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sábado, 18 de janeiro de 2014

A regulação da sexualidade e da identidade de gênero através do riso: as piadas nas escolas.

Rodolfo Luiz Costa de Godoi
Departamento de Sociologia
Bacharelado em Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia
Universidade de Brasília 

Resumo: A heteronormatividade é uma forma social, e estabelece a maneira correta de agir, pensar e ser. Parte-se de uma análise do preconceito contra lésbicas, gueis, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil, para poder entender a dimensão macrossocial da heteronormatividade e da cisnormatividade. Foram entrevistados doze jovens, quatro homens cisgêneros homossexuais, quatro mulheres cisgêneras homossexuais, três mulheres transexuais heterossexuais, e um homem transexual heterossexual, que relataram suas experiências sobre sexualidade e identidade de gênero na escola. O preconceito contra pessoas LGBTs funciona como uma ação social, que responde a uma estrutura heteronormativa e cisgênera, materializando-se através das piadas. Essa ação visa sancionar e regulamentar aquelas que fogem de suas regras, mas também a legitimar, reafirmar, positivar e vigiar aquelas e aqueles que encontram-se em consonância com o padrão heteronormativo e cisgênero. A piada, a gozação e o escárnio apresentam-se na escola como uma forma de dinamizar e tornar a heteronormatividade e o padrão cisgenero insidiosos, corriqueiros e latentes.



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

No corpo errado

Rafael Gregorio; Tory Oliveira
Publicado na edição 82, de dezembro de 2013

Desde a infância, David Cristian, 23 anos, sentia-se diferente das demais meninas. O jovem, natural de Florianópolis (Santa Catarina), começou a se vestir como um garoto aos 13 anos e há um ano e meio iniciou tratamento psicológico e hormonal para adequar seu corpo ao gênero masculino, com o qual se identifica. Cristian é um transgênero, como são chamados homens e mulheres que sentem inadequação extrema com o sexo biológico de nascimento. Identificado como transtorno de identidade de gênero pelos médicos, o fenômeno, frequente e erroneamente confundido com a homossexualidade, pode ser um atalho para depressão, discriminação e isolamento, em especial no caso de crianças e adolescentes em idade escolar.

Para Cristian, que hoje vive em Curitiba, a maior parte das lembranças da escola, quando ainda vivia como menina, são de ameaças de colegas e funcionários. “Uma inspetora disse para eu ir embora, porque ninguém gostava de mim lá”, conta ele. Além de lhe acarretar uma depressão, a hostilidade o fez interromper os estudos duas vezes. Formado, Cristian hoje espera a mudança do nome na carteira de identidade para começar uma faculdade.

Violência e preconceito explicam a incorreta associação entre identidade de gênero e vontade pessoal. São também as razões da alta evasão escolar identificada por profissionais da educação. “Muitos não conseguem concluir nem o Ensino Fundamental, e 99% não chegam à universidade”, explica a professora transgênero Marina Reidel, autora de dissertação de mestrado na UFRGS sobre a trajetória de professores travestis e transexuais (que buscam correção cirúrgica para o que veem como distorção anatômica). Sem acesso ao estudo e, consequentemente, ao mercado de trabalho, a maioria cai na prostituição.

Além das agressões físicas e verbais, discriminações cotidianas, como a negativa de uso do nome social (denominação pela qual preferem ser chamados no dia a dia) e a proibição de frequentar o banheiro reservado ao gênero de identificação, são obstáculos adicionais. Para Marina, em vez de disseminar valores de tolerância, a escola é, no mais das vezes, um ambiente aterrorizante para os transgêneros.

Leonardo Tenório, 17 anos, nasceu Letícia. Na adolescência, contudo, em nome de “ser quem eu era”, desistiu de agradar à mãe e abandonou as roupas e a aparência femininas. “Todo mundo repara em mim. Como sou tímido, tento me esconder ao máximo”, diz Tenório, hoje aluno do 3º ano do Ensino Médio em uma escola pública de Ituitaba, Minas Gerais. Ele também diz ser recriminado pela diretora da escola, que, ao pedido para ser chamado pelo nome social, respondeu-lhe que não havia lei que a obrigasse e que ele “queria aparecer”. O aluno mostra-se resignado: “Tento pensar que a escola já está acabando”.

Reminiscências amargas de apelidos e xingamentos também predominam para Brendda Montilla, 17 anos, que diz sentir-se diferente dos demais meninos desde as primeiras séries, em Almirante Tamandaré, no Paraná. “Os casos de tolerância que encontrei foram por boa vontade dos professores, porque nem eles nem os alunos foram preparados (para o tema)”, opina.

A falta de instruções é tida como a fonte principal da disseminação do preconceito. “O problema começa em colocar fundamentalismo religioso antes do saber pedagógico. (As pessoas) precisam compreender que a escola não é seu quintal ou sua igreja”, opina Laysa Carolina Machado, 42 anos, diretora do Colégio Estadual Chico Mendes, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba – a primeira transexual a ser eleita para cargo semelhante no Brasil ( depoimento nesta página). “Há um déficit muito grande na formação do professor e também um medo de abordar certas questões”, opina a professora Marina.

Episódios como as hostilidades contra transgêneros no último Enem corroboram o cenário de despreparo. “Quando cheguei, a fiscal ficou questionando em voz alta na entrada da sala por que meu documento trazia nome e foto de homem”, relata Ana Luiza Cunha da Silva, 17 anos, aluna do 3º ano do Ensino Médio em uma escola particular em Fortaleza. O RG dela ainda foi conferido outras três vezes por funcionários diferentes até que um superior solucionasse o caso, registrando-o em um formulário de perda de documento, ela diz. Antes, porém, outra fiscal “ficou colocando a foto ao lado do meu rosto e dizendo ironicamente que não podia ser a mesma pessoa”. A estudante foi liberada após 30 minutos e só não perdeu tempo de prova porque chegou uma hora antes do início do exame.

O relato é semelhante ao da paraense Beatriz Marques Trindade Campos, 19 anos, que hoje cursa o 2º período de Direito na Unifemm, em Sete Lagoas (MG). “Entreguei meus documentos e a fiscal não me reconheceu, ficou perguntando se era eu mesma e gritou meu nome de batismo para me expor. Ela realmente não estava preparada”, lamenta.

Apesar dos constrangimentos, Ana Luiza e Beatriz são pontos fora da curva no que diz respeito ao apoio familiar. “Foi um choque, mas procuramos dar todo o apoio em sua vida”, afirma Fábio Luiz Ferreira da Silva, 39 anos, médico veterinário e pai de Ana Luiza (depoimento à pág. 26). A colaboração mais recente foi o pedido de mudança de nome na Justiça, protocolado por ele. O segredo da compreensão, afirma, é simples: “A gente se gosta muito lá em -casa e eu aprecio o debate de ideias. Focamos em tratar a pessoa como você gostaria de ser tratado. Não tem nenhum ensinamento a não ser o amor e o diálogo”. A maioria dos transgêneros, porém, não tem a mesma sorte: “Uma amiga transexual de 18 anos foi há pouco expulsa de casa e teve de trabalhar na prostituição”, relata Ana Luiza.

Inexiste consenso sobre o número de estudantes que questionem o próprio gênero no Brasil, muito menos sobre as taxas de evasão escolar desse público. Também faltam dados sobre o número de transexuais e travestis adultos, em parte porque não há no formulário do Censo do ¬IBGE questão específica sobre a identidade de gênero do declarante. “Estima-se que haja atualmente 2 milhões de trans no Brasil”, afirma a professora Marina.

Professor da PUC-SP e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo, o psiquiatra Alexandre Saadeh, 52 anos, dá outra estatística sobre o número de pessoas que questionam o sexo anatômico na juventude. “Nos países ocidentais, a média é de um a cada 100 mil homens e de uma para cada 400 mil mulheres.” Composto de, aproximadamente, 15 profissionais de saúde, o núcleo que ele comanda provê, desde 2010, tratamento psicoterápico para adolescentes – são hoje cerca de 30 pacientes, seis dos quais crianças – e, neste ano, começou a praticar terapias hormonais.

Também falta consenso sobre a natureza do fenômeno, no que especialistas e transgêneros alternam compreensões ligadas à psiquiatria, à psicologia ou mesmo a nenhuma delas, em um movimento de “despatologização” da transexualidade.

“Os transexuais têm pouco acesso aos serviços de saúde e, por isso, vivem uma vulnerabilidade e uma situação de exclusão social”, afirma Judit Lia Busanello, 48 anos, psicóloga e diretora-técnica do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais. Vinculado ao Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o núcleo oferece fonoaudióloga, endocrinologista, clínico geral, urologista, proctologista, psicólogo, psiquiatra e assistente social para um total de 1.860 pacientes cadastrados desde junho de 2009. Desses, 70% são mulheres transexuais (nascidas no sexo anatômico masculino), cujo tempo de acompanhamento chega, em média, a dois anos e meio. Sem contar a fila de três a seis meses: “hoje trabalhamos acima de nossa capacidade”, diz Judit.

“Até os anos 1980, as teorias em voga eram psicológicas. Hoje se correlaciona o transtorno de gênero ao desenvolvimento cerebral intrauterino”, defende Saadeh. Com base nesse entendimento de “um processo essencialmente biológico”, ele afasta a possibilidade de que crianças sejam transexuais por influência de outras pessoas ou questões sociais. O médico também rechaça a eventualidade de que transgêneros influenciem colegas. “Não acredito de maneira alguma nisso. Se assim fosse, todo mundo se contaminaria com a heterossexualidade, a orientação predominante”, afirma.

No Brasil, a cirurgia para mudança de sexo é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e após os 21 anos, conforme parecer de 2010 do Conselho Federal de Medicina (CFM). O tratamento hormonal é possível a partir dos 18, mas, em 2013, outro parecer do CFM recomendou o bloqueio da puberdade do gênero de nascimento (não desejado). A favor do retardo, os especialistas apontam fatores como a prevenção a sofrimentos psicológicos comuns nesse público, como depressão, anorexia e tendência a suicídio, além da oferta de mais tempo para aprimorar o diagnóstico e da prevenção a cirurgias mais invasivas no futuro. O parecer não tem força de lei e já enfrenta resistências. Ainda assim, pode direcionar protocolos sobre o tratamento e ampliar a oferta de acompanhamento médico.

O tempo é mesmo um obstáculo para quem questiona o gênero. A maioria sente desconforto desde a primeira infância e assiste impotente ao desenvolvimento, na anatomia, de sinais contraditórios com relação ao próprio sentimento. “A identidade de gênero se manifesta por volta dos 3 ou 4 anos. Deve-se ficar atento e buscar orientação de centros especializados”, diz o psiquiatra Saadeh. Ele condiciona o diagnóstico à convicção “responsável, duradoura e consistente” e defende que a criança use o nome e as roupas que desejar. Também é importante, diz, que os pais orientem professores e assistam os filhos em sua transformação na escola. “Todas as crianças que acompanhamos estão bem adaptadas e vivem 24 horas assim. Se antes eram meninos deprimidos, irritados, agressivos, agora são meninas doces, que interagem com os outros. O ganho é o bem- estar psicológico de não mais sentir que se está fazendo algo errado”, ele diz.

Leonardo Tenório, da Associação Brasileira de Homens Trans, defende a criação de políticas específicas nas Secretarias de Educação. Para ele, a descentralização da educação pública brasileira atrapalha. “Cada escola tem seu próprio Plano Político Pedagógico. Dependemos da sensibilidade de cada gestor”, explica.

A criação de leis para articular a inclusão escolar dos transgêneros e proteger seus direitos nas escolas é um dos sonhos do estudante Leonardo Carvalho. “Este é o meu último ano na escola, mas sei que os muitos trans que virão depois vão sofrer também”, conta. “Penso que seria mais justo o Enem disponibilizar a opção para transgêneros já na ficha de inscrição”, defende Silva, o pai de Ana Luiza. Na visão dele, isso ajudaria a evitar constrangimentos amplificados pelo fato de que as salas do exame são usualmente divididas conforme o nome de candidatos e candidatas.

Para quem vive a causa ou a defende, a prioridade é combater a invisibilidade a que a sociedade submete quem questiona o sexo biológico. A demanda mais recorrente ouvida pela reportagem foi pela inserção da pergunta específica de gênero no Censo. Segundo o IBGE, antes da realização do próximo Censo, em 2020, o instituto vai, como de costume, consultar a sociedade para avaliar a necessidade e a conveniência de “revisão dos tópicos tradicionalmente investigados” e de “novas necessidades de dados, sempre observando as recomendações internacionais”. A diretora paranaense Laysa, que também é atriz e escritora, sintetiza esse sentimento comum: “Espero que em alguns anos possamos nos ver em novelas e em outros papéis que não sejam os da palhaça caricata ou da trans assexuada”.

Sempre soube da minha condição. Na infância era natural. Eu nunca achei errado. Foram os outros que colocaram na minha cabeça que vestir roupas femininas ou brincar de boneca era ruim.

Fui discriminada em todas as instituições em que estudei e tentei sublimar minha essência. No dia 31 de dezembro de 1999, porém, iniciei minha vida trans. Perdi empregos e busquei na estabilidade de um concurso público a chance de viver plenamente minha identidade de gênero.

Iniciei minha carreira como professora de História, Geografia e Teatro. Sou diretora desde 2009, quando fui eleita com meus dois amigos Gisele Dalagnol e Ivan Araújo. Cuidamos de, aproximadamente, 1,6 mil alunos dos Ensinos Médio e Fundamental. Minha relação com eles é ótima, e com os pais também. Sou respeitada e me sinto querida, acolhida e amada.

Há três anos, Ana Luiza nos contou que se sentia uma mulher em um corpo masculino. Já dava sinais, mas pensávamos que podia ser questão de influência, de andar só com meninas.

Conversamos em uma reunião em família. Foi uma semana sem dormir. Mas se para mim e minha esposa foi difícil, me coloco no lugar dela, alguém de 13, 14 anos que ensaia noites a fio como dizer algo tão difícil.

Nossa família é muito católica. Os mais próximos vão sabendo aos poucos. É um processo. O nome, por exemplo. Chamávamos de Luiz Claudio, depois de Lu. E meu filho mais novo me cobrava, mas achei melhor ser natural do que agir com hipocrisia. Liberamos aos poucos roupa,  maquiagem.

A aparência dela mudou muito no último ano. Tem psicóloga, mas é duro achar psiquiatra e endocrinologista que atendam o caso.

Alguns nos criticam por sermos apoiadores. Acham que desprezar ou botar pra fora de casa poderia resolver, como se fosse algo que a pessoa escolhe. Mas ninguém decide passar por isso. A vida é um fenômeno que acontece. Depois que você está instalado, aprende a viver.

Rejeição e intolerância

Uma das poucas aferições já realizadas no Brasil sobre a transfobia (aversão a transexuais e transgêneros) revelou que 24% das pessoas não gostariam de se encontrar com transexuais (10% disseram sentir repulsa/ódio e 14%, antipatia) e 22% não gostariam de dividir espaço com travestis (repulsa/ódio e antipatia foram citados por 9% e 13%, na ordem). Os dados são da pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, da Fundação Perseu Abramo. De acordo com o 2º Relatório sobre Violência Homofóbica, em 2012 foram registradas 3.084 denúncias de violações à população LGBT, com 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos – alta de 166% perante a 2011. No período, foram reportadas 27 violações homofóbicas de direitos humanos por dia. Em 2011, 10,6% das vítimas foram travestis, enquanto mulheres trans foram 1,5% e homens trans, 0,6%. Já em 2012, o porcentual de travestis e transexuais agredidos caiu para 1,4% e 0,49%, na ordem. Para a Secretaria de Direitos Humanos, contudo, a queda não denota diminuição da violência, mas crescente “invisibilização” de uma população vulnerável.

Serviço:
  • Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SPRua Santa Cruz, 81, Vila Mariana, São Paulo, SP. Tel (11) 5087-9833
  • Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) – Hospital das Clínicas Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, São Paulo, SP. Tel (11) 2661-8045
  • Disque Direitos Humanos Disque 100 http://www.sdh.gov.br/
  • Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Avenida Afonso Pena, 867, Sala 2.207, Belo Horizonte , MG. Tel. (31) 8817-1170. www.abglt.org.br
  • Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. E-mail: direitoshumanos@sdh.gov.br.Tel(61) 2025-9617


Disponível em http://www.cartanaescola.com.br/single/show/262. Acesso em 07 jan 2014.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Defensoria Pública garante mudança de nome a transexual em Três Lagoas

ANADEP
07/01/2014

A Defensoria Pública da comarca de Três Lagoas conseguiu decisão favorável para que uma assistida transexual faça alteração do nome nos registros civis. O nome masculino da assistida, conforme explica o Defensor Público Alceu Conterato Júnior, será modificado para um nome feminino mesmo sem a cirurgia de mudança de sexo. Ela procurou a Defensoria Pública em 2008 para obrigar o Estado a custear a cirurgia. No decorrer do processo, o procedimento cirúrgico foi incluído entre os realizados pelo Sistema Único de Saúde (Portaria 1.707/08, do Ministério da Saúde) e, dessa forma, a ação foi extinta sem julgamento de mérito.

A assistida procurou, então, novamente a Defensoria Pública, desta vez, para alterar o nome. A requerente, embora nascida e registrada com nome masculino, desde tenra idade demonstrava possuir traços psicológicos naturalmente pertencentes ao sexo feminino, exteriorizando-os pelo desenvolvimento comportamental, o uso de roupas e acessórios. Hoje, seu comportamento social e sua aparência feminina são conhecidos socialmente, sendo reconhecido pela sociedade como mulher, comenta o Defensor Público. Declarou ao coordenador da 10ª Regional de Três Lagoas que sentia desconforto pelo fato de possuir características físicas de mulher, mas nome masculino nos registros. Além do preconceito vivido diariamente, a requerente convive com o constrangimento de identificar-se juridicamente com um nome masculino, sofrendo práticas e situações que denigrem sua imagem sempre que se é necessário a utilização de seu prenome conforme seu registro civil.

A ação destaca a Lei n. 6.015/73 de Registros Públicos. Por mais que o artigo 58, caput, da Lei n. 6.015/73 descreva que o pronome será definitivo, abre-se a exceção para que ocorra a substituição por apelidos públicos e notórios. Não se pode limitar a interpretação do referido artigo de maneira que beneficie apenas as pessoas públicas. É necessário, na verdade, um poder-dever do nobre julgador, suprir a lacuna que se apresenta neste caso concreto, concedendo uma interpretação aos princípios constitucionais, no caso em tela, o da dignidade da pessoa humana. O pedido foi julgado procedente e agora a assistida poderá realizar a alteração nos registros civis.


Disponível em http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=18827. Acesso em 07 jan 2014.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Travesti Musa vira celebridade e lidera projetos sociais na Baixada

Elenilce Bottari
23/11/13

Em outubro passado, o carioca Ricardo Muniz tornou-se síndico-geral do Parque Valdariosa 2, um dos três blocos do conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida, construído no bairro de mesmo nome, em Queimados, na Baixada Fluminense. Favorito de quatro candidatos, ele recebeu 385 votos. O segundo colocado teve 37. Mais do que um prêmio por sua atuação na comunidade, foi a volta por cima de um guerreiro que, desde criança, lutou contra toda a sorte de preconceito. Ricardo, de 48 anos, nasceu menino, mas hoje vive como uma mulher.

Ele é o terceiro filho de uma família de nove irmãos, quatro homens e cinco mulheres. Nascido e criado na Pavuna, aos 15 anos, começou a estudar para realizar o sonho de sua mãe, que queria vê-lo militar da Aeronáutica, onde serviu por quase dez anos até se tornar cabo. Satisfeito o sonho materno, um dia ele saiu de casa, pela manhã, trajando a farda que tanto orgulhava a mãe, mas, quando voltou, no mesmo dia, depois de pedir baixa no quartel, já era outra pessoa: Musa Pandia, com muito prazer.

— Um amigo me indicou uma moça no Centro que podia montar meu corpo no mesmo dia. Coloquei uma prótese. Quando voltei para casa, foi um choque. Minha mãe com o tempo aceitou, mas meu pai, não. Meu irmão mais velho dizia que se tivesse um irmão homossexual matava. Até hoje, ele não fala comigo — conta a travesti, que aprendeu no quartel a enfrentar animosidades e a se impor pelo respeito.

— O comandante na fila perguntava se eu era homossexual. Eu negava sempre. Dizia: “Não senhor, não senhor, não senhor” — lembra Musa, rindo e acrescentando que “ninguém acreditava mesmo”.

— Minha família sempre foi muito conservadora e tentou mudar meu jeito, mas a gente já nasce como é. E eu detestava coisas de menino. Quando ganhava roupa, eu cortava para transformar em short e colete. Apanhava, mas fazia. Meu irmão não deixava eu brincar com as bonecas das minhas irmãs. Mas eu dizia para mim mesmo que um dia iria trabalhar e ter tudo que queria.

De enfermeira a cabeleireira

Depois do flash-back, que explica em parte como é e também um pouco de seu estilo de vida, Musa mostra o apartamento de 36 metros quadrados, com 60% do espaço ocupados por bonecas, bichos de pelúcia e outros artigos femininos.

Quando deixou a Aeronáutica, ela — agora, adquiriu o direito de ser chamada como gosta — tinha a intenção de trabalhar na Itália, mas desistiu quando soube que lá poderia se perder num mundo de drogas e bebidas. O nome de guerra, Musa, veio depois que ganhou um concurso de transformista em Copacabana.
— Eu era muito nova e parecia mesmo uma menininha. Acabei ganhando — diz.

Entre os vários cursos profissionalizantes que fez, o de auxiliar de enfermagem garantiu-lhe um estágio no Hospital Salgado Filho:
— Eu estava lá quando surgiu aquela história horrorosa do enfermeiro que matava pacientes para a máfia das funerárias. Fiquei tão chocada que desisti. Então abri um salão de cabeleireiro na Pavuna, mas depois de alguns anos decidi fechar por falta de segurança.

Mais uma volta no tempo para lembrar a história do auxiliar de enfermagem Edson Isidoro Guimarães, que em 1999 foi preso acusado da morte de mais de uma centena de pacientes, durante os plantões no Salgado Filho. Musa já viu muita coisa.

Com a morte da irmã, há dois anos, ela decidiu sair da Pavuna e acabou indo parar em Queimados, no apartamento que sua tia tinha conquistado através do programa Minha Casa Minha Vida.

— Eu não conhecia ninguém e, assim que cheguei, foi complicado. As pessoas queriam me taxar, né? “Tem um veado aqui e vai esculachar o condomínio”. Passei um mês sem sair de casa. Comecei a trabalhar como cabeleireira e, aos poucos, fui ganhando a confiança da vizinhança. Quando surgiu uma vaga de porteiro, tudo mudou — recorda-se de quando virou porteira.

Piso de cerâmica e água quitada

Moradora do térreo, Musa decidiu colocar piso de cerâmica na portaria do prédio. Depois, para não ficar sem água, quitou a conta com a concessionária, que estava atrasada. Foi o bastante para, há pouco mais de um mês, ser convencida pelos vizinhos a entrar na disputa para síndico (a).
— Foi em 14 de outubro. O salão estava lotado. Eu ganhei a maioria esmagadora dos votos. Pensei “Musa, você conquistou o pessoal.”

Sem entender nada de condomínios, Musa leu dois livros para estudar suas novas funções. Em um pouco mais de um mês de trabalho, ela renegociou os débitos de R$ 53 mil de luz e R$ 18 mil de água, deixados pela administração anterior. Também construiu um abrigo para o ponto de ônibus que serve aos moradores e mudou o parque das crianças para um ponto mais seguro do condomínio.

Hoje, suas metas são segurança e saneamento. E vem lutando para impedir a venda de drogas no conjunto. Já instalou câmeras de segurança e passa o dia monitorando o movimento, através de dois monitores do circuito interno. Segundo ela, tudo no “diálogo”, mas, quando a crise é grande, admite, fala mais alto o “cabo Ricardo”.

— Não adianta ficar brigando que eles não obedecem. Eu converso uma, duas vezes. Se não funcionar, eu chamo a polícia. E vou junto para que eles saibam que fui eu que chamei, sim, porque não respeitaram o acordo.

Diferentemente de quando chegou, sem ter coragem para sair de casa, hoje, por onde passa, Musa é saudada pelos moradores e pelas crianças. Tem sempre um gaiato cantando o sucesso do MC Bola: “Ela não anda, ela desfila. Ela é top, capa de revista. É a mais-mais, ela arrasa no look. Tira foto no espelho pra postar no Facebook...”
— É sempre assim — conta a moradora Cláudia Cristina da Hora, uma das muitas fãs de Musa.

Segundo ela, a síndica já chegou trazendo benefícios para os moradores:
— A gente quer que os outros prédios tenham um piso como o que ela instalou no edifício dela, sem nem ser síndica. Aliás, ainda antes de ser síndica, o prédio dela era o único que tinha água. Por atraso do condomínio, os outros prédios estavam com a água cortada.

A maior queixa dos moradores é com o esgotamento sanitário:
— O problema é que a manilha só vem até a entrada do condomínio, e os canos internos são insuficientes e não dão vazão. Todo dia, tem entupimento, e a água volta para os apartamentos do primeiro piso. Já reclamamos com a Odebrecht, que diz já ter acabado o contrato e que a gente tem que pagar para trocar o encanamento. Mas muitos moradores aqui não têm como pagar — explica Musa, que vem buscando parcerias para melhorar a vida dos moradores.

— Nós conseguimos um ônibus do Sesc que vai trazer para cá cursos profissionalizantes. Precisamos também de lazer para os jovens. É preciso ocupá-los. Se eles continuarem sem nada para fazer, não vai dar certo, não teremos como controlar o uso de drogas — observa, com a autoridade que a experiência de vida lhe deu.

Entre os parceiros, está agora o Projeto Valdariosa, da Caixa Econômica Federal, que pretende fazer um estudo sobre o conjunto habitacional e seu entorno para produzir um plano de desenvolvimento local. O objetivo é melhorar a qualidade de vida dos moradores de unidades construídas pelo programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal. Com apoio da prefeitura de Queimados, o projeto é executado por meio de uma parceria entre o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e o Metrópole Projetos Urbanos (MPU).

— O objetivo é implantar ações capazes de garantir sua sustentabilidade e governabilidade e estabelecer a reaplicabilidade em outros conjuntos habitacionais do Minha Casa Minha Vida. O projeto é participativo no sentido de encontrar soluções de baixo para cima. Assim, a população e os síndicos são os protagonistas do processo — explicou o sociólogo Paulo Magalhães, do Iets, coordenador do projeto de desenvolvimento sustentável do conjunto Valdariosa. Segundo ele, o trabalho vem sendo desenvolvido de forma compartilhada e está focado em ações de trabalho, renda e governança.

Coração solitário

Construído em 2010, o conjunto fica no bairro Parque Valdariosa, em Queimados, e tem 1.500 apartamentos, divididos em três blocos: cada um conta com 25 edifícios de cinco andares. Desde outubro, a equipe do Projeto Valdariosa entrevista moradores, lideranças comunitárias e gestores locais e reúne dados estatísticos. As informações vão gerar um Diagnóstico Participativo, com perfil dos residentes e um panorama do conjunto e do bairro.

— O diagnóstico é o primeiro passo para a construção de um Plano de Desenvolvimento Integrado e Sustentável e uma agenda local — explica Magalhães.

Para Musa, a integração entre o conjunto e o entorno é fundamental para garantir a qualidade de vida e a segurança dos moradores:
— Outra reforma que estamos providenciando é a do muro. Não adianta fechar a murada que os moradores derrubam, porque não tem passagem para eles atravessarem para o outro lado da Dutra. Então, depois de uma conversa com eles, decidimos colocar portões dos dois lados, para a Dutra e para ir à padaria. Eu vou dar uma chave para cada condômino.

— O que faz a Musa fazer tanto sucesso aqui é o fato de ela respeitar os moradores. Por isso, todos respeitam ela — arrisca outro morador.

Com tantas missões a cumprir, a vida afetiva de Musa ficou de lado.
— Não tenho namorado e nem tempo para namorar. Nunca saí com ninguém do condomínio. Isso porque aprendi no quartel a nunca misturar as coisas. É a regra — prega.

O que restou da época de shows ficou na parede da sala do apartamento de Musa, que tem uma decoração psicodélica, cheia de luzes e cores.
— É o meu canto. Adoro minhas bonecas.


Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/travesti-musa-vira-celebridade-lidera-projetos-sociais-na-baixada-10866074#ixzz2lZ9c5Wa2. Acesso em 29 dez 2013.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Primeira 'transexual' da Academia de Letras relata preconceito

Mariane Peres
15/11/2013

Nicolly Bueno, de 30 anos, é o primeiro transexual a integrar a Academia de Letras de Presidente Venceslau. Com quatro livros publicados e professora da rede municipal de ensino, ela foi vítima de preconceito durante a infância e adolescência e encontrou na educação e na escrita uma oportunidade de ser aceita pela sociedade. Membro da associação desde 29 de outubro, ela acredita que a conquista é um obstáculo a mais superado.

“Eu me sinto imensamente realizada pelo que eu construí e pelo que busquei, porque, nas condições em que me encontro as coisas não são fáceis. Tive que mostrar para as pessoas que a minha capacidade não depende da minha opção sexual. Na academia, não sinto preconceito, as pessoas me respeitam e me aceitam. Na cidade, há indiferença”, conta.

O convite ser uma acadêmica veio na segunda tentativa e, para ela, foi um orgulho. Entretanto, sua trajetória na educação começou aos 15 anos, quando entrou para o antigo Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefan). Desde pequena, ela queria ser professora. Mas a caminhada foi marcada por confrontos com a família, bastante rígida, de acordo com ela.

“Na verdade, desde os cinco anos eu sentia que era diferente e meu pai é completamente preconceituoso, por isso eu sentia medo de me assumir. Quando cresci, queria virar padre, para não ter relações sexuais e não ser julgado, mas minha mãe não deixou. Me sintia deprimida por não poder ser quem era”, relata.

A partir de então, ela começou a participar de vários concursos e eventos de educação para buscar seu destaque. Ela decidiu estudar bastante para se tornar conhecida na cidade e assim ganhar seu espaço e tentar inibir o preconceito. “De certa forma, enterrei minha vida pessoal para me dedicar à vida profissional. Eu tinha medo porque minha família já me julgava”, diz.

O próximo passo era conseguir um espaço na Academia de Letras. Na primeira tentativa, ainda como homem, ela não conseguiu. “Eles alegaram a falta de idade, já que é preciso ter, no mínimo, 30 anos e na época eu estava com 24. Mas sei que decisão dos outros acadêmicos pesou também por causa da minha opção sexual”, acredita.

Após uma depressão profunda, Nicolly começou a fazer tratamento psicológico e constatou que para se curar era preciso que ela se mostrasse da maneira como sempre quis e pudesse expor a sua sexualidade. No início, foi difícil. “Quando assumi a transexualidade, muita gente achou que era uma questão de vaidade, mas não era isso. As pessoas comentavam coisas sem me conhecer. Nós, travestis e transexuais, sofremos muito”, afirma.

Tanto que ela, que nasceu Rodrigo e ainda usa os documentos com este nome, mesmo não tendo passado pela cirurgia de mudança de sexo, prefere ser chamada de transexual. “Tem muita gente que imagina que travesti é prostituta e está ligada à violência. Mas não é assim. As pessoas julgam sem piedade”, critica.


Disponível em http://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2013/11/primeira-transexual-da-academia-de-letras-relata-preconceito.html. Acesso em 29 dez 2013.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Primeira travesti professora universitária do Brasil recebe posse em Redenção

Diário do Nordeste
09.12.2013

A Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), deu posse, na manhã desta segunda-feira (9), à primeira travesti professora universitária de uma instituição federal no Brasil. O ato de posse  a Luma Nogueira de Andrade foi realizado no município de Redenção, a 55 km de Fortaleza.

Graduada em Licenciatura em Ciências, pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Luma tem mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UFRN), e doutorado pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em 2012, quando Luma apresentou o estudo "Travestis na Escola: Asujeitamento e Resistência à Ordem Normativa", ela se tornou a primeira e única travesti doutora do Brasil, feito. Na Unilab, Luma vai integrar o Instituto de Humanidades e Letras (IHL).

Antes de ingressar na universidade federal como docente, Luma era professora concursada da rede estadual de ensino e trabalhava como superintendente escolar da Secretaria de Educação do Estado do Ceará, em Russas. A doutora classificou sua titulação como "um momento simbólico de libertação e respeito aos direitos humanos".

"Busquei na educação formas de superar as dificuldades financeiras, sociais e, principalmente, o preconceito por ser travesti. Hoje é um dia de vitórias, conquistas e superação. É um marco para o movimento LGBT", completou Luma.


Disponível em http://diariodonordeste.globo.com/noticia.asp?codigo=371477. Acesso em 10 dez 2013.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Transexual revela como projeto 'Damas' ajudou capacitar e enfrentar mercado de trabalho

Neto Lucon 
26 de agosto de 2013

A ocupação em algum cargo no mercado de trabalho é chamada popularmente de "lugar ao sol". Um espaço em que a produção, a eficiência, a satisfação e a recompensa conversam em prol da cidadania e da dignidade. Para quem é travesti ou transexual, a concorrência se alia ao preconceito e o estigma leva grande parte para a prostituição – um trabalho autônomo que merece todo o respeito e direitos, mas que não pode ser visto como sinônimo de “trans” ou a única opção do grupo.

Dentre as inúmeras profissionais que buscam se inserir no mercado formal está Claudia de Freitas, 42, que depois de trabalhar como atendente de telemarketing na mesma empresa por dois anos, foi dispensada devido a um corte geral do turno. Ela está desempregada há um ano e contados 14 dias e já passou por cinco dinâmicas de entrevistas, nenhuma bem sucedida porque, de acordo com Claudia, carrega o fardo de ser transexual. “Em algumas me cortam na hora do grupo e certamente não é por falta de experiência”, diz.

Quando tudo parecia perdido, as oportunidades não apareciam e a autoestima já não era das melhores, Claudia conheceu, por meio de algumas amigas, no dia 2 de julho de 2013 o projeto Damas, no Rio de Janeiro, que visa diminuir a evasão escolar sofrida por trans e prepará-las para o mercado formal de trabalho. O projeto é desenvolvido desde 2006 pela Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual juntamente com a Secretaria Municipal de Assistência Social, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Damas foi a luz no fim do túnel do preconceito.

Por dentro das aulas

Os encontros ocorrem todas as terças e quintas-feiras das 13h às 17, no centro do Rio, e abordam disciplinas e questões como Comportamento, Etiqueta, Saúde, Direito, Português, Inglês e Mercado de Trabalho. “A experiência das minhas colegas é de total dedicação, de esforço e busca de oportunidade. Para mim, o mercado formal resgata a dignidade, a autoestima, mostra que somos capazes. Afinal, como sempre falo, não somos extras terrestres e tampouco nascemos de chocadeiras. E o Damas nos trata com muito respeito e consciência das nossas necessidades”.

No total, são seis meses de aulas e 20 alunas, que nos intervalos também dividem experiências e se unem para uma sociedade com menos transfobia. Em uma das aulas, uma aluna relatou que o pai não aceita a sua condição e que chegou a agredi-la no local onde se prostituía. Ela disse que várias colegas tentaram defendê-la no momento e informaram que o pai também se tratava de um cliente. A trans entrou na questão de processá-lo ou não e todas se emocionaram com a história.

“O projeto ajuda a nos conhecermos melhor, trocar experiências e, o melhor, fazer amizades”, diz Claudia, que destaca que as aulas de Comportamento e Postura com Thomas Dourado, aulas de Direito com a Dr. Claudia Turner e também com a professora de inglês Tatiana, são as suas preferidas. “A Tatiana, que é lusa, tem uma cabeça incrível”, salienta.

Outro fato muito positivo do Damas é que , além de capacitar travestis e transexuais, também abre um processo de vivência profissional durante seis meses. Essa experiência conta com o incentivo de cinco secretarias: a Secretaria Municipal de Educação, Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego, Saúde e a Coordenaria da Diversidade Sexual. Muitas, que se dedicam e almejam continuar, permanecem no cargo. Um exemplo eficaz e importantíssimo de inclusão.

Novas turmas em 2014

Claudia se prepara se formar em dezembro e conquistar alguma profissão que contemple áreas tais como recepcionista, auxiliar administrativa ou em turismo. “Quando era pequena e perguntavam o que eu queria ser, respondia artista, porque sempre gostei de me exibir [risos] e adorava a Roberta Close. Hoje, busco algo no meu perfil. Sou maquiadora, mas tenho experiência em outras áreas, falo e escrevo fluentemente dois idiomas... Quero muito trabalhar”, defende.

Uma nova turma com novas trans está prevista para janeiro de 2014 e as interessadas podem se inscrever por meio do telefone [21] 2976 9137 - lembrando que este é um projeto exemplar ocorre no Rio de Janeiro. “Aconselho a todas que queiram uma oportunidade no mercado, afinal todas nós temos o direito por um lugar ao sol”, defende a aluna, que vai contar nos próximos meses o futuro de sua vida profissional ao NLucon. Estamos acompanhando e, claro, na torcida!


Disponível em http://www.nlucon.com/2013/08/transexual-revela-que-projeto-damas.html?m=1. Acesso em 10 dez 2013.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

CNJ manda cartório registrar gratuitamente casamento gay

Consultor Jurídico
8 de dezembro de 2013

A Constituição garante o registro gratuito de casamento mesmo em casos de união entre pessoas do mesmo sexo, segundo decisão liminar do Conselho Nacional de Justiça. A conselheira Gisela Gondin Ramos determinou que um cartório de Goiânia faça sem qualquer custo o registro de um casal homossexual que diz não ter condições de arcar com as despesas.

O casal relatou ao CNJ que o cartório havia recusado o pedido, mesmo com a apresentação de declaração de pobreza, exigindo que procurasse o Ministério Público para obter um parecer favorável à gratuidade. Segundo o autor do pedido, o mesmo cartório não exige manifestação semelhante para o registro gratuito de casamento entre heterossexuais.

A conselheira avaliou que a Constituição e o artigo 1.512 do Código Civil contemplam a gratuidade do casamento “àqueles que declararem pobreza”, sem exigir qualquer formalidade para comprovar a condição de pobre, “exigindo tão somente a declaração do interessado”. “Assim, afigura-se irregular a negativa de habilitação dos nubentes para o casamento em decorrência de sua hipossuficiência, bastando para tanto a declaração de pobreza, que enseja a responsabilização do signatário em caso de falsidade”, escreveu Ramos.

Para ela, a situação “revela a perversa face do preconceito”. “É lamentável constatar que, em tempos de ações afirmativas e da consolidação dos direitos humanos de terceira e quarta dimensões, ainda haja a necessidade de movimentação da máquina do Poder Judiciário para reafirmar a igualdade formal entre pessoas em idêntica situação”.

Além de exigir o registro, a conselheira deu 15 dias de prazo para o cartório prestar esclarecimentos e encaminhou os autos à Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás. 

Pedido de Providências 0006737-92.2013.2.00.0000


Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-08/cnj-manda-cartorio-goias-registrar-gratuitamente-casamento-homoafetivo. Acesso em 09 dez 2013.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Adolescente transexual do DF teme preconceito e sonha com mudança de sexo

Daniela Novais
02/11/2013

Ele tem 16 anos de idade. Desde os cinco tinha consciência de que não estava satisfeito com seu gênero biológico. Aos nove, incomodado com a aparência, ele já se vestia com roupas masculinas. Na escola, Francisco afirma que seus amigos não sabem sobre o fato de ele ser transexual e que tem medo de que eles se afastem caso fiquem sabendo que ele é um menino em corpo de menina.

O caso em questão é de um estudante do Distrito Federal, que sonha ter documentos com o nome masculino com o qual se identifica. Outro sonho de Francisco (nome fictício) é fazer a cirurgia de mudança de sexo. Na escola, ele já consegue ser tratado de acordo com sua identidade sexual. Nas lista de chamada, os professores o abordam pelo nome masculino.

Atualmente, o corpo é como o de um adolescente de sua idade, devido à ação de hormônios, que deram a ele esta característica. Sobre o passado com aparência de menina, ele diz que prefere esquecer. “Nunca me vi como menina. Nem gosto de me lembrar dessa época. Não me conformo com a maneira como nasci”, desabafa.

Família - A pedido da família, o adolescente já se consultou com um psicólogo, que diagnosticou a transexualidade. Apesar do desejo de mudar de sexo, por meio de cirurgia, ele ainda não começou os tratamentos que antecedem o procedimento, que envolvem acompanhamento psicológico e hormonal. Em casa, ele conta com o apoio da mãe e da irmã mais velha.

O jovem conta que já teve duas namoradas e elas não chegaram a saber sobre sua transexualidade. Ele também não fez questão de contar sobre seu passado e a imagem que o desagrada. “Eu sei que um dia alguém vai descobrir e tenho muito medo de acharem que eu menti. Tenho medo que meus amigos se afastem de mim por isso”.

Homofobia - Foi na escola que Francisco conta ter vivido um dos maiores dramas envolvendo sua sexualidade. Ele conta que, em 2010, se envolveu com uma colega de escola. A fofoca chegou ao pai da garota, que se irritou ao saber que ele era transexual. Segundo Francisco, o pai da menina o atropelou e a confusão fez com que ele fosse expulso da escola. Francisco relata que o diretor do colégio em que estudava cometeu homofobia, pois sempre se mostrou avesso a sua sexualidade, o que teria culminado com a sua expulsão.

Após o episódio, ele teve de mudar de escola. No novo colégio, passou a esconder dos colegas o fato de ser transexual. A mudança de turma, para ele, foi como ter “começado a vida do zero”.  “Para eles, eu sou como um garoto qualquer”, conta.

O adolescente relata que vive um drama devido ao preconceito por sua orientação sexual. A perseguição devido à sua sexualidade aconteceu na escola, onde ele conta que foi agredido por várias vezes. Nas redes sociais, ele também já foi alvo de bullying e preconceito, por meio de xingamentos. “Criaram vários perfis para me xingar. Sofri muito bullying”, relata.

Denúncias - Uma pesquisa revela que o Distrito Federal é a unidade da federação que, proporcionalmente, mais registrou denúncias de violência homofóbica no Brasil. O 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica 2012 foi elaborado e divulgado pela coordenação de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O levantamento apontou que no ano passado foram realizadas 239 denúncias sobre 411 casos de violência homofóbica, o que representa 9,3 registros para cada cem habitantes do DF. No total, houve aumento de 431% em relação a 2011, quando foram registradas 45 denúncias.

O relatório se baseou em denúncias encaminhadas por meio do Disque 100, da SDH, do Ligue 180, da Secretaria de Políticas para Mulheres, e da Ouvidoria do SUS (Sistema Único de Saúde), do Ministério da Saúde.

O relatório aponta que só no DF foram denunciados 24 casos de violência física, cinco de violência sexual e três homicídios. No entanto, própria secretaria reconhece que as notificações não correspondem à totalidade dos casos de violência homofóbica, já que muitos deles não são denunciados. Os números não representam, por exemplo, os casos de homofobia contra pessoas que não assumem a sexualidade ou das que são assassinadas e as famílias não assumem que os mortos eram LGBT. 

De acordo com o relatório da SDH/PR, no DF foram registrados 195 casos de violência psicológica. Também foram notificados 182 casos de discriminação e três de violência institucional.

Disponível em http://camaraempauta.com.br/portal/artigo/ver/id/5409/nome/Adolescente_transexual_do_DF_teme_preconceito_e_sonha_com_mudanca_de_sexo. Acesso em 13 nov 2013.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Transexualidade e preconceito: as implicações do psicólogo

Mário de Oliveira Neto
Maressa de Freitas Vieira
2a. Jornada Científica e Tecnológica da FATEC de Botucatu.
21 a 25 de Outubro de 2013, Botucatu – São Paulo, Brasil

Resumo: A aceitação na família, na escola, a inserção no mercado de trabalho, os direitos garantidos por leis, o acolhimento, a igualdade, a dignidade e, acima de tudo, a liberdade (no seu mais amplo significado) são direitos garantidos de grande parte da sociedade, exceto a transexuais. Isto porque a sociedade atual, muitas vezes, exclui significativamente os transexuais, dificultando e impedindo o acesso do reconhecimento da identidade e dos direitos civis básicos desses indivíduos. Diariamente transexuais são alvos de preconceitos, exclusão, ameaças, agressões e violências das mais variadas formas, culminando não muito raro em homicídio. A esse conjunto de atitudes a pessoa transexual, denomina-se transfobia. (JESUS, 2011). Transexuais e travestis, a partir das avaliações sociais e biológicas, são vistos como fracassos ambulantes, incapacitados para desenvolverem seu potencial natural em função de seu comportamento socialmente inadequado. Assim, o individuo está exposto a violências, ridicularização, estigma e marginalização, fortalecendo assim o gênero binário, ou seja, masculino e feminino (GUIMARÃES et al, 2013).

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Como os pais transmitem preconceitos aos filhos sem saber

Stephanie D’Ornelas
6.10.2012

Desde pequenos somos cercados de estereótipos e generalizações: meninas usam rosa, meninos azul; garotos têm cabelo curto, meninas longo; eles brincam de carrinho, elas de boneca, e por aí vai. Normalmente, essas falas vêm de dentro de casa, dos nossos próprios pais. Um novo estudo mostra que essas generalizações, que são extremamente comuns, fazem com que os pais transmitam preconceitos aos filhos sem saber.

Pesquisadores da Universidade de Nova York e da Universidade de Princeton (ambas nos EUA) descobriram que uma simples generalização pode fazer com que as crianças desenvolvam várias outras ideias genéricas sobre um determinado grupo de pessoas.

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que crenças e preconceitos podem surgir em idade pré-escolar, mas os motivos disso sempre foram pouco claros. A formação que as crianças têm em casa pode ser uma das explicações.

No estudo, pesquisadores descobriram que a linguagem genérica desempenha um papel poderoso na formação das crianças, fazendo com que essas desenvolvam crenças sobre categorias sociais de maneira diferente do que as crianças que não têm essa experiência de linguagem em casa. A linguagem genérica pode criar tendências ao desenvolvimento de estereótipos e preconceitos.


Disponível em http://hypescience.com/como-os-pais-transmitem-preconceitos-aos-filhos-sem-saber/. Acesso em 03 nov 2013.

domingo, 3 de novembro de 2013

O que alimenta o preconceito contra transexuais?

Natasha Romanzoti
em 9.10.2011

O tema “transexual” é com certeza um dos assuntos mais polêmicos na sociedade, que provoca fortes reações emocionais. Muitas vezes, essas reações têm tons predominantemente negativos, o que levanta a questão sobre a raiz da hostilidade quanto a esse tópico.

Segundo uma acadêmica que estuda atitudes e comportamentos sociais, o desconforto em relação às pessoas transexuais vem de convenções desafiadoras.

Diane Everett, professora de sociologia, diz que na cultura americana, sexo e gênero pertencem a uma de duas categorias. Assim que os seres humanos nascem, a primeira coisa que as pessoas perguntam é se o bebê é um menino ou menina.

“Temos a tendência, como sociedade, de colocar as pessoas em caixas”, disse ela. “Um transexual não só atravessa as fronteiras de gênero, mas também as desafia. Se as pessoas não veem você como ‘ou isso ou aquilo’, elas têm dificuldade em se relacionar com você em seu nível de conforto”, explica.

Depois, há pessoas que por razões religiosas acreditam que os transexuais são fundamentalmente “errados”, que Deus criou o homem e a mulher e, automaticamente, o homem é macho, a mulher é fêmea, e eles não devem cruzar essas linhas.

As questões geralmente acabam em um debate sobre qual banheiro as pessoas transexuais deveriam usar. Isso é um símbolo de toda a controvérsia, porque tem a ver com gênero, sexualidade e nível de conforto.

O desconforto decorre da visão de que uma pessoa é do sexo feminino ou masculino. Mudar o sexo com que você nasce é “basicamente automutilação”, disse Regina Griggs, diretora do grupo Parentes e Amigos de Ex-Gays & Gays. “É uma cirurgia que altera quem você realmente é do ponto de vista biológico”.

Segundo Regina, pessoas com transtorno de identidade de gênero merecem ajuda médica e psiquiátrica adequada. Transtorno de identidade de gênero é listado como doença no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a “bíblia” da psiquiatria.

Pessoas transexuais desafiam as ideias arraigadas na sociedade sobre gênero e sexo. As pessoas são ensinadas que meninos são meninos, meninas são meninas e meninos casam com meninas.

“Todas essas coisas são verdadeiras para a maioria das pessoas”, disse Mara Kiesling, diretora do Centro Nacional para a Igualdade Transexual. “É verdade que a maioria das pessoas é do sexo masculino ou feminino e isso é imutável para a maioria das pessoas. O que estamos aprendendo agora é que nenhuma dessas coisas é totalmente imutável”, explica.

Pessoas transexuais enfrentam um estresse de minoria, o que significa que elas se sentem indesejadas como uma minoria excluída. Elas também enfrentam o estigma, às vezes de suas próprias famílias, além de discriminação no trabalho e bullying.

A hostilidade pode vir, por vezes, de forma surpreendente. Uma mulher transexual, Amber Yust, que mudou seu nome de David, foi ao Departamento de Veículos Motorizados em San Francisco, EUA, para atualizar sua licença. Ela recebeu uma carta de um dos funcionários, acusando Yust de agir de uma maneira que é “uma abominação que leva para o inferno”. O empregado foi identificado e, posteriormente, se demitiu.

Ainda assim, nos dias de hoje, muitas manifestações contra transexuais são tornadas públicas e adquirem tamanha repercussão que oprimem ainda mais essas pessoas. O fim dessa discussão, no entanto, está muito longe – a mudança de pensamento vai demorar a chegar, tendo em vista o tamanho dos conceitos que precisam ser revisados para tanto.


Disponível em http://hypescience.com/o-que-alimenta-o-preconceito-contra-transexuais/. Acesso em03 nov 2013.

domingo, 27 de outubro de 2013

De quitinete a cobertura, estilista das travestis faz sucesso internacional

Carolina Garcia
07/10/2013

Com a roupa certa que “dá axé”, travestis podem “cabanar” pelas ruas de São Paulo e do mundo. O verbo ganhou espaço no bajubá - linguagem usada pelo grupo - após o sucesso da marca Tereza Cabana, a precursora da moda trans no País e que é cultuada por suas clientes há 23 anos. A ousadia das costureiras Terezinha Cabana, de 70 anos, e sua filha Cris Cabana, de 45, ganhou um público marcado pelo preconceito e conhecido pelas práticas ousadas para esconder a identidade. “Mulher encontra calcinha em qualquer lugar, travesti não”, defendeu Cris a sua peça, que promete “aquendar a neca” (segurar o pênis).

De uma quitinete de 27 metros quadrados para uma cobertura quase dez vezes maior nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, mãe e filha construíram patrimônio ao desenharem vestidos tubinhos, calcinhas e trikinis, peça clássica para o guarda-roupa de uma travesti. Os tecidos que estampam o animal print e as cores neon são os campeões de venda. O carro-chefe do ateliê é a calcinha de vinil, um dos materiais mais resistentes, que pode ser comprada por R$ 30 a unidade ou R$ 15 no atacado (com venda mínima de 40 peças).

Para a paulistana Cris, o acaso foi responsável pela origem da marca e pelo sucesso internacional. Em meados de 1990, a visita da travesti Mônica, jovem de 17 anos e “com um corpo escultural”, inspirou as profissionais e despertou suas atenções ao público gay. “Montei alguns modelos de vestidos e ela saiu para trabalhar. Sempre voltava da rua contando o sucesso que tinha feito com as peças. A Mônica deu a luz inicial”. Na primeira semana de trabalho, cerca de 20 travestis fizeram fila a espera de novas criações. “Nossa casa era muito pequena. Nunca imaginei que tivesse tantos travestis em São Paulo”, disse, aos risos.

Entre suas clientes estão as profissionais do sexo e transexuais, como Ariadna Arantes, que ficou conhecida após participar da 11ª edição do reality show BBB. Ao iG , ela disse ter conhecido a marca em Milão um ano antes de sua operação para mudança de sexo, em 2007. “Usar roupas da moda feminina comum era meio complicado para uma menina como eu. Era um incômodo muito grande”. Na falta de opção, e por desespero em esconder a identidade, a ex-BBB usava calcinha de vinil que chegava a cortar a pele.

"Moda feminina comum era complicado para uma menina como eu", diz a ex-BBB Ariadna
“Muitas [travestis] usam super bonder, emplasto e até fita adesiva para esconder a real identidade. A marca [Tereza Cabana] se consolidou porque a moda ainda não abriu espaço para esse público”, defendeu Ariadna.

Com o mercado de São Paulo já garantido, o próximo desafio para a marca é a Europa. “O boca a boca foi fundamental para as vendas lá fora. Ainda em um tempo sem internet, passamos 11 anos vendendo de porta em porta por 30 dias durante o verão europeu”, explicou Cris. Entre seus roteiros de viagem estão as capitais da Itália, Paris e Suíça, por exemplo. “E nem preciso me preocupar com hospedagem. Elas [clientes] me recebem em suas casas, pensões e até puteiros. Em uma das viagens, cheguei a vender US$ 22 mil em mercadoria”, contou.

Em um amplo ateliê, também nos Jardins, Cris e a mãe dividem a confecção das peças. Ao menos cem modelos são produzidos em um dia cheio de trabalho - a marca rende um lucro mensal de ao menos R$ 15 mil por mês. A última aquisição da empresa foi uma poderosa máquina de costura, carinhosamente apelidada de “Ferrari” pelas donas. “É a nossa queridinha agora. Ainda estou pegando o jeito dela”, explicou Terezinha.

Trikini é peça clássica no guarda-roupa travesti. Custa em média R$ 150 no ateliê dos Jardins.

Preconceitos e axé

A palavra preconceito não faz parte do vocabulário da nordestina Terezinha. Criada em Fortaleza, ela saiu de casa aos 15 anos e, por isso, se define como “dura na queda e das antigas”. Mas se contradiz ao ter uma mente aberta no convívio com o mundo gay. “Não faz sentido ter preconceito. Quando morremos o bichinho que come o branco também come o preto”.

Não são todos, no entanto, que acompanham seu pensamento. O fluxo frequente de travestis em sua casa já rendeu processo na Justiça. “Fui processada por vizinhos porque associavam travestis ao tráfico de drogas. E eu só tentava vender minhas roupas”.

Com um discurso recheado de frases polêmicas, Tereza usa o bom humor para se referir à marca que leva o seu nome. “As meninas sentem que somos as estilistas delas e que usar Tereza Cabana dá axé [sorte]. É que as peças são produzidas por uma virgem”, disse a idosa fazendo movimentos com os olhos apontando para filha. “Ela só pensa em trabalho, sabe? Eu acho que é virgem ainda”.


Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-10-07/de-quitinete-a-cobertura-estilista-dos-travestis-faz-sucesso-internacional.html. Acesso em 14 out 2013.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

“Venci a minha homofobia e o meu racismo”, diz atriz transexual dos EUA

Ricardo Donisete
19/08/2013

Sophia Burset é uma transexual num mundo preconceituoso e desinformado sobre o assunto transexualidade. Tendo casado com uma mulher antes de assumir sua identidade feminina, ela tem um filho que não aceita bem a sua mudança de sexo. Para complicar ainda mais a situação, Sophia vai parar na cadeia por fraudar cartões de crédito, que foram usados para custear sua cirurgia de readequação sexual.

Resumidamente, essa é a história da personagem que a americana Laverne Cox interpreta na série “Orange Is The New Black”, recém-lançada pelo Netflix, um serviço de streaming de filmes e seriados. A atriz não tem filhos e, felizmente, também não tem problemas legais. Mesmo assim, a sua experiência pessoal ajudou o compor o papel, já que Laverne é uma transexual que já enfrentou muito preconceito.

“Eu me identifico com os sentimentos que fizeram Sophia se sentir culpada por ter consciência da sua condição. Ela sacrificou tudo, sua família e sua liberdade para ser verdadeira com ela mesma, para viver de uma maneira autêntica. Mas pagou um preço alto por isso”, admite Laverne, falando numa conferência por telefone com a reportagem do iGay , da qual participaram também outros veículos de imprensa de todo o continente americano.

Ainda apontando as semelhanças que a sua vida pessoal guarda com a personagem, Laverne lembra as dificuldades que Sophia passa na cadeia para tomar os hormônios que a auxiliam na mudança de sexo. “Infelizmente, em alguns momentos na minha vida também me foram negados cuidados de saúde para a minha transexualidade”, conta a atriz.

Embora tenha passado por dificuldades parecidas com as de sua personagem, Laverne tem uma visão esperançosa sobre o futuro das transexuais como ela, reconhecendo que a sua própria presença num programa de sucesso pode ajudar a diminuir o preconceito.

“Acho que demos um primeiro passo. Acredito que ser representado na TV é algo muito importante”, explica Laverne. “Hoje, a maioria dos americanos entende que os homossexuais têm o direito de casar... No meu pensamento, essas pessoas mudaram seus corações e mentes por causa desse tipo de representação. Então, é algo realmente poderoso. Mas as políticas públicas também têm que mudar”, pondera.

Dividindo o papel com o irmão gêmeo

Em flashbacks, “Orange Is The New Black” mostra o passado de Sophia, quando ela ainda era o bombeiro Marcus e não tinha feito a cirurgia de mudança de sexo. Laverne chegou a se oferecer para interpretar o personagem nesta fase, mas a ideia foi descartada quando uma diretora da série descobriu que ela tinha um irmão gêmeo, o músico M Lamar.

“Nós temos um vínculo muito forte e temos muito respeito um pelo outro, nos respeitamos como artistas e como pessoas. E fiquei grata por poder dividir com ele esse momento na série”, diz Laverne sobre trabalhar com M Lamar, acrescentando que os dois dividiram o papel, mas não chegaram a gravar juntos.

A diretora que teve a ideia de chamar M Lamar é nada mais nada menos do que a estrela Jodie Foster . A premiada atriz foi a responsável pela direção do episódio que mostra o passado de Sophia.

“Jodie foi incrível. Ela é uma grande diretora de atores, por razões óbvias. Ela é uma atriz brilhante, mas também muito generosa. Foi como ter um mestrado em atuação”, relata Laverne, se derramando em elogios para a diretora famosa.

"Gosto mais de mim agora"

Laverne começou sua carreira no meio artístico em 2008, participando do reality show “I Want to Work for Diddy” do canal VH1, que buscava uma assistente para o rapper P. Diddy. Ela não venceu a competição, mas ficou famosa nos Estados Unidos. Desde então, a transexual tem buscado se aperfeiçoar com artista e também como pessoa.

“Eu gosto mais de mim agora. Comecei a trabalhar com um terapeuta, o nome dele é Brad Calcutera, e ele é brilhante. Trabalhei muito as minhas questões internas, venci a minha homofobia internalizada, o meu racismo internalizado e também a vergonha”.

Depois da terapia, a atriz mudou até concepção sobre o próprio trabalho. “É um equívoco dizer que atuar é fingir ser outra pessoa. A realidade é que nós exploramos a nossa própria verdade para dar verdade aos nossos personagens”, conclui Laverne.
*Com reportagem de Renata Reif


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-08-19/venci-a-minha-homofobia-e-o-meu-racismo-diz-atriz-transexual-dos-eua.html. Acesso em 14 out 2013.