sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Controlando o preconceito

Suzana Herculano-Houzel
06 de agosto de 2012

Ser capaz de analisar e responder às circunstâncias de maneira imparcial, desvinculada de preferências, de valores arbitrários ou da memória de acontecimentos anteriores, parece altamente desejável – o caminho para uma vida sem preconceitos. Na prática, porém, essa análise imparcial é quase impossível: somos limitados por vieses do cérebro, isto é, seus “pré-conceitos”. E isso não é ruim.

Muitas vezes é preciso decidir e agir rápido. Visitando um país desconhecido, você acreditaria que é viável andar de ônibus? Você confiaria sua câmera a qualquer passante para tirar uma foto sua? Boa parte do que fazemos e decidimos tão rápido depende de ideias que o cérebro formula automaticamente a partir de generalizações baseadas em nossas experiências prévias, antes que nos demos conta do processo. Esses são nossos pré-conceitos: noções concebidas anteriormente, prontas para serem usadas na hora do aperto, quando uma decisão rápida for necessária.

Quando bem fundamentados em experiências, os pré-conceitos costumam se mostrar acertados e úteis, pois refletem regras aprendidas ao longo da vida. Voltemos ao país desconhecido: ônibus conservados em geral possibilitam uma viagem mais segura; ruas limpas, iluminadas e cheias de transeuntes tendem a ser tranquilas; uma pessoa bemvestida tem boas chances de saber operar sua câmera – e de não sair correndo com ela.

Por serem altamente pessoais, os julgamentos automáticos ajudam a tomar as decisões mais ajustadas para cada um. Eles são amplos e transparecem em várias ocasiões. Por exemplo, não é preciso processar de forma consciente os atributos físicos e intelectuais alheios para sentir quem nos atrai. A atração acontece antes da explicação, como uma racionalização pós-fato.

Contudo, alguns julgamentos não são baseados em experiências, mas apenas em valores pessoais que não necessariamente correspondem à realidade. São fundados em temores injustificados, em doutrinas arbitrárias ou dogmas religiosos ou políticos. Esses são os “pré-conceitos preconceituosos”. Infelizmente não faltam exemplos: homens devem ser mais inteligentes do que mulheres, negros são mais violentos que brancos, seguidores desta, daquela ou de nenhuma religião são imorais e pouco confiáveis.

Curiosamente, é comum que as próprias pessoas que são alvo de discriminações desenvolvam preconceitos no mesmo sentido. Um estudo com voluntários americanos constatou que a amígdala cerebral, fonte de respostas emocionais automáticas, reage mais veementemente, o que sinaliza ansiedade, a retratos de rostos desconhecidos de negros – isso ocorreu tanto nos participantes negros como nos brancos. Da mesma forma, todos associaram mais facilmente palavras negativas aos primeiros, e positivas aos últimos.

Preconceituosos ou não, a questão é que os pré-conceitos influenciam nossas escolhas e o que deveria ser vantagem vira problema quando nossas decisões prejudicam os outros sem qualquer razão. Felizmente, o próprio cérebro tem a solução, quando quer: o córtex pré-frontal, ao se reconhecer infundadamente pré-conceituoso, é capaz de vetar opiniões, decisões e até ações. Leva tempo e requer esforço, é verdade. Mas vale a pena. É a diferença entre ter pré-conceitos, o que todos temos, e deixar que eles se transformem em ações preconceituosas.


Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/controlando_o_preconceito.html>. Acesso em 07 set 2012.

Um comentário:

  1. Por Nikole Scarlet McCoy
    A capacidade de reconhecer um erro, de mudar de opinião ao perceber que ela está fundamentada em algo errado ou equivocado chama-se AUTOCRITICA. Entretanto a autocritica de um indivíduo preconceituoso está desligada, pois geralmente esse tipo de pessoa sofreu uma lavagem cerebral, sua mente foi dominada e inseridos nela pensamentos, dogmas e doutrinas de outra pessoa, religião ou seita, partido político ou da "tribo" que ele escolheu para conviver. Podemos estender tal teoria ao inconsciente coletivo, isto é, as massas humanas, desprovidas de discernimento e eu diria até da capacidade racional, se deixam conduzir por doutrinas religiosas e em troca de uma salvação hipotética abrem mão de seu livre arbítrio e tornam-se zumbis a serviço dos líderes religiosos, pensando como eles querem que pensem, agindo como querem que ajam incluindo aí o preconceito religioso, não somente a homofobia (típica das religiões originadas por Abraão) mas também a prepotência "santa", achando que são superiores ou mais santos que os seguidores de outras religiões.
    Infelizmente as sequelas sociais são graves. No Brasil o Legislativo e o Judiciário são diretamente influenciados pela homofobia gospel, tanto que até animais irracionais têm direitos salvaguardados por leis específicas, negros, índios, idosos, mulheres, deficientes fisicos e mentais... Todos têm seus direitos garantidos por lei. Eu me pergunto, por que os homoafetivos não têm leis específicas que salvaguardem seus direitos à vida, à cidadania, à liberdade? Será que nossos legisladores acham que os homoafetivos são inferiores aos animais irracionais? Enquanto esses "santões" imbecis e estúpidos estiverem com poder político nas mãos esse país não terá justiça social plena...

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