Mostrando postagens com marcador travestis. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador travestis. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Transexualidade e preconceito: as implicações do psicólogo

Mário de Oliveira Neto
Maressa de Freitas Vieira
2a. Jornada Científica e Tecnológica da FATEC de Botucatu.
21 a 25 de Outubro de 2013, Botucatu – São Paulo, Brasil

Resumo: A aceitação na família, na escola, a inserção no mercado de trabalho, os direitos garantidos por leis, o acolhimento, a igualdade, a dignidade e, acima de tudo, a liberdade (no seu mais amplo significado) são direitos garantidos de grande parte da sociedade, exceto a transexuais. Isto porque a sociedade atual, muitas vezes, exclui significativamente os transexuais, dificultando e impedindo o acesso do reconhecimento da identidade e dos direitos civis básicos desses indivíduos. Diariamente transexuais são alvos de preconceitos, exclusão, ameaças, agressões e violências das mais variadas formas, culminando não muito raro em homicídio. A esse conjunto de atitudes a pessoa transexual, denomina-se transfobia. (JESUS, 2011). Transexuais e travestis, a partir das avaliações sociais e biológicas, são vistos como fracassos ambulantes, incapacitados para desenvolverem seu potencial natural em função de seu comportamento socialmente inadequado. Assim, o individuo está exposto a violências, ridicularização, estigma e marginalização, fortalecendo assim o gênero binário, ou seja, masculino e feminino (GUIMARÃES et al, 2013).

domingo, 27 de outubro de 2013

De quitinete a cobertura, estilista das travestis faz sucesso internacional

Carolina Garcia
07/10/2013

Com a roupa certa que “dá axé”, travestis podem “cabanar” pelas ruas de São Paulo e do mundo. O verbo ganhou espaço no bajubá - linguagem usada pelo grupo - após o sucesso da marca Tereza Cabana, a precursora da moda trans no País e que é cultuada por suas clientes há 23 anos. A ousadia das costureiras Terezinha Cabana, de 70 anos, e sua filha Cris Cabana, de 45, ganhou um público marcado pelo preconceito e conhecido pelas práticas ousadas para esconder a identidade. “Mulher encontra calcinha em qualquer lugar, travesti não”, defendeu Cris a sua peça, que promete “aquendar a neca” (segurar o pênis).

De uma quitinete de 27 metros quadrados para uma cobertura quase dez vezes maior nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, mãe e filha construíram patrimônio ao desenharem vestidos tubinhos, calcinhas e trikinis, peça clássica para o guarda-roupa de uma travesti. Os tecidos que estampam o animal print e as cores neon são os campeões de venda. O carro-chefe do ateliê é a calcinha de vinil, um dos materiais mais resistentes, que pode ser comprada por R$ 30 a unidade ou R$ 15 no atacado (com venda mínima de 40 peças).

Para a paulistana Cris, o acaso foi responsável pela origem da marca e pelo sucesso internacional. Em meados de 1990, a visita da travesti Mônica, jovem de 17 anos e “com um corpo escultural”, inspirou as profissionais e despertou suas atenções ao público gay. “Montei alguns modelos de vestidos e ela saiu para trabalhar. Sempre voltava da rua contando o sucesso que tinha feito com as peças. A Mônica deu a luz inicial”. Na primeira semana de trabalho, cerca de 20 travestis fizeram fila a espera de novas criações. “Nossa casa era muito pequena. Nunca imaginei que tivesse tantos travestis em São Paulo”, disse, aos risos.

Entre suas clientes estão as profissionais do sexo e transexuais, como Ariadna Arantes, que ficou conhecida após participar da 11ª edição do reality show BBB. Ao iG , ela disse ter conhecido a marca em Milão um ano antes de sua operação para mudança de sexo, em 2007. “Usar roupas da moda feminina comum era meio complicado para uma menina como eu. Era um incômodo muito grande”. Na falta de opção, e por desespero em esconder a identidade, a ex-BBB usava calcinha de vinil que chegava a cortar a pele.

"Moda feminina comum era complicado para uma menina como eu", diz a ex-BBB Ariadna
“Muitas [travestis] usam super bonder, emplasto e até fita adesiva para esconder a real identidade. A marca [Tereza Cabana] se consolidou porque a moda ainda não abriu espaço para esse público”, defendeu Ariadna.

Com o mercado de São Paulo já garantido, o próximo desafio para a marca é a Europa. “O boca a boca foi fundamental para as vendas lá fora. Ainda em um tempo sem internet, passamos 11 anos vendendo de porta em porta por 30 dias durante o verão europeu”, explicou Cris. Entre seus roteiros de viagem estão as capitais da Itália, Paris e Suíça, por exemplo. “E nem preciso me preocupar com hospedagem. Elas [clientes] me recebem em suas casas, pensões e até puteiros. Em uma das viagens, cheguei a vender US$ 22 mil em mercadoria”, contou.

Em um amplo ateliê, também nos Jardins, Cris e a mãe dividem a confecção das peças. Ao menos cem modelos são produzidos em um dia cheio de trabalho - a marca rende um lucro mensal de ao menos R$ 15 mil por mês. A última aquisição da empresa foi uma poderosa máquina de costura, carinhosamente apelidada de “Ferrari” pelas donas. “É a nossa queridinha agora. Ainda estou pegando o jeito dela”, explicou Terezinha.

Trikini é peça clássica no guarda-roupa travesti. Custa em média R$ 150 no ateliê dos Jardins.

Preconceitos e axé

A palavra preconceito não faz parte do vocabulário da nordestina Terezinha. Criada em Fortaleza, ela saiu de casa aos 15 anos e, por isso, se define como “dura na queda e das antigas”. Mas se contradiz ao ter uma mente aberta no convívio com o mundo gay. “Não faz sentido ter preconceito. Quando morremos o bichinho que come o branco também come o preto”.

Não são todos, no entanto, que acompanham seu pensamento. O fluxo frequente de travestis em sua casa já rendeu processo na Justiça. “Fui processada por vizinhos porque associavam travestis ao tráfico de drogas. E eu só tentava vender minhas roupas”.

Com um discurso recheado de frases polêmicas, Tereza usa o bom humor para se referir à marca que leva o seu nome. “As meninas sentem que somos as estilistas delas e que usar Tereza Cabana dá axé [sorte]. É que as peças são produzidas por uma virgem”, disse a idosa fazendo movimentos com os olhos apontando para filha. “Ela só pensa em trabalho, sabe? Eu acho que é virgem ainda”.


Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-10-07/de-quitinete-a-cobertura-estilista-dos-travestis-faz-sucesso-internacional.html. Acesso em 14 out 2013.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Seminário aborda fragilidade do atendimento de saúde à população trans

Conselho Federal de Psicologia
15/03/2013

O seminário “Identidades Trans e Políticas Públicas de Saúde: Contribuições da Psicologia”, realizado na quinta-feira (14/3), em São Paulo, traçou um panorama importante sobre o nível do atendimento psicológico às travestis, transexuais e transgêneros na rede pública de saúde. A necessidade de mudanças por meio do acolhimento adequado, com orientação e um olhar voltado para a despatologização da transexualidade foi unanimidade entre os representantes das entidades que compuseram a mesa de abertura e a maioria dos participantes.

A transmissão do debate rendeu aproximadamente 700 pontos de acesso de internautas. Cerca de 50 pessoas foram ao auditório do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06) conferir o evento. A iniciativa foi uma parceria entre o Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06) e do Espírito Santo (CRP-16), a partir de uma deliberação da última reunião de presidentes de Conselhos Regionais, realizada em dezembro de 2012.

Na abertura, o presidente do CFP, Humberto Verona, ressaltou que a Psicologia tem o desafio de garantir à população trans o respeito à dignidade e o acesso aos serviços públicos de saúde. “Faz parte da nossa obrigação combater todas as formas de discriminação e retrocesso no reconhecimento de todas as sexualidades. Precisamos retirar o estigma de que essa orientação configura uma doença”, observa.

De acordo com a vice-presidente Trans da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Keila Simpson, em relação a identidade trans, o Brasil é semelhante a outros locais da Europa, como Estocolmo e Barcelona. “A realidade deles é a mesma nossa. Não existe inserção trans, parece que é uma população invisível”, destaca. “É um tema que precisa de visibilidade por parte da sociedade, e a Psicologia pode auxiliar nisso”, completa a secretária executiva do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (Fenapsi), Fernanda Magano.

Durante a cerimônia de abertura, o presidente da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT), Leonardo Tenório, entregou ao presidente do CFP um ofício solicitando uma regulamentação técnica recomendando que o profissional de Psicologia preserve o direito e a autonomia dos transgêneros. “Não é papel do psicólogo (a) opinar sobre mudança de sexo. Os homens trans não vão à psicoterapia, porque a terapia compulsória é absurda nesses casos. Não vamos representar um gênero que não concordamos”, argumenta.

A ausência da representante do Ministério da Saúde, que estava prevista no debate, foi repudiada pelos palestrantes e pelo público presente. O foco das reclamações foi a reformulação da Portaria n.  457/2008, que estabelece diretrizes para o processo transexualizador, elaborada sem a contribuição da Psicologia e dos movimentos sociais envolvidos com o tema.

Atendimento

O debate sobre a forma como a população trans está sendo atendida pelos psicólogos nas unidade de saúde também foi pontuada no debate. Segundo a psicóloga e professora do curso de Psicologia da Fundação Educacional de Penápolis, Sandra Spósito, as concepções médicas que regem o Sistema Único de Saúde não respeitam a diversidade de gênero, apenas como uma situação patológica, ao invés de proporcionar uma ação voltada para saúde mental  dessas pessoas.

Na opinião da a psicóloga doutora Tatiana Lionço, que pesquisa questões relacionadas aos direitos humanos e sexuais, a avaliação psicodiagnóstica atual viola a autonomia do sujeito ao considerá-lo de forma patologizante. “É uma identidade adquirida, onde a pessoa tem autonomia para se identificar como homem ou mulher, sem obedecer a ordem binária”, esclarece. “Para uma avaliação correta, seria preciso avançar na capacitação dos profissionais, especialmente aqueles que atuam nos Centros de Referência”, completa.

A despatologização da identidade trans é um procedimento que consta em documentos internacionais, como o Guia de Boas Práticas para a Atenção Sanitária a Pessoas TRANS, da Espanha. A expectativa, segundo Lionço, é que, em 2015, na revisão da classificação internacional de doenças, a Organização Mundial de Saúde também adote este mesmo conceito em relação ao tema.

Procedimento cirúrgico

Os critérios de entrada e indicação de pessoas para a cirurgia de mudança de sexo são discutidos por equipes multiprofissionais formadas por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. O processo de avaliação psicológica leva, em média, dois anos para ser concluído. É um período difícil, onde muitos chegam sem querer fazer o atendimento e outros desistem no meio do processo. Os motivos vão da abordagem dos profissionais até a demora para a realização do procedimento cirúrgico, cuja fila de espera é enorme na rede pública.

No ambulatório do Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, cerca de 600 pessoas aguardam para realizar a avaliação com intuito da redefinição de sexo. “Aproximadamente 70% do público é composto por mulheres trans”, conta a psicóloga Judit Busanello, psicóloga e diretora do ambulatório do Centro de Referencia e Treinamento em DST/AIDS. O centro clínico realiza 12 cirurgias por ano.

Além do tempo de espera, o tratamento dos profissionais é um fator negativo para aqueles vão às unidades de saúde em busca de atendimento. Foi o caso do enfermeiro Edu*, nome social escolhido por ele, que é homem trans. “Foi um choque. Fui destratado e a assistente social marcou uma consulta com uma psiquiatra quatro meses depois da minha visita. Quando fui atendido, a médica me deconsiderou e fazia perguntas grosseiras acerca da minha sexualidade. Parecia um alistamento, e não acolhimento”, indigna-se.

Limites da Psicologia

Conforme a psicóloga Daniela Murta, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), a atividade psicológica precisa de uma uniformidade na prática. “Não temos que fazer diagnóstico nem avaliação, temos que acolher e orientar. Nosso dever é promover a saúde e a atenção àqueles que procuram auxílio nos centros de referência”, analisa.

Nesse sentido, o psicólogo do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids, Ricardo Barbosa, acredita que entender a questão da transexualidade requer o reconhecimento de um sujeito de grupo. “A autenticidade das pessoas trans não têm lugar na sociedade. Assistimos um acúmulo dessas relações psiquicamente politraumáticas na recontrução de estigmas”, frisa. Se a gente, enquanto psicólogo (a), não reconhece os danos em termos de proposta e prática, acaba por produzir um trabalho que aliena o sujeito, insinuando que o gênero é diagnosticável.

Em relação aos limites e possibilidades da Psicologia em sobre a identidade trans, a psicóloga, psicanalista e doutora em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Porchat,  ressaltou que, em um primeiro momento, a psicanálise deve ser posta em contato com a realidade trans e ser questionada sobre a construção de gênero em geral.

“O primeiro limite de atuação do psicanalista é a concepção do que significa o outro. É importante essa noção de sujeito para despir os preconceitos, as crenças”, diz Porchat. “Acreditar apenas no masculino e feminino engessa o pensamento para trabalhar com identidades trans. A Psicologia deve construir uma forma de desmontar isso na cabeça das pessoas, o que simboliza um novo e contínuo trabalho”, finaliza a psicóloga.

Nota técnica

O seminário fornecerá subsídios para uma nota técnica que será coordenada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), com a participação dos Conselheiros Regionais de Psicologia,  consultores ah doc e movimento social. O objetivo é construir diretrizes éticas e técnicas à categoria sobre o processo transexualizador e sobre as questões da transexualidade. “É importante que o CFP e os CRPs saibam orientar sobre esse procedimento nas identidades trans no exercício da profissão”, constata o presidente Humberto Verona.

Além do seminário e da nota técnica, outras iniciativas virão, como a  construção  de um série de vídeos sobre a Psicologia e as sexualidades. O objetivo é potencializar a reflexão da profissão com as questões que envolvem as sexualidades na perspectiva dos Direitos Humanos.


Disponível em http://site.cfp.org.br/seminario-aborda-fragilidade-do-atendimento-de-saude-a-populacao-trans/. Acesso em 07 out 2013.

sábado, 5 de outubro de 2013

"Prostituição entre travestis é necessidade e não opção", diz fotógrafa carioca

Igor Zahir
01/10/2013

É com frequência que as pessoas relacionam travestis com prostituição de rua. Muita gente, ao falar do assunto, menciona de imediato a cena que se transformou em marca registrada: homens com trajes femininos (e corpos muitas vezes modificados a base de hormônios) nas esquinas, esperando clientes em busca de sexo.

O que esquecem é que, por trás disso, há pessoas com vida própria, que além de serem travestis, cuidam de casa, têm um cotidiano como qualquer outro e lutam por igualdade social. Pensando assim, a fotógrafa carioca Ana Carolina Fernandes criou a série “Mem de Sá, 100”. O projeto nasceu depois de quase três anos de observação da rotina das travestis num casarão antigo na Lapa, no Rio de Janeiro. A série, que já ficou exposta no Rio, ganha agora uma mostra na DOC Galeria, em São Paulo, a partir do dia 1º de outubro, com curadoria de Eder Chiodetto. Marie Claire conversou com Ana sobre “Mem de Sá, 100”:

Marie Claire: Quando surgiu a ideia de fazer essa série e com qual objetivo?
Ana Carolina Fernandes: Tudo começou há uns 10 anos. Através de um amigo em comum, conheci a Luana Muniz, travesti de grande influência no Rio de Janeiro, sobretudo na Lapa. Ela me convidou para ir a um show de transformistas em um clube no qual se apresentava. Fui, fiquei fascinada por aquela estética, mas na época trabalhava como correspondente do jornal "Folha de S. Paulo" no Rio e não me sentia capaz de desenvolver o projeto com o envolvimento que gostaria de ter. Fiquei amiga da Luana, nos encontrávamos às vezes e, em 2008, saí do jornal. Em 2010, nos encontramos para um café, a Luana me levou para conhecer o casarão onde ela alugava quartos para cerca de 25 travestis na Lapa e decidi que daria início ao projeto. Sempre tive fascínio pelas travestis, pela estética e universo curiosos (até então bastante desconhecidos para mim). Mas meu interesse era retratar o cotidiano, não a vida de prostituição. Em fevereiro de 2011, dei início à série.

MC: Como era a rotina de fotos?
Ana: A ideia inicial era que eu ficasse em um quarto vazio na casa, para dormir e acordar por lá. Mas isso não foi possível, pois o quarto foi alugado. Então a Luana me deu passe livre, para entrar e sair quando quisesse. Eu ia 3, 4 vezes na semana. Passava 2 semanas sem ir. Não era algo regrado, com prazo. O trabalho foi acontecendo à medida que eu estava lá. Nada foi pré-concebido, nem a ideia de virar exposição. Quando tive as fotos em mãos, mostrei para o Eder Chiodetto, que havia sido meu editor na Folha, ele adorou e passou a ser não só curador como também meu orientador no projeto.

MC: As travestis carregam em sua estética traços masculinos e femininos. Você acha que por clicá-las em suas rotinas diárias, ao invés de seu trabalho nas ruas, essas características ficaram mais aparentes?
Ana: Sem dúvida. Esse era o principal objetivo. Geralmente os fotógrafos, quando estão fazendo trabalhos humanistas, querem dar uma voz a esses grupos. Mas eu tinha interesse em dar um corpo, e não voz. O que queria era mostrar a dualidade, a beleza e a sensualidade que tinha certeza de que existia. Senti necessidade de mostrar essa relação “masculino-feminino” que as travestis trazem, seja na alma ou no corpo. A intimidade do convívio, com certeza, facilitou meu objetivo.

MC: Elas ainda lutam por igualdade social ou já não sofrem tanto preconceito como antes?
Ana: Sofrem muito, sim. A Lapa é uma espécie de gueto, de refúgio das travestis. Mas você não vê tanto elas fora dali. A sociedade ainda discrimina muito e a própria família também. É muito comum que os parentes as coloquem para fora de casa e não as aceitem. Sofrem preconceito, são olhadas de banda. É um universo à parte.

MC: É um mundo paralelo...
Ana: Com certeza. Tanto que algumas vão para a Europa, trabalham, mas são poucas. Nem todas sobrevivem emocionalmente porque, além de viverem à margem da sociedade, vivem num mundo com violência, drogas, HIV.

MC: Drogas e prostituição são realidade dessas travestis?
Ana: Todas as meninas que fotografei são prostitutas. Quanto às drogas e ao HIV, são coisas tristes, porém presentes na vida de muitas. Afinal, elas são prostitutas que, querendo ou não, acabam sujeitas ao risco, além de não realizarem um acompanhamento médico constante. Elas não têm dinheiro para médicos particulares. A Luana até luta com uma ONG por essa causa. Ela consegue com pessoas famosas e anônimas um apoio maior para ajudar as travestis nessa questão da saúde. É algo muito triste porque, quando são bonitas e bem cuidadas, tem quem queira. Quando estão acabadas pela AIDS ou pelas drogas, ficam jogadas. O resultado é abandono e degradação.

MC: As travestis que você clicou fizeram cirurgia de mudança de sexo?
Ana: Não. Elas tomaram hormônios, colocaram silicone, se vestem e agem como mulher. Mas, no trabalho delas, funciona até aí. Os homens que as procuram (muitas vezes, ricos, heterossexuais e casados) querem transar com alguém que tenha características de mulher, mas que na verdade sejam homens.

MC: Qual o maior sonho delas?
Ana: Encontrar um amor. Casar, ter uma vida digna como a de qualquer outra pessoa. Inclusive cliquei uma com um travesseiro com o nome “Cinderela”. Elas têm esse sonho de princesa: alguém que chegue e as tire dessa vida atual.

MC: Então a prostituição, no caso delas, é uma necessidade?
Ana: Sim, claro. Prostituição das travestis é totalmente necessidade e não opção. Não existe emprego para travestis em outra área. Poucas estudaram mais do que o 2º grau. Não fizeram faculdade. Não tem essa parte de educação, até porque muitas vêm de zonas pobres. Já vi casos delas trabalharem em outras profissões, enquanto não sabiam da condição delas. Quando se assumiram, perderam o rabalho. É uma situação muito difícil, delicada, e elas precisam se manter de alguma forma. Já basta não terem o apoio da família. A prostituição é uma das poucas opções que restam.

MC: Enquanto você fazia essa série, alguma história te marcou?
Ana: Duas travestis tinham um relacionamento amoroso há 2 anos e queriam formar uma família. Quer dizer, eram dois homens, que na verdade eram duas mulheres, que se relacionavam e não se consideravam homossexuais e ainda queriam adotar uma criança, formar uma família. Outra que me marcou foi uma que acabou morando na rua, mesmo após ter tido carro e vivido na Europa. Chegou ao fundo do poço por causa das drogas. Houve também um caso de uma travesti que morreu de AIDS e a família não queria deixar ela ser enterrada como mulher. A Luana teve que brigar com a família da garota, pois ela sabia que ia morrer, e afirmou em vida que queria ser enterrada como mulher.

MC: Você acha que a série vai conscientizar as pessoas e diminuir o preconceito?
Ana: Acredito que sim. Esse trabalho teve uma enorme aceitação aqui no Rio, apareceu até em uma revista norte-americana. Só espero que, com isso, as pessoas abram mais a mente, não tenham ideias tão pré-concebidas sobre a sexualidade alheia. Acho que estou, sim, conseguindo isso. Afinal, estamos em 2013, não cabe mais tanto preconceito no mundo, é um absurdo!


Disponível em http://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2013/10/prostituicao-entre-travestis-e-necessidade-e-nao-opcao-diz-fotografa-carioca.html. Acesso em 02 out 2013.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Homofobia afeta também héteros

Genilson Coutinho
11 de novembro de 2012 |   

Uma pesquisa publicada na semana passada pelo International Journal of Psychology revela peculiaridades sobre a homofobia no Brasil. Elaborado pelo Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero (Nupsex) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o estudo faz uma análise inédita de todas as pesquisas de campo sobre o tema realizadas no país entre 1973 e 2011.

Além de concluir que o preconceito contra os homossexuais existe em todas as regiões e contextos brasileiros, sem indícios de redução, o trabalho revela um fenômeno peculiar: o preconceito, no país, não está vinculado apenas à questão da orientação sexual, mas principalmente à transgressão das chamadas normas de expressão de gênero – que incluem o vestuário, os gestos e os comportamentos que são esperados de homens e mulheres. Segundo o coordenador da pesquisa, Angelo Brandelli Costa, o brasileiro manifesta mais preconceito por uma mulher masculinizada ou por um homem efeminado do que pelo fato de ser homossexual.

– No Brasil, o preconceito se manifesta mais em relação à aparência. Um menino pode ser hétero, mas se ele tiver trejeitos identificados como femininos, sofrerá discriminação, enquanto um homossexual sem trejeitos pode passar incólume. Alguém que revela ser gay sofrerá preconceito, mas se, essa pessoa transgredir a norma de gênero, sofrerá mais – diz o Costa.

Travestis e transexuais entre as maiores vítimas

O preconceito pode ser atribuído a um acentuado sexismo, ou seja, no Brasil são muito valorizados os estereótipos sobre como devem agir e se comportar um homem e uma mulher. A transgressão a essa norma é penalizada socialmente. Angelo Costa lembra que em países como a Rússia homens beijam-se na boca sem que isso seja confundido com determinada orientação sexual. Enquanto isso, no interior de São Paulo, um pai e um filho que se abraçaram em público foram agredidos por homofóbicos.

Como o brasileiro parece policiar fortemente a obediência às normas de comportamento para cada gênero, as maiores vítimas da homofobia são aquelas que levam a transgressão mais longe: travestis e transexuais. A pesquisa, que analisou 109 estudos acadêmicos, conclui que esse é o público mais vulnerável.

Para os pesquisadores, é frágil na sociedade brasileira a diferenciação existente em outros países entre orientação sexual e expressão de gênero.
– Existe uma distinção teórica que é levada em conta por acadêmicos e por militantes, mas para as pessoas é tudo a mesma coisa. A pesquisa serve de alerta para o fato de que a luta contra o sexismo e contra a homofobia é muito próxima – diz Costa.

O que eles dizem

Marcelly Malta, presidente da Igualdade RS – Associação de Travestis e Transexuais do Estado
“As grandes vítimas do preconceito são as travestis e os transexuais. Há discriminação nas escolas, nos órgãos públicos e nos postos de saúde. Uma pesquisa feita aqui no Sul mostra que 98% das travestis já foram agredidas de uma forma ou de outra. Agressões físicas foram cometidas contra 78%, e psicológicas, contra uma proporção ainda maior.”

Bernardo Amorim, coordenador jurídico do grupo Somos
“As conclusões não surpreendem. É simbólico disso o índice altíssimo de travestis que não concluem os ensinos Fundamental e Médio. O preconceito é muito grande nas instituições de ensino.”

Disponível em http://www.doistercos.com.br/homofobia-afeta-tambem-heteros/. Acesso em 24 set 2013.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Autor do projeto ressalta diferenças entre 'identidade de gênero' e 'orientação sexual'

Agência Senado
16/07/2010

O então deputado Luciano Zica fundamentou sua proposta de inclusão do nome social de pessoa transexual na certidão de nascimento (PLC 72/07) com uma análise sobre as diferenças entre identidade de gênero e opção sexual. O ponto de partida foi o conceito de transexual como "indivíduo que repudia o sexo que ostenta biológica e anatomicamente". Nesta perspectiva, teria identidade de gênero (masculina ou feminina) diferente da identidade biologicamente determinada.

"O transexual não se confunde com o homossexual, pois este não nega seu gênero nem seu sexo biológico. A homossexualidade e bissexualidade, assim como heterossexualidade, se referem apenas à orientação sexual do indivíduo. A transexualidade se refere à identidade de gênero", considerou o autor do PLC 72/07.

Luciano Zica afirma ainda que a situação dos transexuais não se confunde com a dos travestis, "que se sentem confortáveis com seu corpo e sua fisionomia, mantendo uma identidade de gênero predominantemente feminina, embora sem alterações em sua genitália masculina".

Na opinião do então deputado, é preciso diferenciar o conceito de identidade de gênero do conceito de orientação sexual. "As pessoas transexuais podem ser homo ou heterossexuais. O que é predominante no fenômeno é o transtorno que ocorre entre a identificação íntima da pessoa com seu sexo biológico", argumenta ele na justificação do projeto.

Segundo acrescentou, a recusa do transexual em aceitar a "inadequação" do sexo biológico resultaria em transtornos e desequilíbrios psíquicos e sociais. A intenção de atenuar o sofrimento causado por esses transtornos é a razão apresentada por Luciano Zica para propor mudanças na Lei de Registros Públicos para fazer com que, mediante determinação da Justiça, o nome social usado pelo indivíduo transexual passasse a ser registrado na certidão de nascimento. "Trata-se de fazer justiça e adequar uma situação de fato", argumenta. 


Disponível em http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2010/07/16/autor-do-projeto-ressalta-diferencas-entre-identidade-de-genero-e-orientacao-sexual. Acesso em 22 jun 2013.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Travestis e educação formal: diferença insuportável para o currículo

Aline Ferraz da Silva
Universidade Federal de Pelotas–RS
Instituto Federal do Rio Grande do Sul
III Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais

Qual a primeira imagem, cena, conceito que nos remete a palavra “travesti”? Homem vestido de mulher? O contrário talvez? Prostituição? Criminalidade? Sexo? Transgressão? Imoralidade? (in)Diferença? Talvez, todas as alternativas ou nenhuma? Durante pesquisa realizada em nível de mestrado (Silva, 2009) abordei as relações que três estudantes gays mantinham com sua comunidade escolar e os efeitos que suas presenças geravam no currículo, surgiram nas entrevistas diversos temas e questões que em razão do foco do estudo acabaram sendo secundarizadas no trabalho final. Uma dessas questões diz respeito ao travestimento, já que eventualmente as três estudantes frenquentavam a escola montadas. Em suas falas, as travestis apareciam como um gay que realiza transformações corporais para se parecer com uma mulher, e com uma conexão muito forte com prostituição e marginalidade. Figuras que sofrem preconceito tanto no meio hetero quanto no homossexual.

texto completo

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Por que os homens procuram travestis?

Ivan Martins
20/05/2008

Mendes tem 37 anos, cabeça raspada e brinco na orelha direita. Pelos modos e pela aparência, o rapaz branco de família evangélica não se distingue de outros milhões de jovens paulistanos, exceto por uma particularidade importante: ele namora um travesti, Flávia. Os dois se conheceram há cinco anos no centro de São Paulo e, de lá para cá, constituem um casal. Na semana passada, sentado ao lado de Flávia na sala de um apartamento na Rua General Osório, Mendes explicava, em voz pausada, as bases da relação. “Nosso relacionamento é hétero”, afirma. Isso quer dizer que, no sexo, ele é a parte viril do casal, enquanto Flávia cumpre o papel de mulher. “Mas entre nós não existe só sexo. A gente tem amor e cuida um do outro.” Com cabelos negros e corpo esguio, Flávia ganha a vida se prostituindo nas ruas. Ele trabalha nas ruas como vendedor.

As palavras de Mendes revelam, sem explicar, um dos grandes mistérios da sexualidade moderna: a sedução exercida pelos travestis. Desde meados dos anos 70, quando despontaram nas esquinas das metrópoles brasileiras com saias minúsculas e seios exuberantes, essas criaturas híbridas conquistaram um espaço enorme no imaginário sexual do país. Todos os dias, milhares de homens se esgueiram por avenidas sombrias para comprar o prazer oferecido por seus corpos alterados. O risco envolvido nesse tipo de operação ficou claro há duas semanas, quando Ronaldo Nazário, o jogador de futebol mais famoso do mundo, transformou-se no protagonista de um escândalo que tinha como coadjuvantes três travestis do Rio de Janeiro. Ele foi com o grupo ao hotel Papillon e, durante a madrugada, desentendeu-se com um deles, Andréia Albertini. Acabaram todos na delegacia, de onde a história ganhou o mundo. A avalanche moral que desabou sobre Ronaldo a partir daí foi incapaz de responder à questão mais simples colocada pelo episódio: por que homens adultos e mesmo famosos arriscam segurança e reputação e vão atrás de travestis?

O antropólogo americano Don Kulick passou um ano vivendo com travestis em Salvador, sabe muito de seu cotidiano e mesmo de suas preferências íntimas. Mas não se arrisca a explicar quem são seus clientes. “Essa é uma grande incógnita. Embora acompanhasse os travestis todas as noites, não consegui distinguir um cliente típico”, diz. O livro de Kulick, professor da Universidade Nova York, sairá em português no fim deste mês, pela editora Fiocruz, com o títuloTravestis: Prostituição, Sexo, Gênero e Cultura no Brasil. Kulick conseguiu uma descrição razoavelmente rigorosa do que os fregueses exigem dos travestis. Durante um mês, pediu a cinco deles que registrassem o tipo de serviço prestado nas ruas. O resultado de 138 programas: em 52% dos casos os clientes queriam sodomizar, em 19% exigiam sexo oral, 18% queriam fazer aquilo que se costuma chamar de “troca-troca”, 9% pagaram para ser sodomizados e 2% para ser masturbados. “Não é insignificante que 27% dos homens nessa amostragem quisessem ser penetrados por travestis”, escreve s Kulick. “Mas esses homens não são maioria, como os travestis geralmente afirmam.”

‘‘Não é irrelevante que 27% dos homens da amostragem quisessem ser penetrados pelos travestis’’ 
DON KULICK, antropólogo americano

A confiar apenas no que dizem os travestis, o porcentual de seus clientes que se portam como homossexual passivo é alto. “Nove em cada dez homens querem ser penetrados”, diz Flávia, a namorada de Mendes. “Se o travesti não for bem-dotado e ativo, não ganha a vida na rua.” Exagero? Talvez. Assim como as prostitutas, os travestis têm uma relação antagônica com aqueles que pagam para usar seu corpo. Muitos não suportam exercer o papel viril que se exige deles na prostituição e o fazem com grande sofrimento, porque não encontram outra forma de ganhar a vida. Vingam-se dessa situação degradante com a mesma arma que a sociedade usa para humilhá-los: questionam a hombridade do freguês e o ridicularizam.

O psiquiatra Sérgio Almeida trabalha com travestis em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e sua experiência corrobora em alguma medida a versão de Flávia. Cabe a Almeida a tarefa difícil de distinguir entre os travestis – definidos como homens que gostam de agir e sentir como mulher – e os transexuais, que se sentem mulheres aprisionadas em corpo masculino. Para estes, recomenda-se a cirurgia de troca de sexo. Para os travestis, ela equivale a uma mutilação e pode levar ao suicídio. Almeida gasta dois anos com cada paciente até decidir em que categoria ele se encaixa. “Desde 1997, fizemos 95 cirurgias e não tivemos nenhum problema”, afirma. O pós-operatório mostrou ao psiquiatra que ex-travestis são freqüentemente abandonados por seus parceiros quando perdem a anatomia masculina. E que os operados que insistem em continuar na prostituição perdem também a carteira de clientes. Algo de crucial desapareceu na cirurgia. “Não é verdade que os homens procuram travestis porque estes se parecem mulheres”, diz ele. “Eles querem o algo mais que as mulheres não têm.”

Os próprios envolvidos têm opiniões diferentes. Um leitor anônimo de epoca.com.br enviou depoimento no qual afirma, basicamente, que os travestis são a melhor opção sexoeconômica. Diz ele: “Já saí com vários travestis. O que me atraiu foi justamente o desejo físico pelos bumbuns e seios avantajados. Ficar com uma travesti para mim é conseguir a baixo preço uma mulher de porte e formas que eu jamais conseguiria pagar ou namorar”. Márcia, travesti paulista cuja foto abre esta reportagem, repele qualquer tentativa de analisar os homens com quem sai voluntariamente. “Para mim, homens que saem com travestis são heterossexuais de cabeça aberta, que topam qualquer coisa”, afirma. Advogado, casado, pai de uma moça, diz que tem impulsos de vestir-se e agir como mulher desde criança, mas que isso nunca o impediu de ter relações normais com mulheres: “Quando saio com um homem, ele não importa. O que me interessa é reforçar minha identidade de mulher”.

O mistério em torno dos homens que procuram travestis é proporcional à ignorância que cerca os próprios travestis. Como grupo populacional, eles são escarçamente estudados: não se tem a menor idéia de quantos sejam, no mundo ou no Brasil. Os líderes das organizações de travestis estimam que haja 5 mil ou 6 mil deles no Rio de Janeiro e uma quantidade muito maior – fala-se em 30 mil – em São Paulo. Nenhuma ciência ampara essas estimativas. Sabe-se que há travestis de Porto Alegre a Manaus, inclusive em cidades pequenas. Tem-se a impressão, entre os que lidam com o assunto, que o Brasil é o líder mundial nessa categoria – e o principal exportador para os países europeus, sobretudo Itália e Espanha. “O Brasil tem a maior população mundial de travestis e o maior número de travestis per capita”, afirma Kulick. Trata-se de uma opinião bem informada, mas é apenas opinião. Líderes de organizações de travestis como Keila Simpson, presidente da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, querem que o censo inclua perguntas que permitam quantificar os diferentes grupos sexuais do país. “Como se pode dirigir políticas públicas a uma população de tamanho ignorado?”, diz.

A palavra-chave quando se trata de explicar a atração exercida pelos travestis parece ser ambigüidade. Eles são percebidos simultaneamente como homem e mulher, uma incongruência que mexe com as profundezas da psique humana. “O travesti mobiliza o desejo como mobiliza a repulsa”, afirma a psicanalista carioca Regina Navarro Lins. Outra psicanalista, Maria Rita Kehl, vê duas razões no fascínio pelos travestis. A primeira é que, por ser uma mulher com pênis, ele captura os restos das fantasias sexuais infantis. A outra está no fato de os travestis encarnarem a feminilidade de uma forma absoluta, que nenhuma mulher contemporânea aceitaria. “Só um travesti saberia ser tão feminino quanto quer a fantasia de alguns homens”, diz Maria Rita. “Se alguém sabe o que é ‘ser mulher de verdade’ (uma ficção masculina), é justamente o travesti.” Os próprios travestis são taxativos ao afirmar que seus fregueses procuram neles a diferença: a mulher com falo, a fantasia, o risco. “Transgressão é essencial. O proibido atrai”, afirma Marjorie, travesti com 20 anos de experiência nas ruas, que hoje trabalha na Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro. “As coisas que se dizem sobre os homens que saem com travestis são lendas machistas.”

Paira sobre essa discussão uma palavra que os psicanalistas detestam: patologia. Sim, as pessoas têm o direito inalienável de manter relações sexuais com quem quiserem, desde que haja consentimento mútuo. Posto isso, cabe a pergunta: está bem de cabeça um homem casado (como parece ser a maior parte dos clientes dos travestis) que abre a porta de seu carro na porta do Jockey Club, em São Paulo, e paga R$ 40 por uma hora de sexo com um homem que parece ser mulher? Os especialistas não têm uma resposta unânime a isso.

“Só um travesti saberia ser tão feminino quanto quer a fantasia de alguns homens”, diz uma psicanalista

Liberais dizem que, bolas, desejo é desejo, e não se pode explicar ou reprimir. Há que aceitar. “Entendo que os homens que só se realizam sexualmente com travestis possam estar mal resolvidos em sua orientação sexual”, diz Maria Rita Kehl. “Mas considerar que todos os que gostam de travestis são homossexuais acovardados é uma redução preconceituosa.” Na outra ponta, fala-se em sofrimento e confusão por trás dessa forma específica de prazer. “Para alguns homens é patológico”, afirma o psicanalista Oswaldo Rodrigues, do Instituto Paulista de Sexualidade. “Muitos fazem isso num impulso de autodestruição.”

Há os incapazes de lidar com seu próprio desejo por outros homens. Há os que buscam cumprir seu “papel social” no corpo feminilizado dos travestis. Há de tudo, e nem tudo é a festa do desejo que a modernidade implicitamente recomenda. Onde está o limite? Na dor. De acordo com o psiquiatra Ronaldo Pamplona da Costa, com mais de 30 anos de experiência terapêutica, muitos homens que saem com travestis o procuram em estado de sofrimento. Eis o que diz a respeito a psiquiatra Carmita Helena Abdo, que coordena o Projeto de Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo: “Se as pessoas fazem sexo responsável, não estão sofrendo e não me procuram, não quero normatizar a vida de ninguém”.

Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI4421-15228,00-POR+QUE+HOMENS+PROCURAM+TRAVESTIS.html>. Acesso em 23 set 2012.

domingo, 23 de setembro de 2012

O jogo do nome nas subjetividades travestis

Caio César Souza Camargo Próchno e Rita Martins Godoy Rocha
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil
Psicologia & Sociedade; 23 (2): 254-261, 2011


Resumo: Desde o nascimento o nome representa uma das primeiras características a ser adquiridas pelo sujeito que deverá acompanhá-lo como marca distintiva na sociedade. Ao mesmo tempo, o nome, por meio da gramática substantiva do masculino ou feminino, impõe uma relação binária rígida entre os sexos marcando, além da denominação, a determinação de normas relativas à sexualidade e ao gênero. Por meio da participação em um projeto de extensão voltado para o público travesti da cidade de Uberlândia, surge o interesse em problematizar o direito personalíssimo do nome no encontro com as subjetividades travestis. A problemática impressa pelas travestis vem questionar o nome como distintivo da pessoalidade, dada a ambiguidade característica do grupo na fronteira entre masculino-feminino. Apresenta-se, dessa forma, a tensão presente entre os limites linguísticos e jurídicos do direito personalíssimo do nome frente às “invenções e subversões” do gênero travesti.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Por incompreensão, travestis estão entre grupos mais discriminados da sociedade

Evelyn Pedrozo
30/08/2012

Travestis são pessoas que sofrem muito porque o mundo não está preparado para compreendê-las. O médico, psiquiatra e psicodramatista Ronaldo Pamplona da Costa as define como o grupo das pessoas mais marginais, não apenas na sociedade, mas também nos estudos sobre sexualidade. Os terapeutas têm muita dificuldade para entendê-las e são raríssimos os que as aceitam como pacientes. Neste entrevista, Pamplona, autor do livro Os Onze Sexos – As múltiplas faces da sexualidade humana, faz uma análise deste grupo, destacando recentes estudos sobre o cérebro humano. 

O médico explica que a sexualidade deve ser compreendida do ponto de vista biológico, psicológico e social, todos interligados. Mas a diferença básica está centrada no biológico, o que já pode ser comprovado pelas pesquisas da neurociência. “No cérebro aparecem todas as diferenças entre o comportamento dos seres humanos. Existe uma vertente masculina e uma vertente feminina. Na masculina, temos homens heterossexuais, homossexuais e bissexuais. Na feminina, a mesma coisa. Só que o homem heterossexual é muito diferente da mulher hetero; o homem homo é muito diferente da mulher lésbica, e os bissexuais também são muito diferentes em se tratando de um homem e de uma mulher”, detalha.

O que podemos entender por identidade sexual e identidade de gênero relativamente aos indivíduos travestis?
Nós temos uma identidade sexual, que tem dois aspectos – um é a orientação sexual, a parte da identidade que faz com que o ser humano busque uma parceria. O outro é a identidade de gênero, que vai determinar se um indivíduo é masculino ou feminino. Só que a orientação sexual e a identidade de gênero independem uma da outra. Os indivíduos que são travestis, tanto as travestis homens quanto os travestis mulheres (muito raros, mas existem) têm uma identidade de gênero dupla, porque é um gênero masculino e um feminino mesclados dentro da mesma pessoa.

Isso explica o comportamento às vezes ambíguo de travestis?
Por essa identidade de gênero dupla, um homem travesti se sente também mulher, mas não deixa de se sentir homem em algumas situações por mais feminino que ele seja. Temos o exemplo da artista Rogéria, que se diz mulher, que se comporta como mulher, que gosta de se relacionar com homens, mas que em determinado momento da vida baixa o Astolfo (nome de registro) e ela se comporta como um homem bravo. Há travestis homens que se relacionam com mulher ou com homem e alguns até com os dois sexos. Estes seriam travestis homossexuais, bissexuais ou heterossexuais.

E seria a mesma definição para o transexual?
O transexual é um indivíduo que nasce homem do ponto de vista biológico, tem corpo masculino, se desenvolve como homem, mas sempre se sente mulher. Então, é uma pessoa que não consegue aceitar o corpo que tem, não aceita o pênis, a barba, a voz ou qualquer outro aspecto masculino, que são os caracteres sexuais secundários. 

Daí a necessidade de fazer a cirurgia para trocar de sexo?
Sim, porque a única conclusão que a medicina chegou até hoje é que é preciso mudar o corpo porque não dá para mudar a cabeça. Tem de operar para mudar de sexo, seja homem ou mulher transexual. A mulher não aceita a vagina, a menstruação, as mamas porque se sente homem. Quando menstrua se sente muito mal. As poucas que acabam engravidando têm muita dificuldade na parte biológica da gestação e da amamentação.

Travestis aceitam o corpo?
Travestis aceitam a genitália, mas não aceitam os caracteres sexuais secundários. A travesti homem jamais vai fazer uma cirurgia que mude seu pênis, porque ela gosta. Em geral, usa o pênis no relacionamento sexual, mas rejeita a voz, a distribuição dos pelos, da gordura, a falta da mama. Tanto que acaba usando hormônio ou também fazendo cirurgia para colocar prótese mamária de silicone.

Então a diferença entre travestis e transexuais está na aceitação dos órgãos sexuais?
Sim, a diferença básica entre transexual e travesti é que os travestis nunca vão modificar a genitália, a não ser que estejam em fase transitória de transexualismo. Vamos supor que ele ou ela ainda não chegaram à conclusão de que são mulher ou homem por inteiro. Pode ser que cheguem ou não a fazer a cirurgia. Tanto a cirurgia quanto a hormonioterapia são tratamentos médicos que não se pode fazer sem assistência médica porque vai comprometer o organismo com um todo. Fala-se muito sobre os perigos das mudanças feitas nos corpos para adequação à identidade de gênero. Muitas vezes as travestis usam silicone por conta própria, se medicam sozinhas, e é um desastre porque elas fazem tudo sem a técnica que tem de ser usada e acabam danificando o corpo.

O que dizem os estudos que começam a revelar informações sobre a sexualidade?
É recente nas pesquisas médicas o estudo do cérebro humano. Até 1990 não tínhamos meios de estudar o órgão porque não havia aparelhos. Hoje em dia há aparelhos de todo tipo para entender o cérebro em funcionamento. Em relação à sexualidade, se grupos de homens heterossexuais e homens homossexuais são submetidos à exibição de filmes com apelo sexual fica claro que nos heterossexuais a região do cérebro estimulada pelo desejo é uma, e nos homossexuais é outra. Os estudos avançaram mais e mostraram que essas regiões são determinadas durante a gestação. 

Isso significa que a pessoa já nasce com a sexualidade definida?
Sim, é genético. Cada um tem uma carga genética que vai promover o desenvolvimento das glândulas e do cérebro. A definição do desejo por homens ou mulheres só vai aparecer na adolescência. O cérebro vai amadurecendo e quando chega na adolescência o corpo começa a produzir hormônios. Os hormônios são relacionados com o desejo e essas regiões do cérebro começam a agir de tal forma que o indivíduo vai sentir desejo mesmo que ele não queira, porque é uma coisa biológica. Até hoje tudo o que se sabia era que essas aspectos sexuais eram todos desenvolvidos graças ao psicológico: o relacionamento do pai com a mãe, a resolução do complexo de édipo. Só que isso não faz sentido com as novas descobertas. 

Então dá para dizer que a pessoa nasce homossexual ou heterossexual? 
Sim, esse estudo foi publicado em 2011 por grupos que estudam o cérebro na Holanda, Suécia, Inglaterra, EUA, e vários países que têm comunicação entre si, principalmente na Europa. O Brasil tem pouco contato com esses estudos europeus, que estão avançando cada vez mais. Desde 1990 acompanho tudo e essa conclusão pode ser vista no livro Sex Differences in the Human Brain, their underpinnings and implications (As diferenças sexuais no cérebro humano, seus fundamentos e implicações), escrito por Ivanka Savic, editado pela editora Elsevier, da Suécia. Os autores se basearam em mais de 130 pesquisas sobre o cérebro nesse tema, e como fruto dessa compilação fecharam o conceito de que a homossexualidade ou a heterossexualidade é algo inato.

'A sexualidade envolve as pessoas como um todo e influencia diretamente os sentimentos e a maneira de ser, agir e pensar'
(Ronaldo Pamplona da Costa)

Quais são os onze sexos
homem heterossexual
homem homossexual
homem bissexual
mulher heterossexual
mulher homossexual
mulher bissexual
travesti homem
travesti mulher
transexual homem
transexual mulher
intersexos (como os hermafroditas)

Isso derruba todos os tabus a respeito da homossexualidade. Ou seja, não é uma opção?
O desejo fica armazenado no cérebro até a adolescência e aí brota de um jeito muito complicado. A pessoa que está sentindo não consegue explicar. Os pais, por conta das antigas teorias psicológicas, acham que são os responsáveis. Só que, na realidade, não são. Não é possível eliminar por completo o desejo. Você pode forçar a mudança do comportamento da pessoa, pode reprimir ou sublimar – os dois aspectos que a religião utiliza para dizer que "curou" o homossexual. Não é doença – foi considerado doença até 1985, mas de lá para cá, não mais.

E há alguma característica específica no cérebro de travestis?
Tem uma outra região do cérebro, que fica no hipotálamo (estrutura do sistema nervoso central), responsável pelo gênero. Todas as regiões do cérebro relacionadas com sexualidade estão no hipotálamo. Homens com identidade de gênero feminino ou mulheres com identidade masculina, do ponto de vista biológico, já nascem assim. Por isso crianças de dois anos e meio ou três anos muitas vezes dizem que não são do gênero ao qual nasceram. É o menino que diz: 'eu não sou menino, eu sou menina'. Ou a menina que diz: 'eu sou menino'. Isso é muito complicado. Para fechar o diagnóstico numa criança ou adolescente é difícil, é um diagnóstico evolutivo, o médico acompanha até fechar. Existem pouquíssimos centros no mundo, tem um em Boston, onde o médico atende a crianças com distúrbio de gênero. Porque também se nasce com a predisposição de masculino ou feminino. Quando se estudar a área do cérebro pelo masculino ou feminino, nos travestis e transexuais, é diferente. É um corpo de homem e no cérebro, uma identidade feminina, cabeça de mulher. Ou menina com cabeça de homem.

A identidade de gênero aparece em que momento?
Muito cedo. Um menino de três anos já sabe que é um menino. A sociedade vai ensinando e o cérebro já está mais amadurecido para a identidade de gênero, então começa a aparecer o comportamento masculino ou feminino, só que às vezes na criança a identidade vem trocada, apesar de a educação estar de acordo com o padrão. Porque o mundo só funciona com dois gêneros – o masculino e o feminino. Daí, os banheiros de homens e de mulheres. Não tem banheiro de outro gênero. 

É mesmo muito difícil fugir às regras... 
Sim, travestis são pessoas que sofrem muito porque o mundo não está preparado para comprendê-los. Acho que são as pessoas mais marginais que há dentro da sexualidade. Estão à margem de tudo. Porque nos estudos da sexualidade os travestis também estão excluídos. Os terapeutas têm muita dificuldade para entendê-los e são pouquíssimos os que os aceitam como pacientes.

A não aceitação tem a ver com sentimentos enraizados de uma sociedade de homens e mulheres?
Para o homem machista, ser travesti é ser menos. O homem não aceita ter seu papel de macho cumprido e ver um outro 'homem' querendo ficar no lugar de uma mulher. Para o machista, a mulher é menos, por isso, a travesti também é. Essas raízes são muito do passado, primitivas, da época em que o homem era tudo e a mulher, nada. Então, se deitar com outro homem e fazer o papel de 'mulher' é uma coisa menor.

Então por que tantos homens procuram travestis para se relacionar? 
Essa sua pergunta não tem resposta. Não conheço nenhum estudo feito sobre homens que desejam travestis e a cabeça deles. Tive alguns poucos pacientes que relataram desejo por travestis, que seria o desejo de estar com uma mulher, mas com uma mulher que tenha pênis – então, é um desejo muito mais relacionado com a ambiguidade do que qualquer outra coisa. Se ele deseja um homem, travesti não serve. Se deseja uma mulher, travesti não serve. Muita gente avalia que homens procuram travestis porque têm desejos por outros homens, mas boicotam o desejo saindo com um homem que parece mulher. Mas eu não concordo. Porque o desejo por outro homem é tão profundo e direto que nada serve no lugar. Acho que é um desejo por travestis mesmo, mas não conheço estudos a respeito.

Os fato de os estudos serem tardios certamente ajudaram aumentar o preconceito ao qual os homossexuais estão sujeitos. Isso pode mudar?
Os estudos sobre homossexualidade só foram feitos a partir do surgimento da Aids. Sou de um tempo em que não tinha Aids. Ninguém no meio médico tinha interesse em estudar homossexual. No momento em que veio a 'peste gay', os médicos foram obrigados a aceitá-los como pacientes, e a ciência foi atrás de estudá-los. Talvez algo tenha de acontecer para que os homens que desejam travestis sejam objetos de estudo.

É muito mais raro encontrar mulheres travestis ou elas se expõem menos?
A única referência que tenho de mulheres travestis é de filme pornográfico. É uma mulher que se sente mulher e ao mesmo tempo, homem. Ela se veste de homem, tira os seios, toma hormônio para se virilizar e ter pelos, engrossa a voz com os hormônios, mas não mexe na genitália, preserva a genitália e a usa no relacionamento sexual. Tem o prazer que uma mulher tem e tanto faz que seja se relacionando com outra mulher quanto com um homem.

No seu livro, o senhor fala em intersexos. Como se explica esse grupo?
São pessoas que nascem com defeito biológico, seja tanto nos genitais internos ou externos, como seja genético, com repercussões as mais variadas possíveis. Os casos devem ser encaminhados para os hospitais-escola, porque precisa de tratamento endocrinológico, com geneticista, pediatra. São raros os casos que chegam à idade adulta sem ter havido uma correção. Mais fácil encontrar na zona rural por falta de assistência médica. Um exemplo são os hermafroditas. A criança nasce com os dois genitais malformados, e os médicos concluem que é melhor deixar a vagina do que o pênis. Só que aí, é feita uma menina que pode se revelar masculina logo cedo. Mas a medicina a fez menina. A medicina, na verdade, a fez transexual. Porque a identidade de gênero era masculina.

Disponível em <http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/travestis/ate-a-medicina-marginaliza-travestis-afirma-psiquiatra>. Acesso em 30 ago 2012.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Sexualidade sob a ótica dos subalternizados

Karina Toledo
28/06/2012

Discutir questões de gênero, sexualidade, raça, nacionalidade e outros marcadores sociais das diferenças tendo como base as experiências e as demandas de pessoas que foram historicamente subalternizadas. Esse é o objetivo da coletânea Discursos fora da ordem: sexualidades, saberes e direitos, recém-lançada pela Annablume Editora.

A obra, que contou com apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, foi organizada por Richard Miskolci, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e por Larissa Pelúcio, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ambos são responsáveis pelo grupo de pesquisa Corpo, Identidades e Subjetivações.

Os 12 artigos que compõem a coletânea surgiram após os debates realizados no seminário Sexualidades, Saberes e Direitos, promovido na UFSCar em 2010 também com apoio da FAPESP.

“O grande diferencial do livro, assim como do seminário, é o fato de não ter como base o pensamento disciplinar e sim os saberes de sujeitos como mulheres, travestis, transexuais”, disse Miskolci. Os movimentos sociais que emergiram nos anos 1960, afirmou o organizador, desafiaram o pensamento científico autorizado, trazendo novos temas e sujeitos de pesquisa.

“As feministas, os homossexuais e os negros passaram a exigir que suas demandas políticas fossem reconhecidas como relevantes. Aos poucos, isso mudou a dinâmica de produção de conhecimento, caracterizando o acontecimento histórico que Michel Foucault descreveu como a insurgência dos saberes assujeitados”, disse.

Segundo Miskolci, os textos da coletânea valorizam as demandas contemporâneas herdeiras desse momento histórico. Há artigos inéditos de expoentes da corrente teórica queer – vertente do feminismo que explora questões de sexualidade –, como as norte-americanas Judith Jack Halberstam e Marcia Ochoa.

O livro traz ainda o último texto escrito pela psicanalista Márcia Arán, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) falecida em 2011, no qual ela discute como as experiências transexuais mostram os limites da psicanálise tradicional.

“Partimos do empírico, da experiência de pessoas que muitas vezes não têm nem sequer sua humanidade reconhecida, para repensar os modelos de teoria social hegemônica”, disse Miskolci.

Entre os temas abordados está a criação do primeiro ambulatório para travestis do Brasil, que funciona na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.

Também é narrada a experiência de pessoas intersexuais, antigamente chamadas hermafroditas, e seu confronto com o aparato médico que deseja operá-las ainda bebês. Além da vivência de brasileiras e brasileiros que migram para Portugal e Espanha em busca de realização pessoal e renegociam suas identidades e desejos lidando com o imaginário que lá vigora sobre o Brasil e seus habitantes.

Os quatro últimos artigos são dedicados a discutir a demanda desses grupos por cidadania, que evidenciam os limites do sistema jurídico existente moldado por concepções hegemônicas sobre aqueles que podem reinvindicar o estatuto de sujeitos de direitos.

O livro foi lançado em maio nos Estados Unidos, durante o Congresso da Latin American Studies Association. No início de julho ocorre o lançamento oficial no Brasil, durante a Reunião Brasileira de Antropologia, na PUC-São Paulo.


Disponível em <http://agencia.fapesp.br/15802>. Acesso em 09 jul 2012.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Travestis e transexuais protestam contra Parada Gay: “É machista e misógina”

Vitor Angelo
09/06/12

Neste sábado, 9, foi lançado nas redes sociais um protesto da Frente Paulista de Travestis e Transexuais contra a organização da Parada Gay de São Paulo.

Em conversa por telefone com o Blogay,  a travesti Janaína Lima, 36, esclarece o que está acontecendo. “Este ano não temos o nosso tradicional trio nem conseguimos colocar nossos cartazes. Mas acordamos com a Parada que iríamos no trio oficial de abertura e algumas outras no trio da Paz que encerra o evento. Depois vieram nos anunciar que iríamos no sétimo carro e no último. Por fim, ontem (sexta-feira) avisaram que seria só no sétimo carro e que não adiantava nem reclamar porque não tinha acordo.”

As travestis e transexuais iriam vestidas de professora, enfermeiras, advogadas. “Eles [os organizadores] pediram que nós não fossemos peladas ou de vestido curto. Mesmo a gente achando que no fundo tinha algum preconceito porque boy de sunga branca sem camisa iria ter aos montes, nós concordamos porque era uma maneira de dar visibilidade aos transgêneros.”

Toda esta situação escancara um certo desdém, mesmo que implícito, pelas vítimas mais visíveis da homofobia. “Com esta gestão não conseguimos diálogo algum, existe uma invisibilidade para as travestis e transgêneros. A Parada Gay hoje é uma parada machista e misógina”, desabafa Janaína.

Esta situação levou a Frente a divulgar a seguinte nota:
“Nós, travestis e transexuais reunidas no dia 09 de junho de 2012 após discussão pelo conjunto de pessoas presentes na reunião ordinária, como consta registrado em ATA, vimos por esse intermédio protestar pela forma como foram tratadas as travestis e transexuais desse estado na 16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Não concordamos com os argumentos usados nas discussões para as nossas participações limitando e impondo o modo de nos vestir e se comportar durante a parada, ainda assim concordamos.  Porém, nem com esse acordo fora disponibilizado para nós o trio como de costume, mais espanto causou ainda quando fomos informadas que nem as nossas participações nos demais trios fora garantida como um acordo prévio com os organizadores da mesma. Nesse sentido não nos cabe outra atitude senão PROTESTAR pela forma transfóbica dos organizadores da 16ª Parada e esperar que a gente possa ser incluída não somente nos discursos, mais nas ações e atitudes que tenham a ver com a população LGBT de São Paulo, pois também fazemos parte dessa cidade e estado.
Travestis e Transexuais já esta na hora de sermos respeitadas e não apenas usada”

O OUTRO LADO

Em conversa com o Blogay, o assessor de imprensa da Parada de São Paulo, Leandro Rodrigues, explicou que “existem 40 pulseiras reservadas para as travestis e transexuais. 20 para o sétimo carro e 20 para o último carro que será um trio da diversidade, voltada a grupos vulneráveis, além da questão do casamento igualitário.”

Segundo Rodrigues, o trio oficial da Parada, o chamado carro oficial acabou ficando apertado para o grupo de travestis pois terá a presença de políticos como Marta Suplicy, Jean Wyllys e o governador Geraldo Alckmin que virá com uma comitiva de oito pessoas.

Ele também afirma que “em nenhum momento a Parada resolveu impor uma certa vestimenta para as travestis. E que cada um vá vestido como bem entender. Importante frisar é que a orientação para se vestirem como profissionais de várias áreas atende a uma demanda levantada por nosso grupo quinzenal de TTs [travestis e transexuais], que é a inserção delas no mercado de trabalho. Portanto, virem fantasiadas de médica, comissária de bordo, professora etc é um protesto alegórico pelo o reconhecimento das TTs como capazes de executar qualquer função. Porém, nenhuma delas é obrigada a acatar essa orientação e podem se vestir da forma que quiserem.”

Sobre uma posição  de transfobia da Parada , ele alega que em seus quadros têm as travestis Greta Star, tesoureira do evento, e Adriana da Silva.

Disponível em <http://blogay.blogfolha.uol.com.br/2012/06/09/travestis-e-transexuais-protestam-contra-parada-gay-e-machista-e-misogina/>. Acesso em 11 jun 2012.