhas duas netinhas. Essa é uma casa de família. Na verdade, não é só uma casa, é um espaço de memória. Estou aqui há dez anos e não tenho saudades da cidade. Vou a São Paulo todos os meses visitar meus filhos, que estão todos muito bem encaminhados. Um tem uma agência de publicidade, outro está no mercado financeiro e minha filha é diretora de marketing de uma empresa. Acho que essa coisa de fugir da cidade é muito boa. Recomendo. Ainda mais com as redes sociais. Aqui tenho espaço para escrever, refletir, mas também não perco o que está acontecendo no mundo.

Então você não tem problemas com a solidão?

Adoro ficar sozinha. Tenho o meu jardim. Gosto dessa vida tranquila, de acordar com o galo cantando. E recebemos amigos no fim de semana, meus filhos vêm me visitar. E aqui a gente conhece todo mundo, é uma relação mais íntima com as pessoas. Sou uma grande entusiasta da cidade pequena. E acho que isso pode ser uma saída para a geração de vocês.


Disponível em http://revistatpm.uol.com.br/revista/111/paginas-vermelhas/mary-del-priore.html. Acesso em 15 mar 2014.

quarta-feira, 12 de março de 2014

A manifestação da sexualidade na internet: o caso ChatRoulette

Nayara Fernanda Takahara da Cruz 
Maurelio Menezes
Universidade Federal de Mato Grosso, Mato Grosso, MT
XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Fortaleza, CE – 3 a 7/9/2012

Resumo: Um dos pontos de vista para se conhecer a história da humanidade é o estudo da sexualidade durante as eras pelas quais o homem passou. Viajar por esse rico caminho e poder tomar conhecimento de como o sexo vem sendo visto e praticado desde os primórdios da civilização até a atualidade, equivale a decifrar enigmas e visualizar com propriedade as manifestações humanas que se sucederam até hoje. Dissertar sobre a história do sexo e o seu manifesto na Internet é percorrer pela trajetória humana desvelando conceitos silenciados e trazendo à tona discussões adiadas, na tentativa de entender as mudanças que emergem há todo momento para o virtual. O estudo do caso ChatRoulette revela novos modos de fazer, de pensar e de se vincular socialmente através do sexo. Tais manifestações ocorrem e se consolidam como manifestos ciberculturais do tempo presente.



quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Scruff, app de paquera para o público gay, chega ao Brasil

Gabriela Ruic
29/11/2013

Apps com foco em ajudar você a encontrar a sua cara metade, ou apenas uma boa diversão, estão em alta. Depois do Lulu, app feminino de avaliação dos homens, chega ao Brasil o Scruff, um aplicativo de paquera para o público GLS. Lançado em 2010 nos Estados Unidos e com mais de 5 milhões de usuários, o Scruff já é bastante popular no Brasil.

O país conta com meio milhão de pessoas cadastradas e é a segunda maior base do Scruff. Além disso, o Brasil tem na agenda dois grandes eventos, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. E foi por estes motivos que Johnny Scruff e Jason Marchant, fundadores do app, resolveram oficializar a sua chegada aos smartphones e tablets brasileiros e agora contam com um consultor de marketing para reforçar o contato com o público, o jornalista Kleyson Barbosa.

O Scruff não é, contudo, o único aplicativo que pretende dar atenção ao coração deste público. OGridr, por exemplo, conta hoje com 6 milhões de usuários em todo o planeta e está presente em 192 países. Há ainda o Mister, que também divide o mesmo propósito. Mas qual é diferença entre o Scruff e os outros apps?

Bom, segundo Marchant, em entrevista exclusiva a EXAME.com. seu aplicativo é o primeiro a oferecer a chance de o usuário encontrar outras pessoas em diferentes comunidades, como “Coroa” e “Universitário”, além de ser o pioneiro a contar com opções para militares e transgêneros.

Ao escolher uma comunidade, o Scruff mostra os usuários online em âmbito global ou que estejam nas proximidades. A partir daí, é possível trocar mensagens com outras pessoas, adicionar as mais interessantes em uma lista de “Favoritos” e compartilhar álbuns de fotos privadas.

O app, que é compatível com iOS, Android e Windows Phone, funciona em um modelo fremium: seu download é gratuito, mas há vantagens para os usuários que desejarem contratar o plano Pro, que custa 12,99 dólares por mês ou 100 dólares por ano.

Esta versão oferece algumas outras funções, como, por exemplo, o cancelamento de mensagens enviadas, caso o usuário mude de ideia, ou a possibilidade de se adicionar uma senha de acesso ao app. Além disso, o assinante pode ainda visualizar os usuários que tenham o adicionado à lista “Quero conhecê-lo”.

Scruff no Brasil

De acordo com o Marchant, brasileiros são presença no app desde 2010. “Os usuários do Brasil nos ajudaram a traduzir o Scruff para o português e, desde então, nossa base só tem aumentado”, revelou o fundador.

Três cidades brasileiras estão entre as mais populares do mundo no app: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Atrás apenas dos Estados Unidos em números de usuários, o Brasil está à frente de lugares como Reino Unido, Taiwan e Espanha.


Disponível em http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/scruff-app-de-paquera-para-o-publico-gay-chega-ao-brasil?page=1&utm_campaign=news-diaria.html&utm_medium=e-mail&utm_source=newsletter. Acesso em 29 dez 2013.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Consequências psicológicas de revenge porn são maiores em mulheres, afirma professora

Marina Castro; Victoria Amorim; Mariana Fonseca

A aluna do curso de Letras da USP Thamiris Sato nunca imaginou que seu ex-namorado, com quem terminou o relacionamento em julho deste ano, exporia sua intimidade na internet como vingança pelo fim do namoro. No dia 31 de outubro, quando começou a receber no Facebook mensagens e solicitações de amizade de diversos desconhecidos e do próprio ex-parceiro, usando perfis falsos, ela descobriu que havia uma foto em que aparecia nua circulando na rede social.

“Ambos tínhamos fotos um do outro e ele sempre me disse que não me prejudicaria se terminássemos”, afirma Thamiris. “A diferença é que, quando o namoro terminou, eu deletei todas as nossas fotos – normais e comprometedoras –, e nunca usaria isso contra ele”. Percebendo que havia sido vítima de revenge porn ou vingança pornográfica, a divulgação de vídeos ou fotos, geralmente de mulheres, fazendo sexo após o fim de um relacionamento, Thamiris escreveu em seu perfil no Facebook um depoimento contando tudo por que estava passando no dia 17 de novembro, acusando o ex-namorado, um estudante búlgaro, também da USP, de ser responsável pelo ocorrido. Segundo ela, ele fez isso por machismo, misoginia (desprezo ou repulsa ao gênero feminino e suas características) e por se sentir injustiçado com o término.

O caso de Thamiris não é o único a evidenciar o problema da revenge porn recentemente. Em outubro, a estudante goiana Francyelle Santos, mais conhecida como Fran, ficou “famosa” após um vídeo em que fazia sexo com um rapaz ter se espalhado rapidamente pelo aplicativo de celular Whatsapp. A jovem fez um boletim de ocorrência contra o companheiro e afirma que parou de trabalhar e estudar por causa do assédio que sofria ao sair de casa.

Em novembro, ao menos três casos de meninas que cometeram suicídio por causa de revenge porn foram divulgados pela mídia. A mais nova, do Piauí, tinha 14 anos. “De certa forma eu entendo as vítimas que cometeram o suicídio, não apenas as brasileiras, mas muitas de que tomei conhecimento. Eu lamento muito por todas que não tiveram forças para lutar, mas não as julgo, e acho que ninguém deveria”, diz Thamiris.

A visão dos psicólogos

As causas de revenge porn são as mais variadas possíveis. De acordo com a professora Maria Alves de Toledo Bruns, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras , da USP de Ribeirão Preto, entre os fatores, está a disponibilidade da Internet: “Ela é um meio que ainda estamos aprendendo a usar. Ao mesmo tempo, a sociedade pós-moderna tem por característica as redes sociais e a visibilidade. Por esse motivo, essas situações são extremamente delicadas.”

Outro motivo é o orgulho ferido na rompimento de uma relação. O professor Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da USP, afirma que “a revenge porn mostra a necessidade de se vingar da outra pessoa porque algo foi rompido, mesmo que saibam que as relações de hoje não são para sempre”. Ele ressalta também o jogo de poder que existe por traz dessas relações ao dizer que “Se você tem uma foto ou alguma coisa que possa desqualificar a outra pessoa, você é dono do poder.”

Para descrever esse tipo de situação, o professor Macedo parte do pressuposto de que a sociedade atual é uma sociedade de contrato: “Quando você tem intimidade com alguém, você tem um contrato, mesmo que implícito, de respeito. Não importa se é um casal de namorados ou não. Se não fica combinado entre ambas as partes que o conteúdo produzido durante a intimidade seria divulgado, é uma espécie de quebra de contrato.”

A quebra desse contrato pode gerar na menina exposta “resultados que variam de pessoa para pessoa. Entre eles estão a baixa autoestima e mudança nos planos de vida. A vítima pode também criar um ódio das outras pessoas e evitar ter relações com elas”, de acordo com Macedo.

A professora Maria Alves afirma que as consequências psicológicas são enormes: “Isso é evidenciado pelas situações atuais que temos visto, como suicídio, perda do emprego. A garota passa a ser identificada como uma garota de programa, o que ela não é. Dessa forma, a identidade profissional dela também é afetada.”

Mas essas consequências, nesse tipo de situação, acontecem apenas com as mulheres. De acordo com Maria Alves, “O fato do homem expor um vídeo em que ele é o ator tem um valor muito grande”. O professor Macedo concorda com ela: “Na nossa cultura machista, dizer que um homem transou é algo positivo.” Ele ainda acrescenta que “os caras se afetam mais com os aspectos negativos, por exemplo, quando seu desempenho sexual é ruim ou quando o seu pênis é pequeno. Um exemplo disso é o aplicativo Lulu, que está fazendo os homens se sentirem expostos e envergonhados.”

Questões de gênero

A Frente Feminista da USP considera “muito preocupante” saber que esse tipo de violência contra a mulher tem aumentado. “Esses casos [de revenge porn] só escancaram ainda mais a enorme violência que é o machismo e quão importante é a auto-organização das mulheres para que isso seja cotidianamente combatido. O que nos cabe fazer é incentivá-las a denunciar e a procurar todos os meios que garantam a sua integridade física, além de darmos todo o apoio que uma mulher precisa para enfrentar uma situação dessas”.

O grupo não adota denominações específicas para as vítimas de revenge porn, mas compreende que “a linguagem é importante como meio de expressar e descrever a situação em que se encontram as mulheres na nos termo ‘sobrevivente’ tem sido de comum uso entre as feministas. A intenção seria a de mostrar as mulheres também como sujeitos, que podem ativamente, a partir das experiências que passaram, se enxergar como capazes de subsistir a estas situações. A compreensão de que mulheres são sobreviventes e que, portanto, perduraram após situações de violência e abuso é importante para que outras também possam se entender desta forma”, diz a Frente.

Para a Frente, a condenação da vítima de revenge porn não é algo isolado, mas sim uma manifestação do poder masculino sobre as mulheres. De acordo com o grupo, “o tabu da mulher exposta sexualmente, na verdade, é a sanção para que ela deva se resguardar. Em nossa sociedade, a exposição sexual é utilizada para humilhar e diminuir a mulher”. Para ilustrar, a Frente Feminista da USP dá um exemplo. “É interessante pensar que, na França do pós-guerra, após a liberação dos territórios ocupados pela Alemanha, milhares de mulheres que tiveram relacionamentos com soldados alemães tiveram suas roupas retiradas nas ruas e foram expostas à humilhação pública. Isso se assemelha um pouco ao que temos hoje com relação a revenge porn. O que têm de comum é o fato de que configuram casos que nos mostram formas de controle sobre o corpo das mulheres”.

 Aspecto jurídico

De acordo com o professor Antônio Carlos Morato, da Faculdade de Direito da USP, “existem vários casos analisados pelo Poder Judiciário e, por razões óbvias, tendem a tramitar em segredo de justiça – contrariando a regra geral de que os processos judiciais devem ser públicos), mas os mais significativos chegam ao conhecimento do público de forma indireta – os Tribunais divulgam a situação de maneira genérica, mas não os nomes ou o número do processo”. Mesmo com tantos casos, legalmente, temos apenas sanções civis, como a reparação de danos morais e patrimoniais em dinheiro. Segundo Morato, isso acontece porque o Direito Penal, atualmente “exige que a conduta seja rigorosamente descrita para que alguém seja punido”.

Por essa razão, diversos projetos de lei que pretendem criminalizar a “vingança pornográfica” estão em andamento. Entre esses projetos estão dois que tentam alterar a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Um é de autoria do Deputado Federal João Arruda do PMDB/PR (PL 5.555/2013) e outro da Deputada Federal Rosane Ferreira do PV/PR (PL 5.822/2013).

“Quanto a tais projetos, há a proposta de colocar como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher a ‘violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade’”, afirma o professor Morato.

Outro projeto de lei é o apresentado o pelo Deputado Romário do PSB/RJ (PL 6.630/2013), onde é considerado como crime “Divulgar, por qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima” e seu projeto altera o Código Penal. O projeto (PL 6.630/2013) foi apensado ao decreto lei nº 2848, de conteúdo semelhante, e está na Comissão de Seguridade Social, aguardando parecer do relator.

A condenação para quem vaza fotos íntimas pode variar de 1 a 3 ano. A multa cobrirá possíveis custos que a vítima teve com consequências da divulgação. Assim, o deputado Romário recomenda que as vítimas, juntamente com seus advogados, guardem comprovantes de despesas com mudança de endereço, psicólogo e as decorrentes de perda de emprego, por exemplo. A multa será maior caso a vítima seja menor de idade ou caso a pessoa que tenha divulgado o material estivesse em relacionamento amoroso com ela. Essa última determinação se dá porque, segundo Romário, identifica-se uma maior crueldade nestes casos. “O criminoso se aproveita da vulnerabilidade gerada pela confiança da pessoa”, diz.

Cabe lembrar que o projeto prevê penas também para quem fizer montagens ou artifícios com a imagem da vitima. Porém, isso não se aplica somente a quem divulgar o material nas redes sociais, por exemplo, já que é quase impossível punir quem compartilha, de acordo com o deputado. “Não existirá fiscalização, e sim denúncias. Quem for denunciado pela vítima será investigado”. Romário acredita que as pessoas com visibilidade social devam ter muita responsabilidade. “Por exemplo, no caso da menina de Goiânia, o advogado dela nos informou que um cantor sertanejo havia reproduzido um gesto da filmagem em sua rede social. Logicamente, isso expôs ainda mais a Fran”.

Uma enquete no site Vote na Web mostra que mais de 91% dos internautas apoiam o projeto de lei, de acordo com dados do dia primeiro de dezembro. “Não apresentei o projeto pensando na segmentação de gênero, mas obviamente sei que o problema é muito mais comum entre as mulheres. Fico feliz, afinal sou pai de quatro filhas, mas antes me sinto contribuindo com a sociedade”. Para o deputado, o projeto significa a liberdade sexual e de privacidade para ambos os sexos e, ultrapassando o limite, os rigores da Lei. “O projeto não se refere apenas às mulheres, mas a todos aqueles que tenham algum registro íntimo divulgado”.


Disponível em http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/12/consequencias-psicologicas-de-revenge-porn-sao-maiores-em-mulheres-afirma-professora/. Acesso em 09 dez 2013.

sábado, 16 de novembro de 2013

Cyberqueer: performances de gênero e mobilização de traços identitários na construção da narrativa da personagem Katylene no blog e no Twitter

Rafael Soares Krambeck
Universidade do Vale do Rio dos Sinos-Unisinos
Pós-Graduação em Comunicação
Processos Midiáticos

Resumo: O presente trabalho consiste em uma análise das performances desempenhadas pela personagem Katylene Beezmarcky no blog homônimo e no Twitter. Assim o estudo aborda as novas tecnologias como dispositivos que reconfiguram as performances de gênero na contemporaneidade. Além disso, pensam-se as tecnologias da comunicação como formas de mobilizar traços culturais de diferentes grupos como uma estratégia de construção de uma narrativa de si no ciberespaço. O objetivo do trabalho é observar os usos de diferentes plataformas comunicacionais (blog e Twitter) pelo blogueiro Daniel Carvalho para a criação da personagem travesti, contextualizando a popularização da personagem em um contexto contraditório de grande homofobia característico do Brasil. A pesquisa busca articular as noções de performatividade de gêneros e matriz de normas heterossexuais, referentes à teoria queer, com os estudos sobre tecnologias digitais e comunicação mediada por computador, da cibercultura. No desenvolvimento da pesquisa, primeiramente, discutem-se as noções socioculturais em relação aos sexos, as sexualidades e os gêneros, então, considera-se três momentos fundamentais dos estudos culturais de gênero: aqueles que procuravam explicar a submissão da mulher, aqueles que relativizam as noções até então construídas e a teoria queer. Assim, ao adotar a perspectiva queer, desconstrói-se a noção essencialista de sexo e gênero, para explicar a performatividade dos mesmos e como esta irá instaurar uma matriz heteronormativa. Em um segundo momento, faz-se consideações sobre a cibercultura e suas implicações na construção de identidades na contemporaneidade. Para, então, aproximar-se do objeto de estudo de maneira baseada na Teoria Fundamentada. Assim, identificam-se as estratégias e udos das plataformas online enquanto performances de gênero e a mobilização de traça identitários na construção de uma narrativa da personagem estudada. Percebeu-se que a personagem tem uma relação íntima com os espaços propiciados pela internet, usando muito dos materiais disponíveis online. Além disso, ela se configura enquanto uma personagem do universo trans, mas não da mesma forma, Katylene extrapola se tornando algo como o estereótipo da travesti.


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

‘A privacidade na web é uma ilusão’

Ligia Aguilhar
3 de novembro de 2013

Diretor do Centro Internacional de Estudos Estratégicos (CSIS, na sigla em inglês), James Lewis já liderou a produção de uma série de relatórios sobre segurança na internet para o presidente americano Barack Obama. Considerado um dos maiores especialistas em cibersegurança do mundo, é autor de mais de 90 publicações sobre assuntos relacionados ao tema.

Em entrevista exclusiva ao Link no mês passado, durante a Conferência de Cibersegurança em Seul, na Coreia do Sul, Lewis falou sobre o escândalo da espionagem norte-americana, afirmou que todos os países possuem algum tipo de vigilância, que o Brasil não é defensor da democracia e que a privacidade na internet é uma ilusão. Confira os principais trechos:

O Brasil defende um modelo descentralizado de regulação da internet. É a melhor opção?
Quando o modelo de regulação atual foi decidido, a maioria dos usuários da internet eram americanos. Hoje não é mais assim. As instituições criadas na época precisam se tornar globais. Esperamos que o Brasil se coloque ao lado da liberdade de expressão e defenda a internet aberta.

Muitos dizem que todos os países já sabiam sobre a espionagem. Se isso é verdade, por que continuamos tão vulneráveis?
Os especialistas sabiam, mas o grande público não. E ele não entende quão vulnerável está na web. A internet é totalmente insegura. Enviar um e-mail é como mandar um cartão postal, as informações estão abertas. A privacidade é uma ilusão. E o (Edward) Snowden acabou com essa ilusão.

Essa espionagem é uma forma de ciberguerra?
Não. A espionagem é comum. Sempre falei com outros países sobre esse assunto e não encontrei nenhum que não estivesse engajado em algum tipo de espionagem. Tenho quase certeza que o que o Brasil faz tem foco doméstico. Não me surpreenderia descobrir que países da América do Sul espionam uns aos outros. Alguns documentos do Snowden mostram a inteligência de outros países. Eles vão aparecer e reformular o debate.

O Brasil tomou medidas contra a espionagem como criar um serviço de e-mails nacional e comprar um satélite. Funciona?
Isso tudo é “fofo”. Temos uma cadeia de suprimentos global, não fazemos mais as próprias tecnologias e isso cria riscos. É um dilema. Mas não significa que é viável economicamente fazer as próprias empresas. Rússia, EUA, Reino Unido, Israel e talvez os 20 ou 30 maiores cibercriminosos do mundo são capazes de quebrar qualquer sistema de segurança existente no mundo.

O que Brasil deveria fazer?
Pode fazer as empresas observarem melhor suas engrenagens, criar redes mais seguras e se engajar de forma positiva internacionalmente. A democracia não acontece. Há pessoas que a defendem. Não vejo o Brasil fazer isso.

O que você quer dizer?
Não vejo o Brasil defender a democracia. Não tenhamos ilusões sobre isso. O Brasil não assinou a Convenção de Budapeste e isso é muito questionável. Façam isso, invistam em engrenagens básicas, defendam a internet aberta e 90% do problema vai desaparecer.

Qual a maior preocupação dos EUA em relação ao Brasil?
O Brasil não é uma prioridade para os EUA. Dizem que os americanos fazem espionagem econômica, mas não é verdade. Uma das coisas que os EUA monitoram é corrupção. E nós a encontramos, não necessariamente no Brasil. Mas se há empresas norte-americanas no país, estamos preocupados com isso. O Brasil tem o direito de estar chateado. Do lado americano, digo que precisamos ser mais transparentes, estabelecer princípios de reciprocidade e garantir que as coisas serão feitas de forma responsável. Precisamos pedir desculpas ao Brasil. Mas para os americanos é difícil fazer isso.

Disponível em http://blogs.estadao.com.br/link/a-privacidade-na-web-e-uma-ilusao/. Acesso em 04 nov 2013.

domingo, 20 de outubro de 2013

Campanha acusada de erotizar crianças é alvo de críticas e denúncias ao Conar

Portal Imprensa
 17/10/2013

Nesta semana, uma campanha da rede de moda cearense Couro Fino foi alvo de protestos na internet em razão de um anúncio, parte de um ensaio comemorativo do Dia das Crianças, que mostra uma modelo infantil usando acessórios adultos e maquiagem, em poses qualificadas como sensuais. As imagens geraram comentários de indignação dos consumidores.


De acordo com a Exame, as fotos foram publicadas na fanpage da marca, que passou a receber postagens de críticas dos internautas que declararam que as peças erotizavam a figura infantil e ameaçaram boicotar a grife.

Segundo o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), até o momento as peças já receberam aproximadamente 100 notificações. O processo foi aberto na última segunda-feira (14/10) e deve ir à votação em novembro deste ano. A marca também pode receber medida liminar recomendando a suspensão das peças, em caráter provisório.

A Couro Fino afirmou, em sua página no Facebook, que a intenção era homenagear “uma data tão importante no calendário nacional” e que por uma interpretação errada causou "desconforto" nas redes sociais. A marca pediu que os usuários não compartilhassem a imagem e se desculpou pelo que chamou de “lamentável acontecimento”.


Disponível em http://www.portalimprensa.com.br/cdm/caderno+de+midia/61798/campanha+acusada+de+erotizar+criancas+e+alvo+de+criticas+e+denuncias+ao+conar. Acesso em 17 out 2013.

domingo, 29 de setembro de 2013

Fantasia e desejo nas redes sociais

Luiz Fernando Dias Duarte
02/11/2012

O vocabulário sobre as emoções na cultura ocidental contém muitas áreas de imprecisão e ambiguidade, o que enseja a impressão comum de não corresponder a representações sociais sistemáticas, recorrentes e obrigatórias. Desejo e fantasia são algumas dessas categorias que deslizam com frequência em nossa linguagem, como se expressassem apenas volúveis devaneios da vida individual de cada um de nós.

Tanto as psicologias quanto as ciências sociais enfrentam o desafio de compreender os modos pelos quais se estruturam essas dimensões da experiência humana – e como emergem e intervêm nas tramas da vida social.

Já nos primeiros tempos das ciências sociais, temas como os do ‘ideal’, da ‘imitação’, da ‘influência’, da ‘autoridade’, do ‘transe’ se impunham nessa área sutil da constituição coletiva da vida dita ‘subjetiva’ dos sujeitos. Dimensões que, sob a forma das ‘paixões’ e da ‘imaginação’, já haviam motivado os filósofos sociais desde o século 17, devido à sua crucialidade nas esferas da família, da religião, da política e da prática econômica.

A capacidade de imaginação e de projeção futura de imagens ideais, desejáveis, é uma dimensão essencial da construção dos sentidos do mundo em qualquer sociedade. Entre nós, essa capacidade é sobrevalorizada como chave da ideologia do progresso e da mudança, sob a forma da ‘criatividade’ e da ‘invenção’. Tanto nossas ciências como nossas artes e nossos meios de comunicação são lugares regulares do cultivo e fomento da imaginação ideal.

Graças ao extraordinário desenvolvimento da criatividade científica, produziram-se recentemente novos recursos públicos de compartilhamento da fantasia e do ideal, concentrados na comunicação digital e na possibilidade de sua circulação em ‘mundos virtuais’.

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social, a partir de posições máximas de individualidade, intimidade e exclusividade. Cada sujeito social exercita sua vontade e obedece ao seu desejo de forma singular, ao acessar o espaço virtual e encaminhar na tela suas opções de navegação. Esse espaço é, no entanto, apenas uma nova versão dos espaços sociais reais, essenciais para o estabelecimento de uma identidade humana.

Imperiosa condição

Acabo de participar, no 36º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), de um Grupo de Trabalho sobre ‘sexualidade e gênero’, em que diversas comunicações puseram em cena os mundos virtuais, do ponto de vista das fantasias sexuais ou eróticas para ali transpostas e ali retrabalhadas e vivenciadas.

Do ponto de vista dos organizadores do grupo, trata-se de uma coincidência imprevista; do ponto de vista da experiência social que cabe aos antropólogos interpretar, trata-se de uma imperiosa condição: os desejos e as fantasias eróticas, tão essenciais para a vida humana, encontram no espaço virtual uma arena privilegiada para se desenvolver, já que podem circular em uma esfera de trocas muito ampliada, em um gigantesco mercado de opções, com altas garantias de anonimato e baixas exigências de dispêndio econômico.

Ana Paula Vencato tratou das mulheres que se relacionam com crossdressers masculinos na vida real e que têm suas ambivalentes experiências compartilhadas em redes virtuais; Laura Lowenkron explorou “a construção dos marcadores corporais da menoridade em investigações policiais de pornografia infantil na internet”; Débora Leitão apresentou sua pesquisa sobre “sexualidade e mercado erótico no mundo virtual Second Life”; Carolina Parreiras tratou da produção de pornografia alternativa na internet; e Weslei Lopes da Silva discutiu as “representações e vivências do corpo feminino em interações sexuais pagas no ciberespaço”.

Outros trabalhos não focados na internet, como o de Amaro Braga Júnior sobre a ‘homoafetividade’ em quadrinhos japoneses, permitiram uma comparação frutífera entre diferentes conjugações da fantasia erótica contemporânea no Brasil. 

Virtualidade e realidade

Muito se pode discutir as condições da pesquisa em tais contextos: o acesso às redes e grupos; a ética da relação com os interlocutores; a fluidez e impermanência dos círculos de interação; a dificuldade de proceder a correlações entre as condições ‘reais’ dos sujeitos plugados e as que são encenadas por seus avatares on-line.

Em outro nível de preocupações, o próprio estatuto da ‘virtualidade’ é muito discutível, já que as experiências desencadeadas nesse meio são também ‘reais’ ao seu modo; no registro da relativização a que se dedica a antropologia sobre a concepção de realidade característica de nossa cultura.

Afinal de contas, a leitura de um romance, a realização de uma viagem, a fruição de um concerto musical, a experiência de um ritual religioso ou de absorção de um alucinógeno são todas elas experiências fantásticas de efeitos imediatamente concretos, de máxima implicação para a vida ‘real’ de cada um de nós.

A internet corresponde a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural

A internet corresponde, assim, a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural, com potenciais de realização em escala de massa e com algumas propriedades singulares, que os estudos tentam discernir.

Novos horizontes de relação entre o público e o privado são evidentes – e afetam particularmente as experiências eróticas. Também se apresenta aí uma nova fronteira entre a sensibilidade corporal imediata e as mediações intelectuais e cognitivas, o que desafia as convenções tradicionais da satisfação do desejo e da atualização da fantasia.

E a própria fronteira entre a fantasia e a realidade pode se refundir, como na criminalização da posse de imagens de pornografia infantil num computador pessoal, estudada por Laura Lowenkron: um crime de fantasia numa fervilhante galáxia de desejos.

Sugestões de leitura:
Leitão, Débora Krischke. Entre primitivos e malhas poligonais: modos de fazer, saber e aprender no mundo virtual Second Life. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n.38, jul/dez 2012.
Bell, Mark. Toward a definition of virtual worlds. Journal of Virtual Worlds Research, vol.1, n.1, 2008.
Butler, Judith. The force of fantasy: feminism, mapplethorpe and discursive excess. In: Cornell, D. (org.). Feminism and pornography. Nova Iorque: Oxford University Press, 2000, p. 487-508.
Foucault, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
Miller, Daniel e Slater, Don. Etnografia on e off-line: cybercafés em Trinidad.Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n.21, p.41-65, jan/jun 2004.
Parreiras, Carolina. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre pornografia online. Cadernos Pagu, n.38, jan/jun 2012.


Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/sentidos-do-mundo/fantasia-e-desejo-nas-redes-sociais. Acesso em 24 set 2013.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O panóptico informacional

Alexandre Quaresma

O panóptico informacional é o resultado prático de uma tendência comunicacional bastante peculiar e relativamente recente da humanidade, propiciada pela internet e pelos meios digitais de comunicação da atualidade, que é a de tornar perene, volátil e utilizável os registros singulares de cada movimentação de informações que fazemos - do simples clique para acessar um endereço digital, por exemplo, a saques em terminais eletrônicos, compras com cartão de crédito em lojas e supermercados, perfis em redes sociais, além de outras fontes (ortodoxas ou não ortodoxas) de geração de dados sobre o indivíduo -, movimentos estes que são registrados sistematicamente no próprio sistema, e que, portanto, podem ser monitorados, rastreados, acessados, consultados e utilizados para diversos fins. Isso nos revela as seguintes questões: A quem pertence a informação gerada on-line? Quem se interessa pelo manancial digital de dados e informações que se constituem a partir das interatividades individuais de cada um dos usuários da internet? Poderiam eles ser usados indiscriminadamente por provedores e demais empresas do ramo para fins comerciais? Seria lícito fazê-lo sem o consentimento expresso dos usuários que geram esses mesmos dados?

Bem, a resposta pode ser surpreendente. Há atualmente um ramo das ciências cibernéticas chamado mineração de dados, técnica que propicia o cruzamento de todas estas fontes possíveis de informações de um cidadão comum, por exemplo, o que permite aos operadores deste sistema de mineração traçar um perfil completo das atividades e zonas de interesse desse mesmo indivíduo, o que tem demandado enormes interesses das grandes corporações. Para compreendermos o contexto onde ocorrem esses eventos, é importante dizer que a mineração ocorre numa esfera chamada de universo dos grandes dados, ou big data, onde o desafio operacional do sistema é exatamente garimpar e correlacionar estes grandes conjuntos de dados de maneira a serem palatáveis e úteis. Principalmente as empresas que querem lucrar com o manejo e uso dessas informações. É possível - por meio da análise sistemática desses grandes conjuntos de dados coligidos pela mineração - extrair padrões que podem indicar tendências nos comportamentos das grandes massas sociais, por exemplo, algo que, sem dúvida, torna-se estratégico no competitivo mundo dos negócios, seja qual for o seu segmento de atuação. Esses sistemas se prestam também a subsidiar estatísticas, gerar bancos informacionais, identificar padrões sistêmicos, prever cenários, manipular e controlar fluxos de objetos, pessoas, dinheiro, consumo, replicar modelos complexos, prever probabilidades etc.

Nada escapa ao controle do sistema

A coisa acontece da seguinte forma: De acordo com os sites e assuntos que pesquisamos na rede, quando estamos navegando nela, a própria rede - através de seus robôs cibernéticos - acaba identificando o que nos ocupa, o que desejamos saber, comprar, comer, o que de fato compramos, o que pensamos e, especialmente, onde estamos e o que podemos querer fazer a seguir, pois isso pode ser muitíssimo interessante do ponto de vista comercial.

Junte-se a isso a multiplicação dos ambientes monitorados por câmeras, as imagens geradas por satélite e por pequenas naves espiãs não tripuladas e perceberemos que nada mais pode escapar a este tipo de controle que nós mesmos instituímos. Será que alguém de fato, algum dia, já se perguntou a sério acerca do que é feito com a informação que geramos sobre nós mesmos, não só em compras e transações on-line, mas também em comunidades e redes sociais, contas de e-mail e buscadores eletrônicos da internet? Porque interessa tanto aos grandes provedores da comunicação online oferecer - "gratuitamente" - serviços complexos como correios eletrônicos, chats, blogs, canais de TV, portais de notícias, além de outros serviços relacionados ao entretenimento e à interconectividade, como redes de relacionamento, sites temáticos, de compra e tudo mais? A resposta pode ser que enquanto estamos conectados e interagindo na rede internacional de computadores, usufruindo de suas delícias e benesses, estejamos, concomitantemente, abastecendo com nossas informações pessoais mais importantes todo um banco informacional privado que se constrói em torno de nós e de nossas ações. Sem embargos, tratamos aqui de uma nova forma de controle, na qual os controlados parecem assentir e até ajudar a consolidar o próprio ambiente panóptico informacional que se constitui em torno de si. Nossos celulares ultramodernos, que fazem tudo que se possa imaginar - além de telefonar -também funcionam como excelentes rastreadores para estes sistemas, ou seja, servem para nos rastrear, pois é possível identificar a mobilidade do indivíduo através dele, mesmo que este não venha a efetuar chamadas, pois possuem sistema de GPS. Essa conectividade imersiva que tanto cultuamos, em todos os lugares e ambientes, também nos transforma em dados instantâneos que podem ser acessados e usados mercadologicamente até mesmo contra nós, cidadãos, usuários e consumidores, no sentido de prever e manipular a nossa ação de consumo, induzindo-nos, sempre, a mais consumo.

 De acordo com os sites e assuntos que pesquisamos na rede, quando estamos navegando nela, a própria rede - através de seus robôs cibernéticos - acaba identificando o que nos ocupa

A quem pertence as informações?

Neste sentido, vale perguntar: O que empresas como Google, Microsoft, Facebook, Tweeter e as demais grandes do ramo da internet fazem com as informações que nós geramos espontaneamente on-line? Poderiam estas empresas explorá-las comercialmente, sem o nosso consentimento consciente? Ao que parece, somos engolidos no corre-corre da vida acelerada pós-moderna e nunca paramos para ler os contratos de utilização destes softwares e produtos que, pelo menos em tese, são-nos apresentados como serviços gratuitos. Na verdade, cada aplicativo desses, tem contratos de uso complexíssimos (dúbio, muito extenso, técnico), que até mesmo advogados podem ter dúvida em interpretar. O mais comum na maioria esmagadora das vezes é que sejamos compelidos a pular o quanto antes as etapas propostas pelo detentor da marca, no processo de instalação - e isso vale também para softwares e programas de computador -, cada janela e procedimento que se apresenta, dando apenas um clique em "avançar" nas tais cláusulas, gastando o mínimo de tempo possível em cada uma destas etapas, clicando num botão que diz: "li e concordo com os termos", entrando com seus dados pessoais e dando o OK final de aceitação. Não conheço ninguém que tenha lido aquilo tudo antes de dar o OK de concordância nestes famigerados contratos de uso. Isto pode ser uma maneira escusa e velada de induzir o cidadão que se torna usuário a ceder, mesmo que sem o sabê-lo, o direito de uso dos dados e informações que ele gera, pois há um contraste significativo entre a facilidade de navegação, ou seja, o uso propriamente dito, e a dificuldade de intelecção dos contratos, sempre prolixos e grafados por meio de uma linguagem jurídica que dificulta a compreensão do cidadão usuário.

Tratamos aqui de uma nova forma de controle, na qual os controlados parecem assentir e até ajudar a consolidar o próprio ambiente panóptico informacional que se constitui em torno de si
 
Considerações finais

Já existem discussões sobre transformar tais objetos geradores de dados (os celulares, por exemplo), ou os próprios dados, de modo que a pessoa saiba e possa receber uma determinada quantia por disponibilizar comercialmente estes dados e informações que ela mesma produz em seu cotidiano. Seria uma espécie de commodity da informação. Se assim for, melhor: haverá mais transparência e honestidade na relação. O que não é possível - frisemos - é que estes dados que geramos espontaneamente - ao utilizar e consumir produtos e serviços, ao trafegarmos por ruas, avenidas e estradas, ao falarmos no telefone, ao acessarmos a internet, ao navegarmos em sites - sejam usados comercialmente para explorar e incitar as sociedades a mais consumo desnecessariamente e sem que estas saibam. Tais iniciativas de manipulação das massas, além de espúrias, encontram-se na contramão da história ecológica recente do planeta, onde as prioridades são justamente o oposto: menos consumo, um consumo mais consciente, que possa levar em conta considerações socioambientais, que gerem mais distribuição de renda, menos concentração de riquezas, a apropriação popular das tecnologias, a preservação de culturas e comunidades locais, suas tradições e assim por diante. A propósito, o grande desafio que nos aguarda nas próximas décadas é justamente a construção social da tecnologia. Não basta utilizarmos acriticamente os sistemas informacionais que nos são apresentados ou outra tecnologia qualquer. Seria interessante que também compreendêssemos seus funcionamentos estruturais e que, se possível, nos apropriássemos deles, num sentido plural de coletividade no possível manejo destes mesmos mananciais informáticos. Nomeadamente teremos que incluir no pacote de desenvolvimentos tecnológicos - ou cesta de valores técnicos, como diria Feenberg - outras considerações e valores que, a priori, não seriam tecnológicos. Ademais, numa análise mais aprofundada deste contexto que engloba tecnociências e sociedades, perceberemos com bastante clareza que as tecnologias de fato também ajudam a constituir e consagrar o real, influindo e até determinando, em muitos casos, as realidades e contextos sociais, num fenômeno que os teóricos chamam de determinismo tecnológico. Aliás, é bom lembrar: as tecnociências em si são fenômenos sociais, pois se constituem nas sociedades, para as sociedades e pelas sociedades. Não há outro meio. Neste sentido, tais contextos não devem e não podem ser impermeáveis ao controle social, sob pena de sermos engolfados numa maré tecnológica de rastreamento e controle tão absolutos que poderia desembocar numa conjuntura geopolítica panóptica e paranoica indesejável de manipulação e controle totais.

* Robôs cibernéticos » São softwares e programas de computador que possuem certa autonomia em meio informacional. Suas tarefas e diretrizes básicas são vasculhar a rede à caça das informações que lhe são indicadas. Estes entes informacionais podem, sem que saibamos, entrar em nossos sistemas, de modo a alcançar seus objetivos e cumprir seus protocolos de espionagem e rastreio de informações. Os próprios buscadores eletrônicos da internet são robôs deste tipo, que operam segundo tais expedientes.

* Panóptico » Vem de pan-óptico. Trata-se de um termo usado para designar um centro penitenciário ideal concebido por Jeremy Bentham em 1785. Resumidamente, é uma forma de vigilância institucionalizada e física, onde os detentos podem ser vistos o tempo todo por um ponto central de vigia que, ao mesmo tempo, vê ou pode ver todos o tempo todo, ao passo que não permite de maneira nenhuma que os detidos e reclusos se entrevejam entre si. Tal prática demonstrou interferir sensivelmente no próprio comportamento dos detentos observados.

* Determinismo tecnológico » O determinismo tecnológico se baseia na suposição de que as tecnologias têm uma lógica funcional autônoma, que pode ser explicada sem se fazer referência à sociedade. Presumivelmente, a tecnologia é social apenas em relação ao propósito a que serve e propósitos estão na mente do observador. A tecnologia se assemelharia assim à ciência e à matemática devido à sua intrínseca independência do mundo social. No entanto, diferentemente da ciência e da matemática, a tecnologia tem impactos sociais imediatos e poderosos (Feenberg, 2010, p. 72).

Referências
FEENBERG, A. (2010). A teoria crítica de Andrew Feenberg: racionalização democrática, poder e tecnologia. Brasília: Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina / CDS / UnB / Capes. Série Cadernos - Primeira Versão / construção social da tecnologia / número 3-2010.


Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/45/artigo279556-1.asp. Acesso em 29 jun 2013.