Mostrando postagens com marcador homossexualidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador homossexualidade. Mostrar todas as postagens

sábado, 1 de março de 2014

A homossexualidade na TV como um retrato da cidade: estudo comparado entre as representações do novo gay no Rio de Janeiro e em Los Angeles

Alessandro Paciello de Castro Bezerra
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Fortaleza, CE – 3 a 7/9/2012

Resumo: O artigo aqui exposto pretende analisar duas obras de ficção televisiva – a série de TV estadunidense Brothers & Sisters e a telenovela brasileira Fina Estampa –, tendo como foco principal os personagens homossexuais representados nessas obras e os temas que marcam seu desenvolvimento nas tramas. A partir dessa análise, a pesquisa fará um estudo comparado entre as duas cidades produtoras das histórias – Rio de Janeiro e Los Angeles –, procurando mapear até que ponto a ficção atua como um espelho da realidade homossexual contemporânea.



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Os silêncios de Clio ou a (in) visibilidade das homossexualidades nos estudos históricos brasileiros

Elias Ferreira Veras
XXVII Simpósio Nacional de História
Natal-RN - 22 a 26 de julho de 2013

Resumo: Nos últimos quarenta anos, as homossexualidades no Brasil foram tema de pesquisa presente, quase que exclusivamente, nos estudos antropológicos e sociológicos. Os silêncios da história não deixam de ser surpreendentes se lembrarmos de que, desde a segunda metade do século XX, a escrita da história, seja aquela praticada a partir de uma perspectiva marxista, seja aquela afinada com o pensamento da escola dos Annales, introduziu em cena uma série de novos sujeitos, novas abordagens e novas problemáticas. Todavia, os silêncios de Clio que parecem ecoar o “pensamento heterossexual” predominante estão sendo timidamente rompidos na produção histórica.

sábado, 23 de novembro de 2013

Canal das Bee: o YouTube como plataforma para o ativismo LGBT

Jessica Tauane de Sousa
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP
Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes
Curso de Comunicação e Multimeios

Resumo: A homossexualidade ainda é um assunto que gera muita discussão nos tempos atuais e a crescente homofobia existente no mundo e, principalmente, no Brasil preocupa a todos os cidadãos que lutam pela igualdade de direitos e proteção à vida e bem-estar humano. Com este mote inicial, o produto “Canal Das Bee: O YouTube Como Plataforma Para O Ativismo LGBT” lança-mão do audiovisual como meio de comunicação e do site YouTube.com como plataforma hipermidiática para fazer uma série de vídeos contra a homofobia e em defesa aos direitos LGBT.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Gay pode sentir atração pelo sexo oposto sem ser bissexual

Thais Sabino
20 de Setembro de 2013

Se um homem casado com uma mulher sentir, em algum momento da vida, atração por um colega de trabalho, significa que ele é homossexual? E se um homossexual assumido se ver de repente interessado no sexo oposto, ele deixou de ser homossexual? Seriam, então, bissexuais? Estereotipar desta forma é “complicado” e as respostas a todas as perguntas, segundo a psiquiatra e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, Carmita Abdo, são negativas. “Há quase um século, o pesquisador Alfred Kinsey descobriu que heterossexuais e homossexuais exclusivamente ‘héteros’ ou ‘homos’ é um mito”, justificou.

Kinsey criou uma escala com orientações intermediárias entre os absolutamente heterossexuais e homossexuais com, por exemplo, os interessados no sexo oposto, mas que esporadicamente sentem atração por pessoas do mesmo sexo. A classificação soma sete diferentes condições, tendo como centro a bissexualidade. Cada categoria varia de acordo com a frequência das situações vividas pelos indivíduos. “Depende se foi um caso isolado, aconteceu por curiosidade, se a pessoa estava alcoolizada, em um momento frágil, tudo é relativo”, explicou a psiquiatra.

A novela Amor à Vida, exibida pela TV Globo, retrata dois casos que podem servir como exemplos. O personagem Félix (Matheus Solano) demorou a assumir a homossexualidade na trama, mas, mesmo depois de declarar o gosto por homens, teve relações sexuais com a mulher de fachada Edith (Bárbara Paz). O personagem Eron (Marcelo Antony), parceiro de Niko (Thiago Fragoso), já caiu mais de uma vez nos braços da amiga do casal Amarilys (Danielle Winits). “Não significa que por o homem estar atraído pela mulher mudou de homo para hétero”, afirmou Carmita.

O homem homossexual pode sentir atração por uma mulher em especial, pelas características de comportamento ou físicas dela, mesmo que o sentimento não faça parte da orientação sexual dele, explicou a psiquiatra. Em alguns casos, ela pode seduzi-lo e até conquistá-lo afetivamente, porém não necessariamente ele se tornará heterossexual ou bi, acrescentou. É o que também afirmou a estudante de fisioterapia Beatriz Barros, que mantém relacionamento homoafetivo há quase dois anos: “se existisse um vínculo bem próximo, partindo de uma amizade, por exemplo, uma pessoa homossexual se relacionaria com alguém do sexo oposto”.  Mas, não quer dizer que a homossexualidade não está bem resolvida, reforçou Beatriz.

Tampouco dá para cravar que o indivíduo é bissexual por causa disso. O que pode acontecer, segundo Carmita, é uma confusão durante a formação da sexualidade. Psicóloga há 25 anos, Walnei Arenque, recebe casos em seu consultório de “pacientes que tiveram a primeira relação com pessoas do mesmo sexo e depois de terminarem se questionam se são héteros ou homos”. A certeza, porém, só vem com o tempo e no período de descoberta podem ocorrer equívocos. “No começo não tinha muita certeza do que eu queria, só depois que fiquei com um menino percebi que era homo”, contou Beatriz.

Só é bissexual quando se tem frequentemente relações tanto com homens como com mulheres em proporções semelhantes
Carmita Abdo psiquiatra e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP

“Existem pessoas que vivem em momentos alternados. Ora estão em relacionamento de longa data com alguém do outro sexo e, outra com um indivíduo do mesmo sexo. Isso é mais frequente do que se imagina”, afirmou Carmita. Apesar disso, socialmente a condição ainda não é aceita, afirmou Walnei. Principalmente, quando se trata de um homem homossexual, que busca ter também relacionamentos com mulheres, na opinião da psicóloga.

A bissexualidade, com registros de ocorrência desde a Grécia Antiga, sofre preconceito tanto dos homossexuais como dos heterossexuais hoje em dia, disse Walnei. Geralmente, a orientação sexual é vista como "fase" ou "pretexto para sacanagens". “O bissexual ainda não mostrou a sua cara e vai enfrentar uma batalha, assim como os homossexuais, para serem aceitos na sociedade”, acrescentou a psicóloga. Segundo pesquisas da psiquiatra Carmita, apenas 1% das mulheres e no máximo 2% dos homens assumem a condição, contra cerca de 10% que se dizem homossexuais.


Disponível em http://mulher.terra.com.br/comportamento/gay-pode-sentir-atracao-pelo-sexo-oposto-sem-ser-bissexual,994520e3a9d21410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html. Acesso em 20 nov 2013.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Entrevista a Pierre Bourdieu: a transgressão gay

Catherine Portevin; Jean Philippe Pisanias
Telerama, n°2535, 12 de Agosto de 1998

Para desqualificar a homossexualidade é denunciada como uma prática contrária à natureza. Você ressaltar que a natureza não tem nada a ver com isso.

Certamente que não. Trata-se em principio de uma construção social e histórica: a divisão estreita entre heterossexuais e homossexuais se cristalizou recentemente, depois de 1945. Antes disso, os heterossexuais poderiam, eventualmente, ter práticas homossexuais. Mas, em nosso sistema simbólico, o contato sexual ativo segue  sendo o único em conformidade com a "natureza" do homem, já que a sexualidade passiva aparece como tipicamente feminino. A oposição ativo/passivo, penetrador/penetrou-a, identifica o contato sexual com uma lógica de dominação (o penetrador é o que domina). Deste modo, o homossexual se feminiza por participar de uma relação sexual só se aplica a uma mulher. Neste sentido, vai contra à natureza. Transgride esse limite que os romanos conheciam muito bem: se bem que a homossexualidade ativa com um escravo era tolerável, enquanto que a relação passiva era, evidentemente, monstruoso. Na realidade, "contra a natureza" significa apenas: contra a hierarquia social. Assim, enquanto o dominador é conduzido como tal, está tudo bem. Mas se você adotar as práticas pelas quais é provável tornar-se dominado, então nada está bem.

Nos casais homossexuais encontramos a mesma lógica. Se pode ser homossexual ativo, mas não passivo. Alguns homens e mulheres gays reproduzem no casal hierarquia masculino /feminino.

Em que condições, então, reconhecer os casais homossexuais como uma alternativa ao modelo dominante?

É muito complicado, porque essa reivindicação é ambígua: ao mesmo tempo o mais subversivo e mais conformista que se possa imaginar. É muito conformista, pois incentiva os homossexuais a entrar na ordem e agir como todo mundo, mas uma parte delas é hostil a esta normalização social. Não há outra padronização reconhecida do Estado. Um homem muito culto, sem o reconhecimento de escola, sempre vai questionar a sua cultura. Da mesma forma, um casal gay em união civil não é socialmente reconhecido, com plenitude, os direitos elementares (proteção social, herança, etc.) que o correspondem.

Como o casamento é essa coisa sagrada que conhecemos investido valores simbólicos extremamente vigorosos, o direito de reclamar, como homossexuais,  o direito à união pública reconhecida oficialmente, legalmente sancionada, dinamita todas as representações simbólicas consolidadas.

Por que você está comprometido com o movimento lésbico-gay?

O ponto de partida foi uma carta que recebi de um homossexual que trabalhava na Air France: "Se meus colegas heterossexuais recebem descontos quando saem de férias com seus companheiros – protestava - por que eu deveria pagar tarifa cheia, quando viajando com o meu parceiro?" Os homossexuais são, de fato, cidadãos de segundo nível. Então, quando alguém “joga” a ameaça do "comunitarismo" para rejeitar suas demandas, mal posso vê-lo mais do que apenas uma verdadeira má-fé, produto de uma relíquia católica, muitas vezes inconsciente e mal tomadas e permite uma forma de discriminação . Não há para mim equívoco algum. É como se os homossexuais fora negado frequentar a escola. É algo da mesma ordem.

A última frase do seu livro masculinos homossexuais dominação abertamente convida para se juntar "a vanguarda dos movimentos políticos científicos subversivos". O que isso significa?

O essencial era dizer: não se mantenham isolados. Dado por razões sociológicas, o homossexuais (pelo menos os seus líderes) têm um capital cultural significativo, podendo desempenhar um papel no trabalho de subversão simbólica essencial para o progresso social. “ Act up”* é prodigiosamente inventivo. Os movimentos sociais poderão se beneficiar deste inventividade, porque ainda que saibam como organizar eventos, e fazer banners e slogans e canções, de modo ritual, são, na verdade pouco criativos... Para ser criativo, você precisa possuir capital cultural . A ideia das petições foi inventada por intelectuais; quando os médicos se manifestam geralmente são imaginativos e; finalmente, porque havia imaginação entre os líderes do movimento dos desempregados na França, gente com forte capital cultural, estes se atreveram a ocupar locais simbólicos, como a Escola Normal Superior.

Há algo mais que a marcha do orgulho gay, o subversivo para os homossexuais iria participar nos movimentos sociais?

Exato. A parada do orgulho gay é subversivo na ordem simbólica pura. Mas isso não é suficiente. Os gays e os desempregados, por exemplo, não se comunicam facilmente uns com os outros. O movimento gay está organizado em torno de demandas que são consideradas privadas, e parece suspeito a uma tradição sindical que é construído contra o particular, o pessoal, o território privado da qual tenta desprender o militante.

1. Um sistema de organização social e política que reconhece a existência de comunidades étnicas, religiosa ou sexual, com direitos específicos, em princípio, o que contradiz a definição de um cidadão abstrato sobre a qual se funda a República Francesa.

2. Act up (Ação para desencadeia o poder, a ação para liberar o poder). Movimento radical de origem nova yorkino, cuja variante francesa também se ocupa dos direitos e demandas das minorias sexuais e, particularmente, as pessoas com HIV positivo. 
*Act up (Action to Unleash Power, acción para desatar el poder). Movimiento radical de origem neoyorkino, cuja variante francesa se ocupa também dos direitos e demandas das minorias sexuais e em particular das pessoas portadoras de HIV.


Disponível em http://www.cafecomsociologia.com/2013/08/entrevista-pierre-bourdieu-transgressao.html. Acesso em 16 set 2013.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Homofobia e homofobia interiorizada: produções subjetivas de controle heteronormativo?

Márcio Alessandro Neman do Nascimento
Athenea Digital - núm. 17: 227-239 (marzo 2010)

Resumo: O artigo problematizará, teoricamente, algumas questões emblemáticas que circunscrevem as homossexualidades na história, partindo de um posicionamento teórico-metodológico marcado pelos estudos culturais e de gênero realizados por autores pós-estruturalistas. Na atualidade, há muitos avanços e conquistas, no âmbito sócio-político, relacionadas à diversidade sexual. Entretanto, essa mesma visibilidade tem produzido disparadores para práticas sociais violentas demonstradas em crimes e discursos de ódio, intolerância e interdições veladas contra homossexuais. Assim, pretende-se apresentar a construção social da homofobia e, subseqüentemente, da homofobia interiorizada, uma vez que seus pilares formadores se sustentam por processos de subjetivação heteronormativa pulverizados em contextos sociais cotidianos.

domingo, 14 de julho de 2013

Nos bastidores da cura gay

João Batista Junior
28.jun.2013

O salão térreo de um casarão colonial onde se localiza a Igreja Cristã Pentecostal Independente Maravilhas de Jesus, no centro, tem bancos de estofado puídos e um palco pequeno. Ao lado das portas de entrada, três pastores estão a postos para receber os fiéis. Às 15 horas da última quarta (26), um dos líderes espirituais disponíveis era Aristides de Lima Santos.

Usando calça de brim creme, camisa azul-claro com todos os botões fechados e um blazer escuro por cima, o senhor de estatura baixa aparentava pouco mais de 50 anos de idade. Ao ser abordado, simpático e solícito, contou um pouco de sua história. Lembrou que, antes de aceitar Jesus, vivia no pecado: era um mulherengo incorrigível. “Desses que não conseguem passar uma semana sem uma companheira diferente”, confessou. Na função de orientar o rebanho, está acostumado a lidar com todo tipo de gente e de angústias. Conta já ter recebido por lá algumas pessoas dispostas a abandonar a homossexualidade. Com base nessa experiência, criou uma teoria a respeito dos gays que querem se tornar héteros. “Irmão, é preciso arrumar uma mulher quanto antes para casar e ter filhos”, costuma aconselhar. “Ela não precisa saber que o senhor tinha essa tendência. Vai ajudar na sua libertação.”

Em seguida, Santos abre sua bolsa e tira uma Bíblia cheia de anotações e trechos grifados. Com voz calma, lê passagens para justificar essa linha de raciocínio. Cita Mateus 26:41, olhando nos olhos do interlocutor: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”. Do Levítico 18:22 extrai a seguinte passagem: “Não te deitarás com um homem, como se fosse uma mulher: isso é uma abominação”. As palavras do livro sagrado servem para justificar o pensamento do pastor. Segundo ele, na escala de malfeitorias, um homossexual está na mesma categoria do ladrão, do assassino, do viciado em drogas e do adúltero. Todos são pecadores mortais. “Mas Deus é misericordioso e não discrimina ninguém, desde que a pessoa liberte sua alma do diabo”, ameniza. Termina a pregação fazendo uma ressalva: “Homossexuais são como as prostitutas: sofreram alguma macumba e têm influências de forças malignas”.

Na semana passada, Veja São Paulo ouviu frases como essas em um périplo por dez igrejas evangélicas da metrópole, das mais variadas vertentes. Sem se identificar como jornalista, o repórter bateu às portas de cada uma dizendo que era um homossexual disposto a tentar uma nova vida. O objetivo era saber como essa questão é tratada no dia a dia dessas religiões. Em outras palavras: afinal, a tão falada “cura gay” existe na prática?

O assunto entrou no centro das discussões após um projeto de lei do deputado João Campos (PSDB-GO) que suspende o trecho da resolução do Conselho de Psicologia de 1999 que proibiu profissionais da área de oferecer tratamento e cura de homossexualidade. Um profissional que iniciar uma terapia com o objetivo de fazer de um gay um heterossexual pode ser hoje processado e ter seu diploma cassado. A proposta de Campos foi aprovada pela Comissão de Direitos Humanos, liderada pelo pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP). 

Essa mudança provocou uma grande polêmica e virou um dos temas da atual onda de manifestações no país. No último dia 21, segundo cálculos da PM, cerca de 1 000 pessoas iniciaram uma passeata na Praça Roosevelt, no centro, portando cartazes como “Feliciano, cura o Ricky Martin para mim?”. Na quarta passada, aproximadamente 300 pessoas (também de acordo com estimativas da PM) realizaram um ato parecido na Avenida Paulista.

No universo dos templos visitados, ninguém usou o termo “cura gay” ou demonstrou ter um programa específico para tal finalidade. Nove dos dez pastores consultados, entretanto, sugeriram algum tratamento espiritual para a pessoa se livrar do que consideram um pecado grave. Para eles, a prática homossexual é condenável e precisa ser mudada imediatamente, sob o risco de o transgressor acabar no inferno. “Com muita oração, renegando os amigos homossexuais e tirando a influência de qualquer magia negra, é possível um gay se casar e ter filhos. Já vi muitos pastores convertidos”, garantiu na última terça (25) André Luís, da Universal do Reino de Deus localizada na Rua dos Timbiras, no centro.

Endereços da Assembleia de Deus Ministério do Belém, da Internacional da Graça de Deus e da Deus É Amor também foram visitados. “Não é natural ser assim: 100% dos homossexuais sofreram feitiço”, afirmou a pastora Maria do Carmo Moreira, da Comunidade Cristã Paz e Vida. “Entregue sua alma a Jesus e não procure um psicólogo, que vai achar tudo normal e querer que o senhor se aceite.” Na Igreja Mundial do Poder de Deus, o pastor Eder Brotto foi categórico: “Isso é coisa do capeta”. Depois de proferir uma oração de libertação (“Feche os olhos, leve a mão direita à altura do coração e comece a renegar os prazeres da carne”), Brotto sugeriu ao repórter que frequentasse a igreja às sextas e aos domingos, além de rezar três vezes por dia ajoelhado no chão.

A homossexualidade é condenada por praticamente todos os segmentos do cristianismo, com poucas exceções, como a Igreja Anglicana, que até já ordenou sacerdotes gays. A abordagem do tema, porém, é muito variável. “Em geral, casos de exorcismo e gritaria são mais comuns nas evangélicas neopentecostais, enquanto nas protestantes tradicionais e na católica a questão costuma ser tratada em conversas individuais, na privacidade do gabinete pastoral”, diz a teóloga Sandra Duarte de Souza, professora e pesquisadora da Universidade Metodista de São Paulo. “Essa forma mais discreta, entretanto, não significa que seja menos violenta. A pressão em conversas duras pode ser tão devastadora quanto os rituais ao estilo ‘sai, capeta’.”

Os pastores que pregam contra a prática gay se valem invariavelmente de trechos da Bíblia. Trata-se de um terreno minado. Ocorre que as discussões sobre interpretação e até mesmo as traduções dos textos fazem com que o significado de tais passagens seja questionado. “Os fundamentalistas tomam ao pé da letra alguns trechos, esquecendo de outros nos quais Jesus prega o acolhimento e o amor aos excluídos”, observa o teólogo Paulo Sérgio Lopes Gonçalves, da PUC de Campinas.

O trabalho de libertação, como dizem nas igrejas evangélicas, acabou criando um novo gênero: os ex-gays. Eles são quase como propagandas ambulantes do processo, apontados como provas vivas de que, com a ajuda de Deus — e dos pastores, claro —, é possível transformar sua orientação sexual. “Graças ao Senhor, entendi que a maneira como eu vivia era errada e busquei forças para sair daquilo”, conta o presbítero Eduardo Rocha, representante da Igreja Sal da Terra. Rocha era um transformista conhecido pelo nome de guerra Grevâniah Rhiuchélley. Ele começou a se vestir de mulher aos 16 anos, mas conta que sentia atração por meninos desde os 12. Cocaína e maconha entraram rápido na sua rotina. “Eu debochava de religião, não tinha respeito por Jesus”, penitencia-se.

Tudo mudou durante uma rave na cidade de Alto Paraíso, no interior de Goiás. Foi quando Rocha teria ouvido uma voz. “Ela me dizia que o Senhor ia mudar minha vida.” Desde então, o baladeiro passou a ler a Bíblia e a frequentar cultos. “O processo não foi traumático ou agressivo, mas muito difícil”, lembra. Cinco anos depois da conversão, em 2007, Rocha se casou com a musicista Genoveva Geni. Hoje, eles trabalham para que outros jovens encontrem a tal salvação. Às quartas-feiras, o ex-transformista se encontra com um grupo de cerca de vinte gays em reuniões nos moldes dos alcoólicos anônimos.

“Oramos, lemos a Bíblia, cada um conta sua história e tento fazê-los entender que precisam sair da vida de pecado”, descreve. Rocha também dá seus testemunhos em diversas igrejas evangélicas da cidade e organiza o Seminário de Sexualidade Cristã, que aborda temas como “pureza sexual” e “restauração da identidade”. Diz ele: “Todos que estão vivendo como homossexuais enfrentam um desvio de personalidade que deve ser contornado”.

Na contracorrente, começaram a surgir no meio evangélico algumas dissidências. É o caso da pastora Lanna Holder, lésbica assumida e fundadora da igreja Comunidade Cidade de Refúgio. Até os 20 anos, segundo relata, Lanna levou a vida com fartura de drogas, álcool e namoradas. “Depois me converti e passei a pregar contra as lésbicas”, conta. Na época, chegou a se casar com um homem e teve um filho. Lanna defendeu a “cura gay” por dezesseis anos. O ponto de virada tem nome e sobrenome: Rosania Rocha, uma cantora gospel. As duas lutaram contra a paixão, tentaram se libertar da atração, mas jogaram os panos. Em 2011, fundaram juntas a Comunidade Cidade de Refúgio, localizada no centro. Elas já contam com 600 fiéis, em sua maior parte gays. “Quase todos eles tentaram se ‘salvar’ e não conseguiram. É normal recebermos aqui gente que já quis se matar várias vezes devido a esses processos, que causam um problema sério de autoaceitação”, diz Lanna.

Não são apenas igrejas fundadas por homossexuais que pregam a tolerância. “Desvirar gay para quê?”, perguntou ao repórter de VEJA SÃO PAULO a obreira Rose Silva, do Centro de Meditação Cristã, no Brás, no encontro ocorrido no fim da tarde da última quarta (26). “Faça uma oração da libertação para se aceitar, não para se reprimir. Deus ama a todos em sua plenitude.”

Rose concorda que as igrejas evangélicas não toleram a prática homossexual, mas para ela a questão deveria ser abordada com outro viés. “Em primeiro lugar, penso se a pessoa interfere negativamente na vida dos outros. Se não, quero mais é que ela seja feliz.”

"Isso é coisa do capeta"

Em nove dos dez endereços visitados pelo repórter, que não se identificou como tal, os pastores trataram a homossexualidade como um pecado e deram conselhos para a conversão. A seguir, trechos de alguns dos encontros

a) Igreja Cristã Pentecostal Independente Maravilhas de Jesus, no centro (pastor Aristides de Lima Santos)

— Sou gay e quero mudar de lado. Como faço?
— Precisa seguir o ditado bíblico: “Vigiai para não entrar em tentação”. É fundamental que o senhor se case para aceitar Jesus, se libertar e não pensar em homem.
— Não há o risco de minha companheira ser infeliz? 
— Ela não precisa saber que o senhor era gay. A Bíblia diz que varão não pode ter relacionamento com outro varão. A homossexualidade é um pecado mortal, assim como matar.

b) Comunidade Cristã Paz e Vida, no centro (pastora Maria do Carmo Moreira)

— Sou gay e quero saber se é possível virar heterossexual.
— Para Deus, nada é impossível. Não é natural ser assim: 100% dos homossexuais sofreram feitiço.
— O que devo fazer para mudar?
— Depende de você saber que está no caminho errado e fazer a vontade de Deus. Leia este livro, Jesus, a Vida Completa, frequente os cultos, ore e abandone a vida de prazeres da carne. O caminho será um processo natural, pode ter certeza.

c) Igreja Universal do Reino de Deus, no centro (pastor André Luís)

— Sou gay e quero saber se é possível trocar de lado.
— Sim, conheço alguns pastores que eram assim e hoje são casados e têm filhos. Assim como um viciado em cocaína precisa se livrar dos amigos drogados, um homossexual tem de deixar de lado a sua turma. É preciso também evitar bares e baladas para não cair em tentação.
— O que mais?
— No começo, precisa vir pelo menos quatro vezes por semana à igreja para tirar o capeta do seu corpo. Pagar os 10% do dízimo também é fundamental. É devolver para Deus a graça de você ter ido para o caminho certo.

d) Igreja Mundial do Poder de Deus, na Zona Leste (pastor Eder Brotto)

— Sou gay e quero virar heterossexual. É possível?
— É fundamental, caso contrário vai para o inferno. Isso é coisa do capeta.
— Como faço?
— Tem de vir aqui às sextas, dias em que tiramos o capeta do corpo, e aos domingos. Tenha uma Bíblia ao lado da cama. Ore três vezes ao dia, ajoelhado (podemos nos humilhar para Deus). Sugiro ler Isaías, capítulo 44. Fala da aceitação do Senhor. E não deixe de pagar o dízimo.

e) Igreja Pentecostal Deus É Amor, no centro (pastor Lourival de Almeida)

— Quero deixar de ser gay. É possível?
— Claro. Tudo é uma questão de poder do controle.
— Como assim?
— Sou homem no sentido heterossexual da palavra. Todo homem é, por essência, polígamo. É preciso ter o próprio domínio para respeitar e honrar a mulher. O mesmo vale para o homossexual: controle seu desejo.

f) Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, na Zona Leste (pastor Paulo Rogério)

— Quero me tornar heterossexual. Como faço?
— Para tirar a influência do diabo, precisa fazer uma série de orações.
— Por exemplo?
— Sexta é o dia em que o diabo está mais presente na sociedade. Faça jejum à noite, antes de vir para a igreja. Volte a comer no sábado de manhã. Vai ajudar no trabalho de purificação.

g) Casa da Bênção, na Zona Leste (pastor Cléber Lana)

— Como faço para deixar de ser gay?
— Isso é uma maldição hereditária. Existem outras pessoas assim na sua família?
— Que eu saiba, não.
— Então pode ser algum trabalho feito contra você. Sugiro que se entregue a Deus, ore e frequente cultos de libertação.


Disponível em http://vejasp.abril.com.br/materia/bastidores-cura-gay. Acesso em 09 jul 2013.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Relações homoafetivas: avanços e resistências

Maria Consuêlo Passos
junho de 2011

Há algumas semanas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a lei que regulamenta a união estável entre pessoas do mesmo sexo, tornando-a, do ponto de vista legal, equivalente à de casais heterossexuais. Isto significa a validação no plano jurídico de várias conquistas civis: o direito à herança do companheiro, ou companheira, pensão alimentícia em caso de separação, possibilidade de fazer declaração conjunta do imposto de renda e – um passo fundamental – o direito à adoção de filhos, o que antes era permitido apenas a um dos membros do casal.

A medida modifica o contexto nebuloso e enigmático das relações homoafetivas, conferindo a elas caráter de legitimação jurídica, o que não é pouco quando se trata da vida conjugal e familiar, em grande medida regulada por diretrizes do Estado. Entretanto, é preciso ter cautela em relação a esses ganhos, já que as transformações psicossociais engendradas nestes mesmos parâmetros jurídicos exigem um processo lento e contínuo de superação de resistências e preconceitos. Essa constatação nos leva a antever um longo e difícil tempo de tensões e conflitos até que seja possível o reconhecimento social de qualquer tipo de escolha amorosa e de constituição de família – desde que essa escolha não negue a responsabilidade ética de respeitar o direito do outro, um código fundamental da convivência humana.

Não é possível ignorar, por exemplo, as dificuldades enfrentadas há várias décadas, quando os casais heterossexuais conquistaram o direito de se separar e constituir novas famílias. Nessa época – assim como agora em relação aos direitos recém-conquistados pelos homossexuais – havia não só muitos preconceitos que fragilizavam moralmente aqueles que de forma legítima buscavam saídas para os casamentos infelizes, mas também muitos estigmas -  recaíam sobre os filhos, vistos como problemáticos. Não raro, eram dirigidos a essas crianças e adolescentes presságios de adoecimentos morais e psíquicos. Passados vários anos, estamos hoje muito longe da confirmação de tais vaticínios, embora seja possível reconhecer que a separação dos pais pode resultar em maior ou menor sofrimento para os filhos, dependendo da maneira como os desenlaces conjugais são vividos e resolvidos.

Face à legalização da união estável entre casais homossexuais, uma pergunta não para de reverberar: o que este ganho jurídico pode mudar, do ponto de vista psicossocial, na vida dos casais e famílias até então envoltos em estigmas, violências e proibições morais de exercer seus legítimos direitos de constituir relações amorosas e viver com as pessoas que escolheram para reinventar a vida?

Em meio à vibração dos militantes pelos direitos das minorias e mesmo dos simpatizantes da igualdade dos direitos civis entre cidadãos, observamos certa exacerbação das resistências à aprovação da lei. No Congresso Nacional, poucos dias depois, alguns deputados se insurgiram contra a emenda que criminaliza a homofobia no país, tumultuando o debate e inviabilizando a votação da proposta. Essa reação certamente tem muitos adeptos. Volta e meia vemos grupos que praticam atrocidades contra homossexuais, como as - registradas por câmeras na avenida Paulista, em São Paulo. No país inteiro encontramos verdadeiras cruzadas - homofóbicas que tentam exterminar aquele cujo “crime” é praticar o exercício da sexualidade nem sempre aceita socialmente.

Diante dessas constatações podemos indagar: por que o desejo do outro nos ameaça tanto? Há mais de um século a psicanálise revelou que nossos grandes temores não vêm do outro, daquele que é diferente de nós (embora muitas vezes pareça que sim), mas daquilo que desconhecemos em nós mesmos, e, exatamente por isso, repudiamos aquele que é diferente, depositamos nele algo de “maldito”, algo de que tentamos nos libertar. Se levarmos em conta essa inflexão, precisamos encarar a homofobia como uma impossibilidade de aceitação do que há em nós, como a rejeição de uma parte negada e temida de nós mesmos.

Ao mesmo tempo é possível pensar que os homossexuais ameaçam os heterossexuais também pela forma como buscam ser felizes em suas relações, enfrentando as adversidades e tentando encontrar nelas saídas para os conflitos e rejeições a que são expostos. Isso parece conferir certa autonomia associada à vida dos casais homoafetivos. Sem querer romantizar experiências, a liberdade de seguir um caminho (pelo menos aparentemente) alternativo, expressa por gays e lésbicas, é muitas vezes ameaçadora. E tais temores são de difícil erradicação, pois mostram o que há de enigmático em nós mesmos. Embora várias frentes revelem mudanças importantes na forma de viver o afeto e o erotismo, ainda prevalece o tabu que, em grande parte das sociedades, envolve o exercício da sexualidade.

À medida que surge maior abertura nos contornos sociais, verificamos uma visão mais libertária do novo e, em consequência, -possibilidades mais amplas de conviver com o diferente – tanto em nós quanto no outro. Exemplo disso é o sistema patriarcal que por muitos anos nos impôs a autoridade exclusiva do pai e a verticalização das relações no interior da família. Hoje, perdido o poder hegemônico, vemos as relações afetivas se tornar cada vez mais horizontais, e a autoridade se diversifica revelando diferentes (e ricas) facetas.

É preciso considerar também que transformações de valores culturais e mentalidades se dão lentamente: dependem, sobretudo, dos processos de socialização, em particular os primários, vividos nas relações com nossos pais, responsáveis pelas primeiras transmissões mediadas pelos afetos. Dito de outro modo, os valores chegam até nós no momento em que somos totalmente dependentes afetivamente daqueles que nos apresentam esses princípios e, portanto, estamos nessa fase incapazes de contestá-los. Se, por um lado, essas condições facilitam a internalização de valores, por outro, mais tarde dificultam sua erradicação. Crescemos com aquilo que herdamos ainda na infância e só muito devagar nos libertamos de alguns conceitos que assimilamos – pelo menos inicialmente –, impossibilitados de questionar. Possíveis mudanças dependem da capacidade de flexibilizar-se, e isto, por sua vez, advém da estrutura psíquica de cada um e até mesmo do grau de saúde mental e da habilidade de “reinventar-se” de forma mais livre. Em outras palavras, as transformações processadas na sociedade não são simultaneamente introjetadas. É preciso, antes, amadurecer as novas ideias.

De qualquer modo, é na articulação entre os âmbitos jurídico, cultural e psíquico que surgem grandes metamorfoses na sociedade. Provavelmente veremos isso a partir de agora, quando a legitimação da união estável tornar mais visíveis as relações homoafetivas, facilitando as diferentes formas de concepção dos filhos e o reconhecimento dessas crianças, sem que seja necessário cobri-las com o manto da dissimulação e da vergonha que até então as acolhia. Penso que, enquanto não promovermos um desarmamento moral, capaz de suportar o potencial humano para ser diferente, estaremos sempre vulneráveis à violência e à solidão. Os ganhos, agora conferidos aos homossexuais, só tornam mais evidentes as perguntas que deveríamos nos fazer cotidianamente: que direito temos nós de condenar o desejo do outro, uma vez que esse desejo é, também, parte de nós mesmos? Que direito temos de dizer ao outro como deve conduzir sua vida afetiva?

A maneira de conviver com a homossexualidade modificou-se ao longo dos anos. Comportamentos vistos como absolutamente normais na Antiguidade foram rotulados de degenerados no século 19. E só recentemente essa expressão da sexualidade deixou de ser considerada uma doença mental. Na edição de 1968 do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), obra de referência para psiquiatras, a atração por pessoas do mesmo sexo aparecia no capítulo sobre desvios, classificada como um tipo de aberração.

Foram os próprios gays que, cansados de ser taxados de aberrações, começaram a defender a ideia de que sua orientação não era patológica. Um momento histórico na transformação dessa forma de pensar ocorreu após uma violenta ação policial no Stonewall Inn, bar gay no Greenwich Village, em Nova York, em 28 de junho de 1969. Nos cinco dias seguintes, uma multidão continuou a se reunir no local, protestando contra a discriminação e exigindo direitos iguais para homossexuais. Conhecido como rebelião de Stonewall, o evento é considerado a marca inicial para a maior aceitação cultural da homossexualidade no mundo todo.

Quatro anos mais tarde, a Associação Americana de Psiquiatria (AAP) começou a reavaliar essa questão. Uma comissão liderada pelo médico Robert L. Spitzer, da Universidade de Colúmbia, recomendou que o termo “homossexualidade” fosse retirado da edição seguinte do DSM, mas a sugestão não surtiu efeitos práticos. Pouco depois de os dirigentes da AAP votarem a favor da alteração, 37% dos psiquiatras consultados sobre o tema disseram ser contrários à mudança. Alguns chegaram a acusar a associação de “sacrificar princípios científicos em nome dos direitos civis”.

Nos anos 90, grande parte dos psicólogos ainda argumentava que a homossexualidade era um distúrbio psíquico. Para defender esse ponto de vista, muitos se apoiavam na penúltima edição da Classificação internacional de doenças (CID-9), de 1985, que considerava essa orientação formalmente patológica. Atualmente, porém, os conselhos regionais de psicologia (CRPs) são claros em orientar os profissionais da área para que não tratem a homossexualidade como distúrbio, a manifestação de preconceitos pode deflagrar processos e punições.

O preconceito em relação à homossexualidade muitas vezes é dissimulado e, apesar das transformações culturais, em certos meios persiste a ideia de que essa orientação é uma doença que precisa ser “curada”. Alguns defensores de terapias que se propõem a isso buscam respaldo na teoria de Sigmund Freud (1856-1939), cujas palavras foram tantas vezes descontextualizadas e interpretadas de maneira tendenciosa. As formulações do autor passaram por diferentes momentos e sofreram acréscimos significativos ao longo de sua obra, o que permite variadas interpretações, dependendo do texto que for tomado como referência. Em artigo de 1930 no qual discute o caso de uma moça que se apaixona por uma jovem senhora da sociedade, por exemplo, Freud considera que, quando uma mulher escolhe outra como objeto de amor, revela uma fixação infantil – não necessariamente decepção com o pai. Fixações, entretanto, não são exclusividade dos homossexuais – nem podemos procurar “culpados” por elas. As diferentes preferências – e consequentes escolhas ou negações – revelam singularidades e fatores inconscientes de cada pessoa.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/relacoes_homoafetivas_avancos_e_resistencias.html. Acesso em 29 jun 2013.

domingo, 23 de junho de 2013

Jerusalém: o desafio de ser LGBT na cidade 'sagrada'

Susana Mendoza
1 de maio de 2012

Uma terra de contrastes. Ao mesmo tempo em que Jerusalém é considerada sagrada por três religiões monoteístas – o cristianismo, o judaísmo e o islamismo – e reúne símbolos e pessoas tão diferentes entre si, é também terreno sinuoso para a manifestação de direitos civis. A cidade abriga uma comunidade LGBT vibrante, mas que frequentemente é alvo das camadas mais conservadoras.

Em Jerusalém, há apenas um bar para o público LGBT e a realização da Parada do Orgulho foi um direito conquistado após muito esforço. Ela reuniu quatro mil pessoas em 2011, que exigiram a aprovação de uma legislação que proteja LGBTs em Israel. Indignados com o desfile, grupos de judeus ortodoxos protestaram em diversos pontos da cidade, controlados por cerca de mil policiais espalhados por Jerusalém -- alguns chegaram a agredir os participantes do evento. Em junho daquele ano, a marcha em Tel Aviv conseguiu reunir 70 mil pessoas.

“Embora não existam tantos homossexuais quanto em Tel Aviv, todos os anos Jerusalém atrai milhares de ativistas gays para participar da marcha, para mostrar que, mesmo que os religiosos nos considerem ‘sujos’, esta é nossa cidade também”, comenta A.S. um membro da comunidade LGBT da cidade.

Apesar das diversas ameaças de morte que recebem ano após ano durante a parada, a manifestação anual se supera cada vez mais em termos de assistência e organização. “A diferença entre a nossa marcha anual e a de Tel Aviv e outras partes do mundo é que, em Jerusalém, adquire também um significado de luta pelos nossos direitos e contra o ódio que uma ampla maioria da população de Jerusalém sente por nós”, acrescenta Natalie V., uma belga que desembarcou em Jerusalém há cinco anos.

Natalie, que há cinco anos namora uma mulher israelense, é prova da dualidade do estado de Israel em relação à lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Embora Israel seja um país democrático, o judaísmo ortodoxo interfere em muitos assuntos civis, incluindo os casamentos. Em Israel, é impossível realizar um casamento civil, mesmo entre heterossexuais. No entanto, em uma distorção, estão permitidas as uniões homoafetivas, inclusive se uma delas for estrangeira, como é o caso de Natalie.

“É curioso que isto seja possível em um país onde predomina tanto a religião. Eu quero deixar claro que em Jerusalém e Israel, até o momento, não tive nenhum problema por andar de mãos dadas com a minha namorada, nem por darmos um beijo”, diz. “No entanto, trabalho com uma família ortodoxa judia e não comentei nada sobre a minha orientação sexual em quase quatro anos", conta Natalie.

Ultraortodoxos caminhando ao lado de uma mulher muçulmana usando o véu e uma menina de minissaia logo atrás são cenas comuns nas ruas de Jerusalém. E é nessa heterogeneidade que, no final, reside uma espécie de acordo tácito de não agressão. Embora, às vezes, essa bolha possa estourar, como aconteceu durante a Parada do Orgulho LGBT de 2005, quando um judeu ultraortodoxo esfaqueou vários participantes. Atentado pior aconteceu à comunidade LGBT de Tel Aviv, quando uma bomba matou duas pessoas e feriu uma. O culpado, um colono da Cisjordânia, afirmou que LGBTs são “animais”.

Portanto, apesar da mescla aparentemente suave entre religiosos e seculares em Jerusalém, assim como no resto do país, uma tensão soterrada pulsa abaixo da superfície. “Aqui, em geral, como os gays não carregam um cartaz dizendo ‘sou gay’, não há tantos problemas, mas também você não vai dar um beijo em outro homem em Mea Shearim (o bairro ultraortodoxo), não queremos provocá-los em seu bairro”, diz Adam.

Segundo ele, porém, o resto da cidade é de todos. O bar Mikve, antes conhecido como Shushan, na rua Shushan, foi o primeiro voltado para o público LGBT a ser aberto na cidade. O lugar está vivendo uma nova era dourada depois de permanecer fechado durante muitos anos devido às pressões dos ortodoxos. Durante toda a semana há festas para clientes e as segundas-feiras são exclusivas das drag queens.

“Em Jerusalém, não há muitas festas nem lugares para dançar, por isso sempre aparecem heterossexuais. Na cidade, todos nos conhecemos e amigos de todas as orientações sexuais se juntam a nós. Estamos misturados”, conta com um sorriso Daniel R., empresário.

A empresa encarregada de organizar as festas, Unibra, garante que é um sucesso, que atrai dezenas de pessoas a semana toda, embora as festas drag sejam as preferidas. “As pessoas querem se divertir, já estão cansadas de se esconder, mas infelizmente nesta cidade não há lugares para onde sair à noite”, lamenta a Unibra.

Palestinos

Para os membros da comunidade LGBT palestina os desafios são ainda maiores. “Para eles é mais difícil, pois vem de uma sociedade mais conservadora, em que a homossexualidade é punida ou humilhada em público. Por isso, a última coisa que querem é fazer uma declaração pública de que são gays, sejam homens ou mulheres”, explica Adam.

A organização para palestinos LGBTs em Israel Al Qaws organiza eventos para os palestinos e ajuda a criar uma rede de apoio e conscientização entre a comunidade árabe. Uma vez por mês organiza uma festa para que LGBTs palestinos que vivem em Israel possam se conhecer.

“Mesmo que os palestinos que vivem em Israel contem com os mesmos direitos que os cidadãos judeus, muitas vezes há racismo e incompreensão em relação aos gays palestinos”, comenta um porta-voz da Al Qaws. “Há também muita incompreensão por parte da comunidade internacional, que se foca na ocupação israelense. Além disso, a opinião da comunidade palestina pesa demais. Dessa forma, não podemos esperar que eles saiam do armário como no Ocidente.”

Às vezes, Israel chega a acolher como refugiados palestinos LGBTs que correm risco de morte ou que tenham recebido ameaças, embora não seja algo tão frequente. Enquanto isso, em Jerusalém, continua a luta para que a comunidade religiosa aceite lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, se não como iguais, como cidadãos com os mesmos direitos de todos.

“Este é o nosso objetivo. Não queremos nem mais nem menos do que têm os demais e poder passear tranquilamente de mãos dadas, sem ter medo que nos façam sentir inferiores, nem ter a nossa Parada do Orgulho Gay cercada por centenas de policiais”, diz Adam.

Para mostrar que, embora nem sempre venha à tona, o ódio contra LGBTs corre solto em Jerusalém, em 2006 foi a homofobia que uniu representantes das três religiões monoteístas para protestar contra a Parada do Orgulho LGBT daquele ano. “É uma pena. Poderiam ter se unido para protestar contra outras coisas mais importantes”, lamenta Adam.


Disponível em http://mundo.gay1.com.br/2012/05/jerusalem-o-desafio-de-ser-lgbt-na.html#. Acesso em 22 jun 2013.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Estudo relaciona homossexualidade com alteração na divisão celular

G1
12/12/2012

Possíveis fatores que determinam que uma pessoa seja homossexual têm sido alvo de inúmeros estudos científicos, e uma nova pesquisa americana aponta que uma área da biologia chamada epigenética pode estar envolvida nesse processo.

A epigenética é diferente da genética, que abrange os genes e a hereditariedade. No primeiro caso, o ambiente favorece mudanças nas divisões celulares, mas que não interferem na sequência de DNA – ou seja, as alterações geralmente ficam apenas com o próprio indivíduo e são produzidas de novo a cada geração.

Segundo o trabalho do Instituto Nacional de Matemática e Síntese Biológica (NIMBioS) dos EUA, publicado online no periódico "The Quarterly Review of Biology", interruptores sexuais temporários, que normalmente não são transmitidos e simplesmente se "apagam" entre as gerações, podem levar à homossexualidade quando escapam de serem deletados e acabam passados do pai para a filha ou da mãe para o filho.

Do ponto de vista evolutivo, a homossexualidade é uma característica que não seria esperada para se desenvolver e persistir diante da teoria de seleção natural de Darwin. Estudos anteriores mostram que a atração pelo mesmo sexo pode se repetir em uma mesma família, levando pesquisadores a presumir que haja um embasamento genético para a preferência sexual. Apesar dos numerosos trabalhos que buscam uma ligação genética, porém, nenhum gene importante ligado à homossexualidade já foi encontrado.

Na atual pesquisa, a equipe do Grupo de Trabalho sobre Conflitos Intragenômicos do NIMBioS criou um modelo matemático e biológico para delimitar o papel da epigenética na homossexualidade. Os cientistas juntaram a teoria da evolução darwiniana com recentes avanços no entendimento da regulação molecular por meio da expressão de genes e do desenvolvimento sexual ligado a andrógenos – substâncias que estimulam e controlam as características masculinas em uma pessoa.

Alguns "marcadores epigenéticos" produzidos no início do desenvolvimento fetal protegem cada sexo de uma variação substancial de testosterona que ocorre mais tarde. Em meninas, esses marcadores impedem que elas se masculinizem demais – e, nos meninos, de menos. Alguns interferem nos órgãos genitais, outros na identidade sexual, e outros na preferência por um parceiro.

Quando esses marcadores são transmitidos de uma geração para outra, de acordo com o estudo, eles podem causar efeitos inversos, como a feminização de alguns traços em meninos – por exemplo, a orientação sexual – e a masculinização parcial das meninas.

"A transmissão de marcadores epigenéticos sexualmente antagônicos entre as gerações é o mecanismo evolutivo mais plausível para o fenômeno da homossexualidade humana", disse o coautor do estudo Sergey Gavrilets, diretor associado do NIMBioS e professor da Universidade do Tennessee, em Knoxville.


Disponível em http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/12/homossexualidade-estaria-ligada-alteracao-na-divisao-celular-diz-estudo.html. Acesso em 04 jun 2013.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Homossexualidade pode ser influenciada pela epigenética

Ricardo Carvalho
12/12/2012

Do ponto de vista evolutivo, o fato de a homossexualidade ser algo bastante comum na sociedade humana, ocorrendo em cerca de 5% da população mundial, é intrigante. Como homossexuais produzem menos prole do que heterossexuais, uma possível variação genética relacionada à homossexualidade dificilmente seria mantida ao longo das gerações. "Isso é muito enigmático a partir de uma perspectiva evolucionária: como a homossexualidade pode existir em uma frequência tão alta a despeito do processo de seleção natural?", diz em entrevista ao site de VEJA Urban Friberg, do departamento de Biologia Evolutiva da Universidade de Uppsala, na Suécia. Friberg, ao lado de William Rice, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, e Sergey Gavrilets, da Universidade do Tennessee, ambas nos Estados Unidos, pode ter encontrado uma resposta: o fator biológico ligado à homossexualidade não estaria na genética propriamente dita, e sim em um conceito conhecido por epigenética. Os resultados foram publicados nesta terça-feira no periódico científico The Quarterly Review of Biology

A epigenética trata de modificações no DNA que sinalizam aos genes se eles devem se expressar ou não. Esses marcadores não chegam a alterar nossa genética, mas deixam uma marca permanente ao ditar o destino do gene: se um gene não se expressa, é como se ele não existisse.

CONHEÇA A PESQUISA

Título original: Homosexuality as a Consequence of Epigenetically Canalized Sexual Development.

Onde foi divulgada: The Quarterly Review of Biology

Quem fez: William Rice, Urban Friberg e Sergey Gavrilets

Instituição: Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, Universidade de Uppsala e Universidade do Tennessee.

Resultado: O artigo estudou um possível componente hereditário para, a partir de um ponto de vista evolutivo, explicar a homossexualidade. Os três autores montaram um modelo segundo o qual uma marca epigenética (epimarca), que regula a sensibilidade à testosterona em fetos, pode ser transmitida de mãe para filho e de pai para filha e influenciar na orientação sexual.

Essa nova teoria vai ao encontro de outra tese mais antiga, a de que a homossexualidade é definida, ao menos em parte, por um componente hereditário. Pelo menos quatro grandes estudos, publicados em 2000, 2010 e 2011, nos periódicos Behavior Genetics, Archives of Sexual Behavior ePLoS ONE, apontam para esse fator na origem da orientação sexual, a partir de estudos com gêmeos monozigóticos (também chamados de idênticos ou univitelinos, produtos da fertilização de um único óvulo) e dizigóticos (também chamados de fraternos ou bivitelinos, produtos da fertilização de dois óvulos diferentes). 

Epigenética — Imagine o material genético humano como um manual de instruções. Os genes formariam o conteúdo do livro, enquanto as epimarcas ditariam como esse texto deveria ser lido. "A epigenética altera e regula a forma como os genes se expressam", explica a geneticista Mayana Zatz, do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP). É por meio dos comandos epigenéticos, por exemplo, que o pâncreas fabrica apenas insulina, apesar de as células nesse órgão terem genes para a produção de muitos outros hormônios.

Acreditava-se que os traços da epigenética não eram hereditários, sendo apagados e recriados a cada passagem de geração. Como pesquisas nas últimas décadas mostraram que uma fração de epimarcas é, sim, passada de pais para filhos, Friberg, Rice e Gavrilets julgaram ter encontrado a peça que faltava para montar o quebra-cabeça. 

Sensibilidade – Os três criaram um modelo segundo o qual uma dessas epimarcas transmitidas hereditariamente é o marcador responsável por regular a sensibilidade à testosterona de fetos no útero materno. Ao longo da gestação, tanto fetos masculinos quanto femininos são expostos a quantidades variadas do hormônio, sendo que o fator epigenético estudado no artigo torna o cérebro dos meninos mais sensíveis à testosterona quando os níveis estão abaixo do normal. Isso acontece para preservar características masculinas, podendo inclusive influir na orientação sexual. O mesmo ocorre, mas inversamente, com as meninas. Quando a testosterona está acima do normal, a epimarca funciona como uma barreira, diminuindo sua sensibilidade ao hormônio. 

A partir desse modelo, a homossexualidade poderia ser explicada pela transmissão de epimarcas sexualmente antagônicas. Ou seja: quando o pai transmite seus marcadores, que tiveram a função de torná-lo mais sensível à testosterona, para uma filha. De igual maneira, esse material hereditário pode ser passado de uma mãe para um filho, tornando-o menos sensível à testosterona.

"Quando os efeitos desse mecanismos (que regulam a sensibilidade à testosterona) não são apagados entre as gerações, eles se expressam na prole do sexo oposto. Isso pode resultar em indivíduos que desenvolvem preferências sexuais pelo mesmo sexo", explica Friberg, da Universidade de Uppsala. "O que fizemos foi colocar pela primeira vez o conceito da transmissibilidade epigenética no contexto de desenvolvimento sexual."

O pesquisador faz questão de ressaltar que ainda não se pode provar que a epimarca específica da sensibilidade à testosterona é hereditária. Para tanto, testes específicos precisarão ser realizados. "Uma grande solidez do nosso estudo é que o modelo epigenético para a homossexualidade faz predições que são testáveis com tecnologia já existente. Se o nosso modelo estiver errado, pode ser rapidamente descartado", escrevem os autores no artigo do The Quarterly Review of Biology.

Outro pesquisador envolvido, Sergey Gavrilets, da Universidade do Tennessee, afirma que mesmo que a teoria da hereditariedade seja respaldada por futuros estudos, o debate está longe de acabar. "A hereditariedade explica apenas parte da variação na preferência sexual. As razões, que podem ser sociais, culturais e do ambiente, permanecerão como um tópico de intensa discussão." 

"Estudo positivo" – Carmita Abdo é coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ela destaca que a nova pesquisa é positiva, uma vez que contribui para a melhor compreensão dos fatores biológicos envolvidos na ocorrência da homossexualidade. "O trabalho é importante porque reforça uma ideia cada vez mais prevalente: a de que a genética — no caso a epigenética — tem influência sobre a orientação sexual."

Essa compreensão científica tem sido importante, segundo Carmita, no combate a mitos que envolveram o tema e que alimentaram interpretações preconceituosas. "Até pouco tempo atrás, achava-se que a orientação sexual era proveniente de uma escolha, como se deliberadamente o indivíduo optasse por ser homossexual. Muito do preconceito contra os homossexuais advém daí", afirma, lembrando que até o início dos anos 90 a homossexualidade era tratada como um transtorno de preferência, e não como uma característica. "Observar um fenômeno pelas lentes da ciência muda a compreensão e ajuda a deixar de lado certas discriminações. Nesse caso em particular, você remove da equação a ideia de que o homossexual é responsável por uma opção que muitos veem como negativa, pejorativa."

Ela ressalva, entretanto, que ainda existe muita incerteza no campo e que a orientação sexual precisa ser encarada como produto de vários fatores. "O estudo reforça a ideia segundo a qual existe uma predisposição que vai ser confirmada ou não a partir de uma serie de influências que vão ocorrer ao longo da vida, algumas delas de ordem cultural, educacional e social. Ele não consagra uma interpretação determinista, nem diz que tudo depende dos genes".

"Nosso objetivo é entender como as preferências sexuais se desenvolvem e evoluem"
Urban Friberg - Professor do Departamento de Biologia Evolutiva da Universidade de Uppsala, na Suécia

Qual o principal objetivo da pesquisa?
Assume-se que indivíduos homossexuais produzem menos prole do que heterossexuais. Qualquer codificação genética para homossexuais deveria, portanto, ser rapidamente removida no processo de seleção natural. Apesar disso, a homossexualidade é relativamente comum entre humanos (cerca de 5%). Além do mais, os melhores estudos disponíveis mostram que há um componente hereditário na homossexualidade. Isso tudo é muito intrigante de uma perspectiva evolucionária: como a homossexualidade pode existir em frequências tão significativas apesar da seleção contra ela? O objetivo da nossa pesquisa foi simplesmente tentar resolver esse enigma, o que nos ajuda a entender como as preferências sexuais se desenvolvem e evoluem.

Como a mudança de foco de genética para a epigenética pode ser explicada?
Nossa principal contribuição é trazer uma explicação lógica para o porquê de a homossexualidade ser algo tão frequente – e para tanto nós mudamos o foco, como causa da homossexualidade, de genes para epimarcas. Nossa teoria sugere que a homossexualidade é resultado de um mecanismo que ajuda as pessoas a desenvolver a preferência por indivíduos do sexo oposto. Quando os efeitos desses mecanismos (epimarcas) não são apagados entre as gerações, eles se expressam na prole do sexo oposto. Isso pode resultar em indivíduos que desenvolvem preferências sexuais pelo mesmo sexo.

Como a comunidade científica lida com genética e homossexualidade?
Houve diversos estudos nos quais os pesquisadores tentaram encontrar genes associados com a homossexualidade. Tais estudos falharam e nenhum gene foi identificado. O resultado disso tudo é intrigante, uma vez que a homossexualidade tem um componente hereditário. Nossa teoria, porém, é capaz de explicar por que a homossexualidade é tão comum e tem um componente hereditário, sem nenhuma codificação genética para esse traço.

Encontrar uma possível explicação biológica ajuda a combater o preconceito?
Atualmente, algumas pessoas acreditam que a homossexualidade é uma escolha pessoal e que indivíduos homossexuais podem ser ensinados a escolher de forma diferente a sua orientação sexual. Eu acredito que encontrar as raízes da preferência sexual mina tais mitos e ajuda as pessoas a melhor entender e aceitar a homossexualidade.

Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/homossexualidade-pode-ser-influenciada-pela-epigenetica. Acesso em 14 dez 2012.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pai narra luta para fazer o filho aceitar a própria homossexualidade

David Sheff
15 de Novembro de 2012
 
John Schwartz enxerga o sofrimento do filho depois de uma tentativa de suicídio e lança livro sobre o difícil caminho que o garoto percorreu para se aceitar 

Jeanne Mixon, esposa do jornalista do New York Times John Schwartz, entrou em casa uma tarde para encontrar o filho de 13 anos, Joe, incoerente, de “olhos esbugalhados” e nu no banheiro. Frascos de comprimidos estavam espalhados pelo chão e havia uma faca dentro da banheira. Joe tentou se matar.

A cena – um pesadelo para todos os pais - abre o livro de memórias de John Schwartz, “Oddly Normal: One Family’s Struggle to Help Their Teenage Son Come to Terms With His Sexuality”(ainda sem título em português, mas que pode ser traduzido como ‘Estranhamente normal: a luta de uma família para ajudar seu filho adolescente a aceitar sua sexualidade’).

A publicação é um relato emocionante do aprendizado de Joe para conseguir aceitar sua sexualidade, assim como o esforço de seus pais para protegê-lo da homofobia e ajudá-lo a suportar um sistema escolar que continua a marginalizar crianças que precisam de compreensão.

Schwartz está no trabalho quando Jeanne liga para lhe dizer que o filho tentou se matar. Ele corre para o hospital, onde se senta ao lado da cama de Joe, implorando ao filho que beba uma solução que neutralizará o efeito das drogas ingeridas. É possível sentir sua angústia quando ele tenta persuadir o filho: “vamos, Joseph. Mais um gole. Vamos. Um golinho mais apenas."

Anos antes, o casal já tinha reparado na paixão de Joe por seus “lindos” brinquedos, como ele mesmo definia, e suas bonecas. John e Jeanne sabiam que seu filho era gay. Ao contrário de muitos pais, eles estavam ansiosos para ver o menino sair do armário e se assumir. 

Drogas poderosas 

Mas mesmo pais compreensivos como os da família Schwartz não poderiam proteger seu filho da implacável experiência escolar, nem de si mesmo. O livro conta um episódio quando Joe, sentindo-se mais corajoso depois de assumir sua homossexualidade, repreendeu um grupo de meninos sobre a forma que eles classificavam as meninas. Ele passou a classificar os meninos também: "você é nota sete. Você é nota cinco.” À medida que os meninos iam ficando desconfortáveis, Joe zombava de todos e os desafiava: “os garotos estão com medinho do menino gay?", perguntava.

As crianças contaram o que aconteceu para um conselheiro da escola e a história se espalhou deixando Joe deprimido. Horas mais tarde, ele engoliu mais de duas dezenas de cápsulas de Benadryl (anti-histamínico vendido em farmácia). “Se tivéssemos mantido drogas mais poderosas em casa, poderíamos ter perdido nosso filho”, escreve Schwartz.

Adolescentes LGBT

Schwartz relata que as estatísticas sobre adolescentes gays que cometem suicídio, ou pelo menos tentaram, “são obscuras”, mas sua análise o leva a concluir que uma investigação melhor sobre o assunto acabará mostrando uma taxa substancialmente mais elevada de suicídio e uma maior incidência de pensamentos suicidas entre os adolescentes LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis) do que na população em geral.

Muitos adolescentes gays tiraram as próprias vidas, incluindo Tyler Clementi, o estudante americano que pulou da ponte George Washington depois de saber que um colega de quarto colocou na internet imagens dele beijando outro homem e enviou mensagens no Twitter incentivando outros estudantes a assistirem a cena.

Schwartz ainda ressalta que a intimidação ostensiva não é o único tipo de bullying que afeta crianças gays. De acordo com uma pesquisa, cerca de 90% dos estudantes gays disseram ter ouvido a palavra “gay” sendo usada de forma pejorativa e 72% relataram ter ouvido palavras homofóbicas como “bicha”. O resultado, Schwartz escreve, “são filhos gays que podem carregar um valentão internamente que os faz se sentir miserável, não importando se tem ou não alguém mexendo com eles pessoalmente.”

Transtornos psiquiátricos

A tentativa de suicídio de Joe parecia uma reação ao ostracismo na escola, mas Schwartz tem o cuidado de não aceitar explicações muito simples diante da profundidade do desespero de seu filho. Joe foi ridicularizado durante boa parte de sua infância porque ele era diferente, e não só por ser desajeitado em esportes e efeminado. Ele também era dado a explosões de raiva dirigidas a outras crianças e professores. Além disso, há indícios de que ele poderia ter tido um ou mais transtornos psiquiátricos.

Schwartz também olha para si mesmo e descreve suas próprias falhas como pai. Ele narra dolorosamente os erros que ele e a mulher cometeram, incluindo as tentativas anteriores de suicídio de Joe que nunca foram percebidas pelos pais. Scwartz conta que uma vez chegou a aceitar as desculpas do filho quando encontrou sinais de que Joe poderia ter tentado estrangular a si mesmo. Schwartz escreve: “a esta altura você pode estar pensando que éramos cegos. Em retrospecto, a única resposta que eu posso dar é ‘sim, é basicamente isso’”.

É claro que a leveza que permeia a história deste pai, que tentou desesperadamente ajudar o filho homossexual, só é possível porque a tentativa de suicídio de Joe não se concretizou - ao contrário de muitos outros, incluindo o caso de Tyler Clementi.

Disponível em http://www.cenariomt.com.br/noticia.asp?cod=249126&codDep=8. Acesso em 27 nov 2012.