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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Investigação portuguesa sobre "as vidas das pessoas transgénero" recebe financiamento europeu

Andreia Sanches
10/12/2013

Em Novembro, a Alemanha tornou-se o primeiro país europeu onde é possível inscrever no Bilhete de Identidade de uma criança uma terceira opção para além de "feminino" ou "masculino": "sexo indefinido". Que impacto tem numa sociedade uma medida legislativa como esta? "Tem, com certeza, consequências que quem faz as leis não coloca e é importante reflectir sobre isso quando assistimos a uma pressão" para que legislação idêntica seja aprovada noutros países, diz Sofia Aboim, investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa que acaba de obter um financiamento de 1,3 milhões de euros para um estudo sobre género e direitos sexuais na Europa.

O financiamento deste estudo será assegurado por cinco anos, pelo Conselho Europeu de Investigação (CEI) — que foi criado em 2007, pela Comissão Europeia, para estimular a excelência científica na Europa.

A investigadora portuguesa não tem dúvidas: "A sociedade vai ter de repensar-se a si própria." E as questões que vão colocar-se irão muito além do básico "A que casa de banho vão estas pessoas, à da dos homens ou à das mulheres?", como começou por acontecer na Alemanha, numa fase ainda de "reacção de estranheza" à introdução da ideia de um "terceiro sexo".

O projecto coordenado por Sofia Aboim e financiado pelo Conselho Europeu de Investigação chama-se TRANSRIGHTS — Cidadania de género e direitos sexuais na Europa: vidas transgénero numa perspectiva transnacional. Irá investigar "as vidas das pessoas transgénero bem como o aparato institucional que as enquadra" em cinco países europeus: Portugal, França, Reino Unido, Holanda e Suécia. O termo transgénero inclui transexuais e hermafroditas, por exemplo.

Sofia Aboim explica que se pretende, por um lado, analisar o contexto legal e, por outro, "as vidas destas pessoas" — quem são, como definem, qual o seu lugar no mundo do trabalho, de que forma são marginalizadas. Isto em países do Norte e da Escandinávia, ou seja, com perfis muito distintos.

Para tal serão feitas entrevistas nos diferentes países. A equipa principal de investigadores estará, contudo, sediada em Portugal.

A investigadora lembra que se sabe pouco. Mas há dados que dão que pensar. Como este: "Em França, 40% dos trabalhadores sexuais são pessoas transgénero, imigrantes."

Sofia Aboim tem trabalhado os temas da família, do género e da sexualidade. Recentemente, lançou o livro A Sexualidade dos Portugueses, publicado pela Fundação Franscisco Manuel dos Santos (2013).

O CEI disponibiliza bolsas de até 2,75 milhões de euros por projecto (as chamadas Consolidator Grants) a investigadores que tenham pelo menos sete anos de experiência na área da investigação, pós-doutoramento, e apresentem um projecto considerado "excelente".


Disponível em http://www.publico.pt/sociedade/noticia/investigacao-portuguesa-sobre-as-vidas-das-pessoas-transgenero-recebe-financimento-europeu-1615792. Acesso em 19 dez 2013.

sábado, 26 de outubro de 2013

Transexuais: quero ser mulher também no meu RG

Iran Giusti 
12/06/2013

Nascida no corpo de um homem, a modelo carioca Felipa Tavares foi percebendo desde a infância que a sua identidade era feminina. Hoje, aos 26 anos, ela tem a convicção de que é uma mulher, inclusive se veste e se porta como tal. Porém, o seu RG ainda contraria o que ela sente, a identificando como uma pessoa do sexo masculino.

Assim como Felipa, diversas transexuais brasileiras enfrentam o demorado processo jurídico para trocar o nome de batismo pelo outro que elas escolheram. Além representar reconhecimento de uma identidade própria, o documento alterado também evita uma série de constrangimentos dolorosos.

Felipa Tavares ao iG Gente: "Se for só beijinho, 
não falo que sou transexual"

“Mudar o nome tem um peso enorme. Estou cansada de chegar aos lugares e começar a ser desrespeitada no minuto seguinte depois que eu apresento o meu RG. Uma vez no banco, o gerente pegou meu documento, chamou os colegas e começou a dar risada apontando para mim”, desabafa Felipa, relatando apenas um dos inúmeros constrangimentos que já passou.

Mudar o nome tem um peso enorme. Estou cansada de chegar aos lugares e começar a ser desrespeitada no minuto seguinte depois que eu apresento o meu 
RG (Felipe Tavares)

Como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não contabiliza os transexuais no censo, ainda não há números exatos sobre a porcentagem que eles representam no total da população brasileira. Mas dados do SUS (Sistema Único de Saúde) fornecem uma pista da situação, ao mostrar que são realizadas diariamente no Brasil duas cirurgias de mudança sexo.

Embora tenha esse desejo, Felipa ainda não conseguir fazer a mudança de sexo, mas já entrou na justiça com o pedido para mudar de nome. Mas antes disso, ela precisou passar em nove cartórios do Rio de Janeiro, onde mora, para reunir os documentários necessários para o processo.

A advogada Luisa Helena Stern , 47, já venceu tanto o processo jurídico quanto o médico. “Ter o seu nome no RG é uma grande conquista. Tirar a certidão de nascimento com o nome novo, aquele que te representa, é como nascer de novo, só que desta vez, do jeito certo”, constata Luisa, que vive em Porto Alegre.

Luisa relata que o processo de mudança do RG acelerou quando ela fez a mudança de sexo. “Quando entrei na justiça, eu ainda não havia feito a cirurgia e notei que o juiz protelou ao máximo a alteração no documento para que ambas as coisas acontecessem juntas”, observa a advogada, que realizou as duas modificações no ano passado.

Ela agora aguarda decisão da justiça para que em seu documento  o campo 'sexo' seja alterado de 'masculino' para 'feminino'.

Acompanhando atualmente oito casos de transexuais que querem mudar de nome, o advogado Eduardo Mazzilli conta que a duração do processo jurídico varia muito nas diferentes regiões do Brasil. Em São Paulo, todo o trâmite costuma levar em torno de quatro meses, mas em outro estados, o tempo total pode ser dez vezes maior, chegando a quatro anos.

“Há relatos de casos de transexuais que não conseguiram lidar com o preconceito e se mataram durante o processo da troca de sexo e até do nome”, revela Mazzilli.

Apesar da demora, o advogado diz que juridicamente o processo é simples, o que acaba prolongando o tempo é a quantidade de documentos exigidos. “É necessário apresentar desde RG e CPF até documentos relativos a ações penais, assim como o documento de alistamento militar. Algo que muitas delas não têm porque não tiveram coragem de se alistar”, aponta Mazzilli.

Ter o seu nome no RG é uma grande conquista. Tirar a certidão de nascimento com o nome novo, aquele que te representa, é como nascer de novo, só que desta vez, do jeito certo (Luisa Helena Stern)

“Para mudar o RG, é preciso demonstrar para o juiz que a transexual usa o nome feminino no dia a dia. Isso pode ser comprovado com perfis em redes sociais e até documentos que comprovam a participação em palestras”, exemplifica o advogado. “A mudança de sexo é mais complicada, exige laudos médicos e a realização da cirurgia em si, que já é muito difícil” completa.

Numa tentativa de encurtar o tempo da burocracia, a Centro de Referencia em Direitos Humanos do Pará criou a Carteira de Nome Social, também conhecido como Carteira Trans, documento para transexuais e travestis que é válido em todo o estado, nos ambientes estatais e privados. Não é necessário de medida judicial para requerê-lo, basta apenas que a (o) interessada (o) compareça ao órgão paraense.

“Este documento foi desenvolvido no Rio Grande do Sul, vimos o projeto e aprimoramos. Lá, ele deve ser apresentado junto ao RG, o que acaba não ajudando muito. No Pará, conseguimos contemplar todos os dados como RG e CPF, permitindo a identificação civil sem ferir a identificação social, que é como a pessoa se percebe”, avalia Bruna Lorrane de Andrade , 25, transexual que coordena o centro de referência.

Além de preencher a lacuna dos poderes judiciário e legislativo em relação aos direitos dos transexuais, o documento paraense pretende reduzir problemas causados por esse não reconhecimento da identidade, como é o caso das trans que abandonam os estudos por conta dos constrangimentos sofridos na escola.

“Esperamos que isso acabe com o estigma de que o transgênero é marginalizado, que vive sempre de prostituição”, conclui Bruna.


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-06-12/transexuais-quero-ser-mulher-tambem-no-meu-rg.html. Acesso em 14 out 2013.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Renata Bastos: “é muito difícil homem assumir relação com travesti”

Iran Giusti
26/09/2013

Quem circula nas baladas mais disputadas da noite paulistana já se deparou com a sua figura imponente nas portas das casas noturnas. Com 1,77m – turbinados, invariavelmente, por um bom salto - a transgênero Renata Bastos exerce com rigor o poder de decidir quem entra ou não nesses lugares. Aliás, ela nem se incomoda com a fama de antipática que a profissão hostess costuma levar.

"Quando sou boa, sou ótima. Quando sou má, sou melhor ainda”, brinca Renata, usando a famosa frase da atriz Mae West para responder a pergunta sobre como lida com os clientes inconvenientes, adeptos da famosa ‘carteirada’.

Mas é preciso entender que a aspereza e a antipatia fazem parte do personagem que Renata encarna no trabalho, mas não da sua vida fora dele. A paulistana da Vila Madalena, de 31 anos, conta sua intensa história para a reportagem do iGay com fala pausada, gestos delicados e um jeito doce.

Aos 14 anos, ela decidiu que já era hora de trocar as roupas de menino pelas de menina. E, sem medo, usou peças femininas num passeio pela Avenida Paulista. Mas a percepção de que era uma garota no corpo de um garoto veio muito antes do que isso.

“Com seis anos, percebi que gostava de um menino, mas uma amiguinha me falou que era errado. Aos nove anos, me apaixonei novamente e dessa vez escrevi uma cartinha pra ele que não entreguei, mas minha mãe achou. Falei que não era minha porque ela reagiu mal”, conta Renata. “Foi só aos 13 anos, quando a minha mãe faleceu, que eu consegui me libertar e me assumir”, acrescenta a hostess, com franqueza.

O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a marginalização do mundo, a prostituição, a violência

Mesmo tendo crescido numa família com tios de cabeça aberta e envolvidos no universo da moda, Renata enfrentou preconceito dentro de casa por se travestir. “O medo da minha família não era eu ser uma travesti, era a marginalização do mundo, a prostituição, a violência”, explica ela.

A situação mudou quando ela começou a se envolver com o universo da moda, trabalhando como modelo, aos 15 anos. “Os jornalistas André Fischer e Erika Palomino me chamaram para trabalhos, me mostraram que a estética andrógina era uma boa para mim. Com bons amigos, meu pai ficou mais tranquilo, entendeu que eu era uma mulher, ele me viu como Renata”.

É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava de veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral

Me chama de veado, mas quer sair comigo

Hoje, a aceitação na família é melhor e a relação com o pai é de amizade e cumplicidade. Mas no terreno do amor, Renata ainda não se acertou. “É muito difícil um homem assumir uma relação com uma travesti. Eles têm dificuldade de entender a questão do andrógeno. Eu até fiquei mais feminina por conta disso. Porque muitos me falavam: ‘ela é Renata e não tem peito?’”, avalia a paulistana, que tem planos de implantar silicone nos seios, mas não de fazer a cirurgia de mudança de sexo, pelo menos por enquanto.

Renata enfrenta essa relação complicada com os homens desde a adolescência. “É uma situação louca. Porque o mesmo menino que me chamava de veado na escola, pedia para ficar comigo a noite, queria sexo oral”, relata a hostess, que confessa o desejo de formar uma família. “Quero ter casa, filho, cachorro e fazer churrasco no fim de semana. E com isso, acabo forçando a barra em algumas relações, o que me coloca em situações não tão legais”.

Segundo Renata, muitos homens só percebem que ela é transgênero na hora de ir para cama. “Fui para casa com um cara que conheci em uma festa de hip-hop, mas quando ele mexeu na minha calcinha, e percebeu que eu era travesti, saiu logo pegando o celular, carteira e relógio. Ele achou que eu ia roubá-lo”, lamenta ela, questionando em seguida. “O quê vou fazer nesta situação? Me apresentar e dizer: Oi sou a Renata Bastos e sou transexual?”.

Curiosamente, Renata diz que é muito assediada por lésbicas. “Eu acho bom, é um sinal de que deu tudo certo, que estou feminina. Elas sabem que eu sou travesti, mas tem essa curiosidade. É como o Ney Matogrosso , ele mexe com a libido do homem, da mulher, do gay, de todo mundo”, brinca a hostess, dizendo ainda que não se incomoda com os gracejos, pelo contrário. “No dia em que eu passar na obra e não receber uma cantada, eu vou ficar chateada”.

Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é possível ser transexual e ter uma vida, uma carreira

Meu ativismo é existir

Além do trabalhar como hostess e modelo, Renata ainda atua com produção moda e, esporadicamente, como atriz. Ela já participou de filmes como “Carandiru” (2003) e “Crime Delicado” (2005).

Diante de todas as atividades, será que sobra espaço para o ativismo no movimento LGBT? Renata responde a pergunta mais uma vez de forma franca: “Meu papel de ativista é viver meu dia a dia e mostrar que é possível ser transexual e ter uma vida, uma carreira”.


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-09-26/renata-bastos-e-muito-dificil-homem-assumir-relacao-com-travesti.html. Acesso em 14 out 2013.

sábado, 19 de outubro de 2013

Sou travesti, venci o preconceito e me tornei uma chefe de cozinha

Iran Giusti
11/09/2013

Há pouco mais de um mês, Kathya Hondjaccoff , 26, recebeu uma promoção no restaurante japonês em que trabalha na cidade de Barretos (SP), o Naka Naka Sushi Bar. A paulista deixou de ser assistente e tornou-se uma chefe de cozinha. Para chegar a esse posto, ela teve que percorrer um caminho árduo, numa trajetória comum a qualquer profissional no meio da gastronomia. A grande diferença é que Kathya enfrentou um desafio a mais: o fato de ser uma travesti numa sociedade e num mercado de trabalho ainda muito preconceituosos.

Nós temos que nos valorizar, não importa que as empresas sejam fechadas. É preciso ser uma boa profissional, batalhar, fazer faculdade para não ter que ir para rua (Kathya Hondjaccoff)

“O começo não foi nada fácil. Perdi a conta de quantas vezes fui rejeitada, de quantos ‘nãos’ ouvi. Mas sou persistente, sempre tive foco no que eu queria para mim”, lembra Kathya, que sempre recusou a ocupação que, muitas vezes, infelizmente, é a única oferecida às travestis, a prostituição.

Kathya defende que as transgêneros mantenham a autoestima, mesmo com os percalços que aparecem no caminho. “A vida na rua é muito sofrida, não tenho nada contra quem se prostitui, mas essa nunca foi uma opção para mim. Nós temos que nos valorizar, não importa que as empresas sejam fechadas. É preciso ser uma boa profissional, batalhar, fazer faculdade para não ter que ir para rua”, argumenta.

O primeiro emprego dela foi como faxineira na Santa Casa de Misericórdia de Barretos, aos 17 anos, pouco tempo depois de ter assumido sua identidade feminina. Em três meses, ela foi promovida ao cargo de auxiliar de cozinha. Foram seis anos no hospital, de onde saiu como gerente do serviço de higiene e conservação.

A carreira na gastronomia começou como um segundo emprego, na intenção de juntar dinheiro para fazer uma cirurgia de implante de silicone. Sócio de um restaurante, um amigo médico a convidou a trabalhar com ele. “Trabalhava das 7h às 17h na Santa Casa e das 18h às 1h no sushi bar”, descreve Kathya.

Com o tempo, o segundo emprego ganhou status de principal e Kathya deixou o hospital para se dedicar ao restaurante, onde acabou se tornando uma chefe de cozinha. Ela diz que o apoio da família foi fundamental em sua trajetória. “Eles me deram força para que eu pudesse lutar com toda a garra”.

Nome de mulher no crachá e no e-mail

Lamentavelmente, a analista de sistemas Luiza Abreu , 34, não pode contar o mesmo suporte familiar quando decidiu assumir sua identidade feminina. “Apenas a minha mãe ficou ao meu lado, todos os outros me abandonaram”, relata.

Após terminar o curso técnico de Análise de Sistemas, quando estava com 22 anos, Luiza decidiu que já hora de se assumir como mulher. E em oposição à rejeição da família, ela encontrou apoio dos colegas de trabalho, numa empresa de tecnologia no Rio de Janeiro.

“Todos reagiram muito bem quando eu passei a trabalhar usando trajes adequados ao meu gênero. Teve apenas um funcionário que se recusou a usar meu nome social”, conta Luiza, ressaltando a importância do apoio das empresas, que precisam adotar a identidade feminina da transgênero em crachás, cartões e endereços de e-mail.

“Juridicamente, um contrato precisa ter o mesmo nome do documento. Mas em um crachá, que é usado apenas como identificação, não tem problema colocar seu nome social. É um gesto simples que faz muita diferença”, explica Luiza, lembrando que o processo para mudar do nome legalmente costuma ser demorado e trabalhoso.

Profissão de mulher

Muito antes de se assumir, a travesti Jussara Meirelles , 34, sonhava em trabalhar com beleza. Quando criança, ela vivia brincando com os cabelos das amigas, imaginando que era cabeleireira. “Apanhei muito da minha mãe por causa disso, ela dizia que essa era uma profissão de mulher”, recorda Jussara, que mesmo assim não desistiu da carreira, nem de adotar a identidade feminina.

“A primeira pessoa que me empregou foi uma mulher, em um salão a de bairro aqui em Natal”, conta Jussara, que tinha então 16 anos. “No início, havia muito preconceito. As mulheres não deixavam que seus maridos fossem sozinhos cortar os cabelos. Mas, com o tempo, fui conquistando meu espaço, mostrando que estava ali para trabalhar, que não era vulgar”, completa a potiguar.

Respeitada e trabalhando hoje num grande centro de beleza em Natal, Jussara ainda quer mais e planeja um futuro como empresária. “Quero ter o meu próprio salão, quero dar a mesma oportunidade que eu tive. Todas as minhas funcionárias serão transexuais”, projeta ela.

Alguns governos municipais e ONGs têm desenvolvido programas para facilitar o acesso dos travestis e transexuais ao mercado formal de trabalho. Desenvolvido pela prefeitura do Rio de Janeiro desde 2003, o projeto Damas se destaca nacionalmente neste sentido.

O Damas promove aulas de direitos civis e cidadania, oficinas de trabalho e orientação vocacional. Além disso, profissionais da medicina fornecem orientação sobre questões de saúde, como o uso correto de hormônios por transgêneros, por exemplo.

Chefe da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da prefeitura do Rio de Janeiro, responsável pelo Damas, Carlos Tufvesson aponta um grande empecilho na inserção das travestis no mercado de trabalho. “O preconceito é grande na hora da contratação, lutamos diariamente contra essa realidade. Meu sonho é que as empresas contratem seus funcionários por sua competência e currículo, não pelo sexo”, revela o coordenador.

Com previsão de início para janeiro de 2014, a próxima turma do Damas está recebendo pré-inscrições. A Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual da cidade de São Paulo está desenvolvendo um projeto semelhante, que deve começar a funcionar no ano que vem.


Disponível em http://igay.ig.com.br/2013-09-11/sou-travesti-venci-o-preconceito-e-me-tornei-uma-chefe-de-cozinha.html. Acesso em 14 out 2013.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Seminário aborda fragilidade do atendimento de saúde à população trans

Conselho Federal de Psicologia
15/03/2013

O seminário “Identidades Trans e Políticas Públicas de Saúde: Contribuições da Psicologia”, realizado na quinta-feira (14/3), em São Paulo, traçou um panorama importante sobre o nível do atendimento psicológico às travestis, transexuais e transgêneros na rede pública de saúde. A necessidade de mudanças por meio do acolhimento adequado, com orientação e um olhar voltado para a despatologização da transexualidade foi unanimidade entre os representantes das entidades que compuseram a mesa de abertura e a maioria dos participantes.

A transmissão do debate rendeu aproximadamente 700 pontos de acesso de internautas. Cerca de 50 pessoas foram ao auditório do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06) conferir o evento. A iniciativa foi uma parceria entre o Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06) e do Espírito Santo (CRP-16), a partir de uma deliberação da última reunião de presidentes de Conselhos Regionais, realizada em dezembro de 2012.

Na abertura, o presidente do CFP, Humberto Verona, ressaltou que a Psicologia tem o desafio de garantir à população trans o respeito à dignidade e o acesso aos serviços públicos de saúde. “Faz parte da nossa obrigação combater todas as formas de discriminação e retrocesso no reconhecimento de todas as sexualidades. Precisamos retirar o estigma de que essa orientação configura uma doença”, observa.

De acordo com a vice-presidente Trans da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Keila Simpson, em relação a identidade trans, o Brasil é semelhante a outros locais da Europa, como Estocolmo e Barcelona. “A realidade deles é a mesma nossa. Não existe inserção trans, parece que é uma população invisível”, destaca. “É um tema que precisa de visibilidade por parte da sociedade, e a Psicologia pode auxiliar nisso”, completa a secretária executiva do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (Fenapsi), Fernanda Magano.

Durante a cerimônia de abertura, o presidente da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT), Leonardo Tenório, entregou ao presidente do CFP um ofício solicitando uma regulamentação técnica recomendando que o profissional de Psicologia preserve o direito e a autonomia dos transgêneros. “Não é papel do psicólogo (a) opinar sobre mudança de sexo. Os homens trans não vão à psicoterapia, porque a terapia compulsória é absurda nesses casos. Não vamos representar um gênero que não concordamos”, argumenta.

A ausência da representante do Ministério da Saúde, que estava prevista no debate, foi repudiada pelos palestrantes e pelo público presente. O foco das reclamações foi a reformulação da Portaria n.  457/2008, que estabelece diretrizes para o processo transexualizador, elaborada sem a contribuição da Psicologia e dos movimentos sociais envolvidos com o tema.

Atendimento

O debate sobre a forma como a população trans está sendo atendida pelos psicólogos nas unidade de saúde também foi pontuada no debate. Segundo a psicóloga e professora do curso de Psicologia da Fundação Educacional de Penápolis, Sandra Spósito, as concepções médicas que regem o Sistema Único de Saúde não respeitam a diversidade de gênero, apenas como uma situação patológica, ao invés de proporcionar uma ação voltada para saúde mental  dessas pessoas.

Na opinião da a psicóloga doutora Tatiana Lionço, que pesquisa questões relacionadas aos direitos humanos e sexuais, a avaliação psicodiagnóstica atual viola a autonomia do sujeito ao considerá-lo de forma patologizante. “É uma identidade adquirida, onde a pessoa tem autonomia para se identificar como homem ou mulher, sem obedecer a ordem binária”, esclarece. “Para uma avaliação correta, seria preciso avançar na capacitação dos profissionais, especialmente aqueles que atuam nos Centros de Referência”, completa.

A despatologização da identidade trans é um procedimento que consta em documentos internacionais, como o Guia de Boas Práticas para a Atenção Sanitária a Pessoas TRANS, da Espanha. A expectativa, segundo Lionço, é que, em 2015, na revisão da classificação internacional de doenças, a Organização Mundial de Saúde também adote este mesmo conceito em relação ao tema.

Procedimento cirúrgico

Os critérios de entrada e indicação de pessoas para a cirurgia de mudança de sexo são discutidos por equipes multiprofissionais formadas por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. O processo de avaliação psicológica leva, em média, dois anos para ser concluído. É um período difícil, onde muitos chegam sem querer fazer o atendimento e outros desistem no meio do processo. Os motivos vão da abordagem dos profissionais até a demora para a realização do procedimento cirúrgico, cuja fila de espera é enorme na rede pública.

No ambulatório do Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, cerca de 600 pessoas aguardam para realizar a avaliação com intuito da redefinição de sexo. “Aproximadamente 70% do público é composto por mulheres trans”, conta a psicóloga Judit Busanello, psicóloga e diretora do ambulatório do Centro de Referencia e Treinamento em DST/AIDS. O centro clínico realiza 12 cirurgias por ano.

Além do tempo de espera, o tratamento dos profissionais é um fator negativo para aqueles vão às unidades de saúde em busca de atendimento. Foi o caso do enfermeiro Edu*, nome social escolhido por ele, que é homem trans. “Foi um choque. Fui destratado e a assistente social marcou uma consulta com uma psiquiatra quatro meses depois da minha visita. Quando fui atendido, a médica me deconsiderou e fazia perguntas grosseiras acerca da minha sexualidade. Parecia um alistamento, e não acolhimento”, indigna-se.

Limites da Psicologia

Conforme a psicóloga Daniela Murta, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), a atividade psicológica precisa de uma uniformidade na prática. “Não temos que fazer diagnóstico nem avaliação, temos que acolher e orientar. Nosso dever é promover a saúde e a atenção àqueles que procuram auxílio nos centros de referência”, analisa.

Nesse sentido, o psicólogo do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids, Ricardo Barbosa, acredita que entender a questão da transexualidade requer o reconhecimento de um sujeito de grupo. “A autenticidade das pessoas trans não têm lugar na sociedade. Assistimos um acúmulo dessas relações psiquicamente politraumáticas na recontrução de estigmas”, frisa. Se a gente, enquanto psicólogo (a), não reconhece os danos em termos de proposta e prática, acaba por produzir um trabalho que aliena o sujeito, insinuando que o gênero é diagnosticável.

Em relação aos limites e possibilidades da Psicologia em sobre a identidade trans, a psicóloga, psicanalista e doutora em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Porchat,  ressaltou que, em um primeiro momento, a psicanálise deve ser posta em contato com a realidade trans e ser questionada sobre a construção de gênero em geral.

“O primeiro limite de atuação do psicanalista é a concepção do que significa o outro. É importante essa noção de sujeito para despir os preconceitos, as crenças”, diz Porchat. “Acreditar apenas no masculino e feminino engessa o pensamento para trabalhar com identidades trans. A Psicologia deve construir uma forma de desmontar isso na cabeça das pessoas, o que simboliza um novo e contínuo trabalho”, finaliza a psicóloga.

Nota técnica

O seminário fornecerá subsídios para uma nota técnica que será coordenada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), com a participação dos Conselheiros Regionais de Psicologia,  consultores ah doc e movimento social. O objetivo é construir diretrizes éticas e técnicas à categoria sobre o processo transexualizador e sobre as questões da transexualidade. “É importante que o CFP e os CRPs saibam orientar sobre esse procedimento nas identidades trans no exercício da profissão”, constata o presidente Humberto Verona.

Além do seminário e da nota técnica, outras iniciativas virão, como a  construção  de um série de vídeos sobre a Psicologia e as sexualidades. O objetivo é potencializar a reflexão da profissão com as questões que envolvem as sexualidades na perspectiva dos Direitos Humanos.


Disponível em http://site.cfp.org.br/seminario-aborda-fragilidade-do-atendimento-de-saude-a-populacao-trans/. Acesso em 07 out 2013.

domingo, 6 de outubro de 2013

Virginia Prince foi militante trans de coragem e cheia de conhecimento de causa

Pedro Paulo Sammarco Antunes
01/10/2013

Vamos conhecer agora a trajetória de vida de uma militante. Virginia Prince (1912 - 2009) foi uma grande ativista que lutou pelos direitos de transgêneros nos EUA. Nascida em Los Angeles, recebeu o nome Arnold Lowman. Começou a se transvestir com roupas consideradas femininas aos doze anos de idade. Graduou-se em química em 1935. Fez mestrado em 1937 e doutorado em 1939 pela Universidade da Califórnia, ambos em farmacologia. 

Casou-se com Dorothy Shepherd em 1941, teve um filho em 1946. Sua esposa não compreendia seu impulso por vestir-se de mulher. Procurou um psiquiatra que a aconselhou a se divorciar, dizendo que o marido era homossexual por causa do transvestismo. Em 1953 foi proibido pela justiça de ver o filho e acusado de ser um mau pai por Dorothy.

Começou a trabalhar com indústria química associada a cosméticos. Em 1955 começa a tomar hormônio feminino. Com o auxílio da mãe de Arnold, casa-se com Doreen Skinner em 1956.  Ela havia sido filha de uma governanta que trabalhou para a família Lowman.  Doreen estava ciente que Arnold gostava de se vestir de mulher. Aprendeu a compreender e conhecê-lo mais. Em 1960 Arnold funda uma revista cientifica voltada ao publico transgênero que se chamava “Transvestia”.

Em 1962 conhece Robert Stoller (1921 – 2006), famoso médico e especialista na área da sexualidade. Doreen, porém não aguenta a pressão de ver Arnold vestido de mulher em algumas ocasiões. Ela pede o divórcio em 1966. Na ocasião Arnold morava com o filho Bent, que começou a enfrentar problemas com o uso de drogas. Com o divórcio, Doreen ficou com metade das ações da indústria química de Arnold.

Em 1968, aos 56 anos de idade, já vivia o tempo todo vestida inteiramente como mulher. O nome Virginia Prince já havia sido adotado desde 1941. Poucos anos antes, em 1961, sofreu processo criminal por enviar a revista “Transvestia” por correio para alguns leitores. Foi alegado que Arnold, agora Virginia, estava enviando material erótico. Porém a publicação da revista continuou até a década de 1980. A partir da década de 1960 começou a trabalhar intensamente com outros especialistas, dentre eles o doutor Harry Benjamin (1885 – 1986) pelos direitos de transgêneros, além de ajudar a esclarecer sobre tal “fenômeno” até sua morte, em 2009.

Virginia relata que começou a se vestir de mulher, pois desenvolveu fetiche sexual por sapatos de saltos altos, seguido por masturbação. Com o tempo foi descobrindo a “mulher interior” que habitava dentro dela. Ao longo da vida desenvolveu pensamento acadêmico a respeito do assunto. Fundou organizações para pessoas que se transvestiam (Docter, 2004).

Em seu artigo “Homosexuality, transvestism, and transexuality: Reflections on their ethiology and differentiation” faz a distinção entre homossexualidade (orientação sexual), transvestismo (comportamento) e transexualidade (alteração do sexo genital com o objetivo de alterar o gênero). Coloca que a orientação sexual não tem necessariamente uma relação direta com a expressão de gênero. Virginia diz que ela mesma nunca se interessou por homens (Prince, 2005a).

Em outro artigo, intitulado de “The expression of femininity in the male” faz a diferenciação entre sexo e gênero. Ela defende que a socialização impõe certa identificação de gênero correspondente ao sexo biológico determinado. Com isso, todas as características consideradas do gênero oposto deverão ser reprimidas. Para ela o transvestismo masculino é a expressão da feminilidade suprimida em homens biológicos.

O verdadeiro travesti é o personificador daquilo que é considerado feminino. O objetivo é atingir a expressão total da personalidade independente do gênero. O ideal seria que todas as tarefas fossem desempenhadas tanto por homens e mulheres. Normas de gênero limitam a manifestação da criatividade das pessoas, pois elas não podem usar toda a sua criatividade. Para a autora tais normas transformam a todos e meio-seres-humanos (Bruce, 2005).

Em “Sex versus Gender”, Prince defende que o gênero pode ser performatizado independentemente do sexo anatômico. Ela diz que há grande confusão entre órgão genital e sexo performatizado. O que se busca é a mudança de gênero, não de sexo (órgão genital). Para ela o sexo está entre as pernas e o gênero está entre as orelhas.

Ela acredita que no futuro as barreiras entre os gêneros serão abolidas. As pessoas poderão transitar entre um e outro sem sofrerem preconceito. Não haverá roupas específicas para homens e mulheres. Classificações como transexuais, travestis, homossexuais, bissexuais e heterossexuais se tornarão obsoletas, pois as pessoas serão classificadas apenas como pessoas. Não haverá mais necessidade de tratá-las disso ou daquilo. Aquilo que chamamos de androgenia será cada vez mais comum. Haverá uma fusão completa entre o que chamamos de masculino e feminino (Prince, 2005b).

Já em “Transsexuals and Pseudotranssexuals”, Virginia argumenta que não quis a cirurgia de redesignação sexual, pois seu caso tratava de questões de gênero (psicossociais) e não de sexo (biológicas e fisiológicas). A sociedade machista, polarizada e patriarcal é que associa gênero, sexo e orientação sexual. Socialmente se entende que como o sexo é dado ao nascer, o gênero também deve ser.

Prince argumenta que tanto homens quanto o restante da sociedade considera se alguém é homem ou mulher por sua anatomia física. Tal ideia também foi defendida por (Bento, 2008 e 2006). Ela critica transexuais que buscam a cirurgia de redesignação sexual argumentando com sua ideia clássica de que o gênero está entre as orelhas e não entre as pernas. É como se a neovagina concedesse autorização social para que as transexuais vivessem o estilo de vida que sempre quiseram (Prince, 2005c).

Em The “transcendents” or “trans” people, Virginia defende que nos casamentos heterossexuais ao invés de duas pessoas inteiras se acompanharem, há duas pessoas dependentes da parte suprimida da outra, buscando assim, seu complemento. Para a autora, a mulher reconheceu antes do homem que era preciso lutar pela integração e romper as categorias estanques de gênero. Ela ainda argumenta que muitos problemas emocionais são advindos da criação e educação para se adequar ao gênero imposto, de acordo com o genital de nascimento (Prince, 2005d).

É interessante perceber que Virginia se tornou completamente aquilo que se chama de transgênero por volta dos sessenta anos de idade, ou seja, momento do processo de vida que chamamos de velhice. Foi militante, lutou por direitos e escreveu artigos e livros científicos sobre o tema. Assim como Virginia, outras pessoas consideradas transgêneros, se tornam militantes em idade avançada. 

Referências bibliográficas:
BRUCE, Virginia “The expression of femininity in the male”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 21- 27, 2005
DOCTER, Richard From man to woman. Northridge, California: Docter Press, 2004
PRINCE, Virginia “Homosexuality, transvestism and transsexuality: Reflections on their ethiology and differentiation”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 17-20, 2005a
PRINCE, Virginia “Sex versus Gender”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 29-32, 2005b
PRINCE, Virginia “Transsexuals and Pseudotranssexuals.” In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 33-37, 2005c
PRINCE, Virginia “The transcendents or trans people”. In: EKINS, Richard e KING, Dave Virginia Prince. Pioneer of transgendering. Binghamton, New York: The Haworth Medical Press, p. 39-46, 2005d

Disponível em http://mixbrasil.uol.com.br/lifestyle/corpo/virginia-prince-foi-militante-trans-de-coragem-e-cheia-de-conhecimento-de-causa-.html. Acesso em 05 out 2013.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Juiz autoriza cirurgia de troca de sexo em prisioneiro

João Ozorio de Melo
7 de setembro de 2012

Em uma decisão inédita nos EUA, que está causando furor nos ânimos conservadores do país e perplexidade no sistema prisional, um juiz federal de Boston ordenou às autoridades de Massachusetts que mandem fazer uma cirurgia de troca de sexo em um detento condenado à prisão perpétua, sem direito a liberdade condicional, pelo assassinato de sua mulher em 1990. E que paguem a conta com recursos públicos, segundo o Law Blog e a CBS News (com a AP).

O juiz Mark Wolf, um conservador indicado pelo ex-presidente Ronald Reagan, classificou sua própria decisão como "sem precedentes". Mas argumentou que ela se sustenta na Constituição e em recomendações médicas. "Essa é a única maneira de proporcionar um tratamento médico adequado" a Michelle Kosilek (que antes era Robert), escreveu o juiz, com base em recomendações de médicos do Departamento de Correções do estado.

Em sua decisão de 126 páginas, o juiz disse que negar a cirurgia a Kosilek seria uma violação da 8ª Emenda da Constituição dos EUA, que proíbe punição cruel.

Os tribunais americanos têm ordenado às autoridades das prisões que avaliem os detentos transgêneros, para determinar suas necessidades de tratamento médico. Em geral, têm recomendado tratamento com hormônios e psicoterapia. O juiz Mark Wolf foi o primeiro a ordenar a cirurgia de troca de sexos em um prisioneiro.

"Não seria normal tratar um prisioneiro, que sofre um grave distúrbio de identidade de gênero, diferentemente de inúmeros detentos que sofrem de formas mais familiares de doença mental", ele escreveu. "As autoridades prisionais não podem deixar de fazê-lo só porque o distúrbio de identidade de gênero é uma doença mental não entendida pelo público, em geral, e que requer um tratamento que é impopular", declarou.

A decisão baseada na lei e nas recomendações médicas de Wolf criou um desconforto político no país. O próprio juiz reconheceu, em sua decisão, que Kosilek, um assassino condenado, vai receber um tratamento que é negado aos cidadãos cumpridores da lei. Os seguros-saúde não cobrem esse tipo de cirurgia e muitos americanos não dispõem de recursos para fazê-la. A cirurgia do prisioneiro vai custar cerca de US$ 20 mil, diz a rede CBS de televisão.

Na verdade, cerca de 40 milhões de americanos não dispõem de seguro-saúde. Segundo uma reportagem do New York Times, mais de 3 mil pessoas morrem no país, a cada duas semanas, por não disporem de seguro-saúde. Isso equivale a um 11 de setembro a cada duas semanas, disse o jornal.

"Pode parecer estranho que os cidadãos dos Estados Unidos não têm, geralmente, o direito constitucional ao tratamento médico adequado, mas a 8ª Emenda da Constituição garante aos prisioneiros tal tratamento", ele escreveu. E ressaltou que a Suprema Corte dos EUA decidiu, em 2011, que os prisioneiros têm direito a nada menos do que é compatível com o conceito de dignidade humana.

As autoridades prisionais se opuseram à cirurgia, com o argumento de que não poderiam garantir a segurança ao prisioneiro, se ele trocasse de sexo. Kosileck paga sua pena em uma prisão masculina em Norfolk, Massachusetts. As autoridades também disseram que não sabem onde vão encarcerar Kosilek depois da cirurgia. O juiz refutou esses argumentos, dizendo que são apenas pretextos para não lidar com o problema. Aliás, disse o juiz, onde a cirurgia vai ser feita e onde Kosilek vai ficar depois da cirurgia é problema do sistema prisional.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-set-07/juiz-manda-cirurgia-troca-sexo-prisioneiro-eua. Acesso em 24 set 2013.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mudança de sexo de soldado confunde mídia americana

Observatório da Imprensa
edição 761
27/08/2013 

Quando David Coombs, advogado do soldado Bradley Manning, condenado a 35 anos de prisão por ter vazado milhares de documentos secretos do Exército americano, afirmou em participação no programa Today, da NBC, que seu cliente gostaria de viver como uma mulher e ser chamado de Chelsea, criou um problema para âncoras, repórteres e editores: rapidamente, surgiram debates sobre como se referir a Manning. A apresentadora Savannah Guthrie, do Today, usou “ele” e “ela” durante o programa, mas muitos veículos continuaram a usar o pronome masculino, mesmo com Manning tendo deixado claro a sua preferência. “Peço que vocês se refiram a mim pelo meu novo nome e usem o pronome feminino”, disse Chelsea, ex-Bradley, em declaração lida no Today.

Alguns veículos, como o site Huffington Post, a revista New York, o jornal londrino Daily Mail, a emissora MSNBC e a revista online Slate, fizeram a vontade de Chelsea. Já outros, como os jornais USA Today,Boston Globe, Los Angeles Times e New York Times, além dos sites Daily Beast e Politico e dos canais CNN e Fox, continuaram a usar o pronome masculino.

Erin Madigan White, porta-voz da agência de notícias Associated Press, disse que a empresa seguiria seu manual de estilo – referência para muitos jornalistas –, que aconselha repórteres a “usar o pronome preferido dos indivíduos que adquiriram características físicas do sexo oposto ou se apresentam de um modo que não corresponde ao sexo de nascimento”. Portanto, a agência usaria referências neutras de gênero para se referir a Manning, que sejam “pertinentes à questão de transgênero”.

Por meio da porta-voz Anna Bross, a National Public Radio informou que continuará a chamar Manning de “ele”. “Até que o desejo de Manning de ter seu gênero mudado fisicamente aconteça, continuaremos a nos referir ao soldado como ‘ele’”, afirmou.

Caso isolado

O guia do New York Times orienta jornalistas a escrever do modo como o entrevistado prefere. Mas o chefe de redação Dean Baquet explicou que o caso do soldado é diferente: “Geralmente, chamamos pelo novo nome quando nos pedem para fazê-lo e quando eles começam suas novas vidas. Nesse caso, entretanto, consideramos que os leitores ficariam totalmente confusos se mudássemos o nome e o gênero da pessoa no meio de uma grande história de mídia. Isso não é uma decisão política. É destinada a nosso cliente principal – nossos leitores”. A ombudsman do NYTimes, Margert Sullivan, encorajou o jornal a mudar o modo como se refere a Manning. “Pode ser melhor mudar rapidamente para o feminino e explicar isso, em vez de fazer o contrário”, disse.

Rich Ferraro, porta-voz da organização Glaad (em português, Aliança Gay e Lésbica Contra a Difamação), afirmou que iria entrar em contato com organizações de mídia para que mudassem o modo como se referem a Manning. Ele observou que quase todo manual de estilo aconselha o uso do pronome preferido do indivíduo em questão. “Toda a cobertura da mídia hoje mostra o quão distante ela está da cobertura de transgêneros”, opinou.

Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed761_mudanca_de_sexo_de_soldado_confunde_midia_americana. Acesso em 16 set 2013.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

“De sapos e princesas”: a construção de uma identidade trans em um clube para crossdressers

Marcos Roberto Vieira Garcia
Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana
ISSN 1984-6487 / n.4 - 2010 - pp.80-104

Resumo: A partir de uma pesquisa qualitativa com membros de um clube para crossdressers residentes no estado de São Paulo, o presente artigo buscou investigar alguns elementos presentes na construção da identidade crossdresser no Brasil. Os resultados mostraram similaridades em relação ao modo de funcionamento e aos discursos existentes nos clubes estrangeiros, como a reprodução do mecanismo de construção de um eu feminino (princesa) entre elas, que passa a coexistir com o eu masculino (sapo) anterior, e a incessante troca de informações relativas ao processo de montagem. O estudo evidenciou o caráter suportivo do grupo, uma vez que este provia a possibilidade de convivência com outras pessoas com desejo de vestir roupas femininas, e também seu caráter normativo, tanto em relação ao que é considerado apropriado na construção da princesa, como naquilo que permitiria maior aceitação familiar e social ao crossdressing.



quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Crianças transgênero: mais do que um desafio teórico

Natacha Kennedy – University of London/Inglaterra
Cronos - Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da UFRN
v o l u m e 1 1 - n ú m e r o 2 - 2 0 1 0

Resumo: Este trabalho sugere que uma significante maioria de pessoas transgênero toma consciência de sua identidade de gênero em tenra idade. Assim, a maioria das crianças trans passa maior parte, ou todo período escolar, sentindo que têm uma identidade de gênero que é diferente daquela que têm que representar. Crianças transgênero são caracterizadas como “Não Aparentes” e “Aparentes”, com a vasta maioria tendendo à última categoria. Argumenta-se que o longo período de ocultação e supressão pode levar a problemas. Este projeto apresenta uma análise de evidências sugerindo que este é o caso, e considera que as implicações formam o ponto de vista do modo que as crianças entendem, racionalizam e atuam nestas situações e dão sentido às expectativas de transtorno de gênero. Os consequentes sentimentos de culpa e vergonha parecem representar problemas significativos a estas crianças quanto a seus fracassos na educação e em outras áreas de suas vidas.

sábado, 6 de julho de 2013

Após nascer com sexo trocado, casal transgênero se apaixona em terapia

Virgula
19 de Junho de 2013 

Aparentemente eles são um casal comum se não fosse por um detalhe: ambos são transgêneros, ou seja, o rapaz nasceu menina e a moça nasceu menino. Katie Hill, de 19 anos, nasceu, e viveu suas 15 primeiras primaveras como Luke; já Arin Andrews, de 17 anos, veio ao mundo como Esmerald e chegou a ganhar concursos de beleza e se destacar no balé durante sua infância. Na adolescência, já como transgêneros, os dois se apaixonaram e iniciaram um relacionamento.

Ambos lutavam com sua sexualidade quando crianças e iniciaram terapia hormonal ainda muito jovens, mais tarde, quando frequentavam um grupo de apoio aos trans, em Tulsa, Oklahoma, EUA, se conheceram e se apaixonaram.

“Tudo o que vi foi um cara bonito. Nós somos perfeitos um para o outro, porque ambos tivemos os mesmos problemas na infância. Ambos vestimos o mesmo manequim e ainda podemos trocar nossas roupas velhas, que nossas mães insistiam em comprar e odiávamos”, contou Katie em entrevista ao “Daily Mail”.

Segundo ela, os dois são tão convincentes em suas novas identidades, que ninguém sequer percebe que são transgêneros. “Secretamente nos sentimos tão bem com isso, pois é a maneira como sempre quisemos ser vistos”, explica.

O casal, em sua luta diária por ter as formas que sua personalidade pede, passa ainda passa por tratamentos com hormônios: Arin ingerindo testosterona para ganhar formas mais masculinas e Katie tomando doses de estrogênio, que lhe renderam seios naturais, sem implante de silicone.

Conforme o jornal britânico, Katie é considerada uma mulher, legalmente, desde seus 15 anos, e acredita que nasceu naturalmente com altos níveis de estrogênio, já que desde o pré-primário tinha pequenos seios, mesmo tendo o corpo bem esguio. Ela, inclusive, ganhou uma cirurgia de mudança de sexo, quando fez 18 anos, depois de um doador anônimo ficar comovido com sua história.

“Desde os três anos eu sabia que, no fundo, eu queria ser uma menina. Tudo o que eu queria era brincar com bonecas. Eu odiava meu corpo de menino e nunca me senti bem nele. Mantive meus sentimentos em segredo total até crescer. Agora eu e Arin podemos compartilhar nossos problemas”, diz.

Arin se lembra de uma experiência semelhante, e diz que sabia que era um menino desde o seu primeiro dia de escola, aos cinco anos. “Os professores separaram as meninas e os meninos em filas para uma brincadeira. Eu não entendi porque me pediram para ficar com as meninas. Coisas femininas nunca me interessaram, mas eu estava preocupado com o que as pessoas pensariam se eu dissesse que queria ser um menino, então mantive isso em segredo”, confessa.

Ainda criança, a mãe de Arin, Denise, incentivou a criança a fazer balé, mas o amor secreto de Arin era pilotar motos, fazer triatlo e escalada. “Mamãe e papai argumentavam que motocross entrava em confronto com a minha agenda de dança”, lembra ele, que aos 11 anos conseguiu fazer sua mãe desistir de vê-lo como uma bailarina.

Denise Andrews hoje apoia o filho e o ajuda com as doses de testosterona, além de ter ajudado a pagar a cirurgia de remoção de mamas, depois de o garoto passar anos se apertando em faixas e cintas para esconder os seios e sofrendo bullying na escola.

“Eu parecia uma menina bonita, mas agia e andava como um menino. Todo mundo começou a me chamar de lésbica. Era muito humilhante. Eu não me sentia gay. Comecei a ter pensamentos suicidas e disse aos meus pais que me sentia confuso, mas eu nem sabia que existiam pessoas transexuais. Eles disseram ‘ok’ eu ser gay, mas me colocaram na terapia por causa da depressão”, lembra.

A história de Katie é bastante semelhante, ela também passou por momentos de depressão, pensando em acabar com a própria vida, e só descobriu o que era um transexual após uma busca na internet, tentando entender o que se passava com ela, deparou-se com a palavra na tela.

A aceitação da condição dos dois foi um processo lento para a família, mas hoje, até a avó de Katie, Judy, entende que a neta “nasceu no corpo errado”.

O casal afirma estar expondo sua história ao mundo para ajudar a aumentar a conscientização sobre as questões trans. “Mais precisa ser feito para que as pessoas saibam sobre as questões trans”, disse Katie. “Nós dois passamos anos no deserto. Me senti muito sozinha. Nossos pais não sabem como ajudar, porque nenhum de nós sabia que era trans. Ninguém deveria passar pelo que passamos”, completa.

“Minha vida mudou quando conheci Katie, percebi que não estava sozinho”, finaliza Arin, apaixonado.


Disponível em http://virgula.uol.com.br/inacreditavel/curiosidades/apos-nascer-com-sexo-trocados-casal-transgenero-se-apaixona-em-terapia. Acesso em 29 jun 2013.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Irmãos trocam de sexo e ganham concurso de beleza em Cingapura

G1
13/11/2012 11h58

Dois irmãos de Cingapura que participavam de concursos de beleza como travestis fizeram cirurgia de mudança de sexo e voltaram a ganhar concursos após virarem mulheres. Uma delas foi coroada Miss Exotica 2012 na última sexta-feira (9), segundo o site “Asia One”.

Angel Aurora Jalleh-Hosey, de 38 anos, superou outras 12 finalistas para ganhar o concurso para transgêneros realizado em Cingapura. Sua irmã, Jessie Jalleh-Hosey, de 37 anos, a acompanhava da plateia, vestida com um longo preto.

Jessie já tinha ganhado um concurso também, em 2004, quando foi eleita Miss Tiffany Singapore – na época, ela ainda era oficialmente um homem.

Angel começou a se vestir como mulher e a tomar hormônios aos 18 anos. Jessie seguiu o caminho cinco anos depois. Elas passaram oito anos participando de concursos de beleza para travestis, até que em 2005 realizaram a cirurgia de mudança de sexo.

As duas foram operadas no mesmo dia, na Tailândia. O pagamento das cirurgias – cada custou US$ 7.960 – foi feito pelo então namorado de Jessie. A mãe das duas – que tem um terceiro filho, de 26 anos – as acompanhou no dia da cirurgia, tendo aceitado a decisão das filhas anos antes.

“Foi difícil no início, mas tudo está bem agora”, contou Angel sobre sua mãe.

Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/11/irmaos-trocam-de-sexo-e-ganham-concurso-de-beleza-em-cingapura.html>. Acesso em 15 nov 2012.

sábado, 6 de outubro de 2012

A mudança de nome em indivíduos transgêneros em pauta na Conferência Internacional de Aids

Karen Schwach

Atentos à situação de vulnerabilidade vivenciada pelos indivíduos transgêneros e cientes da importância do nome deles, enquanto direito fundamental inerente a pessoa humana, o SOS Dignidade representou, desde 2009, 51 indivíduos transgêneros (45 homem para mulher e 6 mulheres para homens) em Ações de Retificação de Registro Civil, oferecidas perante as Varas de Registros Públicos da Comarca Central da Capital do Estado de São Paulo, 15 delas ainda em trâmite e 36 já concluídas com sucesso. 

Além do êxito nas demandas jurídicas, o SOS Dignidade constatou a importância que a mudança do nome representa para a auto-estima dos indivíduos transgêneros, refletindo, positivamente, em diversos aspectos da vida dessas pessoas.

A retificação dos registros civis dos transgêneros é o tratamento do indivíduo em conformidade com o ditame constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana, com impacto profundo na auto-estima desta população. Constata-se uma enorme importância do nome na auto-estima, representando um meio de inclusão social. Cem por cento dos indivíduos que responderam o questionário apresentado pelo SOS Dignidade relataram aumento na auto-estima e qualidade de vida, e 75% disseram que passaram a sentir menor ansiedade com relação a cirurgia de transgenitalização, concluindo-se que esta operação deixa de ser vista como a única forma de inclusão social.

A dificuldade suportada pelos transgêneros e a situação vexatória a que são expostos, quando da apresentação dos documentos com o nome de registro em total discrepância com a aparência e personalidade de seu respectivo portador, enseja o questionamento acerca da aceitação legal e social da classificação de gênero pelo sexo biológico. 

Já foram relatados por diversos transgêneros o tratamento marginalizado a que são submetidos, chegando ao ponto de serem, até mesmo, impossibilitados de fazerem uso de cartão de crédito, tudo porque o atendente não acredita que o indivíduo é o mesmo daquele cujo nome consta no cartão e demais documentos de identificação, sendo que muitas vezes tais situações culminaram no Distrito Policial. 

Em razão da relevância dos resultados obtidos, o SOS Dignidade foi selecionado para apresentar este projeto na 19ª Conferência Internacional de Aids, que ocorre entre os dias 22 e 27 de julho em Washington, nos Estados. Nossa apresentação será no dia 25 de julho.

Esperamos que a apresentação deste trabalho e respectivos resultados obtidos possam chamar a atenção da sociedade mundial para a importância da auto-estima na transformação da sociedade e consolidação de uma sociedade fundamentada nos direitos humanos. 

O SOS Dignidade é um projeto de direitos humanos, idealizado por Dr. Barry Michael Wolfe, que, através do Instituto Cultural Barong, promove desde 2008 serviços jurídicos para pessoas transgêneras. A partir de uma parceria com o Ambulatório de Assistência Integral para Transgêneros do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo, o SOS Dignidade presta atendimento jurídico semanal.

Disponível em <http://agenciaaids.com.br/artigos/interna.php?id=396>. Acesso em 03 out 2012.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

“Que nunca chegue o dia que irá nos separar”

Jorge Leite Junior
Cadernos Pagu (33), julho-dezembro de 2009:285-312.


Resumo: A figura do hermafrodita ou andrógino foi fundamental para todo o discurso médico-moral-espiritual sobre sexo e gênero em nossa cultura, desde a Antiguidade até o século XVIII. Com a mudança epistemológica que ocorre a partir do século XVI, o antigo hermafrodita, associado ao mundo mágico e religioso, perde seu lugar nas classificações modernas. A partir do século XIX nasce uma nova entidade conceitual no Ocidente: o pseudo-hermafrodita da medicina, não mais “maravilha” da natureza, mas um erro desta; filho do racionalismo iluminista e do positivismo, vindo a tornar-se o pai – e mãe – das futuras identidades transgêneras.






domingo, 6 de maio de 2012

Laerte não está reivindicando um direito para as ‘transgêneras’. Está é tentando solapar um direito das mulheres

Reinaldo Azevedo
31/01/2012

No post abaixo, anuncio que falarei sobre o caso do cartunista Laerte, o tal que decidiu andar por aí vestido de mulher e quer usar banheiro feminino. Repito o primeiro parágrafo para dar continuidade ao texto.

É quase inacreditável que eu me veja compelido a tratar de determinadas questões aqui, mas fazer o quê? Certas expressões extremistas das minorais agora decidiram que a democracia - que lhes garante, felizmente, a liberdade de expressão - é só uma etapa a ser superada por microditaduras - justamente as microditaduras das minorias. Santo Deus! Vou valar do caso do cartunista Laerte, que é “Sônia” de vez em quando. Problema dele. Se ele quer, no entanto, usar o banheiro das mulheres quando está “montado”, aí o problema é nosso, de todos nós: homens, pais, mulheres, mães, filhas, meninas.

Muito bem!

A democracia, o melhor dos piores regimes, garante direitos universais e procura proteger a maioria das imposições das minorias influentes — pouco importa a natureza dessa influência. Se cada grupo que cultiva valores particulares decidir impor os seus próprios anseios e suas próprias necessidades ao conjunto da sociedade, então viveremos uma verdadeira guerra de todos contra todos.

Uma mulher se incomodou com a presença de Laerte, que se define agora como uma “pessoa transgênera”, no banheiro feminino de um restaurante e fez o óbvio: reclamou com o gerente, que recomendou ao cartunista que usasse o banheiro masculino. Que escândalo, não??? Para efeitos civis e legais (e segundo a biologia), ele continua… homem! Ele se ofendeu e procurou, imaginem só, a Secretaria de Justiça do Estado porque uma lei estadual, a 10.948/01, de autoria do petista Renato Simões, proíbe a discriminação de gênero (já falo a respeito).

Laerte, que tem 60 anos, é gay? Ele já foi casado e tem dois filhos. Também tem uma namorada. No que concerne à prática sexual propriamente, define-se como bissexual. Há dois anos, decidiu sair por aí vestido de mulher. Atenção! Nós não temos rigorosamente nada com isso! Faça ele da sua vida o que bem entender. No passeio público, nos restaurantes, onde quer que seja, desde que se comporte, como toda gente, segundo as regras da civilidade, deve ser respeitado, como qualquer pessoa. Ponto!

No dia, no entanto, em que bastar a um homem se vestir de mulher para poder freqüentar um espaço destinado, queiramos ou não, à intimidade das mulheres — e, atenção!, das meninas —, esses espaços ficarão à mercê da ação de pervertidos (eles existem!), que verão uma chance excepcional, sob a proteção da lei, de molestá-las. NÃO, SENHORES! LAERTE NÃO ESTÁ TENTANDO GARANTIR OS DIREITOS DAS TRANSGÊNERAS! ELE ESTÁ TENTANDO SOLAPAR OS DIREITOS FEMININOS.

Laerte faz um questionamento ridículo: pergunta se a mulher que reclamou se sentiria incomodada se houvesse uma lésbica no banheiro. Ainda que se sentisse, nada poderia fazer — sempre destacando os limites da civilidade a que todos devem obedecer. Ocorre que Laerte não é lésbica. Mesmo quando e se faz sexo com sua namorada portando adereços femininos, continua a ser um homem portando adereços femininos.

Ele apelou, imaginem, à Secretaria de Justiça do Estado por conta da lei 10.948, proposta originalmente pelo deputado petista Renato Simões. 

Transcrevo a íntegra. Volto depois.

Artigo 1º - Será punida, nos termos desta lei, toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero.

Artigo 2º - Consideram-se atos atentatórios e discriminatórios dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros, para os efeitos desta lei:

I - praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;

II - proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público;

III - praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente determinado em lei;

IV - preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;

V - preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade;

VI - praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão direta ou indireta, em função da orientação sexual do empregado;

VII - inibir ou proibir a admissão ou o acesso profissional em qualquer estabelecimento público ou privado em função da orientação sexual do profissional;

VIII - proibir a livre expressão e manifestação de afetividade, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos.

Artigo 3º - São passíveis de punição o cidadão, inclusive os detentores de função pública, civil ou militar, e toda organização social ou empresa, com ou sem fins lucrativos, de caráter privado ou público, instaladas neste Estado, que intentarem contra o que dispõe esta lei.

Artigo 4º - A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta lei será apurada em processo administrativo, que terá início mediante:

I - reclamação do ofendido;

II - ato ou ofício de autoridade competente;

III - comunicado de organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.

Artigo 5º - O cidadão homossexual, bissexual ou transgênero que for vítima dos atos discriminatórios poderá apresentar sua denúncia pessoalmente ou por carta, telegrama, telex, via Internet ou fac-símile ao órgão estadual competente e/ou a organizações não-governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.

§ 1º - A denúncia deverá ser fundamentada por meio da descrição do fato ou ato discriminatório, seguida da identificação de quem faz a denúncia, garantindo-se, na forma da lei, o sigilo do denunciante.

§ 2º - Recebida a denúncia, competirá à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania promover a instauração do processo administrativo devido para apuração e imposição das penalidades cabíveis.

Artigo 6º - As penalidades aplicáveis aos que praticarem atos de discriminação ou qualquer outro ato atentatório aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana serão as seguintes:

I - advertência;

II - multa de 1000 (um mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São Paulo;

III - multa de 3000 (três mil) UFESPs - Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, em caso de reincidência;

IV - suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 (trinta) dias;

V - cassação da licença estadual para funcionamento.

§ 1º - As penas mencionadas nos incisos II a V deste artigo não se aplicam aos órgãos e empresas públicas, cujos responsáveis serão punidos na forma do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado - Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968.

§ 2º - Os valores das multas poderão ser elevados em at 10 (dez) vezes quando for verificado que, em razão do porte do estabelecimento, resultarão inócuas.

§ 3º - Quando for imposta a pena prevista no inciso V supra, deverá ser comunicada a autoridade responsável pela emissão da licença, que providenciará a sua cassação, comunicando-se, igualmente, a autoridade municipal para eventuais providências no âmbito de sua competência.

Artigo 7º - Aos servidores públicos que, no exercício de suas funções e/ou em repartição pública, por ação ou omissão, deixarem de cumprir os dispositivos da presente lei, serão aplicadas as penalidades cabíveis nos termos do Estatuto dos Funcionários Públicos.

Artigo 8º - O Poder Público disponibilizará cópias desta lei para que sejam afixadas nos estabelecimentos e em locais de fácil leitura pelo público em geral.

Artigo 9º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

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A lei não ampara, parece-me, a reivindicação de Laerte. Segundo se entende, ele não sofreu qualquer restrição ou preconceito na área comum do restaurante, aquela destinada a homens, mulheres, gays, lésbicas e “transgêneras”, como ele diz. Só lhe foi pedido, vejam que absurdo, que, sendo homem (sem qualquer ofensa), use o banheiro de homem. Ainda que ele seja uma lady e jamais usasse de sua condição para molestar mulheres ou meninas, tem de pensar no que a sua reivindicação implica. Se não pensa, cegado por sua luta, esse também é um problema dele, não nosso.

Essa questão, de um ridículo atroz, não deixa de ser um desdobramento daquela decisão infeliz do STF sobre a união estável. Não que eu seja contra. Não sou! Só que é preciso mudar a Constituição, que define a tal união como a celebrada entre “homem” e “mulher” — o texto é mais explícito do que filmes estrelados por Linda Lovelace (essa referência é para os com 50, como eu, hehe…). Qual foi a consideração que triunfou? A Constituição teria valores mais altos em favor da igualdade etc e tal. Ora, os que criticaram a decisão, como fiz, não estavam contestando esses valores, mas apontando que, para a questão específica, a união civil, o texto estabelece precondições.

Ao ignorá-las, o Supremo estabeleceu que homem não precisa ser “homem” nem mulher, mulher. E se esses dois gêneros passaram a existir só na biologia (isso não se muda por decreto), então tudo é permitido. E não duvidem: as mulheres sairão perdendo. É bem provável que elas não invadam os banheiros masculinos por uma penca de motivos que nem vou elencar aqui (boa parte dos homens não se incomodaria, também por uma penca de motivos…), mas terão invadidos os espaços que lhes são reservados.

A isso está nos conduzindo o pensamento politicamente correto, que confunde reivindicações de minorias, mesmo as mais radicalizadas, com uma categoria de pensamento. Aos poucos, os valores universais da democracia é que estão sendo corroídos. Essa corrosão, é fatal, acabará ferindo direitos. Laerte, querendo ou não, resolveu agredir os das mulheres.

Disponível em <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/laerte-naoi-esta-reivindicando-um-direito-para-as-%E2%80%9Ctransgeneras%E2%80%9D-esta-e-tentando-solapar-um-direito-das-mulheres/>. Acesso em 05 mai 2012.