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terça-feira, 10 de setembro de 2013

TRF-4 manda SUS fazer cirurgia de mudança de sexo

Consultor Jurídico
7 de setembro de 2013

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou sentença que determina à União que providencie, no prazo de 90 dias, a cirurgia de mudança de sexo (transgenitalização) de uma moradora de Massaranduba (SC). O procedimento será feito por meio do Sistema Único de Saúde.

A costureira, que adotou o nome Dirce, foi batizada como Dirceu. Ela conta que desde os 4 anos se sente como menina. Explica que seguir com a identidade masculina faz com que se sinta humilhada no seu dia a dia.

Desde 2009, a autora busca na Justiça a realização da cirurgia gratuita, tendo obtido sentença procedente na Justiça Federal de Jaraguá do Sul (SC). A decisão levou a União a recorrer no tribunal, alegando que existe uma fila de espera para o procedimento e que estaria havendo tratamento privilegiado à autora.

O relator do processo na corte, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, esclareceu em seu voto que a perícia médica comprova a necessidade da cirurgia. “O médico especialista confirmou o diagnóstico da autora de transexualismo e afirmou que não há outro tratamento alternativo.”

Silva disse que Dirce preenche todas as exigências previstas na Portaria SAS 457/2008, do Ministério da Saúde, que trata do tema. Ela é maior de idade, já fez acompanhamento psiquiátrico por dois anos, tem laudo psicológico favorável e diagnóstico de transexualismo. Para o magistrado, cabe à Justiça garantir o direito fundamental à saúde, previsto na Constituição.

Quanto à alegação da União sobre a decisão ferir o princípio da igualdade, o desembargador ressalvou que a existência de fila composta por outros pacientes para a mesma cirurgia não foi comprovada nos autos. Ele também lembra que o caso da autora é diferente dos demais, visto que, por falhas burocráticas do estado de Santa Catarina e do município onde mora, ela não conseguiu iniciar o tratamento de mudança de sexo em 2009 pelas vias normais, conforme determinado judicialmente por diversas vezes.

A cirurgia deverá ser feita no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, após encaminhamento do estado de Santa Catarina e do município da autora. O não-cumprimento da decisão acarretará multa diária de R$ 500 a ser paga solidariamente pela União, estado de SC e município de Massaranduba.

Pioneirismo

O caso de Massaranduba não foi o único do TRF-4. Em agosto de 2007, uma decisão tomada pela 3ª Turma é que acabou levando o governo federal a incluir a cirurgia de mudança de sexo na lista dos procedimentos pagos pelo SUS.

O relator do processo, juiz federal Roger Raupp Rios, na época convocado para atuar no tribunal, afirmou em seu voto: “a transexualidade deve ser reconhecida como um distúrbio de identidade sexual no qual o indívíduo necessita fazer a alteração da designação sexual, sob pena de graves consequências para sua vida, dentre as quais se destacam o intenso sofrimento, a possibilidade de automutilação e de suicídio”.

Transexualismo

O transexualismo é um transtorno de identidade sexual, definido na Classificação Internacional de Doenças (CID) como um desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico. Esse transtorno geralmente leva o transexual a um desejo de submeter-se a tratamento hormonal e cirurgia para tornar seu corpo tão congruente quanto possível com o sexo preferido.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-set-07/trf-prazo-90-dias-sus-faca-cirurgia-mudanca-sexo. Acesso em 10 set 2013.

domingo, 11 de agosto de 2013

Cérebro e genes dos transexuais

J Francisco Saraiva de Sousa
19 de Março de 2008

A maioria dos indivíduos, sejam homossexuais, heterossexuais ou bissexuais, identificam-se como macho ou fêmea em concordância com o seu sexo anatómico. Este facto levou os teóricos da aprendizagem a pensar que a identidade sexual resulta da experiência de toda a vida de possuir órgãos sexuais femininos ou masculinos, reforçada pela educação e pela pressão social dos pais, dos irmãos e/ou irmãs e da sociedade em geral. Contudo, existem indícios da existência de uma representação do próprio sexo no cérebro, cujo desenvolvimento é, pelo menos parcialmente, independente das experiências da vida (Zhou et al., 1995, 1997). A prova disto advém do estudo do transexualismo e de outras síndromes (Wilson, 1999).

Os transexuais são indivíduos que acreditam que, na realidade, pertencem ao sexo oposto daquele que é indicado pelos seus órgãos genitais (G. Ramsey, 1998). Apesar da diversidade de transexualidades (R. Blanchard, 1985), existe um grupo central de transexuais que se caracteriza por um conjunto de características coerente. Durante a infância, os membros deste grupo apresentam um elevado grau de discordância sexual. Na idade adulta, as suas personalidades, avaliadas por toda uma variedade de testes psicológicos, apresentam um elevado grau de atipicidade sexual. Um homem transexual que pertença a este grupo central sente aversão pelo seu próprio pénis e especialmente pelo seu uso em actividades sexuais. Ele deseja viver e ser tratado como uma mulher. É sexualmente atraído por homens heterossexuais.

Procura, e frequentemente submete-se, a tratamentos hormonais e a cirurgia de reconstrução ou mudança de sexo para alterar o seu corpo, tornando-o tão feminino quanto possível. Não apresenta sinais de perturbações psicológicas generalizadas. Uma mulher transexual que pertença a este grupo central apresentará as características reversas, tal como se se tratasse de uma imagem num espelho.

Para além deste grupo central, que constitui uma fracção substancial da totalidade das pessoas que requerem cirurgia de mudança de sexo, existem outros homens e mulheres transexuais que não apresentam todas estas características. Alguns obtêm prazer sexual do uso dos seus próprios órgãos sexuais. Alguns são sexualmente atraídos por indivíduos do sexo oposto. Alguns aparentam mesmo sinais de perturbação psicológica. Outros parecem situar-se numa posição intermédia entre transexual e homossexual ou travesti. Dadas estas diferenças entre transexuais, convém distinguir diversos tipos de transexuais.

A investigação biológica de características biológicas definidoras nos homens e nas mulheres transexuais tem revelado que determinados marcadores endocrinológicos, como o nível de testosterona nas mulheres transexuais (transexuais fêmea para macho) e a resposta atípica de hormona luteinizante ao estrogénio nos homens transexuais (transexuais macho para fêmea), bem como outros indicadores (Goh, 1999; Giltay et al., 1998; Elbers et al., 1997; Elbers et al., 1999; Giltay & Gooren, 2000; Kruijver et al., 2001; D. Slabbekoorn et al., 2000; Elbers et al., 1997), são sexualmente atípicos e dimórficos. Contudo, a descoberta de um núcleo sexualmente dimórfico (Zhou et al., 1995, 1997; Kruijver et al., 2000) forneceu a prova da existência de uma componente genética da transexualidade e o estudo das características dermatóglifas suporta o conceito da influência dos efeitos organizacionais das hormonas sexuais (D. Slabbekoorn et al., 2000).

Os transexuais têm fortes sentimentos, geralmente desde a infância até à idade adulta, de terem nascido com o sexo errado (Docter & Fleming, 2001; Wolfradt & K. Neumann, 2001). A possível etiologia psicogénica ou biológica da transexualidade tem sido objecto de debate durante muitos anos (Money & Gaskin, 1970-71; Gooren, 1990). Richard Green (2000) estudou uma amostra de 442 transexuais macho para fêmea, subdividida pela preferência de parceiro sexual (106 homossexuais, 135 heterossexuais e 46 assexuais) e verificou que o grupo dos homossexuais tinha um maior número de irmãos mais velhos do que os restantes grupos: cada irmão mais velho incrementava a orientação homossexual em 40%.

Mas o estudo mais importante é o que revela um núcleo sexualmente dimórfico. Zhou, Hofman, Gooren & Swaab (1995/97) mostraram que o volume da subdivisão central donúcleo do leito da stria terminalis (BSTc), uma área do cérebro que é essencial para o comportamento sexual (Kawakami & Samp; Kimura, 1974; Emery & Sachs, 1976), é maior nos homens do que nas mulheres. Um BSTc com tamanho feminino foi descoberto nos transexuais macho-para-fêmea. Além disso, o tamanho do BSTc não era influenciado pelas hormonas sexuais na idade adulta e era independente da orientação sexual. Este é o primeiro estudo que revela uma estrutura cerebral feminina nos machos geneticamente transexuais e que apoia a hipótese de que a identidade de género se desenvolve como resultado de uma interacção entre o desenvolvimento do cérebro e as hormonas sexuais (Swaab & Hofman, 1995).

Nos animais experimentais, as mesmas hormonas gonadais que determinam prenatalmente a morfologia dos órgãos genitais também influenciam a morfologia e a função do cérebro de um modo sexualmente dimórfico (Swaab et al., 1995; Money et al., 1984). Diversas diferenças anatómicas em relação ao sexo e à orientação sexual foram observadas no hipotálamo humano (Swaab & Hofman, 1995). Zhou et al. (1995) estudaram o hipotálamo de seis transexuais macho-para-fêmea (T1-T6), com a finalidade de descobrir uma estrutura cerebral que fosse sexualmente dimórfica, mas não influenciada pela orientação sexual, dado os transexuais macho-para-fêmea puderem ser «orientados» para cada um dos sexos no que se refere ao comportamento sexual. As suas observações iniciais mostravam que o núcleo paraventricular (PVN), o núcleo sexualmente dimórfico(SDN) e o núcleo supraquiasmático (SCN) não obedeciam a estes critérios (Swaab & Hofman, 1995).

Dado não se aceitarem modelos animais para as alterações de identidade, o núcleo do leito da stria terminalis tornou-se um candidato apropriado para esse estudo pelas seguintes razões: sabemos que o BST desempenha um papel essencial no comportamento sexual dos roedores (Kawakami et al., 1974; Emery et al., 1976). Foram descobertos não só receptores de estrogénios e de androgénios no BST (Sheridan, 1979; Commis & Yarh, 1985), como também o maior centro de aromatização no desenvolvimento do cérebro da ratazana (Jakab et al., 1993). Na ratazana, o BST recebe projecções principalmente da amígdala e providencia um poderoso input para a região preóptica do hipotálamo (Eiden et al., 1985; De Olmos, 1990). Conexões recíprocas entre o hipotálamo, o BST e a amígdala também foram documentadas em animais experimentais (Woodhams et al., 1983; Simerly, 1990; Arluison et al., 1994).

Além disso, as diferenças sexuais no tamanho e no número de células do BST foram descritas nos roedores, as quais são influenciadas pelos esteróides gonadais no desenvolvimento (Bleier et al., 1982; Del Abril et al., 1987; Guillamón et al., 1988).

Também nos humanos uma parte caudal particular do BST (BNST-dspm) foi descrita como sendo 2.5 vezes maior nos homens do que nas mulheres (Allen & Gorski, 1990). A parte central do BST (BSTc) é caracterizada pelas suas células somatostatinas (553-54) e pela inervação do polipeptido vasoactivo intestinal (VIP) (Walter et al., 1991). Zhou et al. (1995) mediram o volume do BSTc a partir da sua inervação VIP. Os resultados foram os seguintes: O volume do BSTc nos machos heterossexuais era 44% maior do que nas fêmeas heterossexuais. O volume do BSTc dos homens heterossexuais e homossexuais não diferia de uma maneira estatisticamente significativa. O BSTc era 62% maior nos homens homossexuais do que nas mulheres heterossexuais.

A Sida não parece influenciar o tamanho do BST: o tamanho do BST de duas mulheres heterossexuais infectadas com Sida e de três homens heterossexuais infectados com Sida estavam dentro da média do grupo de referência correspondente. Os heterossexuais infectados com Sida foram, por isso, incluídos nos respectivos grupos de referência devido a propósitos estatísticos. Um pequeno volume do BSTc foi descoberto nos tansexuais macho-para-fêmea. O seu tamanho era somente 52% do encontrado nos machos de referência e 64% do BSTc dos machos homossexuais. Embora o volume médio do BSTc nos transexuais fosse ainda menor do que no grupo das fêmeas, a diferença não era estatisticamente significativa.

O volume do BST não estava relacionado com a idade em qualquer um dos grupos de referência estudados, o que parece indicar que o tamanho menor do BSTc observado nos transexuais não era devido ao facto deles serem, a este respeito, 10 a 13 anos mais velhos do que os homens heterossexuais e homossexuais.

O BTS desempenha um papel fundamental no comportamento sexual masculino e na regulação da libertação de gonadotropina, tal como demonstrado pelos estudos realizados na ratazana (Kimura, 1974; Emery & Sachs, 19776; Claro et al., 1995). Não existe evidência directa de que o BST tenha um papel similar no comportamento sexual humano, mas a demonstração de Zhou et al. (1995) de um padrão sexualmente dimórfico no tamanho do BSTc humano, o que está de acordo com a diferença sexual previamente descrita na parte mais caudal do BST (BNST-dspm) (Allen & Gorski, 1990), indica que este núcleo pode também estar envolvido nas funções sexual e reprodutiva humanas. Aliás, Simerly & Swanson (1987) e De Vries (1990) sugeriram que as diferenças de sexo neuroquímicas no BST da ratazana podem ser devidas aos efeitos das hormonas sexuais sobre o cérebro durante o desenvolvimento e na idade adulta.

Contudo, os dados humanos mencionados anteriormente indicam que o volume do BSTc não é afectado pelos níveis das hormonas sexuais adultas. O volume do BSTc de uma mulher com 46 anos que tinha sofrido, pelo menos durante um ano, um tumor do córtex adrenal que produz níveis sanguíneos muito elevados de androstenediona e de testosterona, estava dentro da média do das outras mulheres (S1). Além disso, duas mulheres pós-menopausa (com idades acima de 70 anos) tinham um BSTc de tamanho feminino completamente normal (M1, M2). Como todos os transexuais tinham sido tratados com estrogénios, o tamanho reduzido do BSTc poderia ser atribuído à presença de níveis elevados de estrogénios no sangue. Evidência contra esta suposição deriva do facto de que ambos os transexuais T2 e T3 mostravam um pequeno BSTc como as fêmeas, apesar de T2 ter parado de tomar estrogénios cerca de 15 meses antes de morrer, donde os seus níveis de prolactina serem também elevados, e de T3 ter parado o tratamento hormonal desde que um sarcoma foi descoberto cerca de três meses antes de morrer. Também um homem com 31 anos de idade que sofria de um tumor adrenal feminilizante que induz altos níveis sanguíneos de estrogénios, tinha, apesar disso, um BSTc verdadeiramente grande (S2).

Estes resultados poderiam ser explicados mediante a alegação de que o tamanho feminino do BSTc no grupo transexual era devido à falha de androgénios, dado todos eles terem sido orquidectomizados, excepto o T4. Por essa razão, Zhou et al. (1995) estudaram dois outros homens que tinham sido orquidectomizados por causa do cancro na próstata (um e três meses antes da morte: S4 e S3 respectivamente). Descobriu-se que o tamanho dos seus BSTc estava ao nível elevado da classificação dos machos normais. Apenas o tamanho do BSTc de um único transexual que não tinha sido orquidectomizado (T4) situava-se a meio dos valores dos transexuais. Não só cinco dos transexuais tinham sido orquidectomizados, como também todos usaram o «antiandrogen cyproterone acetate» (CPA). O efeito do CPA sobre o BSTc não se manifesta frequentemente, porque T6 não tinha tomado CPA nos últimos dez anos e T3 não tinha tomado CPA durante os dois anos antes de morrer e, no entanto, apresentava um BSTc de tamanho feminino.

Por conseguinte, as observações de Zhou et al. (1995) sugerem que o tamanho reduzido do BSTc nos transexuais macho-para-fêmea não pode ser explicado pelas diferenças nos níveis de hormonas sexuais na idade adulta, mas poderá ser estabelecido durante o desenvolvimento por uma acção organizadora das hormonas sexuais, de resto um ideia apoiada pelo facto de que a gonadectomia neonatal de ratazanas machos e a androgenização de ratazanas fêmeas induzirem mudanças significativas no número de neurónios do BST e suprimirem o seu dimorfismo sexual (Del Abril et al., 1987; Guillamón et al., 1988).

Considerado conjuntamente com a informação de animais, o estudo de Zhou et al. (1995) suporta, portanto, a hipótese de que as alterações da identidade de género podem desenvolver-se como resultado de uma interacção alterada entre o desenvolvimento do cérebro e as hormonas sexuais (Swaab & Hofman, 1995). A acção directa de factores genéticos deverá também ser levada em consideração a partir de experiências com animais (Pilgrim & Reisert, 1992). Também não foi descoberta nenhuma relação entre o tamanho do BSTc e a orientação sexual dos transexuais: cada um deles era macho-orientado (T1, T6), fêmea-orientado (T3, T2, T5) ou ambos (T4).

Além disso, o tamanho do BSTc dos homens heterossexuais e dos homens homossexuais não diferia, o que reforça o conceito de que o tamanho reduzido do BSTc é independente da orientação sexual. Também não havia diferença no tamanho do BSTc entre o subconjunto mais jovem (T2, T5, T6) e o subconjunto mais velho (T1, T3) dos transexuais, o que indica claramente que o tamanho reduzido do BSTc está relacionado com a alteração da identidade de género per si, e não com a idade em que se torna manifesto. De modo interessante, o reduzido BSTc nos transexuais parece ser uma diferença cerebral verdadeiramente local.

Lhou et al. (1995) não conseguiram observar mudanças similares em três outros núcleos do hipotálamo, nomeadamente nos PVN, SDN ou SCN nos mesmos indivíduos. Isto pode ser devido ao facto destes núcleos não se desenvolverem todos ao mesmo tempo ou a uma diferença entre estes núcleos e o BST em relação à presença de receptores das hormonas sexuais ou de aromatase.

Contudo, um outro estudo, levado a cabo por Wilson, Chung, De Vries & Swaab (2002), mostrou que a diferença sexual no volume do BSTc, a qual se torna significativa somente na idade adulta, se desenvolve muito mais tarde do que seria de esperar. A diferenciação sexual do BST da ratazana ocorre nas primeiras semanas depois do nascimento e requer diferenças perinatais nos níveis de testosterona (Del Abril et al., 1987; Chung et al., 2000). Nos seres humanos, os níveis de testosterona durante o desenvolvimento fetal e neonatal são muito mais elevados nos machos do que nas fêmeas (Abramivich & Rowe, 1973; Winter, 1978). Além disso, alterações dramáticas nos níveis de testosterona nos adultos não têm efeitos óbvios sobre o volume do BSTc tanto nos machos como nas fêmeas (Zhou et al., 1995; Kruijver et al., 2000). Por causa disso, supunha-se que o BST divergia precocemente entre machos e fêmeas durante o desenvolvimento. Além disso, a diferenciação sexual dos núcleos sexualmente dimórficos da área preóptica e de outras áreas do hipotálamo anterior humano ocorre entre os 4 e os 10 anos de idade (Swaab & Hofman, 1988; Swaab et al., 1994).

Assim, a diferenciação tardia do volume do BSTc nos machos e nas fêmeas poderá ser uma característica geral do BST humano. Este conceito é apoiado por diversos estudos. O BST-dspm parece tornar-se sexualmente dimórfico aproximadamente na puberdade, como é indicado pelos períodos de tempo de desenvolvimento que foram incluídos no estudo de Allen & Gorski (1990). Com efeito, o BST-dspm parece ser menor nas fêmeas do que nos machos a partir dos 14 anos de idade (Allen & Gorski, 1990). A diferenciação sexual relativamente tardia também foi observada no hipotálamo do porco. O número de células do núcleo sexualmente dimórfico contendo vasopressina e oxitocina do hipotálamo do porco aumenta nas fêmeas pós-adolescentes mas não nos machos (Van Eerdenburg & Swaab, 1994).

Estudos recentes também mostraram que diversas regiões no cérebro humano e primata adulto produzem continuamente novos neurónios e mudam no volume das matérias branca e cinzenta (Eriksson et al., 1998; Gould et al., 1999; Gur et al., 1999; Sowell et al., 1999). Além disso, mudanças morfológicas marcadas no cérebro humano, incluindo a diferenciação sexual, podem não estar limitadas à infância mas estender-se até à idade adulta.

Existem diversas explicações possíveis para a falha de uma diferença sexual no volume do BST logo após surgirem as diferenças sexuais fetais e neonatais nos níveis de testosterona. Os efeitos organizacionais da testosterona sobre a diferenciação sexual podem tornar-se claros mais tarde na vida. Um exemplo de uma longa demora nos efeitos organizacionais dos esteróides gonadais é o desenvolvimento do núcleo periventricular anteroventral (AVPv) sexualmente dimórfico no cérebro da ratazana, o qual é maior nas fêmeas do que nos machos. Apesar das diferenças sexuais perinatais na testosterona provocarem esta diferença sexual no tamanho do AVPv, o seu volume torna-se apenas significativamente diferente aproximadamente na puberdade (Davis et al., 1996). Alternativamente, é provável que as diferenças sexuais nos níveis de esteróides gonadais peripubertais ou adultos estabeleçam a diferença sexual no volume do BSTc na idade adulta. Embora os androgénios e os estrogénios na puberdade provoquem o desenvolvimento das características sexuais secundárias nas estruturas periféricas do corpo, não existem dados sobre efeitos similares sobre as estruturas do cérebro humano.

Contudo, dados provenientes de seis casos relatados em estudos anteriores sugerem que o volume do BSTc, tal como delineado pela coloração imunocitoquímica de VIP ou somatostatina, não é afectado por aumentos ou diminuições acentuados nos níveis de esteróides gonadais na idade adulta. Assim, um tamanho feminino normal do BSTc foi descoberto numa fêmea controle com níveis de androgénios aumentados e em duas fêmeas controle pós-menopausa com baixos níveis de esteróides gonadais. Além disso, um tamanho masculino normal do BSTc foi descoberto num macho controlo com elevados níveis de estrogénios provocados por um tumor adrenal feminilizante e em dois machos controle que foram orquidectomizados como resultado de cancro da próstata. A possibilidade de que mudanças dependentes dos esteróides gonadais na expressão de VIP ou do neuropeptido somatostatina estejam na base das mudanças do volume do BSTc, tal como na área preóptica da codorniz (quail), na amígdala medial do rato e na amígdala humana (Panzica et al., 1987; Giedd et al., 1996; Cooke et al., 1999), não é apoiada por esses seis casos que revelam mudanças acentuadas nos níveis de esteróides gonadais, embora o volume do seu BSTc seja normal para o seu género (Zhou et al., 1995; Kruijver et al., 2000).

Além das acções directas dos esteróides gonadais sobre o BSTc, a emergência tardia de diferenças sexuais no volume do BSTc pode reflectir mudanças sexualmente dependentes relativamente tardias nas áreas do cérebro que abastecem o BST com a sua inervação VIP-IR, tais como a amígdala (Eiden et al., 1985), a qual aumenta de tamanho numa proporção maior nos machos do que nas fêmeas entre os 4 e os 18 anos de idade (Giedd et al., 1996). Embora as diferenças sexuais nos esteróides gonadais constituam o factor mais provável para desencadear a diferenciação sexual do BSTc e da áreas que inervam o BSTc, Chung et al. (2002) não excluem a acção de mecanismos independentes dos esteróides gonadais sobre a diferenciação sexual do cérebro, tais como uma expressão local de genes do sexo cromossómico (Reisert & Pilgrim, 1991). Um gene candidato para um tal efeito é o gene SRY, o qual foi revelado ser transcrito no hipotálamo humano adulto e no córtex dos machos mas não nos das fêmeas (Mayer et al., 1998).

Assim, tendo em consideração todos estes estudos, a nossa perspectiva sobre a relação entre o volume do BSTc e a sua diferenciação sexual tardia e a transexualidade torna-se mais segura. Com efeito, os transexuais recebem a sua primeira consulta entre as idades de 20 e 45 anos, as quais coincidem com o período de divergência sexualmente dependente do volume do BSTc descoberto nos estudos de Chung et al. (2002) e de Van Kesteren et al. (1996). No entanto, estudos epidemiológicos mostram que a consciência de problemas de género está geralmente presente muito precocemente. Com efeito, 67-78 % dos transexuais na idade adulta relatam terem tido fortes sentimentos de terem nascido num corpo errado desde a infância (Van Kesteren et al., 1996), o que apoia o conceito de que os distúrbios nos níveis de esteróides gonadais fetais ou neonatais estão na base do desenvolvimento da transexualidade. Além disso, as observações de que o uso de fenobarbital (phenobarbital) ou difantoin (diphantoin) durante a gravidez, os quais afectam os níveis dos esteróides gonadais, aumenta a prevalência de transexualidade nos recém-nascidos, suportam este conceito (Dessens et al., 1999).

Assim, as raparigas que foram expostas a níveis elevados de androgénios enquanto crianças por causa da hiperplasia adrenal congénita revelam uma elevada incidência de problemas de género, o que fornece suporte empírico para o conceito de uma programação de desenvolvimento precoce desta desordem (Meyer-Bahlburg et al., 1996; Zucker et al., 1996). A falha da diferenciação sexual acentuada do volume do BSTc no estudo de Chung et al. (2002) antes do nascimento e na infância não impede certamente os efeitos precoces dos esteróides gonadais sobre as funções do BSTc. Tal como sugerem as experiências com animais de laboratório, os níveis de testosterona fetais ou neonatais nos seres humanos devem primeiramente afectar a densidade sináptica, a actividade neuronal ou o conteúdo neuroquímico durante o desenvolvimento precoce do BSTc (Döhler, 1991; Park et al., 1997). As mudanças nestes parâmetros devem afectar o desenvolvimento da identidade de género, sem implicar imediatamente mudanças abertas no volume ou no número de neurónios do BSTc. Alternativamente, é necessário levar em conta que as mudanças no volume do BSTc nos transexuais macho-para-fêmea podem ser o resultado de uma incapacidade para desenvolver uma identidade de género tipicamente masculina. As descobertas de Chung et al. (2002) de uma diferença sexual no volume do BSTc somente visível na idade adulta sugerem que as mudanças organizacionais sexualmente dependentes da estrutura do cérebro não se limitam ao desenvolvimento precoce mas estendem-se até à idade adulta.

A evidência empírica disponível suporta o conceito de que a região central do BST está associada à identidade de género: o sentimento de ser macho ou fêmea. Este núcleo sexualmente dimórfico é maior nos machos do que nas fêmeas, independentemente das suas orientações sexuais. Contudo, o seu tamanho reduzido nos transexuais macho-para-fêmea, semelhante ao das mulheres, indica claramente essa associação à identidade de género. Ele pode constituir a base neural das perturbações de identidade de género. A transexualidade é precisamente o sentimento de desconforto com o próprio sexo biológico ou com o papel de género correspondente.

Carol Ringo & Peter Ringo (2002) mostraram que os mass media podem desempenhar um papel fundamental e positivo no desenvolvimento da identidade transexual e naidentidade transgender. Machos heterossexuais e homossexuais partilham assim o mesmo sentimento íntimo de si mesmos como homens. Designaremos o transexualismo como uma «two-spirit syndrome» ou síndrome transexual, cujos pacientes devem ser alvo de cuidados médicos e de acompanhamento psiquiátrico adequado.

Em fase dos resultados expostos, conjecturamos que a própria existência da transexualidade advoga fortemente a favor do conceito de que a identidade sexual ou de género não é necessária e exclusivamente determinada por experiências de vida. A maioria dos transexuais pertencentes ao grupo primário simplesmente não possui histórias de experiências traumatizantes, relacionamentos ou doenças que pudessem explicar um tão radical afastamento da convencionalidade. E os transexuais não são destituídos de capacidades intelectuais, já que, pelo menos, um grande número deles conseguem persuadir um cirurgião a remover-lhes o pénis. Dado que já conhecemos um dos marcadores biológicos da transexualidade, o núcleo sexualmente dimórfico, começamos a compreender os mecanismos de desenvolvimento subjacentes à identidade sexual. Neste momento, o tamanho reduzido do BSTc dos transexuais, bem como a ausência de diferença sexual entre homens heterossexuais e homossexuais, não permite a sua inclusão numa classificação das homossexualidades.

Apesar de os ter incluído na sua tipologia dos travestismos masculinos, onde integra erroneamente a homossexualidade efeminada, Robert J. Stoller (1982) acaba por reconhecer que não existem semelhanças significativas entre os dois grupos, a não ser o uso ocasional de roupas femininas por parte de uma minoria de homossexuais efeminados: os transexuais primários e os homossexuais efeminados. As diferenças entre eles são abismais: o transexual não é efeminado como o homossexual efeminado mas simplesmente feminino. Por outro lado, o homossexual efeminado sabe que prefere homens como objectos sexuais, aprecia virtualmente ter um pénis, não deseja perdê-lo, usa-o sempre que possível em todos os tipos de situações sexuais e aprecia relações sexuais com homens que, em troca, demonstrem interesse pelo seu pénis. Ora, cada um destes indicadores comportamentais, sobretudo o último, constituem um anátema para os transexuais primários.

Além disso, os homossexuais efeminados, sobretudo os do tipo maricas, que têm grande propensão para o travestismo, acabam, por diversas razões, por se prostituir, sendo posteriormente levados a submeter-se à cirurgia da mudança de sexo. Este grupo constitui aquilo a que chamámos os transexuais secundários, a maior parte deles oriundos, pelo menos em Portugal e no Brasil, das classes sociais desfavorecidas, onde a instrução e a educação são mínimas, e, geralmente, propensos à prostituição, estilo de vida sexualmente promíscuo e abuso de drogas (Inciardi et al., 1999), além de problemas de saúde graves (Gooren, 1999). No entanto, não é de excluir a possibilidade de muitos daqueles indivíduos que classificámos como homossexuais hiperefeminados sejam realmente transexuais genéticos.

Embora a nossa pesquisa de terreno tenha incidido sobretudo sobre os homossexuais masculinos e femininos, no seu decorrer confrontamo-nos com alguns casos de transexualismo. Destes casos apenas dois parecem ser verdadeiramente transsexuais: um transexual macho-para-fêmea homossexual e outro transexual fêmea-para-macho homossexual. Os restantes são claramente casos de pseudo-transexualismo: indivíduos do sexo masculino cuja orientação sexual era homossexual e que, devido a diversas pressões e a uma história de vida altamente estigmatizante, se submeteram a diversos tratamentos, nalguns casos à mudança de sexo, para se converterem em «fêmeas». Os machos homossexuais que se transformam em transexuais seguem geralmente o seguinte padrão: embora a maior parte deles tenda a ser do tipo efeminado, quer sejam efeminados ou masculinizados, eles começam por ser travestis e, a partir desse momento, são alvo da crítica homossexual.

Segregados da comunidade homossexual dominante, eles continuam a frequentar os «meios homossexuais», ao mesmo tempo que, como grupo, se dedicam à prostituição. A dinâmica de grupo, bem como o seu estilo de vida, leva-os a querer mudar de sexo: além de se vestirem e de se comportarem como «mulheres», uns fazem tratamentos hormonais e outros, mais arrojados, submetem-se a cirurgia de mudança de sexo. Compreende-se que um «cérebro feminino prisioneiro num corpo masculino» queira ter um corpo conforme ao seu cérebro, mas o mesmo já não pode ser dito dos machos homossexuais que não apresentam nenhuma disfunção sexual aparente. O seu cérebro até pode ser feminino nalgumas características sexualmente dimórficas, mas os seus órgãos sexuais funcionam e são usados como fonte de prazer sexual. A prova está num dos casos: um indivíduo que, antes do travestismo e do transexualismo, se casou heterossexualmente e teve um filho! Seja como for, os estudos revelam que os machos homossexuais, tal como os machos heterossexuais, têm uma identidade de género adequada ao sexo: a via de desenvolvimento masculino é, também neste sentido, semelhante entre os homens homossexuais e heterossexuais.

Hoje, dado já conhecermos alguns genes associados ao transexualismo (Henningsson et al., 2005), o estudo destes indivíduos pode vir a facilitar a nossa compreensão da orientação sexual, especialmente da homossexualidade, recorrendo igualmente a outros modelos animais, nomeadamente o do carneiro (Roselli et al., 2002). A pesquisa genética (Henningsson et al., 2005) confirmou a existência de 3 polimorfismos associados ao transexualismo: o gene receptor dos androgénios, o gene da aromatase e, sobretudo, ogene receptor dos estrogénios (Erbeta). Daqui resulta que esta categoria sexual não pode ser integrada no âmbito da homossexualidade masculina.


Disponível em <http://cyberdemocracia.blogspot.com.br/2008/03/crebro-e-genes-dos-transexuais.html>. Acesso em 17 mar 2013.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Lea T sobre mudança de sexo: "é delicado e mexe com a cabeça"

Na Telinha
28 de maio de 2012

Em entrevista à revista "Istoé Gente" desta semana, Lea T falou sobre a cirurgia de mudança de sexo que realizou na Tailândia. "Devo ficar mais um tempinho no Brasil. Vou conversar sobre a cirurgia na hora certa e quando eu me sentir preparada", disse.

Ela contou que pretende dar uma entrevista técnica sobre o assunto ao programa "Fantástico", da Globo: "É um assunto muito delicado e ainda estou me adaptando. Eu não posso sair incentivando ninguém a fazer essa cirurgia. Mexe muito com a cabeça. Tem que estar muito preparada. Minha família ajudou muito. Meu pai tem uma cabeça muito boa". A transexual é filha do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo.

Lea T ainda afirmou que antes de fazer a cirurgia fez terapia como forma de preparação: "Ainda estou fazendo terapia. Fiz antes, durante e depois".


Disponível em http://natelinha.ne10.uol.com.br/celebridades/2012/05/28/lea-t-sobre-mudanca-de-sexo-e-delicado-e-mexe-com-a-cabeca-165311.php. Acesso em 09 jul 2013.

sábado, 6 de julho de 2013

Após nascer com sexo trocado, casal transgênero se apaixona em terapia

Virgula
19 de Junho de 2013 

Aparentemente eles são um casal comum se não fosse por um detalhe: ambos são transgêneros, ou seja, o rapaz nasceu menina e a moça nasceu menino. Katie Hill, de 19 anos, nasceu, e viveu suas 15 primeiras primaveras como Luke; já Arin Andrews, de 17 anos, veio ao mundo como Esmerald e chegou a ganhar concursos de beleza e se destacar no balé durante sua infância. Na adolescência, já como transgêneros, os dois se apaixonaram e iniciaram um relacionamento.

Ambos lutavam com sua sexualidade quando crianças e iniciaram terapia hormonal ainda muito jovens, mais tarde, quando frequentavam um grupo de apoio aos trans, em Tulsa, Oklahoma, EUA, se conheceram e se apaixonaram.

“Tudo o que vi foi um cara bonito. Nós somos perfeitos um para o outro, porque ambos tivemos os mesmos problemas na infância. Ambos vestimos o mesmo manequim e ainda podemos trocar nossas roupas velhas, que nossas mães insistiam em comprar e odiávamos”, contou Katie em entrevista ao “Daily Mail”.

Segundo ela, os dois são tão convincentes em suas novas identidades, que ninguém sequer percebe que são transgêneros. “Secretamente nos sentimos tão bem com isso, pois é a maneira como sempre quisemos ser vistos”, explica.

O casal, em sua luta diária por ter as formas que sua personalidade pede, passa ainda passa por tratamentos com hormônios: Arin ingerindo testosterona para ganhar formas mais masculinas e Katie tomando doses de estrogênio, que lhe renderam seios naturais, sem implante de silicone.

Conforme o jornal britânico, Katie é considerada uma mulher, legalmente, desde seus 15 anos, e acredita que nasceu naturalmente com altos níveis de estrogênio, já que desde o pré-primário tinha pequenos seios, mesmo tendo o corpo bem esguio. Ela, inclusive, ganhou uma cirurgia de mudança de sexo, quando fez 18 anos, depois de um doador anônimo ficar comovido com sua história.

“Desde os três anos eu sabia que, no fundo, eu queria ser uma menina. Tudo o que eu queria era brincar com bonecas. Eu odiava meu corpo de menino e nunca me senti bem nele. Mantive meus sentimentos em segredo total até crescer. Agora eu e Arin podemos compartilhar nossos problemas”, diz.

Arin se lembra de uma experiência semelhante, e diz que sabia que era um menino desde o seu primeiro dia de escola, aos cinco anos. “Os professores separaram as meninas e os meninos em filas para uma brincadeira. Eu não entendi porque me pediram para ficar com as meninas. Coisas femininas nunca me interessaram, mas eu estava preocupado com o que as pessoas pensariam se eu dissesse que queria ser um menino, então mantive isso em segredo”, confessa.

Ainda criança, a mãe de Arin, Denise, incentivou a criança a fazer balé, mas o amor secreto de Arin era pilotar motos, fazer triatlo e escalada. “Mamãe e papai argumentavam que motocross entrava em confronto com a minha agenda de dança”, lembra ele, que aos 11 anos conseguiu fazer sua mãe desistir de vê-lo como uma bailarina.

Denise Andrews hoje apoia o filho e o ajuda com as doses de testosterona, além de ter ajudado a pagar a cirurgia de remoção de mamas, depois de o garoto passar anos se apertando em faixas e cintas para esconder os seios e sofrendo bullying na escola.

“Eu parecia uma menina bonita, mas agia e andava como um menino. Todo mundo começou a me chamar de lésbica. Era muito humilhante. Eu não me sentia gay. Comecei a ter pensamentos suicidas e disse aos meus pais que me sentia confuso, mas eu nem sabia que existiam pessoas transexuais. Eles disseram ‘ok’ eu ser gay, mas me colocaram na terapia por causa da depressão”, lembra.

A história de Katie é bastante semelhante, ela também passou por momentos de depressão, pensando em acabar com a própria vida, e só descobriu o que era um transexual após uma busca na internet, tentando entender o que se passava com ela, deparou-se com a palavra na tela.

A aceitação da condição dos dois foi um processo lento para a família, mas hoje, até a avó de Katie, Judy, entende que a neta “nasceu no corpo errado”.

O casal afirma estar expondo sua história ao mundo para ajudar a aumentar a conscientização sobre as questões trans. “Mais precisa ser feito para que as pessoas saibam sobre as questões trans”, disse Katie. “Nós dois passamos anos no deserto. Me senti muito sozinha. Nossos pais não sabem como ajudar, porque nenhum de nós sabia que era trans. Ninguém deveria passar pelo que passamos”, completa.

“Minha vida mudou quando conheci Katie, percebi que não estava sozinho”, finaliza Arin, apaixonado.


Disponível em http://virgula.uol.com.br/inacreditavel/curiosidades/apos-nascer-com-sexo-trocados-casal-transgenero-se-apaixona-em-terapia. Acesso em 29 jun 2013.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Transgenitalização: descubra como funciona o processo biológico e judicial da mudança de sexo

HAGAH
21/09/2012

A cirurgia para mudar fisicamente aqueles que já se consideram do sexo oposto é uma realidade cada vez mais presente na sociedade brasileira. Especialistas trabalham para que o processo, tanto no âmbito da medicina quanto no campo jurídico, torne-se rápido e eficaz. Porém, muitos ainda não sabem a quem recorrer para realizar o desejo de ter um corpo que corresponda à mente.

A Presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual da OAB/RS, Marta Cauduro Oppermann, afirma que, no âmbito judicial, o primeiro passo para se conseguir mudar de gênero judicialmente é entrar, com o auxílio de um advogado, com uma ação de alteração de registro civil, através da Vara de Registro Civil.

Quando a cirurgia de redesignação sexual já foi realizada, a alteração de nome e gênero em documentos oficiais é feita de forma simples. Basta apresentar laudos médicos que comprovem a mudança física. No entanto, Marta lembra que os problemas acontecem quando a pessoa não se submete à chamada cirurgia de transgenitalização. Apesar de já se ter conhecimento de alguns casos de sucesso em nível nacional, o processo é bem mais complicado. "O nome continua a ser alterado facilmente, contudo, o gênero não", relata.

Para o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, a principal alegação, neste caso, é o fato de que a identificação documental do indivíduo não corresponderia às características morfológicas do mesmo. Esta situação é entendida como uma afronta à segurança jurídica da pessoa em questão.

De acordo com Marta, quem sofre mais com o processo são os transexuais masculinos, ou seja, mulheres que desejam parecer-se fisicamente com homens. Como a cirurgia de transgenitalização de feminino para masculino ainda é considerada de caráter experimental, as chances de êxito são reduzidas. "A pessoa tem que se submeter a uma cirurgia que está fadada ao fracasso para conseguir a alteração do sexo em registro", protesta.

E com a possibilidade de alteração de nome, mas não de gênero, ações simples, como abrir uma conta em um banco, tornam-se um empecilho. Este tipo de transtorno faz com que muitos transexuais escondam-se, busquem o anonimato e o isolamento social.

No campo da medicina, o processo é mais longo e doloroso. O médico coordenador do Programa de Transtorno de Identidade de Gênero (PROTIG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Walter Koff, explica que uma resolução do Conselho Federal de Medicina obriga que o paciente passe por uma equipe multiciplinar e que seja acompanhado por especialistas pelo tempo mínimo de dois anos, antes de se submeter à cirurgia. Entre os profissionais, estão psiquiatras, psicólogos, urologistas, ginecologistas, endocrinologistas, cirurgiões plásticos, mastologistas, fonoaudiologistas, otorrinolaringologistas, uma equipe de enfermagem, assistentes sociais e uma equipe ética e jurídica.

No caso de homens que querem transformar-se em mulheres, apenas uma cirurgia de retirada do pênis e construção de um canal vaginal basta. Já no caso de mulheres que desejam virar homens, a situação é mais complicada. São necessárias cerca de cinco cirurgias para que o procedimento esteja completo.

A primeira intervenção é a de retirada das mamas. Depois, em uma segunda cirurgia, são retirados o útero, as trompas, os ovários e toda a estrutura do canal vaginal. Na terceira operação, é confeccionado o pênis no antebraço, do qual é aproveitada a pele. Depois de alguns meses, é realizada a quarta cirurgia, quando se transporta o pênis construído para o local devido. Por fim, a quinta e última cirurgia é a de colocação de próteses penianas e escrotais.

A cabeleireira Cristyane Oliveira foi uma das pioneiras a buscar pelo procedimento em Porto Alegre. Apesar de o procedimento ser permitido no país desde 1997, ela realizou a cirurgia somente em 2002, depois de dois anos e meio de espera. E os últimos seis meses foram gastos na tentativa de negociação para poder fazer a operação pelo SUS. Mas ela não conseguiu. "Como o procedimento era considerado de caráter experimental e, até hoje, só pode ser realizado em hospitais universitários, a minha cirurgia foi custeada pelo fundo de pesquisas do Estado", lembra.

Cristyane chegou a fazer duas cirurgias, sendo a última apenas um procedimento estético para retoques. Quanto à dor e a sensibilidade, a cabeleireira comenta que isto varia de pessoa para pessoa e que só perdeu o tato em um dos mamilos, depois da colocação da prótese de silicone.


Disponível em http://www.hagah.com.br/especial/rs/qualidade-de-vida-rs/19,0,3893046,Transgenitalizacao-descubra-como-funciona-o-processo-biologico-e-judicial-da-mudanca-de-sexo.html. Acesso em 10 jun 2013.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Jornada para a masculinidade: ex-transexual conta seu testemunho

Peter Baklinski
3 de novembro de 2011

Walt Heyer era um menininho crescendo na Califórnia em meados da década 1940, interessado em cowboys, carros e violões quando certo dia, a avó dele teve a imaginação estranha de que ele queria ser uma menina. Ela ingenuamente lhe fez um vestido roxo de baile, com fita de enfeite, que ele costumava usar quando a visitava.

De acordo com Walt, usar aquele vestido roxo com fita de enfeite desencadeou algo que o colocou numa longa trajetória de 35 anos que o levou a um vale escuro de “tormento, desilusão, mágoas e tristezas”. Sua confusão com sua identidade sexual o levou ao alcoolismo, vício de drogas e tentativa de suicídio.

No fim, Walt recorreria à “cirurgia de mudança de sexo” com vaginoplastia para fazê-lo se parecer como uma mulher, algo que ele veio a lamentar profundamente e que ele agora aconselha indivíduos com confusão sexual a evitar. “Ele (Deus) havia me criado como homem, do jeito que eu era, e nenhuma faca iria jamais mudar isso”, Walt disse para LifeSiteNews.com numa recente entrevista.

Envergonhado de ser homem

Em seu livro de 2006, “Trading my Sorrows” (Negociando minhas Tristezas), Walt relata que o vestido roxo foi apenas a primeira de muitas influências em sua vida que fizeram com que ele sentisse vergonha de ser homem. Houve o abuso sexual que ele sofreu nas mãos de seu tio que ele diz que fez com que ele sentisse vergonha de seus órgãos sexuais. Havia a austera disciplina de seu pai — praticamente indistinguível de abuso físico, diz ele — que fez com que ele se sentisse incapaz de ser o menino que seu pai queria que ele fosse.

Walt se lembra de nunca se sentir bem o suficiente para seus pais, nunca conseguir agradar a eles e nunca receber os elogios que ele muito desejava.

“O que eu desesperadamente queria era elogios dos meus pais pelas coisas que eu fazia muito bem, e encontrar meu próprio lugar ideal onde eu pudesse me expressar, desenvolver meus talentos e fazer algo de que eu gostasse”, explicou Walt em seu livro.

O menininho que não tinha nenhuma autoestima começou a desprezar a si e a seu corpo. Walt começou a se consolar se vestindo como menina e guardando esse segredo de seus pais. Vestir-se como uma menina se tornou seu esconderijo onde ele se sentia a salvo da disciplina e conflitos dolorosos que seu pai e mãe lhe davam.

A mulher tirana interior

Quando passou pela adolescência, Walt diz que a menina que estava dentro de sua cabeça foi ficando mais forte e exigia mais de seu tempo. Apesar do fato de que Walt adorava carros que chamavam a atenção e namorou mocinhas atraentes no colegial, não importava quanto ele se esforçasse, ele não conseguia expulsar a obsessão de se tornar uma mulher. Depois da escola secundária, Walt saiu da casa de seus pais e foi morar em sua própria casa, de modo que ele pudesse usar roupas de mulher na privacidade de seu próprio lar. Nessa altura, ele havia amontoado muitas roupas femininas, mas ainda sentia uma vergonha profunda de seu hábito secreto.

Walt acabou se casando, ficou rico e a partir de todas as aparências exteriores, estava vivendo o sonho americano. Ele continuava suas contínuas escapadas para o mundo de seu segredo de mulher.

Walt diz que estava vivendo três vidas diferentes de “homem de negócios bem-sucedido e beberrão, o quadro perfeito de um pai e marido amoroso e um travesti mulherzinha”. Contudo, por dentro, Walt estava experimentando desastre e desilusão. Tudo na vida dele começou a desmoronar.

Ele recorreu ao álcool como um mecanismo para lidar com seus problemas, mas isso só aumentou seu desejo de se tornar uma mulher. Ele diz que permitiu que a menina que estava dentro de sua cabeça se expressasse mais e mais à medida que ele desesperadamente tentava agarrar momentos de alívio do furioso mar de sofrimento e tristeza que estava sua vida.

No fim, Walt colocou todas as suas esperanças na cirurgia de sexo como a solução que faria seu sofrimento desaparecer permanentemente.

A cirurgia

Primeiro, vieram os grandes peitos, implantados pela cirurgia plástica. Então, veio o procedimento que Walt mais lamenta, a transformação cirúrgica de seu órgão reprodutor masculino para a aparência de um órgão reprodutor feminino.

Walt havia esperado que o procedimento aliviasse sua “debilitante angústia psicológica” e fizesse cessar, uma vez por todas, o conflito que o havia atormentado desde sua infância. Mas para seu desânimo e grande tristeza, rearranjar seus órgãos sexuais e mudar sua aparência não efetuou a mudança correspondente em seu interior.

Depois da cirurgia, a mente de Walt se tornou um campo de batalha de pensamentos e desejos conflitantes que ele só poderia descrever como “agravantes, desoladores, deprimentes, contraditórios, distorcidos e imprevisíveis”.

Depois da cirurgia, cada dia que passava deixava mais claro para Walt que ele havia cometido um “erro imenso”. Seu vício à cocaína e ao álcool, numa tentativa de entorpecer o sofrimento emocional, só aumentou seu tormento, depressão e solidão.

Walt agora sabia que a faca do cirurgião e a amputação consequente não o haviam transformado de homem para mulher. Ele percebeu que a cirurgia era uma “fraude completa”. Ele sentia que não tinha escolha, senão viver uma vida como uma mulher cirúrgica, um “impostor”.

Tentativa de suicídio

Nesse ponto, ele chegou ao fundo do poço. A cirurgia havia destruído a identidade de Walt, sua família, seu círculo social e sua carreira. Ele estava sentindo que nada mais lhe restava, a não ser morrer. Walt, que estava se passando pelo nome de Laura Jensen, tentou atirar-se de cima de um prédio, mas foi impedido por um transeunte.

Sem ter onde morar e sem um centavo no bolso, o arruinado “transexual” teria terminado vivendo na rua se um bom samaritano não tivesse lhe dado um lugar para dormir numa garagem. Esse novo amigo incentivou Walt a frequentar as reuniões dos Alcoólatras Anônimos onde ele percebeu que precisava se conectar a uma “força mais elevada” se quisesse escapar da bagunça em que havia se metido.

Walt começou a compreender mais e mais que ele era verdadeiramente um homem, mas um homem que estava encoberto num “disfarce de mulher”.

“Eu estava muito consciente de que estava agora na lata de lixo da raça humana, uma vida desperdiçada e jogada fora, pervertida por minhas próprias escolhas. O álcool, as drogas e a cirurgia haviam me deixado inútil para qualquer um. Eu havia fracassado de forma desgraçada como o homem que Deus havia me criado para ser”.

Saindo do vale da escuridão

Com a ajuda de alguns amigos cristãos que ele havia descoberto recentemente, Walt começou uma jornada em direção à cura e à descoberta de sua verdadeira identidade como homem. Walt percebeu que a chave para ganhar a batalha que assolava dentro de si era a sobriedade. O lema e constante oração interior dele se tornaram: “Permaneça sóbrio — não importa o que aconteça — permaneça sóbrio”. Ele colocou de lado o álcool e se voltou para Jesus como uma fonte recém-encontrada de força.

Certa vez, durante um tempo de oração com seu psicólogo cristão, Walt diz que sentiu espiritualmente o Senhor, todo vestido de branco, que se aproximou dele com os braços estendidos, abraçou-o completamente e disse: “Agora você está para sempre a salvo comigo”. Foi nesse momento que Walt soube que encontraria a cura e a paz que ele desejava tão intensamente em Jesus.

Walt disse para LifeSiteNews numa entrevista que aqueles que estão passando por lutas com relação à sua identidade como homem ou mulher e acham que a operação de sexo é a solução “precisam ir a um psicólogo ou psiquiatra e iniciar uma terapia e cavar profundo para descobrir o que está provocando esse desejo, pois há alguma questão psicológica ou psiquiátrica obscura que não foi resolvida e que precisa ser investigada — quer seja abuso sexual, quer seja abuso físico ou quer seja uma questão de modelos na vida. Pode levar um ano investigar as questões profundas que estão ocorrendo e então, quando você faz essa investigação, você pode levar a pessoa a um ponto em que ela pode começar a entender seu sexo e começar a aceitar seu sexo e querer viver o sexo que Deus lhe deu”.

Agora, como um homem idoso, Walt crê que se pudesse voltar no tempo e dizer algumas palavras significativas para si como um homem mais jovem, ele orientaria o homem mais jovem a evitar a cirurgia de sexo, e descobrir a causa principal por trás do desejo pela cirurgia. 

Walt acredita que sua vida dá testemunho do poder da esperança, que nunca devemos desistir de alguém, não importa quantas vezes ele ou ela falhe ou quantas reviravoltas haja no caminho para a recuperação. Acima de tudo o mais, diz Walt, nunca devemos “subestimar o poder curador da oração e amor nas mãos do Senhor”.


Disponível em <http://noticiasprofamilia.blogspot.com.br/2011/11/jornada-para-masculinidade-ex.html>. Acesso em 20 ago 2012.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Empresa dá crachá em branco para transexual

Maíra Amorim
Publicado:17/12/12

Na segunda-feira passada, a física Roberta Nunes deu um passo importante no que imagina que poderá facilitar sua inserção no mercado de trabalho: fez a cirurgia de mudança de sexo. Com especialização em engenharia, Roberta já trabalhou em duas grandes empresas de telecomunicações. Mas não obteve o direito de usar seu nome social, o feminino, no trabalho, o que levanta uma questão: a iniciativa privada lida bem com a questão da diversidade sexual no trabalho?

A última empresa que a contratou, a Claro, inicialmente aceitou que em seu crachá constasse Roberta Nunes e não seu nome de nascença. Mas o RH acabou voltando atrás e pediu que o nome feminino ficasse abreviado, com o masculino aparecendo abaixo. Como a transexual não aceitou, a solução foi dar a ela um crachá em branco, usado por consultores e visitantes.

Empresa diz que respeita diversidade

— Fiquei três anos usando o crachá em branco. Inicialmente eu tentei brigar, mas depois desisti, pois era o meu ganha-pão e eu precisava do dinheiro. Preferi evitar retaliações — contou Roberta em entrevista ao Boa Chance na sexta-feira anterior à cirurgia.

Roberta queria juntar dinheiro para pagar a operação, que custou cerca de R$ 30 mil. Depois de três anos na fila de espera do SUS, ela desistiu de aguardar, já que a previsão era de que sua vez ainda poderia demorar seis anos.
— Devo prezar pela minha qualidade de vida. Fazer a cirurgia aos 36 anos seria esperar demais — diz ela, que tem 30 anos e, desde os 20 anos, quando iniciou sua transição de gênero, planejava a mudança de sexo.

Consultada sobre o caso, a Claro divulgou nota, por meio da assessoria, em que diz: “A Claro informa que respeita a orientação de gênero de todos os seus colaboradores”. Para Roberta, faltou habilidade para tratar o tema. Problema que, segundo ela, acontece na iniciativa privada de modo geral.
— Faltam políticas para garantir a inclusão dos transexuais. No serviço público, existem mais iniciativas para proteger os direitos — diz Roberta.

É a portaria 233, de 2010, que assegura ao servidor público, na esfera da administração federal, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais. Na inciativa privada, não há nada igual.
— Então, a transexual fica presa à boa vontade e à sensibilidade do patrão ou do RH — diz Bárbara Aires, diretora da Astra Rio (Associação das Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro).

Bárbara, que também é produtora da TV Globo, usa seu nome social no crachá. Mas sabe que é uma exceção.
— Governo e ONGs devem se juntar para fazer ações de sensibilização junto às empresas. É preciso desfazer a imagem de que lugar de transexual é só nas esquinas. Elas também podem ocupar lugar de destaque nas empresas.

Após cirurgia, volta a todo o vapor

Para Bárbara, assim como ela, Roberta ultrapassou uma barreira ao ser contratada. O nome no crachá poderia ser um segundo passo, mas Roberta não pode alcançá-lo porque foi demitida em setembro. A dispensa ocorreu quando ela mudou de equipe e deixou de dar plantões em home office. Roberta admite que o novo gerente não simpatizava com ela — tanto que não lhe passava tarefas — mas não sabe exatamente o que motivou a demissão:
— Disseram que, por quatro meses, tentaram readequar minhas funções, mas que não havia vaga no meu perfil.

No início de 2013, depois do repouso exigido pela cirurgia, Roberta dará entrada na mudança de nome e de gênero. Espera, assim, ter mais facilidade no mercado de trabalho:
— Pretendo voltar a todo vapor e buscar um cargo de nível gerencial.

Disponível em http://oglobo.globo.com/emprego/empresa-da-cracha-em-branco-para-transexual-7070699. Acesso em 19 dez 2012.

sábado, 15 de dezembro de 2012

"Não é uma vagina que deixa uma pessoa feliz"

Patrícia Diguê
17.Fev.11 

Ela nasceu Leandro Cerezo, filho do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo com sua primeira mulher Rosa Helena. E hoje é uma das modelos mais requisitadas do mundo da moda. Na última São Paulo Fashion Week, desfilou com exclusividade para o estilista Alexandre Herchcovitch. No mês passado, causou polêmica novamente aparecendo na capa da revista britânica “Love” beijando a top Kate Moss. Antes, já havia chocado posando completamente nua para a Vogue Paris (de agosto de 2010), escondendo parcialmente o pênis com a mão.

Transexual assumida e à espera da cirurgia de mudança de sexo, a modelo de 28 anos e 1,80 metro tem receio de falar com a imprensa brasileira devido às fofocas que surgiram no ano passado de que seu pai não a aceitava. Lea T mora na Itália, onde cresceu por conta do trabalho de Cerezo. E começou a carreira de top model quando o estilista da Givenchy Ricardo Tisci, para quem ela trabalhava como assistente pessoal, resolveu colocá-la na passarela. Por causa de Ticci é que passaram a chamá-la de Lea T. Apesar de magoada com as fofocas sobre sua família, Lea falou à Istoé com exclusividade em sua rápida passagem pelo Brasil. E contou um pouco sobre como é ter uma sexualidade fora do convencional em países tão conservadores como o Brasil e a Itália, sobre a necessidade que sente de esclarecer o que é o transexualismo e criticou a forma como o assunto foi colocado no Big Brother Brasil.

ISTOÉ - Por que você demonstrava um pé atrás em voltar ao Brasil?
Lea T - Isso é normal quando você sofre alguma coisa e fica machucada, mas depois cicatriza e passa, sempre cicatriza. Mas eu tinha meus motivos, todo mundo sabe, porque falaram coisas feias do meu pai, mentiras, falaram um monte de mentirada, inventaram umas coisas sobre meu pai, que ele não me aceitava, tudo mentira. Eu não sei quem começou esta coisa.

ISTOÉ - O seu relacionamento com ele é distante?
Lea T - Não temos relacionamento distante, meu pai é separado da minha mãe, temos relacionamento como qualquer filho que foi separado do pai, porque ele não morava em casa com a família. Eu beijo meu pai, sempre vou visitar, vejo duas três vezes ao ano, porque ele mora aqui e eu na Itália, mas a gente se fala pelo telefone sempre.

ISTOÉ - É por causa disso também que você tem receio de dar entrevistas no Brasil?
Lea T - É. Porque foi uma maldade. Pensei: o que vou fazer lá? Para escutar coisas piores ainda? Você fica triste, mas depois conheci a galera da Way (agência de modelos que a representa no País) e minha família falou que as coisas já não eram tão assim, que as pessoas tinham mudado a cabeça, então decidi vir.

ISTOÉ - Como foi o convite para desfilar para o Herchcovitch?
Lea T - Eu tinha falado para a minha agência que não iria aceitar qualquer convite, aí eles me ligaram falando da proposta do Herchcovitch, disseram que era a linha que eu gosto, já conhecia o trabalho dele.

ISTOÉ - Se sentiu muito assediada chegando por aqui?
Lea T - Está sendo tranquilo, todo mundo muito legal, nunca fui tão bem tratada em toda a minha vida.

ISTOÉ - Quais os próximos trabalhos?
Lea T - Volto para a Itália, fico um dia, deixo as malas, vou para Chicago e em seguida Nova York para os desfiles.

ISTOÉ - Você acha que o comportamento das pessoas com relação aos transexuais realmente está mudando no Brasil?
Lea T - Mais ou menos. Isso não muda rapidinho, o povo está me aceitando melhor pelo fato de eu estar fazendo trabalhos grandes, isso meio que cala a boca das pessoas. Mas eu continuo não vendo um transexual trabalhando em um hotel, trabalhando em um banco, em lugar nenhum, então ainda tem preconceito.

ISTOÉ - Os transexuais ainda precisam se esconder então?
Lea T - Claro. Prostitutas, são todas prostitutas, porque não têm oportunidade de trabalho.

ISTOÉ - Você também teve a mesma dificuldade?
Lea T - Eu tive. Na Itália é pior do que aqui. Por causa do Vaticano, o povo é muito preconceituoso, então não conseguia arrumar emprego, e bate aquele desespero.

ISTOÉ - O que você fazia antes de entrar no mundo da moda?
Lea T - Antes eu era um menino, diferente, mas encontrava trabalho. Eu trabalhava de assistente, era só mais um gay, que é mais aceito, apesar de ainda ter muito babado sobre isso. Mas quando virei transexual, aí o negócio mudou.

ISTOÉ - Como assim virou transsexual?
Lea T - Transexual significa uma transição sexual, então você começa uma transexualizacão. Você nasce com uma síndrome de identidade de gênero, até uns seis anos de idade se vê apenas como uma criança, mas quando começa a se identificar com alguma coisa, quando começa a entender, é que começa a se ver nem como homem nem como mulher, mas você ainda não é uma transexual, você vira transexual quando começa a fazer terapia e a ser seguida por médicos para mudar de sexo.

ISTOÉ - Você sempre sentiu a necessidade de mudar de sexo?
Lea T - Sim, mas não posso falar muito sobre isso por causa do contrato com a Oprah (Lea firmou contrato com a apresentadora americana Oprah Winfrey para uma entrevista exclusiva onde falará sobre sua cirurgia).

ISTOÉ - Quando será a cirurgia e por que ela é importante?
Lea T - Ainda não tem uma data exata. É uma questão estética, se você não se sente bem com seu pênis, aí terá uma coisa mais coerente com seu corpo e sua mente.

ISTOÉ - Isso vai te fazer mais feliz?
Lea T - Não, não é uma vagina que deixa uma pessoa feliz. Vai facilitar minha vida a nível de documento e vai me deixar numa questão estética melhor, vou viver melhor esta coisa, por causa da profissão e tudo. Mas não traz felicidade isso, senão todo mundo fazia. E todas as mulheres seriam felizes.

ISTOÉ - O que é mais importante, a cirurgia ou documento?
Lea T - Os dois são muito importantes quando se decide fazer uma coisa destas. Eu acho desaforo, deveria existir o homem, a mulher e o transexual, mas a lei nos ignora, então eles te põem como mulher, mas não é uma mulher, apesar de ter uma cabeça de mulher, mas não é.

ISTOÉ - Como é na hora de ter que mostrar sua documentação com um nome masculino? É constrangedor?
Lea T - É, nossa, na Itália, eles te tratam igual um lixo.

ISTOÉ - E no Brasil?
Lea T - Aqui eles são delicadérrimos nestas horas, nunca tive um problema deste tipo no Brasil, são finérrimos. Lá tem o Vaticano, menina, o bicho pega naquele país. Foram trilhões de situações constrangedoras, falam que você é puta, isso e aqui, é difícil, muito difícil.

ISTOÉ - E como você reage diante de uma situação assim?
Lea T - Eu brigo, eu não sou de ficar calada. Eu luto pelos meus direitos, não estou fazendo nada de errado para ninguém, então caio em cima mesmo.

ISTOÉ - Você se sente como uma espécie de porta voz dos transexuais?
Lea T - Eu sei que sou uma das poucas que conseguiu um trabalho, mas não me sinto como porta voz, acho que ninguém é porta voz de ninguém, entendeu? Cada um tem que seguir a própria personalidade, a própria vida, ter honra da própria vida. Eu consegui um trabalho, diferente de várias, e isso pode ser uma mensagem legal para elas, isso é importante.

ISTOÉ - Mas você, mesmo que não queira, acaba sendo um exemplo não é?
Lea T - Claro, um exemplo de que não existe só aquela mesma estrada, que você pode fazer outras também.

ISTOÉ - Como você viu a presença de uma trans no Big Brother Brasil?
Lea T - É muito delicada isso, eu achei que essa coisa de Big Brother mostrou que o Brasil ainda não está pronto para isso. Eu não sou superior a ninguém, mas eles quiseram por uma transexual só porque está se falando muito em transexual, para levantar a audiência, eu achei que foi uma coisa meio barata. Ela (Ariadna Thalia) é uma menina linda, vitoriosa, lutadora, pelo que eu entendi da história dela, ela teve uma história dura. Mas o problema é que, como já se fala tão pouco em transexuais, se você põe uma em um programa como esse precisava ser algo menos estereotipado. Pelo amor de Deus, ela é foférrima, mas tem que por alguém que possa mudar essa imagem. Não se pode colocar um transexual lá e ficar perguntando “qual é a transsexual?”, tipo “cadê o Wally?. É um nível muito baixo e não ajuda o povão a entender estas coisas. Acho que é diminuir uma luta que poucas transexuais fazem. Acho que sair dizendo “Eu tenho a honra de ser a única transexual do Big Brother” não contribuiu. Eu não tenho a honra de ser a única modelo, eu vou ter a honra de ser a única médica, que curou uma doença, honra de ser como a presidente da Lancôme, que é uma transexual, aí sim.

ISTOÉ - E como fazer as pessoas entenderem?
Lea T - É difícil, porque elas apontam o dedo na minha cara. Aí eu tento explicar para as pessoas que elas estão apontando o dedo para uma pessoa que sofre, que vive como você e que tem muito mais problema do que você. E que uma transexual não é uma pervertida. Por isso que dou entrevistas e falo tanto a respeito. Seria mais interessante se essa trans do Big Brother tivesse falado “eu sofro, passei por isso e aquilo”, em vez de dizer dane-se o mundo.

ISTOÉ - Por que você acha que o mundo da moda te acolheu?
Lea T - O mundo da moda me acolheu porque eu comecei com uma pessoa que é muito influente no mundo da moda (Ricardo Tisci) e eu fiz esse projeto de usar isso para passar uma mensagem, para parar de se esconder. Ser modelo aconteceu por acaso, mas a coisa mais interessante é passar uma mensagem, quando a pessoa me dá um microfone eu grito que sou um transexual. Eu tenho prazer claro de sair em fotos bonitas e ir a desfiles, mas eu acho que isso não tem que ser o fundamental.

ISTOÉ - O que poderia ser feito no Brasil para que os transexuais tivessem mais qualidade de vida?
Lea T - Você não tem apoio financeiro para mudar o seu corpo, porque quando você nasce e se vê em um corpo de homem, precisa de ajuda para se transformar, para não ficar coma aquela coisa ridícula, quer dizer, não ridícula, mas aquela coisa que você não gosta. Não existe uma facilitação para fazer a cirurgia, então deveria haver apoio para isso. Por exemplo, você tem pelo de homem e tem que tirar esses pelos, com laser, e o laser custa R$ 1 mil a sessão. Você quer por peito ou tem um queixo enorme, masculino, são coisas que incomodam a gente em um nível muito forte, porque você olha no espelho e vê traços de homem, o que faz com que você viva mal seu corpo. Quando fica comprovado que pessoa é transexual, precisa ajudá-la a fazer isso, senão por isso que são todas prostitutas, porque você vive o corpo errado, então fica desesperada.

ISTOÉ - O que diria para as pessoas que acham que o sistema de saúde não deveria gastar recursos com este tipo de coisa?
Lea T - Olha, eu vou te dar uma estatística: de cada 10 transexuais, quatro se matam. Tem uma quantidade grande de transexual no mundo, então eu acho que todos têm direito, se tem que dar prioridade para outras coisas, a gente também tem que ter essa prioridade. Tem que ter igualdade. Nós sofremos de uma patologia séria, de identidade de gênero, então não dá para dizer quem tem menos prioridade. É um distúrbio, que precisa de atendimento.

ISTOÉ - Foi para levantar a bandeira pelos direitos dos transexuais que decidiu posar nua?
Lea T - Foi, posei por causa disso. Foi uma foto nua, crua, sem maquiagem, do jeito que você é, feia. Eles quiseram mostrar uma coisa verdadeira, mesmo uma transexual, que não está perfeita, boneca, linda, montada, mas ela existe, ela está na página de uma revista como a Vogue.

ISTOÉ - Foi sua única sessão de fotos nua?
Lea T - Assim que dá para ver o pênis foi a única.

ISTOÉ - Foi difícil?
Lea T - Não. Não gosto do meu corpo, mas não tenho vergonha, eu convivo com ele bem.

ISTOÉ - Tem alguma parte do seu corpo que gosta mais?
Lea T - Tem algumas que eu gosto, outras não.

ISTOÉ - Você se acha bonita?
Lea T - Não. Não acho.

ISTOÉ - Nem nas fotos?
Lea T - Não, não me acho bonita. Eu acho que eu sou um tipo diferente de beleza, um estilo diferente, não sou bonita, com rostinho de boneca.

ISTOÉ - Quem você acha que é bonita?
Lea T - A Raquel Zimmermann (modelo brasileira) acho linda. Eu não sou daqueles que ama as mulheres bonitas, eu gosto das mulheres com imperfeições, amo a Pat Smith (cantora americana), acho ela linda.

ISTOÉ - Você se sente atraída sexualmente por homens ou por mulheres?
Lea T - Eu já experimentei os dois. Eu gosto de dizer que eu gosto da pessoa. Claro que sexualmente eu me sinto mais atraída por homem, hétero. Por isso mesmo que quero fazer a intervenção, para poder ter uma relação mais hétero. Mas isso não significa que depois que eu operar eu me apaixone por uma mulher.

ISTOÉ - Você se sente bem resolvida sexualmente?
Lea T - Não, hoje não. Eu não acho que a relação com alguém que ainda não foi operado seja uma relação hétero, para mim é um relação bissexual.

ISTOÉ - Você está namorando?
Lea T - Não falo a respeito de namoro.

Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/124781_NAO+E+UMA+VAGINA+QUE+DEIXA+UMA+PESSOA+FELIZ+. Acesso em 14 dez 2012.