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quarta-feira, 5 de março de 2014

Sexo para menores: adolescência, sexualidade e gênero na revista Capricho

Vanessa Patrícia Monteiro Campos
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Fortaleza, CE – 3 a 7/9/2012

Resumo: A revista Capricho possui em suas edições uma seção de uma página chamada “Sexo” onde as leitoras se manifestam sobre todos os assuntos relativos à sexualidade na adolescência, ao mesmo tempo que especialistas, como terapeutas e sexólogos também analisam as questões propostas. A intenção deste trabalho é analisar todas as páginas da seção “Sexo” publicadas no ano de 2011 para tentar debater questões contidas na formulação de minha tese, como adolescência, sexualidade e gênero. Com ênfase na questão do pós-feminismo, fenômeno que se enquadra na imagem da adolescente contemporânea criada pelo atual projeto da revista.




quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Obscenidade e censura, sexo e poder

Caio Lamas
Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Fortaleza, CE – 3 a 7/9/2012

Resumo: Pretendemos neste artigo, através de revisão bibliográfica, expor alguns conceitos que permitam entender a intricada e complexa relação entre a obscenidade e a censura, o sexo e o poder. Partindo da revolta de setores da população à pornochanchada, percorremos um caminho que, através de autores como Coetzee, Bataille e Foucault, procura problematizar tanto o que vem a ser a censura, a pornografia e o erotismo, como os dispositivos por meio dos quais o poder lidou com o sexo ao longo da história do Ocidente.






sábado, 22 de fevereiro de 2014

A tutela jurídica da pessoa transexual

Marina Carneiro Leão de Camargo

Resumo: O presente trabalho analisa o fenômeno da transexualidade frente ao Direito, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, que, por força da Constituição Federal de 1988, ilumina todo o ordenamento jurídico. Para tanto, traz uma reflexão acerca das categorias de gênero e sexo no que se refere à construção de corpos femininos e masculinos através dos discursos. A partir disso, situa-se a experiência transexual no processo por meio do qual são prescritos comportamentos aos indivíduos e naturalizadas as diferenças entre os corpos sexuados. Aborda-se, por fim, a tutela jurídica da pessoa transexual, através da legalização das cirurgias de transgenitalização e da possibilidade de alteração do registro civil no tocante ao prenome e ao sexo, em virtude da identidade de gênero, tendo por fundamento os direitos da personalidade e os direitos fundamentais.



sábado, 15 de fevereiro de 2014

A construção histórica da sexualidade humana

Marlete Dacroce
Revista internacional de audición y lenguaje, logopedia, apoyo a la integración y multiculturalidad
Volumen 3, Número 2, Diciembre 2013

Resumo: Este estudo bibliográfico busca compreender a construção histórica da sexualidade humana e o porquê em pleno século XXI se evidencia um descompasso marcante no entendimento formal do próprio ser humano. O modelo capitalista consumista impondo formas de degradação do ser humano, não permitindo o autorespeito e conseqüentemente estes trazem vários problemas de ordem Bio- psicosocial. O autoconhecimento é a base essencial enquanto ser existencial para amenizar os problemas postos até então a respeito da sexualidade nos seus mais variados aspectos evolutivos.





domingo, 26 de janeiro de 2014

Vida sexual do brasileiro está “meia-boca”, diz estudo

Luciana Carvalho; Julia Carvalho 
23/01/2014

Ao mesmo tempo em que metade (49%) dos brasileiros afirma ter mais de três relações sexuais por semana, praticamente a mesma proporção de pessoas no país está insatisfeita nesse quesito. Pelo menos é isso que indica a Durex Global Sex Survey, pesquisa feita com 1.004 participantes no Brasil, entre 18 e 65 anos, a pedido da marca de preservativos Durex. De acordo com os dados do estudo, o descontentamento existe para 51% dos homens e 56% das mulheres.

Isso contrasta com a informação de que, para a maioria dos homens (69%) e mulheres (58%), satisfazer o parceiro é um dever. O levantamento, feito a cada dois anos em 37 países, tem a intenção de traçar um perfil sexual da população, e avaliar suas dúvidas e aspirações. Em meio a números e diferentes comportamentos, é possível ver que, por trás da aparência liberal, o brasileiro ainda tem relacionamentos permeados por tabus.

Um exemplo disso é o fato de que só 7% das pessoas afirmam não ter tabus. Segundo a Durex Global Sex Survey, 65% dos homens e 63% das mulheres declararam ter dificuldade de admitir que têm problema sexual. Apesar de os números serem parecidos, são as mulheres que parecem sofrer mais com isso. Enquanto 52% dos homens disseram que sempre atingem o orgasmo em suas relações sexuais, somente 22% delas deram a mesma resposta. Além disso, 51% das mulheres já sentiram dor durante o ato sexual e 32% já perderam a libido em algum momento da vida.

Outros reflexos dos tabus em torno do assunto na sociedade brasileira são as questões sobre sexo no primeiro encontro e traição. As mulheres ainda se mostram mais conservadoras nesses dois aspectos, apesar de estarem mais flexíveis em relação ao passado. A pesquisa mostrou de 39% delas ainda consideram errado fazer sexo já no primeiro encontro, enquanto 24% deles pensam da mesma forma. Sobre traição, 91% das mulheres consideram que fazer sexo com outra pessoa é uma maneira de ser infiel. O número cai para 78% quando o mesmo é perguntado para os homens.

Apesar dos dados não tão satisfatórios e dos tabus, a pesquisa mostra também o lado positivo da sexualidade brasileira. Para a maior parte dos entrevistados (69%), é possível manter o desejo vivo até mesmo em relacionamentos de longo prazo. Além disso, se comparado com o resto do mundo, o perfil do brasileiro pareceu ser mais liberal, indo além da penetração para obter prazer. Os números do país superaram a média mundial em todos os quesitos que diziam respeito a sexo oral, masturbação, massagem sensual e penetração anal.

O Brasil também superou os outros países no que diz respeito ao uso de preservativo na primeira relação. Entre brasileiros, o índice foi de 66%, enquanto na Grécia, que ficou em segundo lugar, foi de 65,5% e na Coreia do Sul foi de 62,8%, ficando em terceiro.

Confira a seguir alguns dos números revelados na pesquisa.

 Homens (%)Mulheres (%)
Insatisfeitos5156
Têm dificuldade de assumir problema sexual6563
Sempre chegam ao orgasmo5222
Quase sempre chegam ao orgasmo1418
Com muita frequência chegam ao orgasmo99
Com alguma frequência chegam ao orgasmo1419
Às vezes chegam ao orgasmo618
Raramente chegam ao orgasmo310
Nunca chegam ao orgasmo03
Já sentiram dor durante o ato-51
Já tiveram perda de libido durante a vida1632
                              

Frequência%
Mais de 3 vezes por semana49
Uma a duas vezes por semana33
Pelo menos uma vez por semana82
Uma vez por mês15
Diariamente (homens)12
Diariamente (mulheres)5
               
Tempo para preliminares%Duração do ato%
0 a 5 minutos150 a 5 minutos13
6 a 15 minutos406 a 15 minutos36
16 a 30 minutos3216 a 30 minutos33
Mais de 30 minutos13Mais de 30 minutos17
                                              
TabusHomens (%)Mulheres (%)
Não aprovam sexo no primeiro encontro2439
Aprovam sexo no primeiro encontro5840
Não aprovam nem desaprovam sexo no primeiro encontro1721
Fazer sexo com outra pessoa é traição7891
                              
Benefícios do sexoHomens (%)Mulheres (%)
Melhora o humor6372
Diminui o estresse5967
Faz sentir-se mais saudável6159
Tornam-se parceiros melhores5448
Sentem-se mais atraentes2625
                              
Versalidade na camaBrasil (%)Mundo (%)
Receber sexo oral5033
Fazer sexo oral4832
Receber masturbação3622
Fazer masturbação3421
Fazer ou receber massagem sensual2216
Fazer ou receber penetração anal186


Disponível em http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/noticias/vida-sexual-do-brasileiro-esta-meia-boca-diz-estudo?page=1. Acesso em 25 jan 2014.

sábado, 18 de janeiro de 2014

A regulação da sexualidade e da identidade de gênero através do riso: as piadas nas escolas.

Rodolfo Luiz Costa de Godoi
Departamento de Sociologia
Bacharelado em Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia
Universidade de Brasília 

Resumo: A heteronormatividade é uma forma social, e estabelece a maneira correta de agir, pensar e ser. Parte-se de uma análise do preconceito contra lésbicas, gueis, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil, para poder entender a dimensão macrossocial da heteronormatividade e da cisnormatividade. Foram entrevistados doze jovens, quatro homens cisgêneros homossexuais, quatro mulheres cisgêneras homossexuais, três mulheres transexuais heterossexuais, e um homem transexual heterossexual, que relataram suas experiências sobre sexualidade e identidade de gênero na escola. O preconceito contra pessoas LGBTs funciona como uma ação social, que responde a uma estrutura heteronormativa e cisgênera, materializando-se através das piadas. Essa ação visa sancionar e regulamentar aquelas que fogem de suas regras, mas também a legitimar, reafirmar, positivar e vigiar aquelas e aqueles que encontram-se em consonância com o padrão heteronormativo e cisgênero. A piada, a gozação e o escárnio apresentam-se na escola como uma forma de dinamizar e tornar a heteronormatividade e o padrão cisgenero insidiosos, corriqueiros e latentes.



quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Travestilidades: incursões sobre envelhecimento a partir das trajetórias de vida de travestis na cidade do Recife

Cicera Glaudiane Holanda Costa
IV Reunião Equatorial de Antropologia
XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste
04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE

Resumo: A experiência travesti suscita diversas reflexões referente a dicotomia masculino/feminino através da (re)construção de uma imagem, que ao mesmo tempo dialoga como pontua uma ruptura com a lógica dominante de gêneros. Esse mesmo corpo estabelece uma linguagem que narra pulsões e transgressões, que ganha significado a partir da cultura que está inserido e é atualizado e alterado a partir dela. Neste sentido, esta pesquisa tem como perspectiva contribuir para discussões dos processos de construção das travestilidades, assim como refletir sobre questões que problematizam a representação do corpo, gênero e sexualidade no cotidiano. Procurando, nesta direção, conhecer os significados atribuídos pelas travestis ao envelhecimento e ao corpo envelhecido. Essas questões foram acessadas a partir de elementos trazidos em seus discursos e da análise de fotografias e material audiovisual produzido em contextos diferentes nos encontros com as interlocutoras, especialmente em entrevistas vídeogravadas. As trajetórias de vida das travestis são compreendidas com base no “paradigma do curso da vida”, onde qualquer ponto da trajetória de vida precisa ser analisado de uma perspectiva dinâmica, como consequência de experiências passadas e expectativas futuras, e de uma integração entre os motivos pessoais e os limites do contexto social e cultural correspondente

sábado, 21 de dezembro de 2013

A possibilidade de construção de um perfil do homofóbico: análise de registros de casos de homofobia a partir da experiência de um Centro de Referência

Isabela Scheufler Pereira
IV Reunião Equatorial de Antropologia
XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste
04 A 07 de agosto de 2013, FORTALEZA-CE

Resumo: Esta comunicação apresenta resultados de pesquisa realizada para o trabalho de conclusão de curso da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Partindo de experiência de estágio no Centro de Referência e Promoção da Cidadania LGBT-Capital reflito sobre dados criados/coletados pelo serviço, ligado à execução do Programa Estadual Rio sem Homofobia (2009). O objetivo inicial foi proceder uma caracterização do agressor a partir da análise e descrição dos casos de homofobia atendidos no centro de referência. A metodologia é qualitativa e quantitativa, compreendendo dados coletados em prontuários de registros feitos entre janeiro e junho de 2012. O entrecruzamento de variáveis distintas como idade, sexo, identidade de gênero, orientação sexual, cor, do agredido; assim como vínculo com o/a agredido/a, espaço em que ocorre e ‘natureza’ da violência, possibilitam elucidar as situações em que ocorreram tais violências, pois a tentativa de um perfil do homofóbico se mostrou um pouco comprometida por conta da escassez de informações sobre o agressor. Exploro, também, a bibliografia pertinente ao tema no entrelaçamento dos campos de estudo da sexualidade, do gênero e da política social. 



sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Equívocos de autoimagem, transtornos e qualidade de vida

Cassiana Perez, Janaina Quitério, Juliana Passos
10/11/2013

O excesso de preocupação com a própria imagem tornou-se um fator moral de grande relevância. Quem afirma é o psicanalista e professor livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker, que, pegando emprestadas as palavras do historiador norte-americano Christopher Lash, afirma que nos tornamos uma cultura do narcisismo, em suas várias vertentes, ao vivenciar a espetacularização generalizada (Guy Debord), a tirania da intimidade (Richard Sennet), a liquidez das relações (Zygmunt Bauman) e a localização da verdade na sexualidade (Michel Foucault): “Estar insatisfeito com a própria imagem é, em muitos sentidos, querer ‘ser outro’, e isso é uma das formas mais contemporâneas de querer, ou seja, de desejar”, explica.

A imagem pessoal, como um construto multidimensional formado por aspectos fisiológicos, cognitivos e sociais, além de desejos e atitudes emocionais em relação a si mesmo e aos outros, está sujeita a uma série de interferências que, em situações extremas, pode acarretar em transtornos complexos e de difícil tratamento. Em alguns casos, as distorções de autoimagem podem até trazer benefícios em curto prazo, mas comumente são danosas aos indivíduos e causam problemas de relacionamento e angústia extrema ao longo do tempo.

As ilusões positivas estão fortemente presentes em pessoas cuja percepção é supervalorizada em relação às suas habilidades e capacidades. Ao cumprir tarefas rotineiras, creem se sair melhor do que atestariam medidas objetivas de eficiência, com bem-estar pessoal momentâneo. Segundo evidenciou um estudo de Richard Robins e Jennifer Beer, ambos da Universidade da Califórnia, as ilusões positivas não raro aparecem relacionadas ao Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN), cuja principal característica é a necessidade de admiração e de aprovação constante do indivíduo pelos que o cercam. Em sua forma patológica, os narcisistas se voltam para si mesmos a fim de compensar o complexo de inferioridade, comportando-se de maneira arrogante.

Contudo, é normal que as ilusões positivas desfaçam-se uma vez que o indivíduo não seja capaz de alcançar metas às quais julgava ser merecedor. A mudança da autopercepção, a partir desse ponto, pode ocasionar desmotivação na sequência de um projeto, por exemplo, e expor a baixa autoestima latente no TPN, causando profunda frustração. Dessa forma, em longo prazo, essas pessoas evitam situações em que são testadas e podem tornarem-se socialmente defensivas e inseguras em relação a si mesmas.

Embora os narcisistas patológicos sejam capazes de perceber o que é importante para as pessoas ao seu redor, isso não lhes causa empatia, pois estão completamente voltados para si e para a proteção de seu próprio ego. Segundo o filósofo Luiz Felipe Pondé, o narcisista não é autossuficiente, porém a única forma de relação que estabelece é aquela na qual os outros estão lá para servi-lo.

As causas dessa distorção de autoimagem, que afeta diretamente o convívio social, parecem ser, de acordo com estudo publicado na revista Journal of Psychiatric Researchem junho deste ano, uma anomalia estrutural no córtex cerebral, com redução da matéria cinzenta (importante componente do sistema nervoso central), exatamente na área do cérebro responsável por processar e gerar sentimentos de compaixão. O grupo de estudos liderado por Stephan Röpke, da Universidade de Medicina de Berlim, busca agora entender como o cérebro dos narcísicos trabalha, a fim de desenvolver um tratamento efetivo para esse transtorno.

É importante ressaltar que, para o psicanalista da USP Christian Dunker, o narcisismo se configura tanto como o momento de constituição do eu, entre 18 e 36 meses de idade, quanto a um funcionamento intersubjetivo mais permanente. “Como estrutura, podemos inferir algumas dificuldades de alguém para quem o narcisismo não se instalou a contento. Seria alguém que não consegue se reconhecer muito bem nas emoções, nas palavras e nos desejos de outros.” Portanto, para ele, até certo ponto, o narcisismo é uma estrutura fundamental e benéfica para sustentar o funcionamento social do indivíduo.

Diferentemente do Transtorno de Personalidade Narcisista e das ilusões positivas associadas, o Transtorno de Identidade de Gênero (TIG), ou transexualidade, pode ser de difícil tratamento e causa de sofrimento e angústia ao longo da vida. O TIG é caracterizado pela não identificação com o gênero biológico, com consequente sentimento de inadequação ao papel social que se espera. Para os transexuais, o corpo não corresponde à forma como pensam, e a adequação pode ser realizada de diversas maneiras, desde tratamentos psicológicos ou hormonais à cirurgia de redesignação de gênero.

O TIG não tem relação com a orientação sexual, porém o estigma da perversão cerca os transexuais e dificulta ainda mais o convívio social e bem-estar psicológico. Em entrevista à jornalista Marília Gabriela, a modelo transexual brasileira Lea T. afirmou crer que nunca será realmente uma mulher, ainda que se sinta assim. Para ela, os transexuais são vistos como “o lixo da sociedade” e não têm lugar garantido mesmo após a realização da cirurgia de redesignação de gênero. O desconforto de estar preso a um corpo biologicamente inadequado é comparado pela modelo àquele causado ao calçar os sapatos nos pés trocados, com a diferença de que os transexuais permanecem nessa situação por toda a vida.

A definição do TIG como um distúrbio de autopercepção, no entanto, não é consensual entre os profissionais da área de saúde mental e, em 2012, a transexualidade deixou de ser considerada patologia pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic e Statistic Manual of Mental Disorders), da American Psychiatric Association, e passou a ser visto como questão de identidade. Seguindo essa linha de interpretação, muitos psicólogos defendem que a autorrealização do transexual deva ser a aceitação plena de quem ele é, de corpo e mente, e somente após a consolidação da identidade seria possível optar ou não pela realização da cirurgia de transgenitalização. No Brasil, no entanto, o TIG é considerado patologia, o que garante aos pacientes acesso a tratamentos hormonais, psicoterápicos e à cirurgia.

Em busca do corpo perfeito

“A imensa valorização que a aparência recebe em nossa sociedade, e por expressar valores construídos socialmente e compartilhados, é capaz de afetar globalmente a maneira como aprendemos a lidar com nosso corpo. A cultura dá os subsídios constituintes de nossa subjetividade e direciona os processos de socialização e simbolização do corpo”, analisa a socióloga e professora da Universidade Federal do Paraná Rubia Giordani.

A necessidade de mudanças no próprio corpo com a finalidade de alterar a imagem corporal está presente, por exemplo, na Dismorfofobia, ou Transtorno Dismórfico Corporal (TDC). Esse distúrbio psicológico é caracterizado pela preocupação obsessiva com um defeito físico inexistente ou mínimo que o paciente percebe a despeito de sua aparência. O período da primeira manifestação do TDC é, em geral, o início da adolescência, época de mais atenção à aparência física devido às mudanças corporais e psicológicas típicas da fase.

Analisando o TDC sob a perspectiva comportamental, as psicólogas Josy Moriyama e Vera Lúcia do Amaral, da PUC-Campinas, constataram que o comportamento de fuga ou esquiva dos pacientes em relação aos eventos, ocasiões e contextos em que suas preocupações e sentimentos aversivos sobre a aparência poderiam ocorrer é um traço comum. E, ao se esquivarem de situações potencialmente desagradáveis, reforçam o comportamento, prejudicando sua vida social de forma que resulte em isolamento e depressão. As autoras notaram ainda traços comuns nas histórias de vida dos pacientes, com grande incidência de práticas educativas coercitivas, baixa habilidade social, grande valorização da aparência por pessoas com as quais conviveram durante a infância e eventos desagradáveis relacionados à parte do corpo com que se preocupavam.

Os indivíduos com TDC dificilmente procuram auxílio psicológico, sendo mais comum a busca por consultórios de medicina estética, uma vez que acreditam que seus problemas advêm diretamente do defeito físico. A realização de procedimentos estéticos, no entanto, ao contrário de aliviar os sintomas do TDC e melhorar a qualidade de vida, causa mais transtornos, já que, em geral, promete resultados tão irreais quanto o defeito imaginado. Manchas na pele, formato do nariz, tamanho do bumbum e cicatrizes estão entre os motivos que levam a desenvolver o transtorno. As pesquisadoras também mostraram que a TDC não está ligada ao critério de renda e de escolaridade.

A anorexia é a terceira doença crônica psiquiátrica mais comum em meninas adolescentes e com um índice de mortalidade de 5,6%, de acordo com dados da Associação de Psiquiatria Americana (APA). A distorção da imagem corporal e a compulsão pela magreza são associadas a inúmeras explicações, desde a influência dos meios de comunicação, baixa autoestima, ansiedade e também a fatores genéticos, embora desencadeados por fatores externos.

Tratar o distúrbio alimentar como modo de vida foi observado pela doutora em psicologia Andreia Giacomozzi em artigo publicado na revista Psicologia, Saúde e Doenças, em 2012, ao analisar o comportamento das jovens em comunidades do Orkut. “Pelo que observei, as participantes das comunidades não reconhecem anorexia e bulimia como doenças, mas como estilo de vida para atingir a perfeição, que, para elas, significa ter sucesso pessoal e felicidade. O problema é que, em alguns casos, elas não conseguem parar de fazer as dietas e se tornam 'escravas' desse estilo de vida”.

Bárbara tem 18 anos e diz que não se lembra de quando começou a "miar" (provocar vômitos). "Acho que com sete ou oito anos de idade". Para a capixaba, a busca pela magreza ou "perfeição" não é uma doença, e sim uma opção de vida. Ela chegou a ser internada no começo do ano, quando contou à mãe sobre a situação. A adolescente já fez terapia por dois meses, mas diz que prefere usar apenas seu blog para desabafar com outras garotas que também consideram Ana e Mia (como chamam anorexia e bulimia) como um modo de viver. 

No diário virtual, ela relata períodos com quantidades mínimas de comida ou jejum absoluto – identificados pelos termos no food (NF) e low food (LF). Bárbara faz ginástica rítmica todos os dias e já desmaiou duas vezes durante um treino. Na segunda, foi hospitalizada. Em seu blog, uma imagem com a tabela de "peso ideal" indica que, para sua estatura de 1,65 metro, ela deveria pesar 40 quilos. Nesse cálculo, o Índice de Massa Corpórea (IMC) fica em 14, enquanto o mínimo ideal é 18,5.

“Nesse imaginário patológico, o desafio é resistir à fome e seguir emagrecendo. É insustentável biológica e emocionalmente, e a “queda” é inevitável. Dificilmente se contentam, e há uma tendência de as metas de perda de peso se tornarem cada vez mais difíceis. Quando esses processos severos se perpetuam, levam inexoravelmente à desnutrição e às alterações bioquímicas sérias no organismo”, comenta a pesquisadora Rubia Giordani. O peso insuficiente (85% do nível normal ou inferior) provoca interrupção do ciclo menstrual, pode levar à infertilidade, queda de cabelo e da temperatura do corpo – a pessoa sente muito frio –, anemia e arritmias cardíacas.

A profissional de educação física Renata, de 27 anos, refuta a ideia de opção de vida: “Não falo Ana/Mia porque são doenças, e não amiguinhas para as quais dou apelidinhos. Acho ridículo nomear doenças tão sérias com nomes carinhosos”, diz. Mesmo reconhecendo como doença, ela luta diariamente para fazer todas as refeições e não consegue acreditar, como seus pais e amigos dizem, que está magra. “Vejo gorduras e tudo sobrando, coisas que adoraria mudar”. Após três anos de tratamento, Renata recebeu alta, mas continua em acompanhamento por seu caso ser crônico. Ela também mudou a área de atuação profissional por conta do transtorno alimentar. Ter um corpo perfeito não é a única cobrança que ela faz de si mesma: “Eu gostaria de ser perfeita, em tudo. Sempre acho que poderia fazer melhor, então sou extremamente rigorosa comigo em todos os aspectos”, conta.

É importante ressaltar que o público masculino também tem preocupações relativas à corporeidade, o que influencia na forma como se alimentam, na prática de exercícios físicos e mesmo na adesão de dietas radicais, como observou a psicóloga e mestre em ciências pela USP de Ribeirão Preto Thais Fonseca de Andrade, cuja dissertação foi baseada em homens com transtornos alimentares. Ela faz uma alerta: “É fundamental o papel dos profissionais de saúde, de professores e, ainda, da mídia no sentido de orientar a sociedade e encorajar adolescentes, jovens e adultos do sexo masculino a conversarem sobre suas preocupações acerca da imagem corporal e do peso. É importante sempre assegurar que tais questões são comuns em ambos os sexos, já que os homens tendem a não falar abertamente, como as mulheres, sobre conflitos corporais e emocionais”, aponta.

Para ela, o tratamento deve ser realizado por uma equipe interdisciplinar, uma vez que o transtorno alimentar é uma doença que abrange o corpo e a mente. “A psicoterapia psicanalítica, por meio do vínculo entre terapeuta e paciente, é um espaço de confiança e criatividade, no qual as emoções primitivas e muitas vezes obscuras do paciente podem ser sentidas, expressas e pensadas”, conclui.


Disponível em http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=93&id=1151. Acesso em 13 nov 2013.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Aspectos da psicossexualidade e da personalidade de pacientes autodenominados transexuais masculinos e femininos avaliados pelo teste projetivo de Szondi

Elisa Del Rosario Ugarte Verduguez
Universidade de São Paulo - SP
Área de Concentração: Endocrinologia
São Paulo, 2009

Resumo: O transexualismo é um transtorno da identidade sexual, associado a uma forte e persistente identificação com o sexo oposto. Há poucos estudos referentes à utilização de testes psicológicos para auxiliar no diagnóstico do transexualismo. O objetivo deste estudo foi avaliar os aspectos da psicossexualidade de pacientes autodenominados transexuais através do teste de Szondi: Estudo retrospectivo e prospectivo no quais os pacientes com transtornos da identidade de gênero foram avaliados através de entrevistas livres; com aplicação dos critérios diagnósticos de transexualismo da DMS-IV da Associação Psiquiátrica Americana, seguido da aplicação dos testes projetivos de Szondi e H-T-P. O teste de Szondi foi aplicado por 8 vezes em cada indivíduo para avaliação quantitativa das proporções psicossexuais Dur e Moll. OS pacientes com diagnóstico de transtorno específico da identidade de gênero (transexualismo) foram acompanhados em psicoterapia de grupo por pelo menos 2 anos. Casuística: 105 indivíduos autodenominados transexuais (78 masculinos); grupo controle: 109 indivíduos (55 homens) autodenominados heterossexuais. Após aplicação dos critérios diagnósticos para transtorno da identidade de gênero do DMS-IV da Associação Psiquiátrica Americana e acompanhamento psicoterápico foram definidos como transexuais 41 indivíduos do sexo masculino e 17 indivíduos do sexo feminino. Na análise estatística as variáveis obtidas nos testes Szondi e H-T-P foram avaliadas por testes não paramétricos. Resultados: No grupo masculino, houve predomínio da proporção Moll total assim como na proporção Moll no vetor sexual e no do ego nos transexuais em comparação aos heterossexuais e aos portadores de transtorno da identidade de gênero não especificado (p<0,05). A sensibilidade do teste Szondi para identificação feminina nos transexuais masculinos foi de 80%, a especificidade de 86% e a acurácia de 83% enquanto que a sensibilidade do teste H-T-P foi de 88%, a especificidade de 54% e a acurácia de 72%. No grupo feminino houve predomínio da proporção Dur total assim como na proporção Dur do ego nas transexuais em comparação as heterossexuais e as portadoras de transtorno da identidade de gênero não especificado (p<0,05). A sensibilidade do teste Szondi para identificação masculina nos transexuais femininos foi de 94%, a especificidade de 67% e a acurácia de 85% enquanto que no teste H-T-P a sensibilidade foi de 94%, a especificidade foi de 33% e a acurácia de 73%. No período pós-cirúrgico todos os pacientes portadores de transtorno específico da identidade de gênero se mostraram satisfeitos, com alguma frustração pela limitação do processo transexualizador, por terem realizado a cirurgia, porém com melhora significativa dos vínculos sócio-familiares. Discussão: A validação de testes psicológicos para o diagnóstico dos transtornos de identidade de gênero é de grande importância visto o número crescente de pacientes com queixas de transtorno sexual que procuram tratamento. No estudo atual analisamos as propriedades do teste Szondi e do teste H-T-P num grupo de pacientes com transtornos da identidade de gênero classificados através dos critérios vigentes. Verificamos que a acurácia do teste Szondi foi maior que a do teste H-T-P no diagnóstico dos transtornos específicos da identidade de gênero a custa de uma maior especificidade frente a uma sensibilidade semelhante. Além disto, a detecção de transtornos psíquicos pelo teste Szondi, que podem ser causa ou efeito do transtorno da identidade de gênero, permite alertar o psicoterapeuta na indicação da cirurgia de transgenitalização. Conclusão: O teste Szondi mostrou ser um excelente teste auxiliar para o diagnóstico do transexualismo em ambos os sexos.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mulher que revelou ter transado com mil homens nasceu menino

EXTRA
03/02/12

Cristal Warren, de 42 anos, surpreendeu os telespectadores do programa de TV britânico This Morning ao revelar que era viciada em sexo e teria transado com mais de mil homens. Na manhã desta sexta-feira, Cristal voltou a chocar o público ao afirmar que nasceu menino.

Ela mudou de gênero em 2005 e seu nome de batismo era Christopher Snowden. A mulher sabe que sua revelação vai deixar furiosos alguns de seus “amantes”, que não sabiam de seu passado. “Muitos ficarão revoltados, mas eu tenho que dizer a verdade. Eu não quero que ninguém duvide de sua próprio sexualidade agora por causa disso. Eles não sabiam que estavam dormindo com alguém como eu”, afirmou Cristal no programa.

“Agora, eu tenho o corpo que sempre quis e quero desfrutar disso”, encerrou a mulher.


Disponível em http://extra.globo.com/noticias/mundo/mulher-que-revelou-ter-transado-com-mil-homens-nasceu-menino-3868320.html. Acesso em 03 nov 2013.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Universo infantil moldado

Diana Levcovitz; Adriana Maimone Aguillar

A o refletir sobre o corpo da criança, poderíamos levar em consideração inúmeros aspectos. Existe, atualmente, um número expressivo de pesquisas realizadas sobre a obesidade infantil, especialmente em crianças de classe média, associando o distúrbio a hábitos sedentários, tais como as práticas de jogar video-games, assistir televisão, navegar na Internet, à falta de atividades físicas nas escolas, como a expressão corporal, os esportes, a dança ou o teatro. Alia-se a isso a alimentação inadequada, mesmo em crianças das classes populares, ou a falta de um padrão alimentar. Outro aspecto seria a questão da violência corporal que inclui maus tratos por parte dos pais ou responsáveis, familiares, adultos e até adolescentes. Poderíamos falar da questão das brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros tempos, favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em questão das brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros tempos, favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em criança de rua, queremos fazer referência a meninos abandonados e não a crianças brincando nas ruas; são os valores que se invertem.

Para este ensaio nos restringiremos à pedagogização do corpo infantil

Ainda temos as questões de sexualidade, de gênero, de raça e de etnia. Como são vividos e pensados estes aspectos com relação ao corpo da criança?

Falar do corpo da criança implica, necessariamente, falar de vários corpos e, até mesmo, de várias infâncias. Ou, talvez, devamos especificar a que corpo e a que infância estamos nos referindo. Nos séculos XVI e XVII, tanto a noção de infância como a noção de corpo, eram totalmente diferentes daquela que possuímos atualmente. Algumas pessoas poderão se assustar ao ler as páginas do diário de Heroard, médico de Henrique IV, no qual anotava alguns fatos da vida do jovem Luís XIII. Philippe Ariès descreve algumas passagens deste diário no livro História Social da Criança e da Família, onde podemos perceber claramente as distinções de comportamento. São descritas situações nas quais brincadeiras sexuais eram realizadas sem a menor vergonha ou pudor: “Luís XIII tem um ano: ‘Muito alegre’, anota Heroard, ‘ele manda que todos lhe beijem o pênis.’ Ele tem certeza de que todos se divertem com isso. Todos se divertem também com sua brincadeira diante de duas visitas, o senhor de Bonnières e sua filha: ‘Ele riu muito para (o visitante), levantou- lhe a roupa e mostrou-lhe o pênis, mas, sobretudo à sua filha; então segurando o pênis e rindo com seu risinho, sacudiu o corpo todo.’As pessoas achavam tanta graça que a criança não se cansava de repetir um gesto que lhe valia tanto sucesso.” (ARIÈS, 1981, p.126)

Consideramos interessante ressaltar essas descrições apenas como ilustração para a compreensão da maneira como a concepção de corpo assim como a de infância se transforma no decorrer dos tempos.

Gênero e a teoria Queer
Queer é uma palavra inglesa e significa estranho, excêntrico. Mas também é a forma pejorativa de se referir a homens e mulheres que se interessam por pessoas do mesmo sexo. A filósofa norte-americana Judith Butler manteve o termo para que, por meio do deboche, pudesse reinvidicar para os estudos, e para a militância de uma forma geral, um caráter de contestação. O termo, dessa forma, passou a designar tudo (pessoa ou coisa) que assume posição contra qualquer tipo de normatização. A teoria queer nasceu de estudos feministas nos anos 90, sob influência do pensamento de Foucault, especialmente no diz respeito à forma como o poder se relaciona com a identidade. Basta lembrar que nas últimas décadas do século XX, as feministas foram as primeiras a questionar que uma identidade universal (no caso, a branca e masculina) devesse servir como fundamento único para o pensamento e para a ação política. Alardearam a necessidade de levar em conta a diferença, lembrando que raça, etnia, classe, gênero e sexualidade são categorias que interagem e produzem um amplo espectro de identidades que são mutáveis e resistentes a definições rígidas. Dessa maneira, ao compreenderem a noção de categorias transhistóricas, tais como: mulher, homem, homossexual, etc, muitos acadêmicos assumidamente feministas e gays desenvolveram trabalhos de teoria queer como uma nova forma de pensar as políticas de gênero e de sexualidade. Convém ser ressaltado que, enquanto a teoria produzida desde estudos gays ou lésbicos examina diferentes identidades, a teoria queer examina as diferenças para minar a própria noção de identidade.

“Correr, para nós, é como andar a cavalo, galopando, competindo com o vento. Não se sabe nada, não se pensa, não se lembra de nada, nada se vê, apenas sente-se a vida, uma vida plena.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p.29)

MICHEL FOUCAULT, em História da Sexualidade I, A Vontade de Saber, opõe dois conceitos ao estudar os discursos produzidos sobre o sexo. Um deles era a scientia sexualis ou, dito resumidamente, um conjunto de saberes sobre o sexo como discurso médico, cientificista, baseado na biologia evolucionista da reprodução. Outro conceito , a ars erotica, era um conjunto de saberes nascidos das práticas culturais, algumas milenares, da Grécia e da Roma clássicas, da Índia e da China, que buscavam saber sobre o sexo para ampliá-lo. No ocidente vingou o primeiro tipo de saber, tendo na confissão religiosa sua principal fonte de discursos. Posteriormente, a confissão religiosa daria lugar à Pedagogia e à Medicina. Quando o filósofo elabora o conceito de dispositivo da sexualidade, o faz levando em conta estratégias globais de dominação. Para este ensaio, entretanto, nos restringiremos a uma delas: a pedagogização do corpo da criança. Não foi simplesmente proibido falar de sexo, mas, por meio da Pedagogia, produziram-se formas exatas e corretas de se falar sobre o sexo, ou seja, uma legitimação dos discursos sobre o assunto, acompanhada de uma forma correta de se utilizar os corpos, mediante discursos específicos sobre o corpo.

A chamada “sociedade disciplinar” (termo cunhado por Michel Foucault que se refere a cada um em uma instituição cujo objetivo é o controle e a produção dos corpos), com seu modelo de repressão, impedia que se falasse do corpo. Atualmente, na “sociedade de controle” (descrita por Gilles Deleuze no livro Conversações, o qual a sociedade abole fronteiras, mas não o controle) , ainda que a repressão não tenha sucumbido de todo, vivemos experiências contrárias a ela. Nas palavras de Lins e de Gadelha (2002, pp.171-172) “(...) superexcitam-se os corpos (...) configurando um corpo ágil, animado, hiperacelerado. (...) Segundo Nietzsche, é sempre sobre a superfície dos corpos que incide qualquer ‘educação’.”

Quando falamos de infância e de corpo caímos certamente em questões acerca da educação, seja aquela oferecida pela escola, seja a oferecida pelos pais ou seus responsáveis.

Família e escola foram instituições responsáveis pelo ensino de cuidados individuais com o corpo

PARA COMPREENDERMOS aspectos relativos aos corpos das crianças devemos levar em conta a maneira como nele estão inscritos alguns imperativos históricos e culturais.

A partir disso, é possível afirmar que a criança, antes mesmo de nascer, já está inserida num complexo de sentidos que lhe é dado pelas instituições que a aguardam. Querendo ou não, ela carrega em seu corpo uma espécie de narrativa que seus antepassados e mesmo seus contemporâneos veiculam. E isso vale tanto para a criança que habita um grande centro urbano quanto para aquela que vive em uma pequena aldeia e pertence a um povo indígena. Entretanto, ela é um ser capaz de experienciar a vida de maneira intensa, diferente do adulto. A criança tem inventividade para transformar o que vê e o que descobre e, junto com seus pares, produz cultura. Efetuar esse entendimento demanda uma compreensão da história, da geografia e da cultura que atuam na direção da construção de um corpo que possui características próprias. Para isso, algumas perguntas se impõem: como é vista a sexualidade na infância? E quanto à questão de gênero, existe alguma diferença no trato dos meninos e com as meninas? As crianças negras, ou de diferentes etnias, como são tratadas?

“Lembro-me de uma surra que um colega levou. Foi o professor de caligrafia que o castigou. (...) Tive muito medo então. Parecia-me, que, assim que acabassem com ele chegaria a minha vez. E senti muita vergonha, pois o garoto foi castigado nu.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, 39)

Família e escola têm-se constituído historicamente como instituições de referência para se entender e informar o que vem a ser a criança. Podese dizer que foram as instituições responsáveis pelo engendramento da individualização, ensinando e exigindo ao longo do tempo, o cuidado sobre o corpo em seus mínimos detalhes. Foucault, em entrevista à revista Quel Corps? em junho de 1975, afirmou que tal movimento de individualização propiciou a possibilidade de se perceber no corpo beleza, capacidade e habilidades. E isso só foi possível dentro de um processo de educação meticuloso e sistemático, levado adiante coletivamente. Fez-se necessário um investimento no corpo, uma produção de padrões de disciplina e de destreza, de higiene, de “boa” postura, e mesmo de etiqueta, de retórica e de apreciação do belo. Dessa maneira, as crianças, à semelhança de soldados, eram investidas de um modelo de corpo poderoso e saudável, adepto da ginástica, da nutrição balanceada, das horas de sono restauradoras etc. Paralelamente, refinaram-se os saberes e diversas disciplinas acreditaram poder explicar os funcionamentos e, os alcances e a formação de um corpo modelar. A Medicina, com a Fisiologia e a Psiquiatria, seria um exemplo disso. “(...) Mas, a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor. E, assim, o que tornava forte o poder passa a ser aquilo por que ele é atacado... O poder penetrou no corpo, encontra−se exposto no próprio corpo... (...)” (Foucault, revista Quel Corps?, junho de 1975)

Não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha sido banida de todo

NESSE SENTIDO, o corpo da criança, como o do adulto, passa a ser positivado. Ainda que, na casa ou na escola, seja muitas vezes desencorajado a se mover e a falar, esse mesmo corpo recebe paparicação, aprende a sociabilidade da negociação e inventa esconderijos para suas pequenas descompressões. Não se trata, enfim, de um corpo genérico, mas de um corpo produzido socialmente, culturalmente.

Nas relações entre os corpos das crianças e dos adultos estão presentes relações de poder. Melhor dizendo, em qualquer tipo de relação entre pessoas (criança-criança; adultoadulto e criança-adulto) o poder está presente. E isso ocorre em nome de uma disciplina, de uma docilização. Isso pode ser percebido facilmente no poder da mãe sobre a constituição do paladar na criança, ou nas horas de sono “criadas” para esta.

NA SOCIEDADE disciplinar característica do século XVIII, a cada um era destinado um lugar: a caserna, a fábrica, a escola, o manicômio, o prostíbulo. Dessa maneira, os corpos eram vigiados constantemente e as ações humanas executadas de acordo com ordens superiores. A escola surgiu, dessa maneira, como instituição disciplinar por excelência. Nos dias atuais, entretanto, não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha sido banida de todo. Exemplo disso são estudos que constataram que, por ser o momento do recreio o da movimentação livre, os professores o suprimem como forma de punição aos desobedientes. Ademais, ao analisarem mudanças ocorridas na escola, alguns autores chegam a afirmar que a indisciplina e a violência nesse espaço podem ser vistas como efeito de uma transformação na sociedade. O que se tem, na verdade, são resquícios da “sociedade disciplinar” sobrevivendo a outro tipo de sociedade, ou seja, a “sociedade de controle”. Nesta, os espaços de trabalho e de estudo, por exemplo, não aparecem tão bem definidos, e não existe mais uma vigilância constante sobre as pessoas. O controle é exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão branda que dificilmente é reconhecido como tal. Outros exemplos da “sociedade de controle” são os telefones celulares, a Internet, o GPS, a senha digital, as câmeras de segurança, enfim, facilidades que o homem contemporâneo raramente questiona como invasivas, por conta do proveito que delas tira. O controle, dessa maneira, parece perder sua origem institucional para se exercer no nível pessoal.

O controle é exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão branda que dificilmente é reconhecido como tal

Uma oportunidade que as crianças inventam para relaxar do controle disciplinar é inserir a sexualidade nas brincadeiras. Esse é um assunto que provoca incômodo em casa e na escola e torna-se visível nas ações “inocentes” impregnadas de excitabilidade e agressividade das crianças. Sendo elemento tão constante na vida de todos, a sexualidade manifesta- se na criança também como vontade de saber, de descobrir, de experimentar poder.

De uma maneira mais extensa, a sexualidade indica também a maneira como o indivíduo sente, percebe, e lida com a genitalidade. Esse conjunto de experiências carrega significados que são partilhados em diferentes culturas e em determinados momentos de suas histórias. Apenas para ilustrar, o que no Brasil contemporâneo é considerado incesto não o é, por exemplo, numa tribo da Polinésia francesa no século XVII. Ou mesmo a masturbação que, em tempos bíblicos, recebeu a conotação de imoralidade pelo fato de, nas práticas masculinas, a ejaculação resultar desperdício de esperma essencial para a reprodução.

“Vocês pensam, quem sabe, que nós também batemos um no outro. Mas nossas mãos são pequenas e temos pouca força. E mesmo quando estamos com uma bruta raiva nunca batemos para machucar. Vocês não sabem como são as nossas brigas.”(Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p. 106)

Ao afirmar que há diferentes formas de se viver a sexualidade e de se organizar afetivamente, Miskolci (2005) lembra que diversos tipos de arranjos familiares se constituem a todo tempo, no mundo todo. Basta lembrar que a família chamada de ”tradicional”, isto é, composta de pai, mãe e filhos, tem dividido a cena social com famílias em que só um adulto cuida da criança, com famílias cujo casal parental é homoerótico, e outras mais. Em tempos de reprodução assexuada, vale lembrar que a heterossexualidade, antes definição de padrão de normalidade em matéria de escolha ou orientação sexual, é apenas mais uma – embora majoritária – no universo de possibilidades de vivência afetiva e erótica. Em outras palavras, ser heterossexual não é sinônimo de ser normal, pois quem tem outra orientação sexual não é imoral, indecente ou anormal.

Autores defendem que novas questões de gênero devem considerar a inversão do pólo referencial

“DANÇA É COISA DE MENINA”; “Azul pros meninos, rosa pras meninas”; “Chorar é pra mariquinha”. Quando uma criança, espontaneamente, faz afirmações como essas chegamos a achar natural que ela separe o mundo em duas categorias e que, com base nelas, ordene seu saber e seu querer. Porém, não se falam coisas espontaneamente, mas a partir de idéias, crenças, costumes que nos acompanham desde o nascimento. E, no mundo da linguagem, dificilmente haverá algo natural. Sabe-se que a natureza não equipou os corpos com idéias, crenças e falas; elas foram sendo engendradas nas pessoas de muitas formas, desde as relações de troca até o simples ensinamento. Afirmações como essas e tantas outras que separam meninas e meninos foram produzidas muito antes que a criança sequer se posicionasse sobre elas.

ATITUDES DO ADULTO muitas vezes conduzem a criança a formar para si uma noção de gênero, de sexo e de identidade num sentido mais amplo. Isso pode ser percebido não apenas na casa ou na rua, mas, também, nos chamados equipamentos coletivos de educação. Alguns autores brasileiros, como Louro (2003) e Miskolci (2005), defendem que novas questões surgidas a partir dos estudos sobre gênero devem levar em conta o risco de se inverter o pólo referencial, substituindo o homem - branco, ocidental, heterossexual, de classe média - da cena hegemônica pela mulher perpetuando, assim, uma polarização que é típica do binarismo conceitual. No campo da pesquisa histórica, Goellner (2003) mostrou ser possível traçar o percurso das práticas de atenção ao corpo, com a saúde e a higiene representando o “cuidado de si”, tanto quanto as modificações sofridas ou realizadas ao longo dos séculos. Autores estrangeiros, especialmente Butler (2005) acrescenta a essas preocupações a teoria queer afirmando que, ao longo do tempo, foi construído também um discurso que legitimou as diferenças de gênero. O resultado disso, no longo prazo, foi a instituição do heterossexualismo compulsório. Em outras palavras, para que a função reprodutiva tida como natural fosse garantida, alinharam-se, obrigatoriamente, o sexo, o gênero e o desejo (veja texto O que é a teoria queer?).

“As crianças são rápidas porque sabem deslizar entre.” (Diálogos, Deleuze; Parnet, 1998, p. 42)

Etnia, do conceito à reflexão
O conceito de etnia, Munanga lhe atribui uma conotação política, dada sua característica dinâmica. Segundo ele, etnia descreve um conjunto de seres humanos que, em um determinado tempo, falam uma mesma língua, professam uma religião ou acreditam em um mesmo ancestral e partilham uma visão de mundo. Formam, assim, uma cultura que ocupa um determinado território. Talvez se possa acrescentar que o conceito também abarca culturas que estão em busca de um território, a exemplo de muitos povos indígenas do Brasil, dos judeus e palestinos na Faixa de Gaza, dos bascos na França e na Espanha. “Ao mesmo tempo em que nossa miscigenação e pluralidade étnica se transformam em magníficas metáforas e alegorias literárias, negros, índios e mestiços vivem a mais brutal discriminação em todos os lugares em que vivem, seja no campo ou nos centros urbanos. Estranho jogo esse em que os diferentes são, a um só tempo, objeto de exaltação e de exclusão.” (Gonçalves; Gonçalves e Silva, O Jogo das Diferenças, p.14). Até nos livros escolares, particularmente nos do ensino fundamental, o tema é revestido de um romantismo que coloca os índios em um passado idílico, aprisionando-os em um imaginário de beleza, ingenuidade e falta de futuro. Nas escolas, políticas de afirmação de etnias ou inexistem ou são apagadas. É urgente, insistem esses estudiosos, que se estude a conduta da sociedade em relação às diversas etnias, verificando que apoio recebem quando resistem ao processo de globalização que, em larga medida, se coloca como eurocêntrico e hegemônico.

Ao contrário do gênero, para muitos, a diferença entre raça e etnia não é tão explícita. Ao orientar a discussão sobre o tema, Munanga (2003) diz que, enquanto o conceito de raça se refere as características físicas - formatos de rosto, de nariz, tipos de cabelo, diferentes graus de concentração de melanina - o conceito de etnia procura localizar os grupos humanos desde uma perspectiva histórica, simbólica e psicológica.

Componentes educacionais devem ser projetados e executados levando em conta as diferentes identidades

A PESQUISA NACIONAL por Amostra Domiciliar (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1999, concluiu que a população brasileira negra era de 45,5%. Apesar de tal constatação, o que se vê, cotidianamente, é a negação da contribuição da raça negra para a formação cultural do País. Uma explicação para esse apagamento é dada pelo mito da democracia racial, segundo o qual a sociedade brasileira vive em harmonia, respeitando mutuamente os direitos das diferentes raças. Na realidade, existe um padrão sobre o qual se busca adequar a diferença racial, que por vezes abertamente, conduz o ideal de beleza, de cultura, de bom gosto, de verdade, ao modelo eurocêntrico, isto é, branco – preferencialmente do hemisfério norte – cristão e masculino.

“Os adultos ficam espantados quando nos vêem brigando; e, no entanto, somos solidários entre nós. Pois é, existem dois grandes times: os adultos e as crianças.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p. 212)

NO QUE DIZ RESPEITO à criança, desde uma perspectiva de coletivo, a escola é um espaço que deveria acolher e promover diferenças. Abramowicz e Silvério (2006) alertam que, para isso acontecer na prática, ela deve se orientar por uma equalização na qualidade do atendimento que oferece. Os serviços, as instalações e os equipamentos, o currículo, a formação de pessoal, e tantos outros componentes educacionais devem ser projetados e executados levando em conta as diferentes identidades. Não se trata de premiar um segmento da sociedade em detrimento de outro, mas privilegiar atitudes voltadas para a valorização das diferenças étnico-raciais (veja quadro Etnia, do conceito à reflexão).

A conclusão que chegamos é que cada criança traz uma singularidade, uma história, uma vida, experiências particulares. Traz também sentidos dados pela cultura e orientações passíveis de negociação no plano das relações cotidianas. Perceber cada singularidade, revelar as possíveis expressões de racismo e preconceito e trabalhar com essas questões presentes nos espaços coletivos, este é o desafio colocado ao adulto, na casa, na escola, na rua, na mídia. Cada uma destas instituições pode se atribuir a tarefa de buscar novas possibilidades de propiciar à criança ou a apoiar em relacionamentos com os outros, com o conhecimento, favorecendo assim a criação de si e do outro.



Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/17/artigo92056-1.asp. Acesso em 14 out 2013.

domingo, 6 de outubro de 2013

Virginia Prince foi militante trans de coragem e cheia de conhecimento de causa

Pedro Paulo Sammarco Antunes
01/10/2013

Vamos conhecer agora a trajetória de vida de uma militante. Virginia Prince (1912 - 2009) foi uma grande ativista que lutou pelos direitos de transgêneros nos EUA. Nascida em Los Angeles, recebeu o nome Arnold Lowman. Começou a se transvestir com roupas consideradas femininas aos doze anos de idade. Graduou-se em química em 1935. Fez mestrado em 1937 e doutorado em 1939 pela Universidade da Califórnia, ambos em farmacologia. 

Casou-se com Dorothy Shepherd em 1941, teve um filho em 1946. Sua esposa não compreendia seu impulso por vestir-se de mulher. Procurou um psiquiatra que a aconselhou a se divorciar, dizendo que o marido era homossexual por causa do transvestismo. Em 1953 foi proibido pela justiça de ver o filho e acusado de ser um mau pai por Dorothy.

Começou a trabalhar com indústria química associada a cosméticos. Em 1955 começa a tomar hormônio feminino. Com o auxílio da mãe de Arnold, casa-se com Doreen Skinner em 1956.  Ela havia sido filha de uma governanta que trabalhou para a família Lowman.  Doreen estava ciente que Arnold gostava de se vestir de mulher. Aprendeu a compreender e conhecê-lo mais. Em 1960 Arnold funda uma revista cientifica voltada ao publico transgênero que se chamava “Transvestia”.

Em 1962 conhece Robert Stoller (1921 – 2006), famoso médico e especialista na área da sexualidade. Doreen, porém não aguenta a pressão de ver Arnold vestido de mulher em algumas ocasiões. Ela pede o divórcio em 1966. Na ocasião Arnold morava com o filho Bent, que começou a enfrentar problemas com o uso de drogas. Com o divórcio, Doreen ficou com metade das ações da indústria química de Arnold.

Em 1968, aos 56 anos de idade, já vivia o tempo todo vestida inteiramente como mulher. O nome Virginia Prince já havia sido adotado desde 1941. Poucos anos antes, em 1961, sofreu processo criminal por enviar a revista “Transvestia” por correio para alguns leitores. Foi alegado que Arnold, agora Virginia, estava enviando material erótico. Porém a publicação da revista continuou até a década de 1980. A partir da década de 1960 começou a trabalhar intensamente com outros especialistas, dentre eles o doutor Harry Benjamin (1885 – 1986) pelos direitos de transgêneros, além de ajudar a esclarecer sobre tal “fenômeno” até sua morte, em 2009.

Virginia relata que começou a se vestir de mulher, pois desenvolveu fetiche sexual por sapatos de saltos altos, seguido por masturbação. Com o tempo foi descobrindo a “mulher interior” que habitava dentro dela. Ao longo da vida desenvolveu pensamento acadêmico a respeito do assunto. Fundou organizações para pessoas que se transvestiam (Docter, 2004).

Em seu artigo “Homosexuality, transvestism, and transexuality: Reflections on their ethiology and differentiation” faz a distinção entre homossexualidade (orientação sexual), transvestismo (comportamento) e transexualidade (alteração do sexo genital com o objetivo de alterar o gênero). Coloca que a orientação sexual não tem necessariamente uma relação direta com a expressão de gênero. Virginia diz que ela mesma nunca se interessou por homens (Prince, 2005a).

Em outro artigo, intitulado de “The expression of femininity in the male” faz a diferenciação entre sexo e gênero. Ela defende que a socialização impõe certa identificação de gênero correspondente ao sexo biológico determinado. Com isso, todas as características consideradas do gênero oposto deverão ser reprimidas. Para ela o transvestismo masculino é a expressão da feminilidade suprimida em homens biológicos.

O verdadeiro travesti é o personificador daquilo que é considerado feminino. O objetivo é atingir a expressão total da personalidade independente do gênero. O ideal seria que todas as tarefas fossem desempenhadas tanto por homens e mulheres. Normas de gênero limitam a manifestação da criatividade das pessoas, pois elas não podem usar toda a sua criatividade. Para a autora tais normas transformam a todos e meio-seres-humanos (Bruce, 2005).

Em “Sex versus Gender”, Prince defende que o gênero pode ser performatizado independentemente do sexo anatômico. Ela diz que há grande confusão entre órgão genital e sexo performatizado. O que se busca é a mudança de gênero, não de sexo (órgão genital). Para ela o sexo está entre as pernas e o gênero está entre as orelhas.

Ela acredita que no futuro as barreiras entre os gêneros serão abolidas. As pessoas poderão transitar entre um e outro sem sofrerem preconceito. Não haverá roupas específicas para homens e mulheres. Classificações como transexuais, travestis, homossexuais, bissexuais e heterossexuais se tornarão obsoletas, pois as pessoas serão classificadas apenas como pessoas. Não haverá mais necessidade de tratá-las disso ou daquilo. Aquilo que chamamos de androgenia será cada vez mais comum. Haverá uma fusão completa entre o que chamamos de masculino e feminino (Prince, 2005b).

Já em “Transsexuals and Pseudotranssexuals”, Virginia argumenta que não quis a cirurgia de redesignação sexual, pois seu caso tratava de questões de gênero (psicossociais) e não de sexo (biológicas e fisiológicas). A sociedade machista, polarizada e patriarcal é que associa gênero, sexo e orientação sexual. Socialmente se entende que como o sexo é dado ao nascer, o gênero também deve ser.

Prince argumenta que tanto homens quanto o restante da sociedade considera se alguém é homem ou mulher por sua anatomia física. Tal ideia também foi defendida por (Bento, 2008 e 2006). Ela critica transexuais que buscam a cirurgia de redesignação sexual argumentando com sua ideia clássica de que o gênero está entre as orelhas e não entre as pernas. É como se a neovagina concedesse autorização social para que as transexuais vivessem o estilo de vida que sempre quiseram (Prince, 2005c).

Em The “transcendents” or “trans” people, Virginia defende que nos casamentos heterossexuais ao invés de duas pessoas inteiras se acompanharem, há duas pessoas dependentes da parte suprimida da outra, buscando assim, seu complemento. Para a autora, a mulher reconheceu antes do homem que era preciso lutar pela integração e romper as categorias estanques de gênero. Ela ainda argumenta que muitos problemas emocionais são advindos da criação e educação para se adequar ao gênero imposto, de acordo com o genital de nascimento (Prince, 2005d).

É interessante perceber que Virginia se tornou completamente aquilo que se chama de transgênero por volta dos sessenta anos de idade, ou seja, momento do processo de vida que chamamos de velhice. Foi militante, lutou por direitos e escreveu artigos e livros científicos sobre o tema. Assim como Virginia, outras pessoas consideradas transgêneros, se tornam militantes em idade avançada. 

Referências bibliográficas:
BRUCE, Virginia “The expression of femininity in the male”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 21- 27, 2005
DOCTER, Richard From man to woman. Northridge, California: Docter Press, 2004
PRINCE, Virginia “Homosexuality, transvestism and transsexuality: Reflections on their ethiology and differentiation”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 17-20, 2005a
PRINCE, Virginia “Sex versus Gender”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 29-32, 2005b
PRINCE, Virginia “Transsexuals and Pseudotranssexuals.” In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 33-37, 2005c
PRINCE, Virginia “The transcendents or trans people”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 39-46, 2005d

Disponível em http://mixbrasil.uol.com.br/lifestyle/corpo/virginia-prince-foi-militante-trans-de-coragem-e-cheia-de-conhecimento-de-causa-.html. Acesso em 05 out 2013.