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sábado, 20 de outubro de 2012

Transexualidade: aspectos psicológicos e novas demandas ao setor saúde

Liliana Lopes Pedral Sampaio; Maria Thereza Ávila Dantas Coelho
Interface - Comunicação Saúde Educação v.16, n.42, p.637-49, jul./set. 2012

Resumo: Os(as) transexuais exibem uma discordância entre sexo biológico e gênero. Em  busca de uma adequação, optam por cirurgias, como: neocolpovulvoplastia (mudança do sexo masculino para o feminino), faloplastia (mudança inversa), mastectomia, histerectomia, e hormonioterapia. Este trabalho investigou as situações vividas por essas pessoas na busca de uma harmonia com seus corpos, incluindo os períodos pré e pós-cirúrgicos. Foram entrevistados quatro transexuais que já haviam realizado a cirurgia ou estavam em vias de realizá-la. Observou-se a importância das intervenções cirúrgicas e hormonais, assim como a mudança do nome civil, como condição para uma vida melhor. Constatou-se que a fila de espera no Sistema Único de Saúde (SUS), o protocolo pré-operatório de dois anos, o custo das cirurgias nas clínicas particulares e a falta de regulamentação jurídica para a mudança de documentação são algumas das maiores dificuldades encontradas para a realização do processo transexualizador.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

As decisões extravagantes referentes ao direito à saúde

Hercília Maria Portela Procópio
28 de junho de 2012

Um grande problema que os entes federados enfrentam hoje é o número elevado de demandas judiciais envolvendo casos cujos pedidos extrapolam os limites do direito à saúde. Não é pouco o número de ações em que se pleiteiam cadeira de rodas elétrica, bomba de insulina, cirurgia de transexualização, dentre outros. A solução para o conflito torna-se tarefa árdua e se não houver uma reflexão séria sobre este problema, poderá haver um caos na saúde pública, o que poderá trazer prejuízos irreversíveis a toda a população.

É importante assinalar, inicialmente, que o ponto de partida do aplicador da norma deverá ser sempre o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins, ou seja, os Princípios Constitucionais. De um lado, temos o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que visa a preservar a vida do administrado; de outro, temos princípios não menos importantes como o da Equivalência e Uniformidade dos Benefícios e Serviços de Saúde, o da Legalidade e o Federativo.

Diante de um conflito entre princípios de mesma hierarquia, compete ao aplicador da norma em concreto verificar se a solução que ele pretende dar ao caso é a mais adequada, necessária e proporcional. É claro que deve haver plena consciência de que o bem maior é a vida já que, em última análise, o Estado, em seu sentido amplo, foi criado exatamente para preservar a vida dos indivíduos que o compõem. Ocorre que é plenamente possível garantir um mínimo existencial à sobrevivência dos cidadãos, sem, contudo, colocar em risco uma série de outros princípios constitucionais.

Mas acontece que, muitas vezes, para atender às demandas judiciais, desrespeitam-se os três requisitos acima, o que traz, como consequência, algumas decisões inadequadas, desnecessárias e desproporcionais aos entes federados, bem como discriminatórias em relação aos demais necessitados do mesmo Sistema Único de Saúde, uma vez que várias pessoas, sem ajuizar ações, aguardam medicamentos, tratamentos e cirurgias, respeitando a sua vez na fila de espera, e que são atropelados no atendimento de seu direito, em virtude do atendimento imediato daqueles que ingressam em juízo.

Verifica-se, neste caso, violação ao Princípio Constitucional da Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços. Tal realidade mostra-se incompatível com os objetivos visados pela seguridade social: uniformidade e equivalência, ou seja, atender a todos na mesma proporção, sem privilegiar um em detrimento de outro.

Observa-se, ainda, que ao beneficiar determinados “doentes”, estar-se-á burlando o princípio da distributividade previsto no mesmo artigo.

Não se pode deixar de salientar, lado outro, que o número de decisões que albergam estes pedidos está a comprometer os recursos destinados à saúde pública, que se tornam cada dia mais escassos.

E diante de um quadro irrefutável de aumento na escassez de recursos, normal em decorrência do cumprimento das decisões judiciais, impõe-se uma reflexão sobre a possibilidade de enquadrar estes pedidos ditos “diferentes” ou “extravagantes” como sendo realmente necessários à saúde dos indivíduos que os pleiteiam.

É claro que a saúde é direito de todos. Isto é verdade incontestável! Mas é mais certo ainda que o atendimento aos interesses não pode ser amplo e irrestrito. Há que se fazer uma diferença entre a necessidade e o conforto, entre a necessidade e a vaidade. Há uma diferença grande, por exemplo, entre a necessidade de fornecimento de cadeira de rodas e cadeira de rodas elétrica e entre fornecer seringas e insulina para controle de diabetes e fornecer bomba de insulina. E a diferença maior está no preço do fornecimento de cada um.

Uma bomba de insulina é infinitamente mais cara do que as seringas com a insulina para aplicação e o fornecimento da primeira onera desnecessariamente o Ente Federado que a fornece, em detrimento de inúmeros outros necessitados. Se os dois tratamentos são eficazes, não há a necessidade de deferir-se o mais caro.

Outro exemplo, recentíssimo, são as condenações para o custeio das cirurgias de transexualização. Este tipo de intervenção cirúrgica estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição?

É claro que seria ótimo se o Estado pudesse atender ao interesse de todos tal qual desejado, mas também é certo que o atendimento indiscriminado destes pedidos extravagantes, além de comprometer diretamente o orçamento do ente federado obrigado ao cumprimento da decisão judicial, ainda prejudica o atendimento daqueles que poderiam ter o tratamento/equipamento/cirurgia pleiteado, mas que deixam de recebê-lo em virtude de falta de dinheiro para aquisição, em virtude do comprometimento da verba destinada à saúde para o cumprimento das decisões judiciais.

Os recursos do Poder Público são restritos pela própria Constituição, que é rigorosa em limitar as prestações estatais judiciáveis, sendo um contrassenso, a inviabilizar a própria função estatal, acreditar no seu ilimitado dever de garantir a saúde de seus administrados, considerando-se o fornecimento de todas as modalidades de tratamento e cirurgias existentes no mundo.

E se não houver uma reflexão pontual sobre o assunto e se as decisões judiciais não tiverem, como limite, o verdadeiro binômio necessidade-capacidade, o orçamento da saúde pública poderá ficar comprometido a ponto de os entes federados não terem mais como cumprir as decisões judiciais que são hodiernamente proferidas.

Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-jun-28/hercilia-procopio-decisoes-extravagantes-referentes-direito-saude>. Acesso em 03 out 2012.

sábado, 16 de junho de 2012

Transexuais reivindicam atendimento mais qualificado

Conselho Nacional de Saúde
29 de março de 2012

Nesta terça e quarta (27 e 28), a primeira reunião de 2012 da Comissão Intersetorial de Saúde da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CISPLGBTT) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) contou com a participação de homens e mulheres trans que revelaram dificuldades de acesso à saúde e o uso indiscriminado de receitas falsificadas para compra de produtos com hormônios femininos e masculinos. “Esta reunião vai subsidiar encaminhamentos a serem apreciados durante reuniões ordinárias do Pleno do CNS”, adianta a coordenadora da comissão e conselheira nacional Maria de Lurdes Rodrigues.

Atualmente, o País conta com apenas quatro hospitais, nos estados do RJ, SP, RS e GO, que são credenciados e especializados em cirurgia de mudança de sexo no Sistema Único de Saúde (SUS). Esse quadro deve mudar se depender do processo de revisão da Portaria da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) nº 457 de 19 de agosto de 2008, já iniciado pelo Ministério da Saúde (MS), a partir da pactuação da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde no final de 2011.

Ampliar o número de estabelecimentos de saúde voltados para cirurgias de mudança de sexo, além de qualificar profissionais para o atendimento de pessoas em situação de diversidade de gênero e sexual estão entre as propostas do Ministério. O objetivo, a partir da revisão da norma, é garantir acesso efetivo e qualidade no atendimento aos usuários transexuais. O coordenador geral de média e alta complexidade do Departamento de Atenção Especializada do MS, José Eduardo Fogolin, ressaltou que o SUS oferece assistência integral para a mudança do sexo masculino para o feminino. Ele avaliou que, no entanto, é preciso ir além do ato cirúrgico. “A proposta não é criar políticas paralelas, mas revisar as ações existentes e ampliar o escopo de atendimentos”, explicou.

Para a pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Daniela Murta Amaral, é necessário rever ainda a imagem de dentro do SUS de que o transexualismo se trata de uma condição “anormal”. A estudiosa apontou ainda a importância de se repensar o uso de conceitos que relacionam a dificuldade de identidade de gênero a um transtorno mental. Segundo ela, o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina (CFM) seguem um padrão biomédico normativo internacional em que o transexualismo é tido como doença e o ato cirúrgico é visto como forma de se corrigir uma anormalidade. “Uma situação prática disso é a de um transexual que deseja se submeter à cirurgia e não pode fazê-lo sem a confirmação de diagnóstico psiquiátrico de que o paciente é realmente transexual. O reconhecimento e identificação do próprio indivíduo como transexual não são levados em consideração”, alertou.

Mudança de sexo

Há 15 anos, o Brasil deu início ao processo de cirurgia de mudança de sexo na rede publica de saúde. O coordenador geral de média e alta complexidade do Departamento de Atenção Especializada do MS, José Eduardo Fogolin, observa que o SUS oferece assistência integral para a mudança de sexo masculino para o feminino. A cirurgia de mudança de sexo feminino para masculino ainda é feita de forma experimental no Brasil e em outros países. O procedimento ainda está condicionado à pesquisa.

O SUS disponibiliza a cirurgia de readequação sexual de forma integral e gratuita (mudança do sexo masculino para o feminino). Os serviços oferecidos vão além da cirurgia e incluem avaliação psicológica, terapia hormonal, avaliação genética e acompanhamento pós-operatório. É preciso ter mais de 21 anos e ter o diagnóstico de transexualismo.

Disponível em <http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2012/29_mar_transexuais.html>. Acesso em 16 jun 2012.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Transexual consegue tratamento para retirar pelos faciais

Âmbito Jurídico
31/05/2012

A Justiça concedeu a transexual que mora na cidade mineira de Juiz de Fora (MG) o direito de receber gratuitamente o tratamento via depilação a laser para retirada dos pelos da face. O secretário municipal de Saúde ou o seu substituto tem 15 dias a partir da intimação judicial, 23 de maio, para comprovar o cumprimento da decisão. 

B.L.M.S. tem transgenitalismo/disforia de gênero, transtorno reconhecido pela Organização Mundial de Saúde. Apesar de ter nascido com características sexuais masculinas, B.L.M.S. se identifica como mulher. 

A depilação a laser dos pelos faciais busca eliminar ou atenuar traços secundários masculinos. O tratamento foi prescrito por profissionais que integram a equipe multidisciplinar que acompanha o caso. 

“Não se trata de estética, mas de uma questão de saúde”, ressalta o defensor público federal Felipe Rocha Leite, que atuou no caso. Ele explica que a manutenção dos traços masculinos poderia gerar transtornos psíquicos em B.L.M.S. 

O tratamento, segundo Felipe, “atende, sobremaneira, ao princípio da dignidade da pessoa humana, assim como o direito fundamental à saúde”. O defensor entende que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve disponibilizar, além da cirurgia de transgenitalização (adequação do sexo biológico com a identidade), o tratamento complementar, como a retirada dos pelos faciais. 

A cirurgia de transgenitalização de B.L.M.S. será feita em hospital credenciado pelo SUS no Rio de Janeiro, ainda sem data marcada. “Nesse caso, não foi necessária ação na Justiça”, informa Felipe.

Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=&id_noticia=84327>. Acesso em 11 jun 2012.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Transexual paulistana é a mais velha a fazer cirurgia de "troca de sexo"

Mariana Versolato
01/04/2012 - 09h45

A cabeleireira aposentada Andréia Ferraresi, 68, de São Paulo, é a transexual mais velha do país a fazer uma cirurgia para troca de sexo. Registrada ao nascer como Orlando, ela esperava pela operação desde 1979, quando recebeu o diagnóstico de transexualidade. 

Sem dinheiro para pagar pelo procedimento, teve que aguardar até que a cirurgia fosse feita no SUS. Foi operada no dia 27 de fevereiro, no HC. Leia o depoimento concedido por ela à Folha.

"Sofri muito na vida por um conflito de identidade e esperei por essa cirurgia desde 1979, quando procurei o HC e recebi o diagnóstico de transexualidade.

Na época, o SUS não fazia a cirurgia. Quem fazia eram os médicos particulares. Fui a dois e me cobraram um preço exorbitante. Minha mãe disse que não tinha dinheiro e eu entendi. Ela já sofria, se sentia culpada por mim.

Sou a caçula de 11 irmãos e todos eram "normais". Os irmãos que nasceram pouco antes de mim eram homens e minha mãe queria que a última fosse menina. E nasceu uma menina, mas com os órgãos que os outros tinham.

O sofrimento sobrou para mim, com "bullying" na escola e aquele conflito de você sentir uma coisa e não ser o que você sente.

Na infância, só brincava com as meninas. Um dia, no colégio, ganhei uma boneca na rifa e os meninos falaram: "Mariquinha, mariquinha!". Eles pensavam que estavam me ofendendo, mas quanto mais falavam mais orgulho eu sentia da boneca.

Com 14 anos, peguei o vestido da minha irmã. O povo dizia que tinha caído certinho em mim. Minhas vizinhas me deram saias e comecei a usar roupa de mulher.

Quem aceitou mais foi minha mãe. Ela sempre quis me proteger. Mas meu pai e um irmão me perseguiram até eu fazer os exames que provaram que eu era transexual.

Quando saiu o diagnóstico me pediram até perdão. É muito ruim você se sentir reprimida pela própria família.

Ainda teve o regime militar. Os transexuais sofreram demais com perseguições policiais. Cheguei a ficar um mês na prisão, mas o juiz me soltou. Viram que eu não tinha perigo nenhum, nunca fui criatura de beber, de vida fácil. Sempre tive meu trabalho de cabeleireira.

O tempo foi passando até que encontrei o CRT [Ambulatório para Saúde Integral de Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids], em 2009. Quando cheguei, estava numa depressão fora do comum, um trapo.

Comecei o tratamento com o psiquiatra, tomei remédios por um ano e fui encaminhada para a operação. Sou a primeira do ambulatório a fazer a cirurgia e vou abrir a porta para muitas que precisam.

Idade

O povo dizia: "Mas não é um pouco tarde para você fazer a cirurgia?". E eu respondia: "Não, eu ainda preciso viver, não vivi minha vida! Estou começando só agora".

Eu tenho idade de vovó, mas me sinto forte e feliz. A velhice está na cabeça das pessoas. Os homens, quando passam por mim na rua, falam: "Quanta saúde!".

Se eu puder pegar um forrozinho, eu vou, faço dança do ventre. Um médico me disse: "Do jeito que está indo, a senhora vai viver uns 95". E eu disse: "Quero viver ainda mais, doutor!".

A cirurgia mudou tudo. Esqueci aquele passado de sofrimento. O que interessa agora é daqui pra frente.

Fiquei muito satisfeita com o resultado. Não tem uma cicatriz. Parece que eu nasci assim. Estou até me sentindo mais bonita.

Já uso o nome Andréia Ferraresi porque um juiz me deu autorização, mas agora está correndo o processo de mudança de sexo também no registro. Quero que aconteça rápido porque preciso casar, preciso de um amor.

Estou solteira, mas a minha felicidade é tanta que namorar é coisa secundária. Quero um amorzinho, mas com o pé no chão. Ficar na vida promíscua eu não quero, porque hoje em dia a doença venérea está demais.

Eu transava bastante quando era mais nova e não tinha Aids. Era um tempo bom. Pena que não vivi integralmente com essa periquita (risos).

Hoje me valorizo mais. A vida não se resume em sexo. Não é porque fiz a cirurgia que vou ficar no oba-oba. Eu fiz para mim, para a minha identidade, para me olhar no espelho e ver que sou mulher, não ver aquela coisa estranha que não estava combinando.

A cabeça da gente muda quando sai da mesa de operação. Ela elimina o que você tem de transtorno na sua cabeça. Fui solta de uma gaiola que me aprisionou por todos esses anos.

Hoje, a passarinha está voando, solta, feliz da vida. Os problemas parecem não ter o tamanho que tinham. Antes pensava que se não consegui um emprego era por causa de preconceito.

Hoje dou uma banana pro preconceito. Só importa que estou feliz da vida, mostrando que idade não tem nada a ver."

Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1069889-transexual-paulistana-e-a-mais-velha-a-fazer-cirurgia-de-troca-de-sexo.shtml>. Acesso em 01 abr 2012.

terça-feira, 13 de março de 2012

Transexuais do DF esperam até seis anos por cirurgia para redefinição sexual

Rafaela Céo
08/03/2012 


Transexuais do Distrito Federal aguardam até seis anos por uma cirurgia de redefinição sexual no Sistema Único de Saúde (SUS). Das 30 transexuais do DF que recebem atendimento psicológico no Hospital Universitário de Brasília (HUB), 20 estão na fila de espera.

Para chegar até a cirurgia, geralmente feita em Goiânia – uma das quatro cidades do país com hospital credenciado para o procedimento –, as transexuais passam por um longo acompanhamento psicológico. No HUB, o grupo fundado há dez anos se reúne semanalmente com psicólogos.

“Para elas fazerem cirurgia é necessário e importante um laudo psicológico. A gente sabe que há pessoas que fazem [a cirurgia] e não estão preparadas. Isso pode causar um comprometimento grave, porque é uma mudança sem retorno”, diz a psicóloga Sandra Studart, do Programa para Transexuais do HUB.

A portaria que regulamente a cirurgia de redefinição de sexo no Sistema Único de Saúde (SUS) é de agosto de 2008. Desde então e até dezembro de 2011, segundo o Ministério da Saúde, 116 procedimentos foram realizados envolvendo a mudança de sexo do tipo masculino para o feminino.

“Toda minha história sexual envolve a cirurgia. Eu nunca consegui me relacionar 100% com um homem porque a necessidade da cirurgia bloqueia. Já tive um grande amor, vivi casadinha durante quase seis anos. A necessidade da cirurgia, talvez, seja para viver um outro grande amor"

Bianca Moura de Souza, 
servidora pública que aguarda desde 2005 por uma cirurgia no SUS

Seguindo uma determinação da portaria, as operações só podem ser feitas em hospitais universitários. Atualmente, no Brasil há quatro deles atendendo o público transexual feminino – em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul.

Para estudiosos de sexualidade, a cirurgia de redefinição sexual não é o ponto primordial para a determinação da feminilidade das transexuais.

“Elas se olham no espelho e se veem com toda a indumentária e personificação da identidade feminina, independentemente de terem passado por controle hormonal ou por cirurgia”, explica a assistente social e coordenadora do Núcleo de Atendimento Especializado às Pessoas em Situação de Discriminação Sexual, Religiosa e Sexual (Nudin), Carol Silvério.

Algumas transexuais, porém, alimentam o desejo de passar por cirurgia por muitos anos. A servidora pública Bianca Moura de Souza diz que desde 2005 espera para fazer o procedimento. Para ela, feminilidade não depende da intervenção, mas a completaria.

“Toda minha história sexual envolve a cirurgia. Eu nunca consegui me relacionar 100% com um homem porque a necessidade da cirurgia bloqueia. Já tive um grande amor, vivi casadinha durante quase seis anos. A necessidade da cirurgia, talvez, seja para viver um outro grande amor”, declarou.

Bianca disse que começou a tomar hormônios femininos quando tinha 25 anos. Na época, já era concursada do governo do Distrito Federal e não sabia como os colegas responderiam às mudanças do seu corpo. “Eu trabalho em um ambiente público. Há flores e cartões no Dia das Mulheres. Eu sempre me preocupei se iriam me dar. Ficava até gelada, mas nunca deixaram de me dar”, fala a servidora pública.

Sem fila

A advogada Amanda Figueiredo Bezerra de Menezes, de 32 anos, não quis esperar pelo atendimento na rede pública. Em 2009, ela pagou R$ 18 mil e foi operada pela equipe de Goiânia que atua pelo SUS.

“Se eu não tivesse pagado, não teria feito até hoje. Não fiz a cirurgia pelo SUS por falta de vaga, mas eu fiz todo o processo psicológico pela rede pública. Nunca fantasiei a cirurgia, mas minha vida mudou em relação ao meu corpo. Hoje em dia eu tenho uma aceitação muito melhor, eu tenho prazer de ficar nua, de me olhar no espelho, até em uma relação sexual"

Amanda Figueiredo Bezerra de Menezes, 
advogada que pagou para não ter de esperar por cirurgia

“Se eu não tivesse pagado, não teria feito até hoje. Não fiz a cirurgia pelo SUS por falta de vaga, mas eu fiz todo o processo psicológico pela rede pública. Nunca fantasiei a cirurgia, mas minha vida mudou em relação ao meu corpo. Hoje em dia eu tenho uma aceitação muito melhor, eu tenho prazer de ficar nua, de me olhar no espelho, até em uma relação sexual”, conta.

Além de conseguir enxergar no espelho um corpo que condiz com sua identidade de gênero, Amanda comemora mudanças na sua documentação pessoal. “Consegui mudar meus documentos, mudei o nome e o gênero, sou legalmente mulher. Isso faz diferença também. Na faculdade, por exemplo, não era chamada de Amanda, apesar da minha aparência, era chamada pelo nome de menino."

'Pela causa'

Para Sissy Kelly Lopes, de 55 anos, fundadora da Associação do Núcleo de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgêneros do DF e Entorno (AnavTrans), a cirurgia de redefinição sexual não é uma prioridade.

“Acredito que a cirurgia vai de pessoa para pessoa. Algumas pessoas necessitam, pois tem alguma especificidade, outras ficam na dúvida, e outras decidem que não querem. Eu não tinha tempo para pensar na cirurgia, era uma vida muito corrida”, disse.

Atuando como prostituta, ela viveu dez anos na Europa. De volta ao Brasil, mudou-se para Brasília em 2005, onde mantém militância pela cidadania das transexuais.

“Todas nós passamos por limitações, quebramos barreiras para chegar aonde chegamos, brigamos com a família, sociedade, igreja porque somos mulheres. Mulheres diferentes, não sei, mulheres mal entendidas, não sei, mas somos mulheres.”

Disponível em <http://df.gay1.com.br/2012/03/transexuais-do-df-esperam-ate-seis-anos.html#>. Acesso em 13 mar 2012.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Em dia especial, transexuais contam que ser mulher é 'questão de alma'

Tatiana Maria Dourado
08/03/2012 10h20 - Atualizado em 08/03/2012 10h23


“Uma mulher aprisionada em um corpo de homem”, é assim que se sente a universitária Jeane Louise, 19 anos, estudante do 5° semestre de publicidade, em Salvador. Transexual, assim como muitas outras, quer entrar na fila do SUS para realizar cirurgia de mudança de sexo, processo final da reconstrução de sua estética feminina, iniciada ainda na infância.

“Chega um momento em que sua verdade é muito forte, é questão de alma. Nas brincadeiras de infância, minhas personagens eram sempre do gênero feminino, me refugiava ali. Depois veio a blusa, o cabelo, a calça apertada, o furo na orelha. Em geral, nenhuma transexual sabe que é transexual, é um processo de conhecimento, de acesso à informação”, afirma.

O enfrentamento das pessoas que nasceram homens, mas assumem papéis sociais femininos e lutam para serem reconhecidas pela maioria é vivido por transexuais como Jeane, que remonta a forma física através de hormônios, silicone, implante capilar e outros paliativos como a maquiagem. Mas o desejo de formalizar a transexualização, para ela, só será completa com a alteração do órgão sexual, que pode ser conquistada por meio da cirurgia de transgenitalização, instituída no Brasil em 2008 com a Portaria de número 457, do Ministério da Saúde. Atualmente, a cirurgia é autorizada apenas em quatro hospitais universitários: um da UFRG, Porto Alegre; um da UERJ, Rio de Janeiro; um da USP, em São Paulo; e o da UFG, em Goiás.

Cento e dezesseis brasileiras já passaram pelo procedimento, que consiste na amputação do pênis e construção da neovagina. É preciso, antes, que a mulher transexual passe por etapas preparatórias, que preveem avaliações psicológicas e psiquiátricas, terapia hormonal, avaliação genética e acompanhamento pós-operatório, conforme especifica o Ministério.

“Vou concluir o primeiro ano de terapia, a fila é enorme e esse trâmite é muito sofredor. Temos que ser guerreiras para conquistar espaço. Mas sei que vou me sentir realizada. Hoje, quando me olho no espelho, me vejo incompleta, com aquilo que não condiz à minha mente. Ser mulher ou homem está na mente, não é a aparência física”, avalia a estudante.

Jeane Louise encarou cedo o autoconhecimento e aceitação, mesmo em meio ao coro de “viadinho” que diz ter sido bastante emitido pelos colegas no período em que esteve em uma "escola de padres".

“Eu realmente 'metia a mão' neles e ia para a diretoria. Se continuasse ali, iria entrar em depressão, porque eu chegava no colégio, colocava maquiagem e me mandavam tirar. Era horrível! Pensava: se não puder usar em casa ou no colégio, onde iria usar? Saí de lá, fui para uma escola pública e foi lá que me encontrei de verdade como mulher; o pessoal tinha a cabeça mais aberta”, lembra.

Jeane mora com a mãe - os pais são separados - e diz que sabe diferenciar o respeito da aceitação. "Minha mãe teve um filho e até hoje ela não me chama de Jeane dentro de casa. Meu pai era muito machista e me surpreendo com o respeito que me trata. Não digo que me aceitam, mas respeitam e isso já dá força. Faço tudo com os pés no chão”, comenta.

Filha de sargento

A cabeleireira Luana Neves* também luta pela conquista plena de pertencer ao gênero, porém há mais tempo, desde os 18 anos, quando saiu de Mato Grosso do Sul para morar na capital baiana. Neste período, compreendeu que, para ela, mais importante que o processo de transgenitalização seria a retificação jurídica do nome civil. “Tenho convicção de que quero fazer a cirurgia, mas meu principal desejo é o da retificação do nome. Eu evito ir a hospital, banco, fico muito arrasada em relação a isso, porque estou vestida de mulher, mas as pessoas me chamam com meu nome de batismo, não o social, por puro preconceito”, afirma. O projeto de lei 72/07, do deputado Luciano Zica (PV), que prevê a alteração do nome civil para o social nas disposições da Lei dos Registros Públicos (Lei n° 6.015/1973), tramita no Senado e, atualmente, aguarda a designação do relator.

Filha de sargento do Exército, um dos grandes sonhos de Luana, já tentado e descartado, era o de seguir a carreira militar. Chegou a se alistar, passou em todos os testes, inclusive o psicológico e o de aptidão física, experimentou a roupa no quartel. Até que não resistiu ao incômodo do ambiente e confessou ao general a sua orientação sexual.

“Eu tinha no sangue a vontade de seguir carreira na área militar, sempre tive esse sonho, mas, naquela época, me senti muito mal. Estava prestes a assumir uma personalidade que não era a minha”, afirma.

Por vontade, revela que gostaria de ser advogada, no entanto, conta que precisou se condicionar à restrição do mercado de trabalho às transexuais e que é cabelereira não por opção, mas por maior aceitação.

“Quando meus pais saíam de casa, eu colocava a roupa de minha mãe, salto, toalha na cabeça, para fingir que tinha cabelo. Quando a percebia já no portão, jogava tudo aquilo embaixo da cama. Mas eu não sabia em que perfil me encaixava, se era travesti, transexual, drag queen. Eu sempre fui muito fechada e tímida, o que me causou depressão. Eu colocava meus esforços todos no estudo, achava que tinha que estudar para ser uma pessoa de poder”, relembra. Hoje, saias e vestidos, sempre "discretos", são as roupas que mais usa. Já na praia, não abdica de biquínis e cangas.

Ser transexual 

O professor e membro do grupo Cultura e Sexualidade, do Departamento de Comunicação da UFBA, Leandro Colling, explica que, para ser transexual, não é preciso concretizar a mudança do sexo necessariamente com cirurgia. “Existem casos em que a pessoa se identifica como transexual e não deseja fazer a completa mudança no corpo. Tem gente que se sente transexual e basta colocar seio, tomar hormônios, para não deixar crescer pêlos; o pênis é o que menos importa. O sexo não pode ser reduzido à genitália, tem a diversidade”, aponta.

“Gosto de homem que gosta de mulher, mas nem todo mundo tem coragem de assumir a transexual"
Jeane Louise

Colling, que também é membro do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, órgão do governo federal, explica que categorias como homem ou mulher não devem ser tão rígidas na sociedade. “As pessoas têm ideias fixas nas suas cabeças, mas, se você olhar para a vida, os homens e as mulheres estão cada vez mais borrando essas fronteiras, desde profissões, gestos, produtos, depilação”, relata.

A autoestima das transexuais é trabalhada no processo terapêutico, de modo que elas possam enfrentar os entraves culturais, como argumenta a psicanalista Suzana Vieira, 46 anos. Segundo ela, existe uma tendência dessas mulheres ao isolamento e à depressão, que pode ser agravada pela falta de apoio das famílias. “As sensações começam desde a infância e, desde então, as pessoas a veem como um menino, ela também se vê fisicamente como menino, mas lida com desejos de menina e começa a esconder os órgãos sexuais. A terapia ajuda a pessoa a entender tudo isso”, ressalva a psicanalista.

Relação com héteros

Por serem socialmente mulheres, as solteiras Jeane e Luana se relacionam com homens e hoje se afirmam heterossexuais. “Eu dou até risada com alguns homens desavisados. Às vezes você já está em um nível de envolvimento e aí tenho que explicar que sou transexual. Tem alguns que não gostam. Me considero realmente hétero”, comenta. “Gosto de homem que gosta de mulher, apesar de ser complicado porque nem todo mundo tem coragem de assumir uma transexual”, ressalva Jeane.

Leandro Colling explica que o gênero não se confunde com a prática sexual. “Ser gay é outra coisa. Existem vários homens que transam com outros e a identidade é heterossexual, a gente precisa respeitar isso. A prática sexual não é um elemento definidor de identidade. Se pessoas se sentem mulheres e transam com homens esse sexo é heterossexual”, acrescenta.

*Optou-se, na matéria, por usar os nomes sociais das transexuais.


Disponível em <file:///D:/Gloria/Downloads/1-artigos%20para%20serem%20salvos/G1%20-%20Em%20dia%20especial,%20transexuais%20contam%20que%20ser%20mulher%20%C3%A9%20'quest%C3%A3o%20de%20alma'%20-%20not%C3%ADcias%20em%20Bahia.htm>. Acesso em 09 mar 2012.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A realização de um sonho

Saulo Pithan 
quinta | 19/01/2012 07:42:00

Desde o dia 16 de dezembro do ano passado, a autônoma Fabiane da Rosa Luiz, de 32 anos diz estar vivendo uma nova vida. Aquilo que ela prefere chamar de “nascer de novo” começou desde que ela se deitou em uma mesa cirúrgica do Hospital das Clínicas, em Porto Alegre (RS), para se submeter a um procedimento pouco comum, que durou mais de quatro horas.

Do centro cirúrgico, ela saiu diferente: sem os testículos e o pênis. Fabiane, que faz questão de esquecer o nome de batismo – Fábio da Rosa Luiz - conseguiu depois de muito esforço realizar o seu maior sonho. Passou pela cirurgia de extração dos órgãos sexuais masculinos.
Os procedimentos cirúrgicos constituíram o passo mais contundente da transformação de Fábio em Fabiane, primeiro transexual masculino do Vale do Araranguá a realizar uma cirurgia de mudança de sexo custeada pelo Sistema Único de Saúde. Essa prática já existe desde 2008 no Brasil, mas apenas agora ela conseguiu realizar o sonho de se tornar mulher.

Para Fabiane, a realização da cirurgia representa o último ato de uma peça ruim em que ela encarna o personagem errado. "Desde criança, me entendo como menina", diz. Cedo, refutou o nome Fábio: preferia Fabiane. Nascida em Araranguá, na pequena comunidade de Rio dos Anjos, teve que esconder e reprimir todos os seus desejos. “Sentia atração por homens. Nunca gostei de gays. Eu não conseguia gostar do meu órgão sexual e quando tinha sete anos de idade já sabia que algo estava errado comigo. Eu não aceitava ter o corpo de menino, tendo alma e gostos de menina,” conta.

No primeiro dia de aula, foi parar na fila das meninas. "Eu não entendia por que meu lugar era junto aos meninos". A escola, aliás, foi o principal palco do descompasso com o corpo nos primeiros anos. Nas aulas de educação física, o garoto queria compor o time das meninas na prática de modalidades esportivas. O futebol, exclusividade masculina, ela deixava de lado e preferia ficar sentada no canto ao ter que correr atrás da bola. “A professora mesmo assim insistia em fazer eu jogar. Então sempre era alvo de deboche dos colegas e todos riam do meu jeito feminino,” afirma.

O drama do personagem bipartido cresceu à medida que seu corpo se desenvolvia. A partir da adolescência, com as mudanças próprias da fase, tudo se complicou. Com uma amiga que na época trabalhava em uma farmácia, teve acesso a hormônios femininos, que afinaram a voz, e fizeram nascer pequenos mamilos. Sem a devida orientação médica, acabou impondo mais dor ao corpo que queria transformar. "Tomei doses excessivas de hormônios e sofri muito com isso. Eu sabia dos riscos que corria, mas a vontade de me tornar mulher era muito maior", diz.

Fabiane recorda que foi alvo de muito preconceito. Quando resolveu mudar-se com a mãe para Maracajá, após a morte do pai, teve que enfrentar outro terrível drama. Ao passar pelas ruas da pequena localidade de Vila Beatriz para ir ao trabalho, já aos 24 anos e com características femininas bem marcantes por conta das altas doses de hormônios que ingeria, era insultada e chegou a ser apedrejada por crianças na rua.

“Nunca vou me esquecer deste dia. Foi um dos mais tristes da minha vida. Eu voltava do trabalho e as crianças saíram correndo atrás de mim, chamando de maricona e jogando pedra brita. Obviamente que incentivadas pelos pais. Me senti um cão de rua e desde aquele dia, recebi um grande apoio de minha mãe e consegui adquirir confiança para seguir adiante e lutar pelo sonho de me transformar em uma mulher,” desabafa.

Transtorno, não doença

A incompatibilidade entre corpo e mente não é uma peculiaridade de Fabiane. Segundo ela, a incômoda sensação de ocupar a estrutura física errada é comum aos transexuais. Após permanecer por longos dois anos frequentando grupos de tratamento, sendo esta a primeira etapa do processo para a cirurgia, diz ter aprendido muito sobre o assunto. "A gente sente vergonha, constrangimento e, muitas vezes, não consegue nem ao menos saber quem na verdade é. Não é uma questão de comportamento sexual, mas de identidade de gênero. Trata-se de um transtorno de gênero, não uma doença", relata.

Para Fabiane, possuir órgãos masculinos era um transtorno. Cultivar seios, um desejo. É algo completamente distinto da homossexualidade. "Nela um homem, por exemplo, se aceita enquanto homem, mas seu desejo sexual recai sobre outro homem. Já o transexual não aceita o corpo que tem, não se vê refletido nele”, esclarece.

Esse é o perfil das centenas de transexuais que aguardam na fila de espera pela mudança no corpo. Fabiane diz que agradece a Deus por ter conseguido, mas conta que nada foi fácil. Depois de ter resolvido correr atrás do seu maior sonho, teve que enfrentar barreiras como a falta de esclarecimento do sistema de saúde local. Em Maracajá, por exemplo, nem os médicos da rede básica de saúde e nem psicólogos do município sabiam sobre os procedimentos. Foi depois de muito pesquisar na internet que conseguiu contato com o Hospital das Clínicas em Porto Alegre, para onde foi tentar a sorte.

Para conseguir emitir os laudos que autorizam a cirurgia bancada pelo SUS, teve que passar pelo centro de triagem em Porto Alegre, que é o único no Sul do país, fora ele existem apenas mais três. A emissão do laudo encerra um processo que se estende por dois anos, durante os quais as condições físicas, mentais, sentimentais e sociais do candidato à cirurgia são esquadrinhadas até semanalmente por psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas e assistentes sociais.

O objetivo, segundo ela, é rastrear pistas que permitam prever casos em que o paciente não está preparado para o procedimento cirúrgico e tudo o que ele acarreta. Um diagnóstico errado de transexualismo pode, como é fácil prever, desencadear problemas irreversíveis e há até registros de suicídio.

Acompanhamento familiar

Em sua longa jornada rumo ao ato final, Fabiane não contou apenas com a companhia dos profissionais de saúde e assistência social. A seu lado, a mãe, os amigos e o atual companheiro, que prefere não revelar sua identidade. Eles estão juntos há pouco mais de dois anos. Aguardava com ansiedade pela cirurgia e não esconde que o procedimento trouxe alívio para ambos.

"Hoje, não somos vistos como um casal heterossexual, porque, em geral, as pessoas não compreendem o que é a transexualidade", diz. "Ela nasceu num corpo inadequado, e a cirurgia tirou dos ombros dela um peso desnecessário. Quando conheci, dentro do meu táxi, nunca imaginei que fosse um homem. Na verdade sempre a tratei como uma mulher, mas eu queria viver com uma mulher e a cirurgia me deu essa oportunidade. Tanto pra mim quanto pra ela".

Com o laudo do transexualismo em mãos, Fábio já deu entrada no processo para mudança de nome. Depois da aprovação por um juiz, passará oficialmente a se chamar Fabiane da Rosa Luiz. Por enquanto, a sensação de felicidade já é plena. “Tenho minha vida que sempre quis, um companheiro que amo, uma casa, e assim que estiver totalmente recuperada da cirurgia volto a trabalhar normalmente como toda mulher. Posso dizer que nasci de nova e depois de 32 anos vou conseguir a minha felicidade de volta", finaliza.

Disponível em <http://www.atribunanet.com/noticia/a-realizacao-de-um-sonho-74799>. Acesso em 19 jan 2012.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Público LGBT tem Política Nacional de Saúde Integral

Secom - Presidência da República 
06/12/2011 09:45:15

A população LGBT deve ter atendimento livre de preconceitos e discriminação, acesso integral aos serviços da rede pública de saúde e hospitais conveniados e, ainda, necessidades específicas contempladas. Assim estabelece a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, com diretrizes que incluem a distribuição de competências entre governo federal, estaduais e municipais na promoção da atenção e o cuidado especial com adolescentes lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, de forma a garantir saúde, acolhimento e apoio. A portaria que institui a política foi publicada na última sexta-feira (2), no Diário Oficial da União e assinada durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde, junto com a resolução que criou o Plano Operativo da Política Nacional de Saúde Integral LGBT.

As novas diretrizes vão contribuir para a redução das desigualdades e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) como universal, integral e equitativo. Para atingir esse objetivo, uma das medidas é o reforço da capacitação dos profissionais para o atendimento ao público LGBT, assim como o estímulo à participação no controle social, por meio dos conselhos de saúde nos estados e municípios. O plano operativo estabelece as estratégias e ações para a implementação da política, cujos eixos são promoção e vigilância em saúde para a população LGBT, educação permanente e educação popular em saúde.

Entre os objetivos específicos estão a garantia de acesso ao processo transexualizador na rede do SUS; a promoção de iniciativas para reduzir riscos e promover o acompanhamento do uso prolongado de hormônios femininos e masculinos para travestis e transexuais. O texto também prevê ações para redução de danos à saúde pelo uso excessivo de medicamentos, drogas e fármacos, especialmente para travestis e transexuais; definição de estratégias setoriais e intersetoriais que visem reduzir a morbidade e a mortalidade de travestis.

Atenção especial

Adolescentes e idosos da população LGBT terão atenção especial, mas a política estabelece que a rede de serviços do SUS deve ser qualificada para atendimento a todas as faixas etárias deste público, que tem necessidades e demandas próprias. As novas medidas também objetivam a qualificação da informação sobre a saúde, incluindo monitoramento constante, com recorte étnico-racial e territorial, além de oferecer atenção integral na rede de serviços do SUS nas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), especialmente com relação ao HIV e às hepatites virais; medidas de prevenção de câncer ginecológico entre lésbicas e mulheres bissexuais e diminuição dos casos de câncer de próstata entre gays, homens bissexuais, travestis e transexuais.


Disponível em <http://www.maxpressnet.com.br/Conteudo/1,463821,Publico_LGBT_tem_Politica_Nacional_de_Saude_Integral,463821,8.htm>. Acesso em 08 dez 2011.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Atenção integral à saúde e diversidade sexual no Processo Transexualizador do SUS: avanços, impasses, desafios

Tatiana Lionço
Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19 [ 1 ]: 43-63, 2009

Resumo: A publicação da norma sobre o Processo Transexualizador no SUS, apesar de refletir importante conquista do segmento populacional de transexuais, denuncia a complexidade do avanço dos direitos sexuais no campo da Saúde Coletiva. O artigo tem por objetivo a consideração crítica dos avanços, impasses e desafios na instituição dessa política pública de saúde, discutindo a ambivalência no processo de construção da norma técnica. Resgata duas correntes paralelas de inserção do debate sobre saúde de transexuais no Ministério da Saúde: a judicialização e o compromisso com o programa de governo Brasil sem Homofobia. Sinaliza a qualidade parcial do avanço conquistado pela publicação da norma, já que estabeleceu, ao mesmo tempo em que afirmou o direito à saúde para transexuais, campos de exclusão para possíveis beneficiários das mesmas ações de saúde previstas, especificamente as travestis. A hipótese sustentada é a da incidência da heteronormatividade e do binarismo de gênero como fator limitador da democratização dessa política de saúde.



quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A cada 16 dias, uma pessoa troca de sexo no Brasil

Fernanda Aranda,
13/09/2010 11:45


Quando ela passa, os homens esticam os olhos para tentar acompanhar por mais tempo o andar cheio de gingado, que tenta equilibrar a cintura fina, o quadril largo e os seios fartos. O corpo feminino de Carla Amaral não desperta só interesse. A mesma “gatona” também já escutou que é uma “aberração”, só um dos exemplos de violência que enfrentou. Carla não nasceu Carla, mas sempre soube que era mulher, apesar do registro indicar “sexo masculino”. O último resquício que carrega da identidade que nunca assumiu é o pênis, que garante ser usado, de forma desconfortável, só para urinar. “Hoje está até atrofiado”, diz. Ela, há 13 anos, espera que o bisturi torne mais adequada a anatomia que reconhece como errada desde a maternidade.

A cada 16 dias, o procedimento cirúrgico tão aguardado por Carla é realizado em um paciente do Sistema Único de Saúde (SUS). A chamada cirurgia de mudança de sexo foi um dos últimos atos cirúrgicos reconhecidos pelo governo brasileiro e entrou para a lista de procedimentos gratuitos só em 2008. De lá para cá, 57 cirurgias foram realizadas, sendo 10 no primeiro ano, 31 em 2009 e 16 até junho de 2010. A estatística é crescente, mas ainda irrisória perto da fila de espera formada por pessoas que, assim como Carla Amaral, sentem ter nascido  no corpo errado. 

Mulheres na alma

Eles não são travestis, homossexuais, drag queens ou transformistas. O nome é transexual, condição reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno de gênero. Não há nenhuma doença psíquica associada. Os que fazem parte deste grupo nascem com um órgão sexual que não condiz com a sua personalidade, explica o psiquiatra da PUC de São Paulo Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade, de Gênero e Orientação Sexual.

São “mulheres na alma” (dizem todas), mas que têm pênis. “Homens na cabeça” que nascem com vagina, tentam explicar assim. Desde que o mundo é mundo, eles tentam corrigir o equívoco de nascença com técnicas arriscadas, que envolvem automutilação, silicone industrial, hormônios proibidos e isolamento social. Carla Amaral foi vítima de todos estes perigos nos anos 80, 90 e 2000.

Carrinhos, bonecas e princesa

Era a segunda gravidez da mãe que já tinha um primogênito. A vontade de um “casalzinho” fez Maria Amaral desejar uma menina durante os nove meses da gestação. O nascimento, em 1973, trouxe ao mundo mais um varão aos Amaral. Mas daquela vez parecia ser diferente. A confirmação das diferenças veio com a chegada do terceiro filho, mais um menino. As semelhanças só surgiram após o nascimento da quarta filha, desta vez uma garota. “Eu era diferente dos meus dois irmãos e muito parecida com a minha irmã", conta hoje Carla. "Usava modelos de roupa unissex, cabelos na altura dos ombros e quando ouvia a pergunta 'o que você quer ser quando crescer/?', imaginava sempre uma mulher alta, com seios grandes, feminina e poderosa.”

Se quando criança, o problema maior era ter de brincar com carrinhos e bola quando a vontade era ninar bonecas e vestir-se como princesa, na adolescência a vida ficou ainda mais complicada. O nome de batismo – que Carla se nega até hoje a pronunciar – foi virando ofensa. O relacionamento com o pai já havia “subido no telhado”. Ele não aceitava ter um filho tão parecido como uma filha. A mãe já não assistia à postura feminina do seu segundo garoto com naturalidade, mas a vontade de ser mulher parecia aflorar em Carla. A entrega sexual precoce aos 13 anos para um vizinho só reforçou que a homossexualidade não era explicação suficiente para aquela condição. 

“Mais do que gostar do sexo masculino, eu queria morar num corpo parecido com a minha mente.” Sem dinheiro e sem apoio, Carla procurou o silicone industrial e passou a tomar doses de hormônio por conta própria. “Sabia dos riscos, sabia que podia morrer por causa daquilo, mas juro que tudo parecia menos ofensivo do que continuar com o corpo de homem.”

Menos mistério na medicina, mais tormentos pessoais

Nas duas últimas décadas, a medicina passou a prestar mais atenção aos pacientes com transtornos de gênero e a cirurgia de troca de sexo deixou de ser feita só na clandestinidade. Os estudos também evoluíram. “Até a metade dos anos 70 e início dos anos 80 só existiam pesquisas sobre a transexualidade que abordavam a influência psicológica e do meio externo”, afirma o psiquiatra especializado Alexandre Saadeh. “Hoje, as pesquisas mensuram os fatores químicos existentes no processo. Já existem evidências de que não só a genética, mas componentes químicos interferem no desenvolvimento do cérebro (enquanto o bebê ainda está na barriga da mãe) e culminam nesta condição. É claro que não existe causa única, mas não é só o meio que interfere.” 

Naquela época a ciência, aos poucos, começava a desvendar as razões para os cérebros incompatíveis com os corpos. As pesquisas faziam com que as técnicas, inclusive cirúrgicas, evoluíssem. Mas, no Paraná, Carla Amaral ainda era vista como um erro da natureza, uma afronta aos bons costumes. Perto dos seus 15 anos, os pais cortaram – à força – os seus cabelos. A mãe gritava o nome de batismo aos quatro cantos para agredi-la e, na escola, colegas de classe e professores reforçavam que ali não era lugar para aquela “coisa” indefinida. “Aos trancos e barrancos terminei a 8ª série, mas não consegui mais voltar para o colégio. Ao mesmo tempo, sabia que sem o apoio da minha família, tinha que contar só comigo. Sem estudo, fui procurar emprego.”

Ônibus, prostituição e cobaia

Primeiro Carla foi atendente de farmácia, depois cobradora de ônibus – local em que, além de ser hostilizada, sofria assédio sexual diário – e, enfim, auxiliar de escritório. “O preconceito sempre permeou a minha vida profissional. Era mandada embora sem justificativa, assim como não me contratavam quando, após a entrevista cheia de entusiasmos e expectativas, eu mostrava meu RG e lá aparecia o gênero masculino na informação sobre o sexo.”

No final dos anos 90, o Conselho Federal de Medicina (CFM) classificou a cirurgia de mudança de sexo como um procedimento médico reconhecido no País. Carla, nestes tempos, se candidatou para passar pela cirurgia ainda que de forma experimental e vivia um período de desemprego absoluto. “Foi aí que me tornei profissional do sexo”, lembra. A prostituição como um meio de sobrevivência fazia com que os dias terminassem com banhos longos. Carla sentia-se tão suja após se entregar por dinheiro que passava a bucha e sabão até machucar a pele. “Mas a vontade de fazer a cirurgia (de mudança de sexo) era tão forte que superava qualquer coisa.Precisava de dinheiro, precisava pagar as contas, precisava ser operada.”

A operação

A cirurgia de adequação do sexo masculino para o feminino consiste, em linhas gerais, na retirada do pênis, na construção de uma cavidade parecida com a da vagina com capacidade de substituir o trato urinário, em uma operação que supera 12 horas de duração. Já a “criação do pênis” é mais complicada, ainda tida como experimental e com riscos mais altos de complicação. Os movimentos de defesa dos transexuais do Brasil estimam que menos de cinco cirurgias do tipo foram feitas no País. Para cada caso, são em média 15 microcirurgias para o procedimento ser completo. Hoje, de forma legalizada, apenas quatro centros universitários estão autorizados a fazer estas cirurgias, sendo um em São Paulo, um em Porto Alegre, um em Goiás e o último no Rio de Janeiro. Uma norma recente do CFM – datada da semana passada – deu margem para que, a partir de agora, as clínicas particulares também realizem o procedimento.

Dedos cruzados

A expectativa é com a nova resolução do CFM mais unidades fiquem aptas a absorver a demanda de pacientes que cresce a cada dia. Ainda assim, a comemoração vem com um tom de preocupação. “É uma luta nossa ampliar o número de unidades capacitadas (para a cirurgia de mudança de sexo), mas o meu receio é que ao perder o caráter experimental, clínicas sem condição e sem gabarito passem a atrair as meninas, que são tão agredidas pela vida que topam qualquer tratamento”, diz Cristyane Oliveira, uma das pioneiras a ser submetida a cirurgia de mudança de sexo no País há nove anos.

Hoje, para a pessoa conquistar vaga em um destes 4 centros cirúrgicos, é preciso ter mais de 21 anos e um laudo médico que comprove a necessidade da cirurgia. Por isso, ao menos dois anos de acompanhamento terapêutico são exigidos. Já com este documento em mãos, a estimativa é que 200 pessoas estejam na fila de espera. Uma delas é Carla Amaral. No dia seguinte do anúncio de que a cirurgia chegara aos hospitais públicos, ela já estava na fila para o cadastro . “É uma violência diária viver em um corpo que não é seu”, conta.

A possibilidade de ser operada faz com que Carla Amaral cruze os dedos todos os dias. “É a última vitória”, diz ao contabilizar suas conquistas recentes. “Via justiça, pedi para mudar meu nome e o gênero no RG. Minha mãe foi testemunha jurídica a meu favor. Este ano, consegui a mudança oficial no documento e a relação familiar voltou a ser ótima.” O engajamento no “movimento trans” permitiu que Carla arrumasse emprego e deixasse de ser profissional do sexo. A cirurgia, considera ela, é o toque final para que a gata borralheira, finalmente, vire a tão sonhada cinderela.


Disponível em <http://delas.ig.com.br/saudedamulher/a+cada+16+dias+uma+pessoa+troca+de+sexo+no+brasil/n1237772514607.html#8>. Acesso em 14 set 2010.